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Stédile5O líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, 60, esteve em Salvador no último final de semana, onde participou de uma plenária sobre o Plebiscito por uma Constituinte Exclusiva. Stédile é graduado em economia pela PUC do Rio Grande do Sul e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México.

Nesta entrevista, ele fala também sobre a Reforma Agrária nos governos FHC, Lula e Dilma e diz que o agronegócio utiliza veneno que está o provocando câncer. Stédile também vê o Congresso Nacional dominado pelas bancadas ruralista e do empresariado e faz uma avaliação sobre as próximas eleições.  Confira a entrevista concedida a Marival Guedes, especialmente para o Pimenta.
BLOG PIMENTA – Vamos começar fazendo uma comparação entre os mandatos de Fernando Henrique, Lula e de Dilma sobre a Reforma Agrária.
JOÃO PEDRO STÉDILE – No Brasil, a rigor, nunca tivemos Reforma Agrária no que ela representa, que é um programa de governo que leve a democratização do acesso à terra a todos. FHC abriu as portas para as grandes empresas internacionais, mas teve um azar: o agronegócio, na sua ganância de tomar conta das terras, cometeu dois grandes massacres que deixaram a população indignada. Teve aquela nossa grande marcha à Brasília que fez com que FHC se obrigasse a um programa de assentamentos que foi até razoável, mas foi fruto dos massacres em Carajás e no Paraná.
PIMENTA – Com Lula, houve uma grande expectativa…
STÉDILE – Nós tínhamos esperança de que o governo Lula pudesse acelerar, mas, infelizmente, ele seguiu apenas a política de assentamentos. Então, onde havia pressão política, houve desapropriações. Nós mantivemos, digamos assim, o mesmo ritmo do governo FHC.

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A reforma agrária praticamente parada. E esta é a nossa bronca com relação ao Governo Dilma.

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PIMENTA – E estes três anos e três meses do governo Dilma?
STÉDILE – Agora, está praticamente parada. E esta é a nossa bronca com relação ao governo Dilma, porque não avançou na Reforma Agrária.
PIMENTA – Quais os motivos?
STÉDILE – A resposta simplista seria que falta vontade política do governo, mas não é bem assim. A nossa avaliação é de que a correlação de forças na luta de classe na agricultura piorou no governo Dilma. Piorou em função da crise do capitalismo internacional, houve uma avalanche de capital internacional que veio se proteger no Brasil. Investiram em usinas, hidrelétricas, praticamente desnacionalizaram todo o setor canavieiro e compraram muita terra. Isso representa a força do capital que chega lá no interior, compra terra, controla o comércio etc.

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O cacau tem o comércio cada vez mais concentrado nas mãos da Dreyfus, Nesttlé e da Cargil. Isso foi de pouco tempo pra cá.

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PIMENTA – Pode citar um exemplo?
STÉDILE – O cacau tem o comércio cada vez mais concentrado nas mãos da Dreyfus, Nesttlé e da Cargil. Isso foi de pouco tempo pra cá. A segunda explicação é que, dentro do governo Dilma, há uma presença maior do agronegócio.  Terceira mudança: o Congresso no governo Dilma é mais ruralista. Aquilo que no governo tava parado – e nos ajudava -, o agronegócio avançou pelo Congresso fazendo chantagem. Esta bancada fazia as mudanças, como foi o episódio do Código Florestal, e impunha ao governo como uma derrota. Estas três circunstâncias levaram o governo Dilma a recuar com relação à Reforma Agrária.
PIMENTA  – O que o MST reivindica a curto, médio e longo prazos?
STÉDILE – De curto prazo, a Carta e a pauta que entregamos na audiência durante nosso congresso, em 13 de fevereiro passado, quando sinalizamos para a presidenta: olha, nós entendemos a correlação de forças, que não depende de vontades pessoais. Mas, ao seu alcance, estão, imediatamente, antes de terminar o governo, algumas medidas concretas de emergência.

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Nós temos 100 mil famílias acampadas, inclusive algumas ao longo das rodovias em Itabuna, Ilhéus e outros municípios do sul da Bahia.

