Luiz Ferreira defende programa de recuperação da cacauicultura no sul da Bahia
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“A cacauicultora sul-baiana passa por maus momentos, mas ainda pode ser importante ao país e sobretudo à Natureza”.

Luiz Ferreira da Silva 

A Natureza proporcionou ao homem dos trópicos úmidos uma árvore frutífera, o cacaueiro, que pudesse ser utilizada sem causar danos ao seu ambiente florestal.

Ao facultar um produto nobre – o chocolate –, adicionou características fisiológicas inerentes ao complexo do seu habitat, quente, chuvoso e rico em espécies consortes e fauna agregada.

Teria que ser uma planta que reciclasse com eficiência, mantendo a capa orgânica do solo, fator importante para alimentar as raízes finas, que têm a função de arejar o solo, agregar as partículas e evitar a perda de nutrientes. Enfim, manter a vida do solo.

E para tanto, sob a mata, recebendo pouca luz, forma um “túnel folear”, com as copas se encontrando, evitando que a luz solar danifique o solo. A luz é para as folhas fazerem a sua “química carboidrática” de transformação – fotossíntese, para os puritanos.

A Natureza ainda deu uma colher de chá. Aumentou a sua “plasticidade fisiológica” – conviver em ambiente mais arejado, a exemplo de uma mata raleada – no limite que ainda mantém o cacaueiro na sua missão fitogeográfica de equilibrar o uso com a conservação.

Neste contexto interativo, o cacaueiro usufrui da fauna, notadamente dos insetos polinizadores, alimentados por frutas em decomposição, oriundos do andar de cima, as árvores tropicais.

A Natureza é sábia. Por um lado, criou o cacaueiro com o fenômeno da incompatibilidade sexuada, que se manifesta quando o pólen de uma flor em uma planta não consegue fecundar os óvulos das flores da mesma planta (autoincompatibilidade) ou de outras plantas (inter incompatibilidade). E até o cacaueiro “macho” ocorre, com raridade nas plantações, com floração e não produtores de frutos.

Pelo outro, resolveu a questão no próprio meio. Criou as mosquinhas chamadas “forcipomyas”, e não havendo polinização adequada, a lavoura não produz satisfatoriamente.

Por essa razão, alertou ao Homem sobre a importância delas, incumbindo-lhe de cuidar de seus criadouros, os seus locais naturais, a exemplo das bromélias.

Chegou o cacaueiro no Sul da Bahia. Uma floresta tal e qual a da sua origem, a Mata Atlântica. Encontrou aí condições favoráveis de clima, solo, topografia e rede hídrica, razões da sua expansão, chegando a ocupar 600 mil hectares, com a equivalência de uma fonte de divisas de quase 1 bilhão de dólares em determinado ano.

Os pioneiros souberam mesclar a lavoura com a floresta, sem macular o meio ambiente, satisfazendo com a produção auferida, com elevada liquidez, mantendo preservado o ecossistema e proporcionando um epicentro gerador de riquezas com o produto cacau, cujos reflexos se irradiaram pelas áreas circunvizinhas, criando uma estrutura de bens e de serviços que permitiu, com outras atividades agrícolas e congêneres, distribuir benefícios para todas as comunidades, o que infelizmente não foram aproveitados na magnitude dos bônus.

Sessenta anos atrás, um cacauicultor com pouco esforço, com seus 100 hectares de cacau, sem usar maquinaria e tudo no lombo do burro, gastando pouco, em sua área cabrocada, mesmo com uma produtividade não tão expressiva, colhia 4 mil arrobas, que o tornava um homem de classe média alta. Com maior presença e bom solo, muitos chegavam a 6 mil arrobas, tornando-se ricos.

Nessas circunstâncias, uma lavoura nota 10. Produtiva e conservacionista.

Lembro-me quando os jovens agrônomos aportaram na Ceplac, em 1963/65. Tinham os olhos voltados às filhas dos cacauicultores, identificando-as pelo quantitativo de arrobas que os pais produziam.

Acontece que, agora, a visão do agronegócio é puramente economicista. Esgotar os recursos naturais, lucrar, enriquecer e não pensar alhures.

