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A experiência do fascismo na Itália tinha, pelo menos, três características centrais: nacionalismo chauvinista, autoristarismo e antissocialismo. É revelador que o nascimento do Partido Nacional Fascista tenha se dado oito meses após a fundação do Partido Comunista Italiano, criado em 21 de janeiro de 1921. Quando recrudesceu o regime, a partir de 1925, Benito Mussolini o fez com apoio da burguesia industrial, da monarquia italiana e do Vaticano, que só romperam com o Duce nos estertores da Segunda Guerra.

No Ocidente, a experiência italiana serviu de modelo para os regimes destinados a conter a expansão do comunismo, impulsionada pela Revolução Russa de 1917. No Brasil, o Golpe de 1930, além de extinguir a República Velha, mobilizou as oligarquias nacionais contra a ameaça comunista. Nessa época, antes do segundo golpe de Getúlio Vargas, em 1937, os principais adversários ideológicos dos comunistas eram os integralistas, que emularam o discurso nazifascista quando Hitler e Mussolini ainda eram exaltados por fatias expressivas da sociedade brasileira.

O lema Deus, pátria e família, dos integralistas, ganhou eco na Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, que antecedeu o golpe responsável pela instauração da ditadura civil-militar, em 1º de abril de 1964. As reformas de base do então presidente João Goulart eram, segundo a propaganda golpista, a encarnação do comunismo no Brasil. Nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro (PL) foi eleito presidente da República com sua adaptação do lema integralista: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Às vésperas de tentar a reeleição, Bolsonaro retoma os ataques aos partidos e movimentos de esquerda, reduzindo o campo político adversário, mais uma vez, à ameaça comunista.

Nesta entrevista ao PIMENTA, o presidente do Sindicato dos Bancários de Ilhéus e ex-candidato a vice-prefeito, Rodrigo Cardoso, 43, resgata parte da história do Partido Comunista do Brasil no sul da Bahia e atribui a Jair Bolsonaro a peculiaridade da representação de um neofascismo antinacionalista. Também interpreta o significado da provável aliança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) e defende a continuidade do projeto liderado pelo PT no governo baiano. Leia.

PIMENTA – Quando nasceu, oficialmente, o comunismo brasileiro?

RODRIGO CARDOSO – No dia 25 de março de 1922, em Niterói, fundado como Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1962, dentro de uma discussão interna do partido, uma ala mudou a sigla para PCdoB e outra mudou o nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla PCB. A gente pode dizer que, hoje, esses dois partidos são da herança da fundação do PCB de 1922.

Ainda existe disputa por essa herança?

Acho que não. Os dois partidos são herdeiros dessa tradição de luta em defesa do povo brasileiro, dos interesses nacionais, dos direitos sociais e dos direitos dos trabalhadores. Acho que isso não é mais visto como motivo de disputa.

Como o projeto revolucionário aparece no horizonte do PCdoB hoje?

O PCdoB entende que a luta pelo socialismo vive etapa, estrategicamente, defensiva desde o fim da experiência socialista no leste europeu. Apesar disso, já no século XXI, algumas experiências socialistas permanecem pujantes, como na China, que é a segunda economia do mundo e, potencialmente, a médio prazo, se tornará a maior. Outros países seguem firmes na luta pelo socialismo, além dos lutadores nos mais variados países do mundo. O cenário mais recente da crise estrutural do capitalismo, a crise financeira, apresenta a construção de uma alternativa socialista como necessidade para o mundo. No entanto, entendemos que esse é o processo de uma revolução longa, de retomada de iniciativa e de apresentação de um projeto socialista, com a consciência e a convicção de que o mundo, sob o capitalismo, estabelece um futuro muito difícil para as grandes massas e a maioria das nações.

Temos visto muitas comparações do comunismo como nazismo, a exemplo das declarações do youtuber Monark no programa Flow, que defendeu a legalização do partido nazista no Brasil. Como você analisa essa comparação?

Essa comparação só interessa aos fascistas e aos nazistas, tendo em vista que os comunistas foram os principais responsáveis pela derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial. Há uma contradição direta entre o comunismo e o nazi-fascismo. Quem estava alinhado com as experiências democráticas para derrotar o nazi-fascismo foi o bloco dos partidos e países socialistas. É absurdo estabelecer qualquer paralelo nesse sentido. O comunismo é uma ideologia humanitária, que busca a construção da igualdade, tanto da igualdade entre indivíduos, do ponto de vista dos direitos, quanto da igualdade econômica. O nazismo é a ideologia do racismo, da exclusão, da destruição, da barbárie. Esse é um paralelo falso. Alguns setores que buscam o liberalismo extremo acabam, na prática – e isso ficou muito claro na fala do Monark -, tentando naturalizar o nazismo.

No final da década de 1960, a vereadora Ida Viana Rêgo (MDB) deu apoio, em Ilhéus, à formação de um grupo de resistência armada à ditadura, que tinha militantes do clandestino PCdoB. Você tem informações sobre esse episódio?

