Economista Elson Mira demonstra como sul da Bahia se reergueu após crise da cacauicultura
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Thiago Dias

O economista Elson Mira desenvolve pesquisas sobre a superação da crise da lavoura cacaueira no sul da Bahia. Segundo ele, a região deixou para trás uma economia centrada na agricultura e se consolidou como polo regional de comércio e serviços. Chamada de reconversão produtiva, essa transformação é demonstrada por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Economia.

Inicialmente, ele organizou e interpretou esses dados na tese de doutorado defendida na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A pesquisa foi publicada no livro Mudança Institucional e Reconversão Produtiva no Sul da Bahia, em 2015 (Editus). O pesquisador é formado em Economia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), onde é professor titular do Departamento de Ciências Econômicas. Além do trabalho acadêmico, presta consultorias à iniciativa privada.

Nascido em Itororó e radicado em Itabuna, Elson se voltou para a cultura regional ao analisar a história recente da economia sul-baiana e apontou o descompasso entre o ritmo das transformações econômicas e o das mudanças institucionais que o próprio movimento da história reivindica. A seguir, o PIMENTA resume o percurso da tese, com auxílio do autor, que conversou com o site por videochamada e apresentou dados atuais de sua pesquisa.

EDUCAÇÃO, SAÚDE E TURISMO

Quando chegou ao sul da Bahia, em 1989, a praga da vassoura-de-bruxa devastou plantações de cacau e pôs a região de joelhos. A economia ilheense foi atingida em cheio. “Ilhéus se viu numa crise econômica sem precedentes, sobretudo porque o cacau não gerou outros vetores de desenvolvimento econômico. Foi a ruína na região”, relembra Elson Mira.

A superação da crise deu os primeiros sinais no final da década de 1990, com o fortalecimento do setor de comércio e serviços, explica o economista. “O soerguimento econômico ocorreu a partir dos serviços, com três segmentos destacados: turismo, saúde e educação”.

O desenvolvimento dos serviços de educação e saúde, continua Elson, teve relação direta com investimentos públicos. Cita os exemplos da Uesc, estadualizada após a crise do cacau; do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA); e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). “Você tem instituições de nível técnico e superior que consolidam Ilhéus, também, como um polo de educação”.

Distribuição das empresas de Ilhéus por setor econômico em 2020 || Fonte IBGE/Organização Elson Mira

Já a saúde pública de Ilhéus recebeu investimentos vultosos do Governo do Estado, a exemplo do Hospital Regional da Costa do Cacau e do Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio. “Esse investimento público induz investimentos privados. O Sistema Único de Saúde acaba gerando um efeito sobre a demanda privada, na medida em que profissionais que atendem pelo SUS se instalam na cidade e ofertam serviços, também, particulares e pela saúde suplementar, os planos de saúde. Embora o SUS, infelizmente, seja tão atacado no Brasil, ele é referência internacional”, declarou Elson.

Apesar do potencial para o desenvolvimento sustentável, as atividades turísticas de Ilhéus ainda não receberam o estímulo político necessário para ir além do turismo de sol e praia, lamenta o professor da Uesc, sem deixar de reconhecer a relevância desse segmento para a cidade com o litoral mais extenso da Bahia.

PESO DE CADA SETOR ECONÔMICO

Contribuição de cada setor econômico para o PIB de Ilhéus em 2019 || Fonte IBGE/Organização Elson Mira

O IBGE padronizou a série histórica do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios em 1999, seguindo normas internacionais. Antes disso, as economias municipais já eram dimensionadas, mas com metodologia diferente. Essa diferença, segundo Elson, prejudica a comparação do PIB atual de Ilhéus com o do período que antecedeu a crise da monocultura cacaueira, caracterizada por alta taxa de rendimento econômico e maior concentração de riquezas.

Essa diferença metodológica não impede a demonstração de que a matriz econômica atual se concentra em comércio e serviços. Isso fica evidente na composição setorial do PIB de Ilhéus em 2019, ano dos dados mais recentes do IBGE e último sem os impactos da pandemia de Covid-19.

Naquele ano, o PIB ilheense foi de R$ 3,8 bilhões, excluída a arrecadação tributária, que o elevou a R$ 4,6 bilhões. Considerando a produção de riquezas sem os tributos, a agropecuária contribuiu com R$ 126,3 milhões (3,3%), bem menos do que o R$ 1,1 bilhão (29%) da indústria e dos R$ 2,6 bilhões de comércio e serviços (67,7%).

No mesmo ano, o setor terciário (comércio e serviços) respondeu por 72,7% dos empregos formais de Ilhéus, a indústria por 21,6% e o campo, 5,7%. O predomínio dos segmentos de comércio e serviços também aparece na distribuição das empresas, pois concentram 88,8% das pessoas jurídicas do município, enquanto os percentuais da indústria e do campo são de 10,3% e 0,9%, respectivamente.