Ninguém, de boa-fé, é contrário ao uso de tecnologias, mas que sejam no limite das alterações, sobretudo do solo e da água.

A cacauicultora sul-baiana passa por maus momentos, mas ainda pode ser importante ao país e sobretudo à Natureza. Não precisa ser uma cabruca conforme apregoada, mas uma plantação sob uma floresta mais aberta, com sol suficiente para impulsionar a produção.

Muito bem. Esse é o panorama do cultivo do cacau que, a meu ver, tem que ser o epicentro da replantação e da expansão de novas áreas, revitalizando o sul da Bahia.

De repente, o cacaueiro vira retirante. Emigra para os cerrados, um ambiente sem qualquer identificação. Lembrei-me dos “paus-de-arara” nordestinos que viviam no chão duro e quente das caatingas e tiveram que se adaptar ao frio do clima de São Paulo, fazendo jus a Euclides da Cunha, em Os sertões – o sertanejo é antes de tudo um forte.

Tomara que o Theobrona cacau, majestoso tropicalista, tenha essa rusticidade adaptativa herdada pela mãe Natureza!

Sim, agora muito sol em sua folhagem, com possível queda prematura de folhas, exigindo constante renovação com o lançamento de brotos tenros, delícias para os insetos, requisitando altas dosagens de inseticidas, afetando os polinizadores.

Um maior esforço radicular ante ao adensamento do solo pelas máquinas pesadas, repercutindo na performance das radicelas e na dinâmica dos microrganismos.

A irrigação custosa que, se não for bem conduzida, em solos que já apresentam adensamento natural, provoca um sub horizonte de baixa difusão de oxigênio, limitando a produção, como acontece em cafezais de Barreiras, sob pivô central, pelo excesso de água e menor fluidez vertical.

E as nossas queridas mosquinhas? O cacaueiro vai ter saudades.

No entanto, o Homem economicista não está nem aí para essas informações nem tem preocupação com o meio ambiente. O importante são os cifrões que substituem a mina de seus olhos.

Foi assim que assisti a um vídeo (Cacauicultura 4.0 – A nova era) em que se fala da revolução da cacauicultora do Brasil nos cerrados, usando tecnologias de ponta. Todos enaltecendo a produtividade e sem nenhuma menção ao ilustre chegante, reverenciado pela sua postura conservacionista.

Logicamente, ali estavam pessoas sem visgo com o cacau, que nunca foram picadas pelos carapanãs dos cacauais de Ouro Preto (RO) ou dos piuns das velhas plantações do Vale do Jequitinhonha (BA). Tampouco o tem a direção da Ceplac, diferentemente do meu tempo, quando os dirigentes eram forjados na própria casa e em suas veias corria o mel do cacau, não havendo necessidade de “QI” político.

Mas, no momento, não há dados para ser contra nem a favor; coluna do meio, pois. No entanto, pelo que se conhece, muitos problemas advirão. É preciso de mais tempo e este será o senhor da razão.

Permita-me um alerta, sem qualquer ilação: a agricultura não pode se basear em aritmética, decidida na ponta do lápis, mas em dados agronômicos consistentes. Um exemplo para aclarar essa questão. Em 1980, eu era diretor do Centro de Pesquisas do Cacau, quando a Ceplac implantou o projeto camarão, justamente sem convicção técnica, mas acreditando num produtor de cacau que viajara ao Equador e se entusiasmara com a carcinicultura. Na ponta do lápis fez diversos cálculos e concluiu que os mangues de Camamu poderiam render mais dólares que o cacau, enriquecendo a região. A Ceplac embarcou nessa canoa furada e naufragou, afundando-se na lama dos caranguejos, literalmente.

Aconteça o que acontecer, a cacauicultora tropical conservacionista implantada pelos pioneiros do Sul da Bahia, bem como pelos colonos da Amazônia, não pode ser relegada. Pelo contrário, urge um Programa Integrado de recuperação da primeira, pari passo à expansão pelas terras de origem da segunda.

