Virgínia, Lívia, Marcelle e Silvia: as mulheres do projeto Linhas Conscientes
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Thiago Dias

Sílvia caminhava na Praia da Concha, vendendo produtos de costura, quando foi abordada por Denise, que a perguntou se também ensinava a costurar. Naquela altura, em meados do ano passado, Denise integrava o projeto Linhas Conscientes e questionou se a artista gostaria de ser professora de um curso de costura para mulheres de Itacaré. “Eu nunca tinha dado aula de costura”, conta Sílvia Pereira ao PIMENTA.

Faltava experiência, mas Sílvia aceitou o convite. Ela viu no projeto a oportunidade de realizar um dos propósitos trazidos na mudança de São Paulo para Itacaré, há pouco mais de um ano. “Cheguei com uma sensação e uma necessidade de fazer um pouco pelo lugar. Quando a gente escolheu Itacaré, tinha essa coisa da beleza, mas tinha um olhar mais aguçado para o que falta aqui, de estar envolvido com um propósito na cidade”, recorda.

Foi Denise Sousa quem apresentou Sílvia à idealizadora e coordenadora do Linhas, Marcelle Vasconcelos, itabunense radicada há nove anos em Itacaré. Proprietária de uma loja de roupas, Marcelle observa que costureiras qualificadas são trabalhadoras raras na cidade. Ao mesmo tempo, continua, há muita demanda por confecções de diversos tipos, desde a moda autoral à produção serializada de uniformes para hospedarias e restaurantes, passando pela costura criativa.

“Eu tenho uma loja de moda autoral em Itacaré. Sempre tive dificuldade de encontrar costureiras. Já comprava tecido e todas as outras coisas fora da cidade. Nunca achei justo buscar até a mão de obra fora. Quer dizer, trabalho aqui, e o dinheiro daqui, que eu tinha, ia todo para outras cidades devido à falta de mão de obra qualificada”, explica a dona da Cellevas.

A IDEIA

Marcelle: “não há empoderamento sem autonomia financeira”

Constatadas a demanda de produtos e a falta de mão de obra especializada, Marcelle idealizou um curso de costura voltado para moradoras do município. “Itacaré é uma cidade de mulheres incríveis. A maioria tem muita capacidade, mas pouca qualificação. O projeto surgiu dessa demanda de mercado aberto e também da quantidade de mulheres que poderiam fazer esse trabalho”.

Para tirar a ideia do papel, obteve recursos financeiros do Instituto Yandê Itacaré, que bancou a compra de cinco máquinas de costura reta industrial e custeia a folha de pagamento do Linhas Conscientes. O auxílio da instituição é mais do que econômico, atesta Marcelle. “Não veio só a verba. Eles caminharam com a gente em todos os processos. Foi muito importante esse apoio, porque, quando você desenvolve um projeto social, existem milhões de fatores no meio do caminho”.

A maioria desses fatores, de uma forma ou outra, tem a ver com escassez de recursos. Máquinas e folha garantidas, faltava um lugar para as aulas, e o projeto recebeu abrigo na Secretaria de Esporte, Mulher e Juventude de Itacaré. “A gente não tem custos com aluguel e energia, que seriam altos, porque as máquinas consomem muito. A Prefeitura nos dá uma força muito grande. Se a gente tivesse que custear tudo isso, seria inviável”, relata Marcelle.

“DE UMA EM UMA”

Nos relatos ao PIMENTA, feitos em ocasiões diferentes, Sílvia Pereira e Marcelle Vasconcelos descreveram uma cidade movimentada pelo fluxo do turismo e ocupada por grandes empreendimentos, enquanto boa parte do povo itacareense vive longe dessa badalação. Para as mulheres em condições de vulnerabilidade socioeconômica, por exemplo, Itacaré não é exatamente um paraíso. Ao menos, foi o que revelou o Mapa da Violência de 2015, quando o município figurou como o décimo mais violento para mulheres em todo o Brasil.

