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Ricardo Ribeiro

ricardoribeiro@pimentanamuqueca.com.br

O depoimento do adolescente J. ao repórter Osvaldo Bispo, no programa O Crime não Compensa (Difusora), ontem, deveria ser gravado e distribuído a todas as autoridades. Não de Itabuna, mas do País. Em frases curtas, expressadas com desinteresse, frieza e cinismo, o menor contou porque agrediu e ameaçou a vice-diretora do Colégio General Osório. Ele negou a intenção de matar, embora tenha sido flagrado tentando entrar no colégio com um revólver calibre 32.
J. contou que agredia e ameaçava a professora porque ela estaria “abaixando” suas notas. Depois admitiu que tirava notas baixas pelos seus próprios (de)méritos, mas exigia que quem o avaliasse desse uma melhorada na situação. Como não conseguiu isso, o pequeno delinquente de 14 anos idealizou matar a professora.
A vítima do infrator (para usar uma terminologia do Estatuto da Criança e do Adolescente) também falou ao repórter. Apesar da aparente tranquilidade, revelou medo. Não daquele agressor  em particular, porque ele não passa de um mero exemplo da situação que está se tornando tragicamente comum nas escolas da rede pública. Os protagonistas são jovens normalmente criados em lares desestruturados, sem referência familiar, jogados na escola como se esta fosse a única responsável pela sua educação.
Na opinião da vítima, a atividade do magistério é hoje uma profissão de risco, quase da mesma forma que a função de um policial. Infelizmente, agressões e ameaças a professores já não são novidade em nenhuma escola pública do Brasil. E basta passar alguns minutos com qualquer guerreiro de sala de aula para se ouvir relatos escabrosos.
A vice-diretora do General Osório sugere que cada escola funcione com a presença constante de um soldado da PM, o que daria apenas uma falsa sensação de segurança. Não vai demorar a surgir alguém que aconselhe a instalação de sistemas de videomonitoramento nos estabelecimentos de ensino, para identificar e punir mais rapidamente os que procuram retribuir o vermelho dos boletins com um olho roxo no professor.
Medidas de vigilância e punição são o que vem à tona neste momento, que é quase de pânico. Mas é preciso também estimular um debate sobre o modelo de sociedade em que estamos vivendo. Talvez sejamos o povo que mais conformadamente aceite a desigualdade e a miséria da maioria, que são as causas maiores da formação de adolescentes desequilibrados e capazes até de matar.
Nos bairros pobres de Itabuna, é crescente o número de mulheres que  mal passaram dos 30 anos e já são avós. Tiveram filhos ainda crianças e viram suas crianças terem os delas. São gerações nascendo e se criando sem referências, em muitos casos entregues às ruas, sendo adotadas por marginais. É uma indústria que produz em escala crescente e as consequências serão cada vez mais  assustadoras.
Em tempo: o revólver calibre 32 com o qual J. pretendia matar ou assustar a vice-diretora do General Osório pertenceu ao irmão dele, que tinha envolvimento com o crime e foi assassinado. A arma, juntamente com a falta de princípios e o instinto violento, ficou de herança para o irmão menor.
Ricardo Ribeiro é advogado e blogueiro.

14 respostas

  1. Parabéns, Ricardo! É isso aí, a verdade é triste. Só para relembrar, bsta assistir ao documentário do rapper MVBill: Falcão, Meninos do Tráfico (2007), ou Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída (1981), ou Trainspoint (1996), ou Traffic (2000), ou Réquiem para um Sonho, também de 2000, ou Candy (2006) ou, por fim, Meu nome não é Johnny (2008) para a gente ter uma idéia aproximada do que estamos vivendo. É universal!
    Abraços

  2. Ricardo, você deveria postar mais vezes no blog, pois seus comentários são sempre dotados de profunda lucidez e coerência.
    Fala-se tanto hoje em proteger a natureza, em salvar o planeta e fala-se muito pouco em salvar os valores morais e religiosos. É isso que está degradando a nossa sociedade cada dia mais e nem tanto a questão financeira. Se condição social livrasse alguém da criminalidade, não existiriam deputados, senadores e afins ladrões.
    Sinceramente, não vejo com otimismo o futuro da humanidade.