INSTITUIÇÕES DO CACAU

Constada a reconversão da matriz econômica, Elson Mira recorreu a fontes como o livro Sul da Bahia: Chão de Cacau – uma civilização regional, de Adonias Filho (1915-1990), para reconstituir a gênese institucional da região. Obra não ficcional de Adonias, o estudo é referência importante no esforço do economista para caracterizar os tipos sociais e as relações que formaram a cultura cacaueira e moldaram as instituições sul-baianas.

As raízes profundas da civilização do cacau, segundo o professor, explicam sua forte presença no imaginário contemporâneo, mesmo sem a relevância econômica do passado. Uma expressão dessa persistência é a inconformidade na relação das instituições nascidas no auge da lavoura cacaueira com as forças produtivas em torno das quais a vida social do sul da Bahia passou a se organizar, no final do século 20.

Esse descompasso, aponta o economista, prejudica o estabelecimento de relações sinérgicas entre as instituições e a matriz econômica atual da região. “A falta de sinergia entre tais esferas – econômica e institucional – pode gerar efeitos danosos ao crescimento econômico, posto que este é resultado, também, de fatores institucionais”, escreveu Elson Mira em sua tese, em diálogo com o Novo Institucionalismo Econômico, uma das perspectivas teóricas das quais se apropria no trabalho

Quando o PIMENTA pediu um exemplo que ilustre o desencontro entre a cultura das instituições e a base econômica atual do sul da Bahia, Elson mencionou uma amostra desse fenômeno na linguagem, como um sintoma. Ele lembrou que um dos projetos da Região Metropolitana do eixo Ilhéus-Itabuna propusera que o novo ente público fosse chamado de Região Metropolitana do Cacau, numa contradição sintomática entre a própria definição de metrópole e um nome advindo do passado agrário. “É cunhar uma expressão agrária a algo eminentemente citadino!”.

Elson esclareceu que a persistência de uma cultura institucional forjada ao longo de décadas é comum e esperada (estranha seria uma mudança acelerada de instituições), mas brincou com a dificuldade que algumas pessoas têm de acreditar que menos de 4% do PIB de Ilhéus vêm da produção agrícola, mesmo quando são confrontadas com dados oficiais.

– É o terraplanismo do cacau. Até hoje, as pessoas continuam pensando sob o prisma do cacau. Já mostrei esses dados econômicos para várias pessoas. Quando não tinha mais o que argumentar, a pessoa dizia que o IBGE estava mentindo, errado -.

RESSALVA

O economista pediu que o PIMENTA não deixasse fora desta matéria a advertência de que a construção de instituições afeitas à realidade da matriz econômica de concentração terciária não deve gerar desinteresse no desenvolvimento dos setores primário e secundário, especialmente a cadeia do chocolate. Dito de outro modo, olhar para as demandas dos segmentos comerciais e de serviços não significa virar as costas para a cultura cacaueira.

“O cacau preservou um ativo ambiental fenomenal, porque sua produção no sul da Bahia se dá no sistema cabruca, tão famoso, onde o cacaual é plantado sob a sombra de árvores da Mata Atlântica. Infelizmente, no Brasil todo, inclusive no sul da Bahia, a Mata Atlântica tem perdido uma área enorme. Então, cuidar da produção do cacau é cuidar desse ativo ambiental”, exemplificou.

Além do aprimoramento da produção cacaueira, o vasto território rural de Ilhéus deve ser desenvolvido, segundo Elson Mira, para que o campo volte a atrair os trabalhadores como fonte viável de renda e, também, contribuir mais ao PIB do município.

Já a indústria, acrescentou, deve ser estimulada porque gera desenvolvimento tecnológico e agregação de valor aos produtos locais. “Já que você tem a indústria moageira de preços internacionais, ter indústrias de produção de chocolate permitiria, por exemplo, agregar valor ao cacau aqui”.

2 respostas

  1. Ótimo estudo, parabéns para o Prof. Elson Mira!
    É fato de que o eixo Ilhéus/Itabuna sofreu uma reconversão produtiva e, hoje em dia, indubitavelmente, transmutou-se em um pujante polo de comércio e serviços. Os números atestam isso. Contudo, pergunto: quem foram os responsáveis por essa reconversão, os da terra que mudaram a sua tradicional consciência produtiva ou os migrantes, com novos conceitos?
    Muito grato

  2. Esse trabalho do Professor Elson é fundamental para compreendermos a evolução da economia do Sul da Bahia pós crise da cacauicultura e as suas diversas mudanças e evolução da sua matriz econômica.
    Esse estudo deveria ser mais amplamente divulgado e debatido com os diversos setores da sociedade grapiuna.
    Parabéns ao Professor Elson por esta importsnte obra e o pimenta por divulga-la.

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