AFINAL DE CONTAS, QUEM É A BOLA?
A grã-fina das narinas de cadáver chega ao Maracanã em dia de Fla-Flu e, diante daquele espetáculo de povo, pergunta, entediada, a seu acompanhante igualmente grã-fino: “Quem é a bola?”. A grã-fina das narinas de cadáver é um dos tipos do escritor Nelson Rodrigues, reinventor da crônica esportiva – e que também poria em campo o Sobrenatural de Almeida. No geral, é lembrado pela criação de expressões como o óbvio ululante, toda unanimidade é burra, Palhares (o canalha), a freira de minissaia, o padre de passeata e outras, entre elas A Pátria em chuteiras, para justificar a paixão brasileira pelo futebol.
COLEÇÃO DE CHUTES NA LINGUAGEM
“PATRIOTAS” BERRAM DIANTE DA TEVÊ
DUNGA, SE ACASO LEU, NÃO ENTENDEU
“A Pátria em chuteiras” é só uma criação literária de um cronista genial, que Dunga não leu, e se leu não entendeu as circunstâncias históricas em que nasceu a expressão. Sobre a importância da Copa do Mundo para o patriotismo, acho ilustrativa uma historinha de Garrincha, talvez inventada por Sandro Moreyra: em 1958, quando lhe disseram que aquele jogo (Brasil 5×2 Suécia) era o último, o ponta-direita do Botafogo saiu-se com este comentário judicioso: “Que torneiozinho mais mixuruca!…”. Pela parte que me toca, continua sendo.
“ATÉ MEU PADECER, DE TODO FENECER”
MÁGICA ORAÇÃO À MULHER AMADA
CANÇÃO PREFERIDA DE DONA BALBINA
Qualquer dia desses vamos relacionar aqui alguns erros famosos, de cantores igualmente famosos. Por enquanto, fiquemos com (mais) uma curiosidade sobre Rosa: Francisco Alves (o Chico Viola, Rei das Voz) e Carlos Galhardo se recusaram a fazer a primeira gravação dessa música porque o lado A do disco (eram, então, só duas canções por disco) tinha Carinhoso. Orlando Silva (foto) pegou a oportunidade, e o resto todo mundo sabe. Recentemente, numa velha entrevista de Orlando Silva, soube que a partir de 1968 ele deixou de cantar Rosa, pois caía no choro a cada tentativa. Era a canção preferida de sua mãe (Dona Balbina), que morreu naquele ano.
A “CULTURA” ESTÁ NAS ORELHAS
DE LEITURAS, RELEITURAS E SAUDADES
EM DÉBITO COM HOMERO, ESOPO E MARX
CONTOS DE CYRO, POEMAS DE BANDEIRA
Por isso, que me perdoe meu amigo oculto, pela não leitura daquele seu livro, com o qual ele imagina (talvez, com boa margem de acerto) revolucionar a literatura brasileira. Mas compreenda que até hoje só li A pedra do Reino (Ariano Suassuna) três vezes, As velhas (Adonias Filho) duas; O coronel e o lobisomem (José Cândido de Carvalho) “apenas” umas dez. E há muita gente na fila de espera da releitura: Bandeira, Drummond, Cecília Meireles, versos de Dinah Hoisel (foto), crônicas de Carlinhos Oliveira, contos de Cyro de Mattos, pesquisas de Jorge Araujo. É curta a vida para tanto livro .
Respostas de 11
A “CULTURA” ESTÁ NAS ORELHAS
Uma amiga me pede sugestão de livros. “Por que?”
PS.: Por quê no final de frase interrogativa. 😉
leu as orelhas de alguns livros escrito por Chomsky, Saussure, Moita, Bagno e outros ai.
E APRENDI QUE CULTURA TEM UMA INFINIDADE DE SIGNIFICADOS.
PODENDO SER, DE FORMA RESUMIDA, ENTENDIDA COMO AQUILO QUE SE CULTIVA.
Logo que cultivei fui culto; ou sou.
Li*
Caro Grapiúna:
“Por quê?”. Correção feita, agradeço pelo puxão de orelhas (com perdão do trocadilho).
