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Ricardo Ribeiro | ricardoribeiro@pimentanamuqueca.com.br
Nas projeções de minha imaginação, a Itabuna dos primeiros anos seria algo semelhante à lendária vila de Macondo, celebrizada por Gabriel Garcia Marquez no livro Cem Anos de Solidão. Deveriam existir também por essas terras os seus Melquíades, o cigano que sempre chegava trazendo a última novidade, ainda que não fosse tão nova assim. O jornal, por exemplo, poderia ser de uma semana atrás, porém as notícias eram “fresquinhas” em uma época que ainda estava a anos-luz da instantaneidade dos blogs.
Imagino que a espera angustiada pelo inédito, às margens de um rio de águas límpidas e valentes, propiciasse aos primeiros itabunenses momentos de reflexão e poesia. Sem afetações, pois isso não era compatível com os “cabra macho” que enfrentaram serpente, correnteza e índio até chegar ao local em que plantaram as suas promissoras tabocas.
Nas episódicas aulas que assisti sobre o tema, ensinavam que aqui chegaram sergipanos, gente do sertão da Bahia e povos das Arábias, sobretudo sírios e libaneses (na época, para facilitar, estes últimos eram todos chamados indistintamente de “turcos”).
Quem foi além das aulas e embrenhou-se pelas matas fechadas dos livros de Adonias Filho e Jorge Amado, descobriu que nem sempre a paz prevaleceu neste solo promissor. A terra, como escreveu Jorge, foi “adubada com sangue”.
Macondo, porém, seguiu seu caminho, que não poderia ter outro destino senão o progresso. Que chegou galopante, enquanto as notícias ainda eram lidas com avidez em jornais de páginas já amareladas. O entusiasmo crescia, pois a lavoura era pujante, as tabocas se tornaram grandes fazendas e seus donos passaram a ser chamados, com todo o respeito e certo temor, de coronéis.
De onde escrevo este texto, vejo o rio passar e percebo que ele é a única testemunha viva daqueles tempos de expectativas e ricas possibilidades. As águas já não são tão valentes e muito menos límpidas. Pelo contrário, o rio segue cansado, lento, pesado de ingratidão e maus-tratos.
A lavoura também não é mais pujante, mas outros Melquíades chegam com suas novidades, encontrando agora uma Macondo que não é mais a pacata vila. Tornou-se uma cidade centenária, com problemas complicados. Nada é mais tão simples como naquele tempo em que tudo era possível, como numa tela em branco.
As notícias também não chegam em páginas envelhecidas, mas na velocidade das páginas virtuais. É tudo muito rápido, tanto que até o tempo parece ter pressa e a voracidade de quem quer nos engolir.
Os habitantes de Macondo, que antes tinham todo o tempo do mundo à sua disposição, agora descobrem que ele é raro e precioso. E que é preciso aproveitá-lo, não desperdiçando as chances que se apresentam para que o velho eldorado se transforme na cidade há cem anos prometida.