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PIMENTA – E quais seriam?
STÉDILE – Nós temos 100 mil famílias acampadas, inclusive algumas ao longo das rodovias em Itabuna, Ilhéus e outros municípios do sul da Bahia. É um absurdo que nós tenhamos acampamentos com oito anos, pessoas morando debaixo de lona preta. Segunda medida, aqui para Nordeste, nós descobrimos que dentro dos perímetros irrigados, já com tudo pronto, o governo botou água, gastou milhões de reais, existem 80 mil lotes vagos, porque, na política burra do Dnocs e da Codevasf, eles fazem primeiro o perímetro irrigado e depois fazem o edital de licitação em que só o pequeno empresário do sul vem aqui. No caso da Bahia, a região de Juazeiro. E, depois, abandonam.
PIMENTA – Quais as razões para esse abandono?
STÉDILE – Porque eles criam uma ilusão: “vou plantar manga, abacaxi e vou bamburrar de dinheiro.” O mercado mundial de frutas já tá tomado. Não é chegar assim: vou exportar manga pra Europa e vou ganhar dinheiro. Não há mais mercado pra fruta na Europa, nem sequer da uva. Ao contrário, toda a produção do perímetro irrigado no Nordeste, hoje vai para o mercado nacional, porque aumentou a renda do brasileiro. Então, é melhor vender no Brasil que no exterior.
PIMENTA – O que foi feito com estes lotes?

STÉDILE – Estão vagos. Tem 80 mil lotes vagos, tudo pronto com água passando. E nós falamos pra Dilma: pelo amor de Deus, bote sem-terra nestes lotes. Não precisa gastar nada, nem desapropriação, pra eles produzirem alimentos.

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A Polícia Federal, nos últimos 12 anos, identificou 566 fazendas onde havia trabalho escravo. Ora, a Constituição é clara: não cumpriu a função social, desapropria. É só ter coragem.

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PIMENTA – A questão do trabalho escravo também consta na carta. Qual a reivindicação?
STÉDILE – A Polícia Federal, nos últimos 12 anos, identificou 566 fazendas onde havia trabalho escravo. Ora, a Constituição é clara: não cumpriu a função social, desapropria. Não interessa se é produtiva ou improdutiva. É um crime hediondo, primeiro motivo absoluto, o cara que pratica trabalho escravo tem que ter [a área] desapropriada. Então, é só ter coragem e pegar os processos e somente aí já teríamos 566 fazendas.
PIMENTA – Quais as ações do MST a partir de agora?
STÉDILE – Nós temos três inimigos do pobre do campo: o primeiro é o latifúndio atrasado, que ainda é improdutivo ou que paga mal aos trabalhadores e que agride a natureza. O segundo é o agronegócio, que é moderno, mas não gera riqueza para o povo brasileiro. E o terceiro é este sistema geral, mundial, que transformou o Brasil numa economia de exportação de matéria-prima, apenas. E não fica nenhuma riqueza aqui.

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Cargil, Dreyfus e Nestlé controlam as exportações. Elas que ficam com o lucro da riqueza do cacau, não o produtor. Este fica com uma pequena margem.

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PIMENTA – Quem controla as exportações?

STÉDILE – O agronegócio aumenta cada vez mais as exportações, mas Cargil, Dreyfus e Nestlé controlam as exportações. Elas que ficam com o lucro da riqueza do cacau, não o produtor. Este fica com uma pequena margem. Então, se queremos que o cacau seja um produto orgânico para produzir chocolate para o povo brasileiro, temos que derrotar este sistema destas empresas transnacionais. São nossas inimigas.
Para ler a íntegra, clique no link a seguir:
PIMENTA – Quais as críticas ao agronegócio e como enfrentá-lo?
STÉDILE – Para enfrentá-lo, nós temos que nos aliar com outras forças pra denunciar que o agronegócio usa veneno, que o veneno vai para o alimento que o alimento vai para o seu estômago e vira câncer. Aí, já precisa uma aliança maior porque todo dia a imprensa e a Globo fazem propaganda afirmando que o agronegócio é a salvação da lavoura. E ninguém acredita que o agronegócio é um prejuízo em longo prazo para o povo brasileiro.
PIMENTA – Do surgimento do MST até hoje, muitas coisas mudaram no Brasil e no mundo. Quais as novas concepções do Movimento sobre Reforma Agrária?
STÉDILE – Nós superamos uma visão tradicional de que Reforma Agrária é apenas desapropriar latifúndio e dividir a terra. Isso não é suficiente. No nosso programa, que chamamos Reforma Agrária Popular (RAP), incorporamos novas reflexões baseadas na realidade e nas necessidades. Antes nós pensávamos apenas em terra para camponês trabalhar e criar sua família. Para produzir alimentos, você tem que fazer contraponto com o agronegócio que a matriz tecnológica disseminou, que é a do veneno.

