Henrique Oliveira aponta desequilíbrio na disputa de voto via internet
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Difícil é imaginar como a desproporcionalidade econômica e o obscurantismo sobre o funcionamento das redes sociais não afetariam a justeza das eleições.

Henrique Campos de Oliveira

O conceito de democracia liberal é a garantia de eleições livres e justas. Simples assim! Há quem concorde, como os liberais. E há quem entenda a democracia como algo para além do processo eleitoral, a democracia como algo substancial, com políticas públicas efetivas que garantam a igualdade não só na computação do voto, mas no acesso à riqueza gerada por um país, para só daí ser possível a liberdade.

De toda sorte, nosso processo eleitoral, respaldado pela Constituição, almeja essa característica liberal de eleição livre e justa. Livre é uma eleição que permite a todo cidadão votar e ser votado. Neste último caso, disputando a sua candidatura por um partido. Eleição justa significa dizer que há, minimamente, alguma equidade entre aqueles que participam do pleito. Ou seja, tenta-se atenuar o poder econômico e evitar os abusos da máquina pública, em caso de tentativa de reeleição ou de candidato apoiado por chefe de poder executivo.

Para garantir justiça, também há o Tribunal Superior Eleitoral, que estabelece regras de conduta entre os candidatos, sobretudo, na exposição e propagação dos seus argumentos e ideias. Além de permitir condições livres para participação e justas para a disputa, é também condição para ser considerada uma democracia liberal a garantia de que o candidato eleito assuma o cargo e governe.

Não é de hoje que o Brasil enfrenta dificuldades e riscos nas transições de poder. Só na redemocratização foram dois impeachments. E só tivemos dois casos na nossa história, com eleições amplas, nos quais o presidente que passou a faixa para seu sucessor era opositor político nas eleições. Esses foram os casos de JK para Jânio Quadros (1961) e FHC para Lula (2002).

Além das dificuldades históricas de transições de governos opositores, as nossas eleições seguem livres como nunca. Hoje, qualquer cidadão pode votar a partir dos 16 anos, sem distinção de cor, classe ou sexo. Inclusive, há ações voltadas para garantir o transporte público para que o gasto com passagem não afete o dever cívico do cidadão em comparecer às urnas.

No entanto, considerar nossas eleições como justas é cada vez mais difícil. Além dos abusos da máquina pública, sob a permissividade do sistema jurídico, as redes sociais afetam consideravelmente os critérios de equidade na disputa eleitoral.

Por ser uma tecnologia disruptiva, a internet empreendeu instantaneidade e intensidade a velhos hábitos e práticas na comunicação. Essas transformações criam um ambiente de terra sem lei. Foi assim, dentro da comunicação, com o rádio, a TV e o cinema. O mesmo aconteceu com a impressa. Essas mídias contribuíram com essa sociedade de massa na qual nos encontramos, com a eclosão de tensionamentos e conflitos globais, desde a primeira metade do século XX.

O nazifascismo europeu usou e abusou do rádio e do cinema para disseminar mentiras e ideologias de supremacia racial. De modo semelhante, foram adotadas táticas de comunicação de manipulação em populações marcadas por uma crise econômica sem precedentes e pelo processo de transição política de regimes dinásticos para republicanos.

A solução proposta para esses abusos, após a II Guerra Mundial, foi a regulação das concessões para responsabilizar as pessoas e empresas pelos conteúdos difundidos. A TV, por exemplo, absorveu muito do quadro regulatório do rádio por analogia. Ao longo das últimas décadas, países aprimoraram a regulamentação dos chamados meios de massa. Obviamente, esse propósito nunca foi alcançado na sua excelência. Mas, como as concessões de TV e rádio costumam ser dominadas por poucas empresas, a exemplo do Brasil, foi possível estabelecer, em tese, limites legais para o uso de canais públicos.

As redes sociais estão no limbo regulatório. Estamos aprendendo a conviver com isso e, diferente da transição do rádio para a TV, o aprendizado sobre as mídias tradicionais não esclarece muito do que vivemos na internet. As redes fundiram a comunicação privada à pública. Talvez, essa consequência peculiar à internet de afinar a linha que separa o público do privado seja a principal confusão dos seus efeitos.

Aos que reclamam de censura, alega-se privacidade, mas as postagens têm capacidade de se propagar até mais do que as mídias tradicionais, sem o mesmo rigor de verificação do conteúdo. A disseminação dos smartphones abriu caminho para a enxurrada de fakes news e mensagens de ódio.  Boatos, fofocas e declarações enfurecidas sobre algo ou alguém não são novidade, a questão está na intensidade e magnitude sem precedentes que as redes sociais, associadas a uma tecnologia que cabe na mão, permitem.

Todavia, importante lembrar que os principais integrantes dessa cadeia são empresas transnacionais. Google, Twitter, YouTube, Instagram, Facebook, WhatsApp, Apple, Samsung, Huawei são empresas que agem em uma terra sem regulação pública, porque pouco se sabe sobre ela e, geralmente, quem mais sabe são donos ou trabalham no segmento. Os negócios de Mark Zuckerberg, dono da Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram etc.), levaram-no a prestar esclarecimentos ao Senado dos Estados Unidos.

Populistas de extrema-direita, Trump e Bolsonaro deitaram e rolaram nesse vazio regulatório, em 2016 e 2018, respectivamente. O mesmo tenta se fazer hoje aqui no Brasil, de novo. Só que, em 2022, Bolsonaro enfrenta outras condições de regulação, assim como um Lula mais maceteado do que Haddad.

Vale chamar a atenção para as novas influências do poder econômico no alcance midiático dos candidatos. Enquanto as inserções de rádio e TV são reguladas pela legislação eleitoral, o mesmo não ocorre, por exemplo, com o YouTube, onde as peças publicitárias eleitorais são veiculadas mediante o valor desembolsado.

O YouTube, hoje, tem audiência cativa maior do que muitas estações de rádio e TV. Além dos próprios algoritmos das redes sociais que induzem a visualização para determinado perfil ou não. Difícil é imaginar como a desproporcionalidade econômica e o obscurantismo sobre o funcionamento das redes sociais não afetariam a justeza das eleições.

Henrique Campos de Oliveira é ibicariense, doutor em Ciências Sociais pela UFBA e professor do Mestrado em Direito, Governança e Políticas Públicas da Unifacs.

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