7 respostas

  1. Nasci e passei toda a infância numa roça de cacau. Tive entre meus antecedentes um “coronel”. Além do nome do “coronel” – Souza, Souza Filho, Souza Neto – trago reminiscências do cotidiano dos “trabalhadores” do meu bisavô (Coroné Zé de Souza). Observo que os maus tratos a que estavam submetidos ainda são determinantes na formação da sociedade dos “novos” tempos e têm participação decisiva nos acontecimentos que marcam a região.
    Algumas andanças a partir da juventude promoveram a emancipação do meu eterno espírito. Completava dezoito anos quando, literalmente, “enfiei a viola no saco”. Parti sem um abraço. Olhos saindo do peito, coração cheio de lágrimas.
    Distante, as imagens do torrão natal povoavam meus sonhos. Por trinta anos, “surfei” o Atlântico a bordo de uma belonave.
    Há dez, voltei. Por momentos, vivo a me culpar pelas aventuras em além-mar. Os alísios não te levaram a nenhum lugar. A fila do mundo andou, mas, aqui, muito pouco se moficicou… Assisto o bailar das ondas em vagas delirantes. No começo, digo a mim mesmo: “devastaram-te, os homens, o tempo…”
    Tão logo me disponho a externar o que vejo e penso, recebo o açoite de teus rebentos insanos. Filhos que não te merecem,repletos de insana soberba. Por eles muitos padecem, sem pão, nem sal e nem mesa.
    Aos poucos que me aceitam, tranquilizo: ” Tudo tem tempo, tem hora e esse tempo é agora”. “Onde há um abismo, comecemos a construção da ponte.”
    Procuro mostrar-lhes que o coronel que fui, se foi. Suas vestes, seu sangue, suas carnes brancas e podres. Minh’alma não mais pertence ao corpo do coronel. Foram dilaceradas, bebidas e degustadas pelos vermes.
    Suas terras, seu cacau, que cobriam as extensas distâncias da “fabulosa” Ilhéus de outrora, viraram pó. Apossadas por outros insanos que nunca souberam tirar delas algum proveito social; sorvem da taça de fel enviada pela eterna e infalível lei de retorno. Pragas, condições climáticas desfavoráveis, “ambientalismo”, são meros efeitos de causas que ignoram, por seus estágios mentais de “pitecantropos”.
    Incito-os a buscarem inspiração e pautarem suas vidas nos ensinos do Cristo, Jesus de Nazaré. ESTE não se limitou às palavras. É claro, xingou, bradou, derrubou e chutou os paus das barracas dos abjetos e ímpios mercadores dos templos da época em que esteve entre nós, ENCARNADO. Mas, sobretudo, EXEMPLIFICOU, antes de submeter-se à demência dos homens.
    Apesar de tudo…
    …há dias em que amaldiçôo e desprezo minh’alma pela instrução recebida. Pelo conhecimento sorvido nas leituras que varavam noites. Pela visão concreta de lugares tão diferentes e tão iguais. Pela visão dilatada da íris do meu olho que vê.
    Que além de cada horizonte há um novo horizonte…
    Não se sofre pelo que não se vê; pelo que não se é capaz de emitir juízo e valor.
    Meu povo está adormecido; anestesiado pelo rufar dos atabaques e por odes cujas letras nada exprimem. Musicalidade alienante, fomentada e engendrada pela mídia insidiosa das hordas opressoras.
    O que, em mim, parece lamentos deveria ser louvores, pelas mudanças e libertação do meu eterno espírito através dos tempos; pela excreção dos atavismos, que deu morada à razão. Mas, essa mesma razão, martiriza, fere, flagela.
    Nossa gente ainda contempla o “Mundo” com a visão de quem está dentro de um poço estreito e profundo. Talvez, por isso, ainda não se deu conta de que habita um solo comparável a uma gema. Uma gema bruta e que está a espera da lapidação.
    Fica o sentimento de que nos encontramos, todos, sentados sobre uma mina, mas sem vontade e sem competência para iniciar sua exploração. Enquanto isso, vão se deixando enganar pelos mais “espertos”, em especial, aqueles que se apresentam com a “vestimenta” de políticos.
    Seria mais ou menos assim:
    Pisando a terra fértil, eu sinto fome
    Estúpida contradição! Haverá outro nome?
    Debaixo do pé de coco, eu tenho sede
    O tempo passa, a vida me consome.
    Frutas, legumes, verduras do capixaba
    Aqui não dá, a terra fértil, rica, molhada.
    O mesmo se dá com a riqueza do mar,
    Parece que os peixes saíram pra passear.
    Coisa que nem por decreto se acaba
    É o egoísmo e a incompetência do homem.
    No quarto escuro, engulo a sede e bebo a fome,
    À beira da fonte, água me sufoca, terra me consome.
    Deixei-me enganar por homens de pouca fé,
    Que faço agora, pra consertar José?
    Bolso vazio, me falta a grana, me falta o pão,
    Até quando assim será, assim será João?
    Marias, Josés, Joãos, Manuéis e Juvenais,
    Na esperança, esperando o fim dos temporais.
    Braços cruzados, inertes, aguardando a bonança:
    Espera maldita, espera danada, que mata, que cansa.
    Meninos descalços, doentes, desnutridos,
    A quem culpar por esses fracos e desvalidos?
    Se não fui correto e prudente, ao ter escolhido
    Os fáceis enganos dos votos vendidos?
    Promessas vãs, enganações e chicanas.
    Deixei-me enganar pelos políticos sacanas.
    Filtro, cesta básica, aguardente corote…
    Assim arquitetei a minha própria sorte!
    Depois da eleição sequer saio na foto,
    Fiquei a mercê dos compradores de voto.
    Mas, tudo tem jeito, retorno e solução
    Na causa e efeito da infalível Lei de Reação.
    Única certeza habita meu coração…
    Um dia terei meu pedacinho de chão.
    Meu corpo inerte, cansado dos tristes “ais”
    Já não terá necessidades materiais.
    Lugar bendito, restrito, sete palmos profundos,
    Serei bem querido e feliz no outro mundo.
    Lugar maldito, ardente, para os prepostos do mal:
    Veredas negras, penumbras, sofrimento espiritual.
    No templo da espiritualidade e da vida eterna,
    Rogarei ao Pai pelos bons que ficarem na Terra;
    Proteção contra a mentira e os nefastos enganos;
    Paz, harmonia e tecnologias sem guerra, sem danos.
    Aos propagadores da miséria, rogo o perdão ao Pai.
    Senadores, governadores; a todo tipo de infratores.
    Prefeitos corruptos, imperfeitos administradores,
    Deputados, detratores, arremedos de vereadores.
    Ó eterna e infalível Lei Divina Universal,
    Aplicai a justa pena aos incautos transgressores.
    Nessas eleições, noto que alguns desejam voltar e as sementes deixadas teimam em germinar.