Quanto ao resto, eu me referi a “cultura” – no sentido equivocado de leitura de livros, aquela coisa da erudição – não cultura, propriamente.
Mas também entendo que até não ler é cultura, por ser parte do nosso comportamento ou, se posso dizê-lo, de nossa herança… cultural!
Obrigado pela presença crítica.
1- A (re) descoberta da releitura foi, para mim, um achado…
2- Como pode Ousarme ter Jorge Araújo na fila? É como se Tristão de Athaíde estivesse lendo Alceu de Amoroso Lima. A inteligência e a fina escrita de Ousarme me direciona a um só nome: Jorge Araújo.
Diz o vagalume de Machado de Assis, em Círculo vicioso:
“Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Ao ser comparado a Jorge de Souza Araujo, tive (para mantermos a referência machadiana) meu “domingo de almirante”. Hoje,segunda-feira, dia de branco, desmonto essa doce farsa e volto à realidade, esclarecendo as coisas: eu, o pirilampo inquieto; mestre Jorge Araujo, a eterna vela.
Sinto que a conclusão de “Isaac” não seja verdadeira. Mesmo assim, agradeço.
Concordo com tudo que é dito no texto [b]“PATRIOTAS” BERRAM DIANTE DA TEVÊ[/b]. Em geral, brasileiro só lembra que é brasileiro em época de Copa do Mundo. Depois que o torneio consagra seu campeão, a bandeira que o torcedor agitava feito um retardado volta a ficar jogada no mesmo canto qualquer de sempre, pra sair de lá de novo só em 2014. Quem ama mesmo seu país trabalha, paga seus impostos e faz alguma coisa para melhorar a vida em sociedade. Com bem disse o autor, ignorar a Copa não implica ser mau brasileiro e nem torcer contra o Brasil implica ser menos patriota.
Victor Costa ou O. C
respondam para mim, se possível.
O MELHOR DO BRASIL É O BRASILEIRO OU O BRASIL?
A frase “O melhor do Brasil é o brasileiro” me parece um produto destinado aos palanques. Tem lá sua utilidade como ferramenta de marketing turístico, mas, olhada de perto, é uma bobagem, como muitas que a publicidade cria.
Construímos, ao longo de cinco séculos, uma sociedade conservadora, repressora, machista e preconceituosa. Somos formados por brasileiros bons, ruins, generosos, mesquinhos, imbecis, cruéis, oportunistas e toda a gama de adjetivos disponível no dicionário. Quem duvidar, abra o jornal ou ligue a tevê.
Identificar todos nós como “sangue bom” (talvez inspirado naquele tipo cordial de Sérgio Buarque de Holanda) é uma redução que nos distancia muito da verdade. É minha opinião, dada a pedido.
…Há pouco tempo atrás, estava na moda a campanha: “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Era o que faltava para completar a cena. Esse paradoxo biruta tira o sossego, provoca ira. Pois, o Brasil é um país excelente, com belezas naturais e extraordinária diversidade ecológica. O melhor do Brasil é o Brasil; não os brasileiros.
Não é interessante dizer “o melhor do Brasil é o brasileiro”, vejo isso como uma tentativa frustrada de enterrar os nossos erros. Um faz de conta, ultra-ilusório, que tudo vai ficar bem. Quando na verdade não vai.
Basta um poucochinho de inteligência política para perceber que o Brasil não terá um bom futuro, se não mudarmos urgentimente as “regras” criadas e utilizadas por muitos ufanicos. Tudo vai continuar sendo a desordem que é, simplesmente porque o povo brasileiro já se acostumou com isso…
O Grapiúna,
Teoricamente o melhor do Brasil seria o brasileiro, porque é o cidadão quem constrói o país trabalhando, pagando seus impostos e ajudando a combater as desigualdades sociais. O problema é que muita gente transfere essas responsabilidades para um jogo de futebol, como se a vitória da Seleção resolvesse todos os problemas do País como num passe de mágica. Isso aí já não é mais patriotismo, já vira uma patriotada. Depois, o povo reclama que o Brasil tá uma bagunça geral.