O craque Juca Alfaiate (no centro entre os agachados) fazia jus à fama conquistada em campo e com a tesoura na mão || Arquivo Walmir Rosário
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Juca era respeitado e admirado na sociedade, tanto assim que até o Exército brasileiro lhe fez uma deferência quando foi convocado para servir à Pátria, lutar contra os alemães na Itália, durante a segunda Guerra Mundial.

Walmir Rosário

Durante um jogo no Maracanã estreava na arquibancada do maior estádio do mundo um itabunense. Acostumado a assistir aos jogos no acanhado campo da Desportiva, a todo o ataque dos times cariocas, levantava, fazia muitos gestos, o que perturbava os torcedores localizados logo atrás. E eis que num determinado momento, ouve os torcedores gritando “Fica quieto, Juca Alfaiate”. Olha ele pra trás e pergunta: “Você também é de Itabuna?”, e o carioca responde: “Não sei onde é isso, mas é o nome que está estampado na sua bunda”.

Alfaiate de mão cheia, José Correia da Silva, ou melhor Juca, ainda é considerado o maior craque de Itabuna. E durante toda a minha vida nunca vi ou ouvi ninguém discordar, o que nos faz crer que seja verdade firmada. Magro, educado, bem falante em tom médio, foi quem vestiu os elegantes da cidade por muitos anos. E o seu marketing era estampado por uma fina etiqueta em todas calças, paletós e camisas por ele confeccionadas.

Mas nessa crônica não nos vale muito a refinada profissão de Juca Alfaiate, e sim o seu desempenho no futebol. Se na alfaiataria deixava os clientes elegantes, nas quatro linhas do campo da Desportiva ou estádios alheios, o elegante era ele. Nos anos 1940/50 era quem mandava nos jogos pelos clubes em que jogou, a exemplo do São José, São Cristóvão, Grêmio, Associação Atlhética e Flamengo, todos de Itabuna.

Em campo, frio e calculista, idealizava as jogadas com a mesma maestria em que cortava um terno de linho S-120. Recebia a bola, a matava no peito ou no pé, se desvencilhava do adversário com um jogo de corpo e partia para área em busca de mais um gol. Se a marcação era muito cerrada, distribuía a bola aos companheiros melhores colocados e se postava mais próximo da pequena área.

Baixo e magro, os adversários que ainda não o conheciam acreditavam que era mais um jogador irrelevante, escalado na falta do titular e que estaria ali apenas para fazer número. Ledo engano, assim que o viam dominar a bola passavam a respeitá-lo e somente com falta conseguiam pará-lo, isso quando ele não se antecipava às botinadas dos zagueiros, deixando-os ainda mais zangados e desmoralizados.

Uma falta nas proximidades da grande área era o terror dos goleiros adversários. Como não queria nada, se aproximava do local, pegava a bola com carinho e a colocava no lugar determinado pelo árbitro. Bastava olhar para a barreira formada à sua frente, recuava três ou quatro passos, e como não queria nada, avançava para a bola e dava um chute certeiro, bem colocado, como todos os craques devem proceder.

Não restava alternativa ao goleiro do que pegar a bola no fundo da rede, do lado distinto do qual havia caído. Sim, pois Juca Alfaiate era perfeccionista e ao bater faltas não abria mão do efeito aplicado com o lado do pé, com a finalidade da bola fazer uma curva e enganar o arqueiro. Era bola num canto e o goleiro no outro. E sua frieza deixava os goleiros possessos, pois batia com os dois pés, enganando a barreira e o goleiro.

Nasceu pra jogar bola, diziam torcedores do seu time e até os adversários. Sim, era um craque talhado, como as curvas dos paletós nos corpos dos clientes. Mas juntava sua habilidade natural com os treinamentos, especializando nos dribles desconcertantes, nos chutes com destino certeiro. Com o tempo se fez mestre em marcar gols espetaculares, como os de bicicletas, que faziam os torcedores da velha Desportiva vir abaixo com os aplausos. Mais bonitas do que as de Leônidas da Silva, diziam os mais exaltados.

Incentivado a se profissionalizar nos grandes times brasileiros, de Salvador, Rio de Janeiro ou São Paulo, Juca não se deixava influenciar pelos muitos conselhos a ele dados pelos especialistas do futebol. Queria jogar bola artística como sabia e não como os técnicos e seus ensinamentos queriam. E para referendar, até mesmo uma proposta mirabolante do Guarany, de Salvador, ele recusou de pronto. Pois o Guarany levou todo o time titular, até o seu reserva, que foi o artilheiro e campeão baiano, mas ele ficou.

Juca preferia dividir sua vida entre a família, a profissão de alfaiate de requinte e o futebol refinado. Por onde passou convivia com pessoas bem próximas dele, clientes, amigos bem chegados, craques que faziam vibrar os apaixonados torcedores. Se o futebol não lhe dava o dinheiro que precisava, a alfaiataria permitia que vivesse decentemente, dentro dos padrões da dignidade. Não tinha do que reclamar.

Juca era respeitado e admirado na sociedade, tanto assim que até o Exército brasileiro lhe fez uma deferência quando foi convocado para servir à Pátria, lutar contra os alemães na Itália, durante a segunda Guerra Mundial. Em Ilhéus, onde esperava a data para embarcar num navio para a Europa, os oficiais ficaram encantados com o seu futebol e postergaram a viagem. Ainda bem que Ilhéus conheceu, de perto, o futebol jogado por Juca Alfaiate.