  2. Quando amarraremos Geraldo Buendia, Fernando Buendia e Nilton Buendia num tronco fora da casa Itabuna?
    Quando deixaremos de ser as putas tristes que choram por cem anos e continuam sustentando os novos coronéis?
    Por amor a Itabuna, uma nova Itabuna é possível…
    Parabéns aos itabunenses que trabalham por uma cidade melhor, no labor dos bairros simples ou das casas luxuosas, dos desempregados, dos meninos e meninas de rua, das igrejas, dos centros de espiritualidade, dos que creem ou não, dos filhos adotados que escolheram este lugar para chamar de “seu”.
    Obrigado, Itabuna!!!

  3. Bons textos, grandes lembranças e enormes esperanças.
    Eis que neste 28 de julho de 2010, centenario da nossa cidade, Ricardo Ribeiro, ricardinho como nós sempre o chamammos, nos brinda com este belo texto, que nos remete a reflexão de como foi formado o nosso povo.Como se não bastasse tudo isso, o comentario apresentado por Souza Neto, lembra em muito, a forma de como graciliano ramos, narrava as coisas do agreste sertão. Vejo que o blog pimentanamuqueca, além de informar, noticiar etc, tem proporcionado também, a identificação de cronistas, poetas e também narradores de “causos”‘ e isso é muito bom. Além de aplaudir os responsaveis por tudo isso, aproveito para Parabenizar nossa cidade de itabuna , pelo seu primeiro centenario, dizendo : ITABUNA, quem te ama, respeita o teu povo !
    LUIS SENA- Professor, ex-vereador da cidade de itabuna.

  4. O bom da vida é permitir que a alma se manifeste em verso, prosa, suor e sangue. Parabéns Itabuna! Aproveito também para em nome de Ricardinho Virgulino e Souza Neto parabenizar os demais filhos, paridos ou adotados. O maior patrimônio de um lugar é a sua gente!

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