– A realidade de Itacaré, para a mulher, é muito dura, por incrível que pareça. A gente tem duas cidades dentro de uma: a que o turismo vê e a que é vivida pelos moradores. É uma antiga vila de pescador, que tem um machismo muito forte. Itacaré é uma cidade turística, mas a grande maioria da população é rural e muitas mulheres vivem em condições de violência – lamenta Marcelle.

Ela acredita que uma mulher oprimida só consegue se libertar se tiver sua própria renda. Por isso, segundo Marcelle, o objetivo do Linhas Conscientes é fazer da costura uma alternativa para mulheres que desejam e, mais que isso, necessitam ter o próprio dinheiro.

“Trabalho com mulheres e não acredito no empoderamento feminino sem autonomia financeira. Não tem como uma pessoa se empoderar sem ter dinheiro no bolso para decidir. Uma mulher em situação de vulnerabilidade precisa ter escolhas. Para sair de um relacionamento abusivo, você precisa ter condições de sair daquela relação. Então, ao meu ver, a autonomia financeira é o maior empoderamento que pode existir. É o poder de decidir se quer sair do relacionamento ou não. Se ela quiser ficar, ela fica, mas ela tem o poder de escolha. É nesse sentido que vislumbro o curso e quero ampliá-lo para a zona rural”.

Sílvia Pereira: trabalho é de formiguinha, mas gratifica

Sílvia também vê o curso como instrumento de transformação social, com alcance “de formiguinha” e, por isso mesmo, capaz de mobilizar afetos íntimos. “Tem muita coisa grande acontecendo em Itacaré, mas, às vezes, são as coisas pequenas que tocam as pessoas intimamente. Acho que é por isso que o Linhas mexe tanto comigo. É um projeto pequeno, a gente não toca um milhão de pessoas, entendeu? A gente vai de uma em uma”.

AS PRIMEIRAS E O PRIMEIRO

Nascida em Ilhéus, Virgínia Cristina Machado viveu três décadas em Guarulhos, na Grande São Paulo, e chegou em Itacaré há cinco anos. Ela já havia tentado aprender costura e se inscreveu no Linhas Conscientes. Estava passando por um momento difícil.

“Tinha perdido minha mãe há um ano e quatro meses. Uma das dores mais intensas na vida do ser humano. O curso foi o que me fez levantar, sair de casa e andar na orla, lembrando do que minha mãe falava: a gente tem que seguir em frente, porque quem morreu está deitado, descansando, mas a gente não pode descansar enquanto não morrer“.

Virgínia: projeto me fez superar momento difícil

Aluna dedicada, Virgínia conheceu Lívia Araújo no curso. As duas colegas, sob a orientação de Sílvia, mergulharam na costura e tornaram-se as primeiras costureiras formadas pelo Linhas. Agora, são monitoras do projeto, auxiliando Sílvia. A ideia de Marcelle é atrair outros financiadores para expandir a iniciativa e, no futuro, contratá-las como professoras.

Quando idealizou o projeto, Marcelle Vasconcelos estava determinada a reservá-lo às mulheres e assim fez na seleção das duas primeiras turmas. Mas, quando reabriu as inscrições, recebeu o pedido insistente de um jovem que sonha ser estilista.

A persistência do rapaz mexeu com a equipe e, ao final de uma avaliação conjunta, Marcelle, Sílvia, Lívia e Virgínia chegaram à conclusão de que ele merece uma chance. “Conversamos muito, porque, na descrição do projeto, informamos que é um curso para mulheres. Mas, escolhi o nome Linhas Conscientes para o projeto. Não faria sentido excluí-lo”, justifica a coordenadora.  Jôjô Pereira, o persistente, terá sua primeira aula de costura na terça que vem.

2 respostas

  1. Deixo aqui meus agradecimento ao reporte que fez esta maravilhosa e entretanto Entrevista pois é mais um ensentivo para que venhamos nos empenha cada vez ass:Virgínia

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