Juca Alfaiate praticava o bom futebol, tratando a bola com respeito, driblando os adversários, não por pura vaidade, mas para chegar ao gol com mais facilidade, jogando a bola nos fundos da rede com plasticidade. Foi um craque temido e, ao mesmo tempo, querido pelos adversários. Parou quando deveria, não pela marcação dos zagueiros, mas por uma contusão. Infelizmente, o centroavante consagrado deixou as quatro linhas e calou as arquibancadas. Nunca mais os dribles e os gols espetaculares de Juca Alfaiate.

Walmir Rosário é radialista, jornalista, advogado e além de autor de livros como Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.

Caixa misteriosa, que seria fardo de borracha, apareceu na Praia do Sul, em Ilhéus || Foto Geovana Almeida
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Turistas e nativos que caminhavam na zona sul de Ilhéus, na manhã desta sexta-feira (19), se depararam com “caixa” coberta por organismos marinhos. As caixas são semelhantes às encontradas na orla da Região Metropolitana de Salvador e nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, onde a embarcação alemã afundou em 1944.

O material foi avistado na praia do Sul, em Ilhéus. A enfermeira Geovana Almeida disse ao PIMENTA que caminhava pela praia, por volta das 7h30min, quando viu o objeto, que tem formato de mala.  A descoberta logo atraiu curiosos, que acionaram o “Senhor Google” em busca de informações que auxiliassem na identificação do objeto.

O material, de borracha, seria parte da carga de um navio nazista que afundou após tentar entrar na costa brasileira em plena Segunda Guerra Mundial, nos anos 1940, conforme o oceanógrafo Carlos Teixeira, da Universidade Federal do Ceará (UFC). As pesquisas do professor da universidade cearense começaram em 2018, quando fardos começaram a aparecer na costa brasileira, primeiro no Ceará.

Segundo a pesquisa do professor, a carga fazia parte do navio SS Rio Grande. Os alemães, conforme entrevista de Teixeira ao Correio24h em agosto deste ano, usavam o nome português para confundir os adversários em plena Segunda Guerra. Com o SS Rio Grande, a estratagema furou. A embarcação foi torpedeada em 4 de janeiro de 1944 por embarcações de guerra norte-americanas próximo a Natal, capital do Rio Grande do Norte.

No ataque dos Aliados contra os nazistas, uma pessoa da embarcação morreu, 71 ficaram feridas e o navio afundou a mais de 5,7 mil metros de profundidade, de acordo com o professor Carlos Teixeira. Ainda intriga os pesquisadores o que fez a carga voltar à superfície. Das teorias aceitáveis, diz o professor, a descoberta da embarcação por grupos piratas.

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marivalguedesMarival Guedes | marivalguedes@gmail.com

Um fervoroso católico que conheço costumava fazer chacota afirmando que comunista come criancinha, maliciosamente utilizando o duplo sentido. Não brinca mais. Neste aspecto, descobriu depois que a brincadeira ou a “coisa séria” se aplicava a alguns padres.

Ouço, desde a adolescência, a frase comunistas comem criancinhas e somente no ano passado descubro sua origem lendo o ótimo livro Os últimos soldados da guerra fria, do escritor Fernando Morais.

A anedota afirmando que comunistas comem pessoas nasceu no fim da Segunda Guerra Mundial por meio dos fascistas, que distribuíam milhares de panfletos dizendo: os soldados que se entregarem ao Exército Vermelho serão triturados e transformados em comida para saciar a fome da população.

No caso específico das crianças, a macabra estória surgiu numa das mais perversas operações realizadas pelos Estados Unidos em Cuba. Segundo o escritor, “a CIA e o arcebispo Coleman Carroll, titular da arquidiocese de Miami, arquitetaram um espantoso plano de transferência massiva de crianças de Cuba para os EUA.”

Através de uma emissora de rádio instalada em território hondurenho, um locutor gritava alertando as mães cubanas que o governo revolucionário iria roubar seus filhos quando eles completassem cinco anos. Acrescentava que “só seriam devolvidos aos 18 anos, transformados em monstros materialistas.”

Depois foram distribuídos milhares de panfletos “com o texto de uma falsa lei afirmando que o pátrio poder das pessoas menores de vinte anos seria exercido pelo Estado.” No documento, com três artigos e dois parágrafos, colocaram a assinatura do Doutor Fidel Castro, primeiro ministro, e do presidente da República, Osvaldo Dorticós.

A denominada Operação Peter Pan foi executada em 1960 pelo padre irlandês Brian Walsh. Fernando Morais conta “que os desmentidos do governo revolucionário não foram suficientes para diminuir a apreensão das famílias cubanas.”

Foi neste momento que espalharam a estória dos comunistas comedores de criancinhas. Escreve Morais: “Vigários de paróquias de todo o país, especialmente no interior, onde vivia a população mais simples e desinformada, se encarregaram de difundir a macabra versão de que as crianças separadas dos pais seriam removidas para Moscou e transformadas em consumo para a população russa.” Segundo uma ONG americana, 14.048 menores de ambos os sexos foram contrabandeados para os Estados Unidos.

Um fervoroso católico que conheço costumava fazer chacota afirmando que comunista come criancinha, maliciosamente utilizando o duplo sentido. Não brinca mais. Neste aspecto, descobriu depois que a brincadeira ou a “coisa séria” se aplicava a alguns padres.

Marival Guedes é jornalista e escreve no Pimenta às sextas.