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O Brasil produz 3% dos alimentos do mundo e nós consumimos 20% de todos os venenos do mundo. A França sozinha, que é do tamanho da Bahia, tem o mesmo volume de produção agrícola do Brasil.

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PIMENTA – Mas os defensores do agronegócio argumentam que sem os “defensivos agrícolas”, e com a agroecologia, não existiria produção de alimentos suficiente para o Brasil e para o mundo.
STÉDILE – Isso é uma falácia que é demonstrada até de maneira macro. O Brasil produz 3% dos alimentos do mundo e nós consumimos 20% de todos os venenos do mundo. A França sozinha, que é do tamanho da Bahia, tem o mesmo volume de produção agrícola do Brasil. O que o Brasil produz em termos de seu território é uma vergonha. Temos 360 milhões de hectares que poderiam ser cultivados. Apenas 60 milhões de hectares são cultivo, mesmo com o agronegócio.
PIMENTA – Por que tão pouco?
STÉDILE – Porque a terra está concentrada. E só é possível a ampliação com a Reforma Agrária, porque o agronegócio concentra a terra, expulsa a mão de obra e, por expulsar a mão de obra, tem que botar no lugar a máquina e o veneno. Por outro lado, as pessoas do sul da Bahia sabem, a natureza se vinga contra o veneno. Por que eles não conseguiram resolver o problema da vassoura-de-bruxa só com o veneno? Por que foi uma reação da natureza. Agora, nós, dos assentamentos do MST da região, estamos produzindo o cacau orgânico com os mesmos níveis de produtividade e maior que o cacau com vassoura de bruxa. E como conseguimos isso? Fazendo clonagens, adotando técnicas agroecológicas que levam o cacau a ser o que sempre foi: parte da natureza, lá no meio da floresta. Então, a natureza cria a sua autodefesa, não precisa trazer o veneno de fora.
PIMENTA – Você veio a Salvador participar da plenária sobre o plebiscito para a Constituinte Exclusiva. Quais suas perspectivas sobre esta questão?
STÉDILE – O Brasil vive o grave problema político que é a separação entre uma sociedade verdadeira na sua composição de classe, pessoas e organização. Do outro lado,  a representação política institucional. Uma coisa nada tem a ver com a outra.

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As mulheres são 51% da população e somente 8% do Congresso, que não representa mais esta sociedade.

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PIMENTA – Pode dar exemplos?
STÉDILE – Exemplos incontestáveis: o agronegócio representa apenas 1% dos proprietários de terras no Brasil. No entanto, a bancada ruralista é composta por [quase] 30%, 146 dos 513 deputados. Há uma distorção, os deputados ruralistas deveriam ser só 1%. Porque é isto que eles são na sociedade brasileira. A mesma coisa os empresários, que também é 1%, mas no congresso tem 30%. As mulheres são 51% da população e somente 8% do Congresso. Esta separação levou a uma dicotomia, o congresso não representa mais esta sociedade.  Os temas que interessam à sociedade debater e resolver não chegam ao congresso. E os temas debatidos no congresso são para desviar a atenção e não têm relação com a vida da população. Ou tu apela para o quanto pior, pior, ou usa a pressão popular para que se mudem as regras para eleger os representantes.
PIMENTA – O sr. considera o financiamento privado de campanha um dos principais problemas deste modelo?
STÉDILE – Exato, pois transforma os deputados em reféns do capital ou reféns de quem financiou a candidatura. Precisamos de uma reforma política. A gente lembra que, nas manifestações de junho e julho do ano passado, a presidenta Dilma habilmente percebeu a gravidade das manifestações e propôs a reforma política. E propôs a convocação de uma Assembleia Constituinte como forma de viabilizar estas mudanças. Mas foi boicotada no governo, pelo seu próprio vice, no Congresso e no Poder Judiciário. Isto demonstrou que até quando presidente da República quer mudar, não tem força suficiente.
PIMENTA – E como conseguir esta força?
STÉDILE – Das massas, do povo. Só há um jeito de se conseguir a reforma: com pressão de massa. Reunimos um conjunto de movimentos de todo o Brasil, em  minha opinião, a mais ampla coalizão que teve depois das diretas, e propomos um trabalho de conscientização política que chamamos de Plebiscito Popular  pra discutir com a população e consultar a população.Então na primeira semana de setembro – de 1º a sete –  a população, com título de eleitor, será chamada a votar se ela quer reforma política através de uma Assembleia Constituinte soberana e exclusiva. O resultado deste plebiscito, que, acreditamos, mobilizará milhões, levaremos depois numa caravana à Brasília. Vamos entregar lá para os poderes: aqui um aviso do povo. Ou vocês mudam e convocam uma Assembleia Constituinte ou aguentem as consequências.
PIMENTA – Qual a análise de conjuntura que você faz deste momento?    