A história dos comunistas em Ilhéus vem de Nelson Schaun, que era um intelectual, professor e teve relação com o movimento indígena do Caboclo Marcelino, dos tupinambás de Olivença. Na fase de pré-clandestinidade do período Vargas, Nelson Schaun foi uma das principais referências do Partido Comunista no sul da Bahia. Na ditadura, houve esse movimento clandestino, mas nós, do partido, temos poucas informações documentadas, apesar de termos rumores sobre essa questão. Durante o regime militar, Haroldo Lima era um dos principais dirigentes da Ação Popular, grupo da esquerda católica que acabou se incorporando ao PCdoB. Haroldo esteve na região, nessa tentativa muito embrionária de resistência armada, que não avançou. Posteriormente, na década de 1980, no processo de redemocratização, ainda na clandestinidade, mas funcionando dentro da ala progressista do MDB, os membros do partido vieram para a nossa região. Eram jovens militantes que tinham vínculo com o partido em Salvador. Foi o caso de Davidson Magalhães, de Itabuna, Gustavão, nosso principal dirigente de Ilhéus, doutora Fátima, advogada, doutor Renan. A partir daí, começaram a constituir a organização política do partido, que foi legalizado em 1985 e passou a se estabelecer na luta concreta da nossa região, tendo papel muito importante nos mais variados setores da juventude e dos trabalhadores. Militantes do PCdoB tiveram papel de protagonismo na luta pela estadualização da Uesc.

Quando começa sua história no partido?

Cheguei ao partido no ano 2000. Quando entrei na Uesc, em 1998, já havia o movimento estudantil forte e combativo, com uma história muito bonita dos comunistas na luta pela estadualização da universidade. O camarada Wenceslau Júnior, em especial, era referência muito forte no nosso movimento estudantil. A parti daí, entrei na militância. Fui do Centro Acadêmico de Direito, do Diretório Central dos Estudantes, dos conselhos da universidade. Depois, ingressei no movimento dos trabalhadores, porque já era funcionário do Banco do Brasil e me integrei à luta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Quais são os desafios da atuação do PCdoB em Ilhéus, na Bahia e no Brasil?

Conquistamos um mandato na Câmara de Ilhéus, do vereador Cláudio Magalhães, primeiro vereador indígena da cidade. Essa vitória foi muito importante, como em Itabuna, o outro polo da nossa região, onde o partido elegeu a servidora e presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, Wilmaci Oliveira. A existência dos parlamentares dá esteio muito forte para a militância do partido, que tem o desafio de ser instrumento da luta do povo. No caso da Bahia, temos relações com o Governo do Estado, tendo em vista que o partido faz parte da base, com Davidson [Magalhães] na Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda e com participação na Secretaria de Política para as Mulheres, na Bahiagás e outros setores do governo estadual, nesse sentido de atrair políticas públicas que ajudem o desenvolvimento da região e melhorem as condições de vida do nosso povo.

Do ponto de vista político-eleitoral, o desafio é tentar manter esse projeto que tem trazido muitos avanços para a Bahia, que começou com Wagner, segue com Rui Costa e, a partir de agora, será liderado por Jeônimo Rodrigues. E o PCdoB também tem o objetivo de eleger seus parlamentares. Na região, temos como centro da tática política-eleitoral a pré-candidatura de Wenceslau Júnior, ex-vice-prefeito e ex-vereador de Itabuna, a deputado federal. Do ponto de vista nacional, o centro da nossa atuação política é derrotar o bolsonarismo. O Brasil não aguenta mais. O povo brasileiro está sofrendo demais, com perda do poder de compra [do salário mínimo], gasolina nas alturas, inflação disparada, desemprego alto. Um país estagnado, sem projeto, que precisa ser reconstruído. Na nossa visão, nesse momento, isso passa por um papel muito importante da liderança do ex-presidente Lula.

Temos visto dois argumentos sobre a provável aliança de Lula com Geraldo Alckmin, que deverá ser o vice do petista. De um lado, aponta-se acerto devido à necessidade de ampliação da frente democrática contra a reeleição de Bolsonaro. Entretanto, há quem diga se tratar de capitulação à política econômica que o ministro Paulo Guedes representa. Qual é o significado dessa nova parceria?

Está à altura da gravidade do momento político que vivemos. Como falei antes, nós, comunistas, damos muita importância ao enfrentamento do fascismo. E Bolsonaro é um dos principais representantes do mundo de uma corrente neofascista, de uma política de extrema-direita que busca restringir os espaços democráticos. No Brasil, temos a peculiaridade de ser um neofascismo antinacional, que busca ser autoritário e destruir os direitos do povo, mas também entregar o patrimônio nacional, a preço de banana, a grandes interesses econômicos estrangeiros. O fundamental desse governo de Bolsonaro, o que leva à unidade [da oposição], é a ameaça à democracia. Alguns dizem que a democracia é o pior governo que existe, mas o melhor já inventado. A defesa da democracia, que foi conquista histórica do povo brasileiro, leva à necessidade da maior união possível. Não vejo nenhum problema nisso. Tenho convicção de que isso não passa, necessariamente, por concessões do programa econômico. Afinal de contas, Alckmin, enquanto possível candidato a vice-presidente, já foi para o PSB, partido de centro-esquerda, que tem convicções do seu programa e é mais alinhado com o programa de Lula e das esquerdas. Portanto, se entrar nessa aliança, Alckmin entrará comprometido com o programa de governo de reconstrução do Brasil.

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