Luiz Ferreira da Silva é pesquisador aposentado da Ceplac.

16 respostas

  1. Parabéns Luiz ,pelo seu comentário a respeito da velha e da nova cacauicultura no Sul e no cerrado da Bahia. A velha cacauicultura, com os seus altos e baixos, já nos deu prova da sua capacidade. A nova, a do cerrado, ainda vai ter que provar se será o que todos nós queremos para o bem da Bahia e do Brasil. Isto só o tempo nos dirá. Eu já servi à agricultura do cacau, tanto na Bahia, quanto na Amazônia, quando, durante 27 anos, eu fiz parte dos quadros de funcionários da CEPLAC. No Pará, eu experimentei ser produtor de cacau na Transamazônica, durante 12,anos, cheguei a ter quase 30 mil pés se cacau, mesmo morando em Belém. As grandes dificuldades e os altos custos de administrar à distância, me fez desistir. O que falta na Bahia e no Espírito Santo, é apoio político tanto dos Governadores, quanto dos Senadores, Deputados Federais, Estaduais, Prefeitos e Vereadores, e Presidentes dos Sindicatos dos Produtores de Cacau, para exigir do Presidente da República, uma renovação da CEPLAC, para que ela, com a sua estrutura já implantada na região, possa alavancar um programa efetivo para a recuperação da lavoura de cacau do Sul da Bahia e do Espírito Santo. Para tal, tem que haver o aporte de centenas de milhões em recursos financeiros, tanto para financiamento aos agricultores, com juros subsidiados, para recuperação das lavouras existentes, e para implantação de novas. O Brasil não pode abrir mão dessa importante atividade agrícola. Nós precisamos sair da atual condição de importador de cacau, e voltar a ser o grande exportador que sempre foi.

  2. É uma pena que a CEPLAC esteja em extinção. Pois deveria ser ela a coordenadora de qualquer projeto de cacau no País.

  3. A lavoura cacaueira sem apoio do governo federal através do ministério da agricultura não vai para lugar nenhum,em nossa região.Talvez surja outro mineiro do porte do presidente Juscelino Kubitschek com um novo formato para salvar.

  4. Para não me alongar muito – este sabe o que fala e tem conhecimento de causa.

    O cacaueiro não é lavoura para 3 ou 5 anos, e sim, para 100 anos ou mais.

    O imediatismo da aritmética ou da matemática, é trocar meta por sonho. O sonho é uma coisa abstrata e poderá virar um grande pesadelo, já a meta e algo concreto, mesmo que demorado.

  5. Verdades cristalinas brotadas do cérebro e da alma de um apaixonado cientista com os pés no chão! Não há como contesta’-lo! Muito pelo contrário, resta a nossa coletividade o inquestionável recurso do merecido aplauso aos que como o Dr Luís Ferreira da Silva se dão integralmente a cacauicultura nacional.???.

