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Vale saber se o povo brasileiro terá a maturidade de tomar para si o que se vê como brinquedo, para que todos tenham o direito a participação, e, aí sim, o bem comum esteja acima de todos, inclusive da ideia de um Deus partidarista.

 

Aldineto Miranda

Na campanha eleitoral um dos candidatos utiliza o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esta é uma sentença falaciosa e perigosa, pois tenta convencer, pela alienação, a uma ideia de totalidade. Os que não comungam com tal sentido de ordenação totalizadora, totalitária, são inimigos da pátria, de Deus e devem ser exterminados. Vide os exemplos de violência que estamos presenciando nesse processo eleitoral.

Em nome de Deus houve a inquisição, o holocausto e a caça às bruxas. Destruição e genocídio. Tais aberrações aconteceram por causa dessa ideia de totalidade. Quando se fala “Brasil acima de tudo”, de qual Brasil se está falando? Do Brasil do Norte/Nordeste? Do Sul/Sudeste? Centro-Oeste? Do Brasil que retorna ao mapa da fome, de crianças sem esperança de futuro? Ou do Brasil de uma determinada elite?

Ao defender “Brasil acima de tudo” se diz falar em nome da família, mas é preciso questionar: De qual família? Da família tradicional? E o que é a família tradicional? Seria aquele modelo estilo propaganda de margarina: pai, mãe e filhos brancos, todos sorrindo felizes perante uma sortida mesa de café da manhã? Nessa ideia de família se inclui a heterogeneidade das famílias brasileiras? De uma mãe negra que sustenta seus filhos a partir do seu trabalho, sem a parceria de um marido, e que no máximo tem um pão para dar a seus rebentos pela manhã e, por vezes, vai trabalhar com fome para alimentá-los? Se está falando da família de casais gays que optam pela adoção e constroem um lar de amor, a despeito do preconceito social? Será que está incluído aquelas e aqueles que tem como lar a rua, e sua família são os companheiros que moram nela? De que tipo de família e de Brasil se está falando? Qual Brasil está acima de tudo?

As ideias de totalidade se caracterizam por serem totalitárias, particularistas e desconsideram a alteridade. Ao enunciar “Deus acima de todos” questionamentos semelhantes podem ser feitos: Os que possuem uma outra concepção de divino? As religiões de matriz africana, por exemplo, que possuem a noção diferenciada do sagrado, em relação ao cristianismo, são contempladas nessa ideia de Deus? Sempre que se governa em nome Deus há insensatez e violência, tais aberrações não combinam com a democracia, a qual considera cidadão, não somente um grupo de pessoas abastadas, de uma religião, ou categoria familiar, mas o conjunto da população.

Por isso tal slogan transmite uma perspectiva ameaçadora para a democracia, pois suas ideias estabelecem uma totalidade em que não há espaço para diversidade. Infelizmente também transmite um pouco do que foi os 4 anos do atual governo, que se alimentou do terror e do medo constante, além de fake news, mantendo seus seguidores em um alucinatório estado de alerta. Podemos perguntar: Isso é fazer política?

Podemos definir a política como um jogo que tem regras fundamentais, sem espaço para visões de mundo totalizadoras. Ferir a democracia, fomentando o ódio às instituições, é uma forma de não aceitar as regras do jogo. E aquele que não aceita o jogo é análogo a um menino malcriado, e cruel, que no jogo de futebol ao perceber que está perdendo segura a bola com força e diz: Ela é minha, o jogo acabou, não perco… não perco… não perco!

Só um lembrete: todo ditador é no fundo uma criança imatura, achando que o mundo está a seus pés, e que até Deus deve estar dentro da sua concepção de vida. Contra a malcriação nada melhor que adultos responsáveis, que coloquem esse menino levado em seu lugar. Vale saber se o povo brasileiro terá a maturidade de tomar para si o que se vê como brinquedo, para que todos tenham o direito a participação, e, aí sim, o bem comum esteja acima de todos, inclusive da ideia de um Deus partidarista.

Aldineto Miranda é professor de Filosofia e de Filosofia da Educação do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e doutorando em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

10 respostas

  1. Alfinetou Miranda parabéns, uma explanação com uma qualidade de conhecer vê visão que poucos tem e deveriam ler seu texto e refletirem com maturidade e não de criança como são os ditadores.
    Gilberto de Oliveira Moraes. Ilhéus -Bahia

  2. Parabéns, Aldineto. Ex ele respondeu suas reflexões. Que haja uma maioria de brasileiros adultos no próximo dia 30 que per ebam que já passou da hora de tirar o brinquedo das mãos do menino birrento.

  3. Este Aldi, não é criança imatura, não… é o Capeta em forma de guri mal-educado e mau-caráter! Adorei o texto. Abraços

  4. Ótima reflexão professor. Muito oportuno nesse momento de política segregadora no Brasil. Que tenhamos a maturidade de dar a resposta por meio das urnas! Parabéns pela maturidade do texto e das ideias.

  5. Parabéns Professor!
    Fico muitas vezes pensando, o que está acontecendo com estas religiões ? Não sou religioso mas leio a bíblia que é um grande livro histórico, que chamam de sagrado. As demais religiões também tem suas escritas ou narrativas e muitas delas segue o mesmo Deus. Está tendo coisa fora da ordem. “DEUS não está acima de tudo, eles segundo quem acreditam, ele está entre nós!” De novo que parabenizá-lo! mande mais !

  6. Seu texto é muito bem redigido, longe de erros gramaticais.
    Mas, toda essa problemática esclarecida não vem de 4 anos atrás e muito menos influenciou alguém aponto de serem chamadas de “pessoas alienadas.”

    “Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hebreus 10:30-31).

    A Bíblia se tornou meu manual de vida e prática, não é fácil, mas, eu tenho lutado todos os dias contra a vontade da minha carne para herdar o grande prêmio e desde então, eu nunca vivi os melhores momentos de minha vida na Terra.

  7. Observações muito lúcidas! Para chamar a atenção daqueles que ainda estão sendo “birrentos”, junto com o mandatário que colocaram para governar nossa nação. Parabéns por compartilhar sua reflexão, professor Aldineto!

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