Como dizia o velho técnico de futebol espanhol e hoteleiro Sotero Montero: “conheço o bom jogador pelo arriar das malas”. É assim a mística do boteco.
Walmir Rosário
Não há nada melhor do que acordar de bem com a vida. Numa sexta-feira, então, é essencial. E afirmo isso por experiência própria. Tenho me dado muito bem com esse costume. A sexta-feira, apesar de ser malvista por alguns, é o dia “ponto de corte” para iniciar um final de semana relaxando, recompondo as energias para enfrentar o batente na semana seguinte.
E é justamente às sextas-feiras que todos os órgãos do corpo humano pedem uma mudança de comportamento, o que é prenúncio de bem-estar. A depender da atividade exercida, a partir do meio-dia, o cidadão já pode desfrutar tranquilamente dos prazeres do fim de semana. Um almoço com amigos é ótimo antídoto para expulsar o mal-estar e o estresse acumulado na semana.
Mas é preciso ter em mente que nem todos os locais são apropriados para o relaxamento das tensões. Também não é preciso recorrer à harmonização de ambientes com decorações milenares, o que não vem ao caso. Deve ser tudo muito simples, bastando apenas os bons fluidos emanados pelos amigos que lhe rodeiam. O chamado bom astral é tiro e queda. Soluciona todos os problemas.
E nada melhor do que um boteco onde o bate-papo corra solto, livre entre seus parceiros de mesa e os vizinhos de outras mesas. É o sinal de que você está num lugar seguro e rodeado de pessoas bem chegadas. Para completar, faça uma pesquisa anterior e se certifique se o dono do estabelecimento é um verdadeiro personal boteco. Sim, eles existem e são figuras humanas afáveis, capazes de compreender o prazer que você busca, mesmo sendo desconhecido. Basta um olhar aprofundado, penetra no seu mundo interior e pode atender seus desejos. Como dizia o velho técnico de futebol espanhol e hoteleiro Sotero Montero: “conheço o bom jogador pelo arriar das malas”. É assim a mística do boteco.
Mas não se incomode ou leve a sério se o dono do boteco for do tipo que se vende como um personagem grosseiro. É que ele quer ser o centro das atenções em sua casa. São nesses locais onde a variedade e qualidade das cachaças são top, as cervejas se apresentam no ponto certo de refrigeração, os tira-gostos são divinos, os clientes fidelíssimos.
Nada melhor do que chegar num determinado ambiente etílico e encontrar as mesas lotadas (o que é um bom sinal) e o seu personal boteco ir buscar outra nos fundos do bar e colocar à disposição de seu cliente. Caso não existam mesas reservas, não tem problema, você será bem acomodado numa mesa já ocupada por colegas do boteco.
Para chegar a um status de alto nível, ser bem chegado, basta ter um comportamento adequado, ser gentil, ter boa conversa e ser bem informado sobre os temas em debate no local. Futebol, economia, política e notícias sociais diversas. Discuta com ênfase, sempre de acordo com padrões aceitáveis de educação e cortesia.
Como nesses locais – geralmente – antiguidade é posto, você poderá ocupar um local nos dois lados do balcão, para o desgosto do personal boteco, que aceitará sua localização inoportuna a contragosto. Essa postura, entretanto, não deverá ser adequada aos clientes novatos, ainda na fase de análise, para não ser rebaixado a uma categoria inferior, a dos chatos e folgados.
Lembro bem que no Bar do Itiel, no Alto Beco do Fuxico, para se tornar um cliente premium, em sua primeira frequência deveria ser apresentado por outro de patente superior, ou sequer cruzaria os umbrais daquela porta. Após a fase de observação, poderia desfrutar das honras e ser visto como um deles em qualquer situação.
Um bom cliente de boteco não deve ter receio de chegar com um violão em baixo do braço, desde que toque com maestria e não atrapalhe as conversas entre os colegas. Tenha um bom repertório, a exemplo de Caroba e Pinguim, e entre na gandaia com bons modos. Um bom frequentador de boteco é conhecido desde sua chegada, com efusivos cumprimentos.
Seja sempre um gentleman, afinal, você frequenta o seu segundo lar e terá mais liberdade do que na sua casa. É uma questão de estilo.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado, além de autor de livros como Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.