Agenor Netto venceu esclerose múltipla e se tornou atleta || Foto Arquivo Pessoal
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Netto lembra como hoje da primeira manifestação da esclerose múltipla no seu sistema nervoso. Tinha acabado de acordar e se deu conta de que não estava no comando do próprio corpo. “Não consegui nem sentar. Via tudo girando e senti uma coisa me pressionando para continuar deitado. Um mal-estar total”.

De início, os médicos suspeitaram de labirintite. O diagnóstico veio após terceiro episódio, no final de 2010, quando o representante comercial tinha 36 anos. “Eu tive a dupla visão. O olho direito só fazia subir e descer, e o esquerdo veio para a ponta, aquela bola preta. Perdi todo o movimento do lado esquerdo do corpo e tive paralisia facial também. Tudo junto”, conta Agenor Borges de Carvalho Neto, 50, em entrevista ao PIMENTA.

Morador da famosa Rua do Café, ladeira que liga o Centro de Ilhéus ao Alto Teresópolis, Netto enfrentou uma jornada dolorosa. Segundo o Guia de Doenças e Sintomas, do Hospital Albert Einstein, a esclerose múltipla é uma doença neurológica que inverte o papel das células imunológicas. “Ao invés de protegerem o sistema de defesa do indivíduo, passam a agredi-lo, produzindo inflamações”, informa o glossário.

As inflamações prejudicam, principalmente, a bainha de mielina, uma proteção que reveste os prolongamentos dos neurônios, os axônios, responsáveis por levar os impulsos elétricos do sistema nervoso central para o corpo e vice-versa. Portando, além das dores, os pacientes lidam com paralisias e disfunções motoras. “Eu fiquei como um extraterrestre. Não conseguia comer sozinho. Para tomar banho, tinha que me segurar na parede, com alguém me segurando também”, relembra Netto.

REDE DE APOIO

Rede de apoio, determinação e fé acompanham o ilheense desde o início do tratamento. Netto recebeu os cuidados da esposa, Ana Paulo Góis de Carvalho, dos pais e da irmã, a fisioterapeuta e professora Cristiane Alves. Naquele estado de total dependência, ele perguntava aos médicos até que ponto era possível retomar a mobilidade e o bem-estar. “Falei para o médico: se eu tiver 1% de chance, vou buscar. Mas, se eu tiver 0%, eu vou buscar o que não tem”.

Além da família, a rede de apoio ao portador de esclerose múltipla conta, no Brasil, com o Sistema Único de Saúde (SUS), que fornece os medicamentos de uso contínuo e de alto custo. O Interferon, usado por Netto, é vendido a mais de R$ 10 mil em embalagem com quatro doses. Ele recebe três injeções por semana.

Com fisioterapia e medicação, Netto recuperou a mobilidade e a visão, mas ainda convivia com desconfortos. Tinha formigamentos nos membros e fadiga, sintomas que os médicos associaram a hábitos sedentários. Apesar da recomendação médica, ele resistia a fazer exercícios físicos, até que um amigo o convenceu a se inscrever em uma corrida de 5 quilômetros. Desafio aceito, iniciou a preparação com o apoio de Ana Paula, que fez a prova ao seu lado, quatro anos após o diagnóstico.

MARATONA

A regularidade do exercício surtiu efeito. Netto superou a fadiga e os formigamentos, sentia-se bem, com a autoestima recuperada, e evoluiu seu condicionamento. Correu provas de 10 quilômetros e meia maratonas (21km), mas queria mais. “Em 2018, eu disse para a minha família: vou fazer uma maratona. Minha esposa me disse assim: agora você perdeu o juízo“. No mesmo ano, correu as maratonas do Rio de Janeiro, Salvador e Florianópolis.

Das provas mais tradicionais do esporte desde a antiguidade, a maratona tem percurso de 42 quilômetros e 195 metros. A ultramaratona deve superar essa distância. Netto correu a primeira em Mucugê, na Chapada Diamantina, onde correu 52 quilômetros em um terreno pedregoso e com altimetria de até 1.400 metros. De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, ele foi o primeiro portador da doença a correr uma ultramaratona.

Netto fez sua maior prova em Ilhéus, incríveis 235 quilômetros em menos de 60h. De tão incrível, fez questão de registrar tudo no formato de uma corrida oficial, com direito a vídeo, monitoramento via GPS e cobertura de emissora de TV. Após o feito, uma repórter perguntou como alguém com esclerose múltipla consegue superar um desafio dessa magnitude. “Eu tenho colocado a esclerose múltipla para correr”, respondeu o atleta.

“EIS O HOMEM”

A sacada pegou e se transformou em um lema de vida para Netto, que decidiu organizar a 1ª Corrida Bote a Esclerose Múltipla para Correr. Com centenas de inscritos, a prova será neste domingo (4), com largada às 7h30min, na Avenida Soares Lopes, em Ilhéus.

Para Netto, a promoção da corrida se transformou em uma causa social. Tirou dinheiro do próprio bolso para bancar as despesas e articulou o apoio da Associação Esperança Múltipla, que ajuda portadores da doença, sobretudo no início do tratamento.

O Brasil tem cerca de 40 mil casos da doença, segundo estimativa do Guia do Einstein. Netto vê a corrida desse domingo como um ato de acolhimento para as pessoas que enfrentam os mesmos desafios superados por ele ao longo de 14 anos. “As pessoas que tiveram o diagnóstico há pouco tempo, elas vão ver que não estão sozinhas. Vão receber aquela injeção de ânimo para se cuidar”.

Exemplo vivo do que prega, Netto parece ter encarado a fatalidade da doença com o grande sim dionisíaco à vida em toda a sua manifestação, a ponto de constatar que a enfermidade foi uma ponte de sua ultrapassagem ao super-homem celebrado por Nietzsche (1844-1900). “Os médicos dizem que eu consegui ultrapassar uma barreira. Com exercício físico, boa alimentação, disciplina, fé e vontade de estar bem, eu consigo me blindar dos sintomas. Minha qualidade de vida, hoje, é melhor do que antes do diagnóstico, porque eu me conheço mais e procurei me cuidar mais”, conclui o atleta.

5 respostas

  1. Exemplo de Superação, foco,disciplina, estou emocionada em ler tudo isto!
    Você é um verdadeiro Expemplo para qualquer ser humano.
    Seria tão bom se todos ,digo todos mesmo tivessem esta garra.
    Feliz Vida !

  2. Maravilhoso!!!. Conheço Neto há muitos anos, quando seu pai era representante e muito amigo
    É um exemplo. Eu me inscrevi, mas tive que ver pacientes. Parabéns mais uma vez Neto. Sou fã

  3. Que maravilha…estou muito emocionada com esse relato. Que exemplo…
    Tentei fazer a inscrição mas já tinha encerrado, uma pena.

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