STÉDILE – É muito complexa, porque os governos Lula e Dilma foram importantes para barrar o neoliberalismo que era a política do capital, como diz a expressão, nova liberdade para o capital. E os capitalistas nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil como nos governos Collor e Fernando Henrique: privatizaram nossas melhores empresas,só salvamos Petrobras e a Caixa Econômica, porque até o Banco do Brasil eles transformaram em banco comercial que vende ações na bolsa.
PIMENTA – O que mudou com o governo Dilma?
STÉDILE – O governo de Dilma implementou uma política que nós chamamos de neodesenvolvimentista, baseada no tripé do crescimento econômico  com recuperação do papel do estado como indutor da economia e  distribuição de renda. Com base neste tripé houve mudanças de melhoria de vida do povo, porém não foram suficientes. Daqui pra adiante, para ampliar ainda mais a distribuição de renda; o acesso da juventude à educação; pra sair a Reforma Agrária; pra ter  uma reforma tributária que organize um sistema mais justo de impostos só com reformas estruturais que viriam com a reforma política.
PIMENTA – Qual deverá ser posição do poder econômico nas eleições de outubro?
STÉDILE – A burguesia está satisfeita com a situação, porque está ganhando muito dinheiro e apostando em manter o controle absoluto do Poder Judiciário, Congresso e mídia. E, nas eleições presidenciais, está adotando uma política de botar os ovos nos três ninhos: parte da burguesia apoia Dilma, parte apoia Eduardo Campos e Marina e a outra apoia Aécio. É claro que como burguesia total o sonhos deles é o Aécio pra continuar o programa neoliberal, mas sabem que este é inviável, eleitoralmente. Por isso também que parte está apoiando Eduardo e Marina porque estes, na constelação partidária, são uma versão do neodesenvolvimentismo, porém não são a mesma coisa de Lula e Dilma.
PIMENTA – E qual expectativa com relação ao perfil do próximo Congresso Nacional?
STÉDILE – A burguesia vai continuar, como tática, controlando o congresso. Na minha opinião, o próximo congresso vai ser ainda mais conservador que o atual por conta desses financiamento de campanha, da manipulação. Vão continuar controlando o poder judiciário. Olhe o que eles fizeram no episódio do chamado mensalão e outras formas como eles usam o poder judiciário contra a esquerda.  E vão também continuar controlando a mídia, pra fazer com  que o povo pense como eles querem. Acredito que Dilma vai ganhar as eleições, porém sem alterar a correlação de forças. Da nossa parte, como classe trabalhadora, nós só temos uma missão: estimular a luta social para garantir nossos direitos, provocar derrotas para a burguesia e ao mesmo tempo fazer a campanha pela reforma política, para  que, pela via institucional também, a  gente altere este sistema político num futuro próximo.
PIMENTA – Qual o calendário do Plebiscito Popular por uma constituinte exclusiva?
STÉDILE – Se tudo der certo com nossas mobilizações, a presidenta convoca a assembleia em 2015, elegeremos os constituintes em outubro de 2015 de forma exclusiva, (o congresso eleito em outubro deste ano continua com suas funções) dá prazo – de um ano, por exemplo -, muda o sistema político e nas eleições de 2016 nós já utilizaríamos outros métodos, inclusive podendo unificar as eleições, porque a constituinte é soberana. Por exemplo, se a constituinte resolver alterar o calendário,fechar o senado,que muita gente como eu defende, tudo isso já aconteceria a partir de 2016. Mas o calendário vai depender exclusivamente da capacidade de mobilização que o povo tiver de voltar às ruas. Então, se a juventude voltar às ruas, se a classe trabalhadora voltar às ruas, acho que vai criar um cenário de acelerar o calendário eleitoral.

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