  3. PARABÉNS!
    Esse texto deveria circular nos principais Jornais do país!
    A culpa por tudo que acontece no país não é exclusiva do Estado, mas sim de toda sociedade, que se acomodou com a situação de insegurança e impunidade. A sociedade deve e pode se manifestar, não apenas se esconder e ignorar esses fatos relevantes para a violência e falta de educação, qualquer forma de educação!
    O problema que, não é apenas o menor J. que tem esse extinto assassino, por falta de uma estrutura familiar, falta de uma educação doméstica, esse “fenômeno violento” se estende á toda classe da sociedade. A violência quebrou barreiras sociais, os crimes, barreiras políticas!
    Fica difícil combater a violência enquanto houver corrupção nas corporações de Segurança Pública, fica difícil combater a violência enquanto nossos governantes forem corruptos e criminosos.
    Os professores não são valorizados pelo Estado, a polícia não é valorizada, nem estruturada pelo Estado, pessoas como o menor J. hoje torna-se um polícial militar, torna-se um “assassino da lei e ordem”, sem preparação psicológica, sem estrutura básica familiar!
    O governo é culpado!
    A sociedade é culpada!
    E ninguém faz absolutamente, NADA!

  4. Ricardo quando penso na escolas públicas algo pode ser justificado como vc disse pela falta de condições sócio-emocionais dessas crianças e adolescentes. Mas o pior é quando essa falta de respeito é decorrente de alunos universários que utilizam o slogan “eu estou pagando” para querer se beneficiar, acreditando que por estar pagando podem tudo. No passado, extraindo a rigidez excessiva, vavia respeito, hj está complicado.

  5. O texto de Ricardo sintetiza o que acontece em nosso país. Aqui em Uruçuca, apesar de um esquema sequencial de crimes, especialmente, os cometidos por motoqueiros, escondidos atrás de capacetes, as autoridades responsáveis, não tomam uma atitude de forma a coibir a violência. Vários assassinatos ocorridos por aqui, continuam sem nenhuma solução. O efetivo policial da cidade, em número insuficiente, está desaparelhada. Falta condições para o policial trabalhar. Falta apoio municipal e estadual. Infelizmente vamos continuar, impotentes, assistindo a continuação desses crimes, que na maioria das vezes tem origem no tráfico de drogas.

  6. A quem interessar, e eu creio que interessa a todos nós sem excessão: sobre as propostas de preservar ou proteger a natureza, existe um convênio do ministério do meio ambiente com o ministério da educação – MEC+MMA – configurado como Educação ambiental, uma variante da Educação, autorizada pelos PCNs e pelas Leis Nacionais de Educação ambiental.
    Estas recomendações observam os pricípios de OUTRIDADE e SUSTENTABILIDADE, partindo da reeducação humana para o respeito à ALTERIDADE, cujo objeto, o ESTADO do MUNDO deve ser posto na escola como atenuante das questões humanas.
    Considerando o CONSUMISMO EXACERBADO, incluindo o poder sobre pessoas, o que resulta na ALTA PRODUÇÃO DE LIXO, é notável que o desencadeamento destas situações vem da ALTA TAXA DE NASCIMENTOS, oriunda da etariedade mais tenra.
    Alguns destes desdobramentos, estão descritos em parte, por Gustavo, no primeiro comentário deste tópico, mas ainda falta explicitar que o inchaço dos serviços em todos os níveis, incluindo os sistemas: saúde, habitacional, financeiro, trabalhista, previdenciário, educacional, complicam sobremaneira as relações humanas.
    Entretanto, há pessoas que ainda “acham” que proteger a natureza é desproteger o homem. Não atentam para o fato de que não existe o homem sem a natureza. A teia da vida não se mantém sem os fios. As consequências da ignorância é a repetição de velhos hábitos, incluindo o retorno á barbárie, o que já estamos vivenciando e testemunhando.
    Não sejamos tolos de pensar que o futuro se apresenta maravilhoso, se não fizermos nossa reforma de hábitos e atitudes. Isso agora não é coisa somente de ECOCHATOS.