  6. Caro amigo Pesquisador, meu nome é Antelmo Pinto Farias,meu pai foi grande produtor de cacau em Ipiaú, morei em roças de cacau quando jovem, viví na época de plantar cacau dentro da mata furando o chão com a ponta do facão a chegada do cacau Híbrido debaixo de bananeiras e e erythrinas posteriormente. Tenho bons amigos na Ceplac, porém tudo isso foi errado e em vão, após 10 anos essas plantas híbridas seminais não eram auto compatíveis, o erro que a ceplac nunca assumiu, plantas floravam e não fecundavam , novamente vocês pesquisadores não souberam nos ensinar a prática de enxertias com Ramos plagiotropicos em brotos nasais, O produtor pagou caro por isso com um grande endividamento dos seu novos plantios nos bancos. Na Época de 80 veio a VB, mais uma vez a CEPLAC não estava preparada em nos ensinar como combater ou conviver, após anos depois o Cepec começou a desenvolver plantas resistentes a VB , todas elas insatisfatórias, até hoje não existe nenhuma planta que não tenha VB. Com o Desastre ocorrido com a vinda da VB nossa família ou cada filho tomou rumos em lugares diferentes para tentar sobreviver. Cheguei em Barreiras em 1993, porém só em 2015 fui perceber que essa região que tem climas defendidos , chuvosos e úmidos 6 meses e quente e seco 6 meses, observei então que essa região no vale do Rio Grande onde não se produz soja e altitude média de 430m, terras planas e disponibilidade de água, poderia sim produzir cacau, porém a pleno sol e com alta tecnologia. A primeira área já está fazendo 11 anos, evoluímos muito de 2015 para cá, produzimos mudas de cacau rustificadas com seleção positiva para serem plantadas a pleno Sol. Temos excelentes padrões em mudas com troncos e Ramos e com apenas 2 anos já estamos produzindo 25@ por hec com estimativas de 300 @ por ha. Aqui ao contrário daí que brocávamos a mata Atlântica ou derrubávamos 100% da área para plantar cacau e erythirinas, estamos fazendo ao contrário o inverso daí,plantando florestas de cacau em áreas degradadas. Me permita ao amigo, não apostar em não dá certo, pois, precisamos unirmos forças em aumentarmos a produção nacional para no futuro próximo retornarmos à exportação. O Estado do Pará também vem plantando acelerado cacau cacau a pleno sol. Os países das Américas estão resolvendo os problemas graves De VB e moniliase com cacau a pleno sol. Lembrando o amigo, que inseto se resolve com pulverizações de inseticidas, o vendo é um inimigo maior para o cacau a pleno sol, porém ele é um grande polinizador natural. A mosquinha pra mim hoje é uma grande falácia para as plantas auto compatíveis. Gosto muito dessa região que cresci e me criei, agora está na hora de muita gente repensar essa cultura como outras existentes: Manga,Citros, uva, pêra, maçã…. e buscarmos auto produtividade do contrário não paga as contas. Abraço, Antelmo Pinto Farias

  7. Os pequenos cacauicultores pequenos nāo aprenderam a lidar com o meio ambiente ainda, eles estão estão desmaiando e fazendo queimadas, eles dizem que derrubou só meia equitare a queimada foi pouca, presenciei isso no Norte e regiāo do BARRO VERMELHO, Maraú Bahia, cadé a fiscalização, a agricultura precisa mudar para novos amigos como a implantação da Agrofloresta Sintropica, Acorda Maraú.

  8. Ao começar a leitura, percebi que o autor tinha profundo conhecimento sobre o cacau, bem como sobre o meio ambiente natural. Excelente texto para qualquer leigo entender com facilidade.

  9. Excelente!
    Parabéns professor, sua abordagem de forma poética, vem enriquecer nossos conhecimentos.
    Sou egresso da EMARC, técnico em agropecuária, turma 1979/80.

  10. Estou com um débito que já está em processo por não poder saldar dívidas cometidas pelo empréstimo da recuperação da lavoura. Condenada a perder meu único bem que nem poderia entrar em penhor por ser uma área pequena. Fui mal sucedida com orientação de agrônomo no rebaixamento de copa. Para nós pequenos produtores houve fiscalização cerrada. Cumpri o que pediram e não obtive retorno. Hoje vivo de meeiro sem produção. Minha maior vergonha é dever. Não tenho onde tirar recursos para pagar. Necessito sim de uma anistia desse débito de uma causa que não obtive retorno. Desculpa informar que a CEPLAC foi a maior causadora colocar os pequenos agricultores nessa boca de sinuca. Passo noites sem dormir com medo do de perder um bem que meu pai lutor pra deixar e sem recursos para cuidar. Cadê os agricultores para se unir e pedir ao governo a nossa anistia. Renegociar pra mim impossível para quem ganha um salário mínimo. Quero solução e ação em conjunto. Mas acho que cada um só olha pra seu próprio umbigo. Entrei com uma ação coletiva mas até agora nunca deram resposta. Nunca entraram em contato o tempo passando e nada de positivo para nós agricultores falidos. Não há união dessa classe na lavoura cacaueira. Fica aqui minha indignação e revolta. Não posso deixar que minhas filhas herdem esse pepino quando eu fizer a minha passagem não é justo nem por mim nem por elas.

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