Edson Ramos e Geraldo Magela divergem sobre distribuição de recursos da Lei Paulo Gustavo
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O professor e produtor cultural Edson Ramos levantou, em artigo, questionamentos sobre as regras para a distribuição dos recursos da Lei Paulo Gustavo em Ilhéus, que somam R$ 1,4 milhão. Na avaliação dele, a Secretaria de Cultura do Município concentrou muito dinheiro em poucos projetos. Até o momento, foram lançados 3 editais.

O edital 3 destina três prêmios de R$ 120 mil cada para a categoria Apoio à Produção Audiovisual de Média Metragem. Já a categoria Apoio a Cineclube e a Mostras e Festivais terá R$ 87 mil para uma vaga, enquanto a de cinema itinerante vai receber três cotas de R$ 58 mil cada. Ou seja, o edital 3 concentra R$ 621 mil em sete projetos.

Já o edital Pedro Matos reserva R$ 392 mil para 135 vagas. Além disso, 11 mestres da cultura popular vão receber R$ 2 mil cada, a título de premiação. Para agentes culturais do audiovisual, serão seis cotas de R$ 6 mil cada.

“A primeira questão é essa que os próprios números revelam. Por que a previsão de tanto para tão poucos e de tão pouco para tantos?”, questiona Edson Ramos (leia o artigo ao final do texto).

O produtor também aponta distorção no critério usado pelo edital 3, que define média metragem como produção com pelo menos 50 minutos. Para a Agência Nacional do Cinema (Ancine), uma obra de média metragem deve ter de 15 a 70 minutos. Conforme Edson, a regra da Secretaria desconsidera os parâmetros da própria Ancine e, de tão restritiva, pode inviabilizar a seleção de projetos de produtores indígenas e negros, como previsto na legislação.

O QUE DIZ A SECULT

O PIMENTA levou os questionamentos de Edson Ramos ao secretário de Cultura de Ilhéus, Geraldo Magela. Segundo o gestor, a Secretaria promoveu 27 encontros com agentes culturais do município para discutir e pactuar a forma de distribuição dos recursos. Esse trabalho teve a participação da OAB e da Defensoria Pública do Estado.

Magela também explicou que 70% dos recursos da Lei (R$ 1.023.000,00) devem ser destinados ao audiovisual, o que explica, segundo ele, a concentração de R$ 360 mil nos três filmes de média metragem. O secretário acrescentou que esse valor está abaixo do necessário para a uma produção desse porte.

Já os demais segmentos da cultura terão direito a R$ 413.000,00, segundo Magela. “A gente tentou democratizar ao máximo [a distribuição do dinheiro] para chegar lá na ponta”, assegurou o secretário, explicando por que o Edital Pedro Matos reserva R$ 392 mil para 135 vagas. Na opinião do gestor, no artigo, Edson Ramos revelou desconhecimento das regras da Lei Paulo Gustavo.

Leia o artigo na íntegra.

LEI PAULO GUSTAVO EM ILHÉUS – UTILIDADE PÚBLICA

Edson Ramos

No dia 18/12 encerrou o prazo para as inscrições de projetos para concorrer nos editais da Lei Paulo Gustavo (LPG) pelo município de Ilhéus. Essa lei possibilitou o repasse de 1,4 milhão para estruturação do setor cultural local vitimado pelos efeitos da pandemia. Certamente, o maior orçamento de fomento direto à cultura já vivenciado no município.

Como cidadão e profissional da área, gostaria de chamar a atenção da comunidade para algumas características reveladas nesse processo de interesse público:

O município de Ilhéus publicou quatro editais para os agentes culturais inscreverem suas propostas. Alguns dados revelados nesse ato público merecem atenção e reflexão da sociedade local:

· A categoria ‘Apoio a produção áudio visual de média metragem’ prevê 03 prêmios de 120 mil reais, totalizando 360 mil em uma única categoria – pelo edital 03, Paulo Roberto Ferreira dos Santos.

· Apoio a ‘cineclube e a mostras e festivais’ prevê uma vaga de 87 mil reais.

· Apoio a realização de ‘cinema itinerante’ prevê 03 vagas de 58 mil totalizando 174 mil reais nessa categoria.

De tal forma, em apenas 03 categorias desse edital, temos 621 mil reais disponíveis para 07 vagas. Quase a metade de todo o recurso disponível ao município. Em contraponto a isso, temos via Edital Pedro Matos a previsão de 392 mil reais para atender a 135 vagas com 01 a 06 mil reais – menos impostos. Enquanto, o edital de premiação a mestres populares prevê 11 ‘prêmios” de 02 mil reais; e o de premiação a agentes culturais do audiovisual prevê 06 vagas no valor de 06 mil.