  7. Parabéns pela sensibilidade e agudez! seu texto merece ser inserido nos anais da Câmara de vereadores e instâncias superiores e em todos os órgãos da Imprensa. Voce descreve os fatos com a alma e ao mesmo tempo usa a razão, ao apontar a seriedade do fato, a fragilidade dos professores, diante do contexto, a desestruturação da família, a falta de Deus no coração do homem e a gigantesca desigualdade social, provocada pela insensibilidade de políticos e governantes para a situação que tende a se agravar, além do avanço desenfreado das drogas em todas camadas sociais. Esses meninos e meninas, alguns pais e mães, são também, vítimas do sistema. Gostaria de dialogar com meus colegas e alunos na UESC, a respeito do texto. É possível obter uma cópia?

  8. O mais interessante que o ECA protege de tal maneira esse jovens que tiraram dos professores toda e qualquer autoridade.Estamos vulneráveis a todo tipo de atrocidade e só podemos buscar ajuda se algo grave nos acontecer.
    A diretora de meu colégio disse que perdeu as contas das vezes que foi ameaçada por alunos e xingada até por pais, veja bem, por pais desses alunos, quando são chamados a comparecer à escola sobre o comportamento de seus rebentos…e o pior que ela nunca deu queixa, no que já foi orientada para fazê-lo, mas só depende dela esta ação…
    Algumas escolas já possuem videomonitoramento e, se tivesse verba suficiente para tal, tenho certeza que todas teriam!! Todas, pelo nível de educação de berço que estes jovens trazem hoje para a escola…
    Só podemos pedir …socorro!! escolas de Direito, esperamos projetos jurídicos (ex:como defender os professores, funcionários e dirigentes nesse emaranhado de leis a favor do menor); escolas de Medicina esperamos projetos de saúde (ex: como fica por dentro de um corpo -lesão cerebral e outros órgãos- de uma pessoas que morre por droga, seja bebida ou outra qualquer);UESC em seus vários segmentos e tantas outras, e de órgãos públicos como a Polícia Militar, Juizado de Menores,que podem investir nesse novo filão tão mais profundo do que os livros apresentam até hoje…socorro!! enquanto estamos vivas …

  9. Excelente texto.
    Acompanhei em MG uns 4 anos atrás, o caso de uma mãe que trouxe um policial à escola. Lá chegando, o policial ficou sabendo que a queixa da mãe era de que o professor de História havia reprovado o filho, devendo, portanto, ser preso.
    O pior de tudo é que a diretora da escola optou por censurar o professor… Isso diz bastante da situação de abandono da nossa classe. Depois da aprovação automática e de outros modismos, o ensino no Brasil entrou numa era sombria.
    Virou pecado valorizar os melhores alunos e cobrar resultado dos alunos que não se esforçam. Toda a culpa de qualquer problema foi atribuída ao professor. Isso sem que lhe reste qualquer autoridade.
    Uma sociedade em que não se cobra esforço e não se premia o esforço não tem futuro.

  10. Realmente o texto do Ricardo – blogueiro – é excelente, mas o que mais me chamou a atenção foi o fato do comentarista Ricardo “Teimoso” K, …, etc, …, reconhecer que o estado não valoriza professores e policiais, …!!!
    Será que está evoluindo, meu Deus, …?!?!?!
    Outra espécie de violência, esta sendo velada, é o fato de alunos de colégios particulares e Universidades Privadas acharem que são clientes e que os professores terão que aprová-los de qualquer forma, muitas vezes com o aval da direção dos estabelecimentos, …!!!

  11. Eu tenho um admirador!!!
    Mas tenho que ser realista diante fatos!
    Só que esse problema não é exclusivo do governo atual, escolas e corporações de segurança foram sucateadas em governos anteriores!
    Fica difícil estruturar em apenas 4 anos!
    Mas a culpa não se resume ao Estado, a sociedade com sua omissão também contribue!

  12. O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, acabou com a autoridade dos pais. Agora, cabe ao Estado tomar conta dos delinquentes juvenis que ele está ajudando a produzir.

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