I) A primeira questão é essa que os próprios números revelam. Por que a previsão de tanto para tão poucos e tão pouco para tantos? Necessárias 27 escutas públicas – as ditas, ‘oitivas’- pra chegarmos nesse modelo?

· Na categoria de média metragem – a de 3 vagas de 120 mil – foi incluído como pré-requisito para concorrer a vaga: a experiência comprovada na produção de tais produtos no setor. E essa produção deve ter a duração de pelo menos 50 minutos. Para o órgão federal que legisla sobre o cinema no país, a ANCINE – Agência Nacional do Cinema – média metragem é uma obra audiovisual com duração superior a 15 minutos e inferior a 70 minutos.

De tal forma, há o risco de real desse critério apresentado como obrigatório pelo município, impossibilitar proponentes negros/pardos e indígenas de acessar as duas vagas reservadas por lei para as cotas raciais nessa categoria. E consequentemente, que esse recurso seja remanejado para projetos de ampla concorrência.

II) Quanto a exequibilidade dos projetos, ou a capacidade deles de fato acontecerem e atingirem suas finalidades nos termos apresentados.

Se o setor público municipal, em um território fartamente marcado pela cultura afro, disponibiliza: 01 mil reais para 07 grupos de hip hop; 03 mil para 02 grupos de samba de roda; 03 mil para 19 grupos de capoeira, 05 mil para 06 blocos afro, etc. Menos impostos. Menos percentual mínimo de 10% do valor total do projeto a ser obrigatoriamente destinado à acessibilidade. Sobra quanto para esses grupos estruturarem suas ações e reverterem os danos acumulados desde a pandemia?

Uma retificação recente do tal edital ainda determina que: ‘os contemplados deverão conter previsão de execução de contrapartida em uma das três feiras culturais ou outro evento da Secult, cuja indicação de participação será pautada no interesse e conveniência da Administração Pública’.

É mesmo esse o entendimento de CONTRAPARTIDA SOCIAL que atende a finalidade da LPG? Ou as dinâmicas próprias dos projetos culturais realizados em suas diferentes linguagens e comunidades já são as contrapartidas sociais em si a serem identificadas e valorizadas?

Ainda quanto a exequibilidade dos projetos, comparativamente:

· No município, preveem a realização de um videoclipe por R$ 4.380 reais; pelo estado o valor previsto para a mesma entrega tem o orçamento de 20 ou 40 mil – a depender da linha e quantidade de profissionais previstos.

· O município prevê a produção de uma webserie por R$ 10 mil; pelo estado R$300 mil. Se for webcanal, 500 mil.

· O município sugere 05 mil por cada projeto na área da dança; 03 mil – música; 6 mil – teatro; 03 mil – artes visuais; 02 mil – leitura; R$1.974,53 para o circo. Para o estado, cada uma dessas linguagens conta com 04 linhas de premiação que oscilam entre 25, 50, 100 ou 150 mil.

III) Por fim, chamamos a atenção para os seguintes termos em atendimento à LPG, presentes nos editais municipais e estaduais:

“A compatibilidade entre a estimativa de custos do projeto e os preços praticados no mercado será avaliada pelos membros da comissão de seleção, de acordo com tabelas referenciais de valores, ou com outros métodos de verificação de valores praticados no mercado”.

Quais serão os métodos de verificação de valores usados pela comissão de seleção em Ilhéus? Podemos ter acesso a essa tabela referencial de valores? Haverá parecer de análise por cada critério analisado? Os proponentes que se sentirem lesados poderão acessar esses pareceres para fundamentar seus recursos? O processo de análise dos projetos será registrado de que forma? Com podemos acompanhar de perto esse processo?

Nesses termos, prevemos o risco da continuidade da precarização das relações profissionais no setor cultural no município e do desperdício de parte expressiva do recurso público disponibilizado aos trabalhadores da cultura com finalidade objetiva.

Seguem os nomes da Comissão de seleção publicado em diário oficial, para o acompanhamento da comunidade. Governo: Marcos Antônio Lessa dos Santos / Reinaldo Soares dos Santos / Gerson Dias Alves / Davison Leandro Souza Santos / Reinilson Soares dos Santos.

Sociedade Civil: Juvino Alves dos Santos Filho / Fernando José Reis de Oliveira / Ricardo Santos Sá / Antônio Noberto de Oliveira Xavier / José Ricardo Rosa dos Santos

Edson Ramos é professor, pesquisador e produtor de cultura.

Atualizado às 12h11min de 27/12/2023.

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