Para mãe de santo, governador não vai permitir que estação elevatória de esgoto seja construída no local da Festa de Iemanjá
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Thiago Dias

A ialorixá Mãe Laura, de 72 anos, mobiliza terreiros para impedir a construção de uma Estação Elevatória de Esgoto (EEE) da Embasa no espaço onde ocorre anualmente a Festa de Iemanjá, sempre no dia 2 de fevereiro. Realizada pela mãe de santo há 44 anos na Nova Brasília, comunidade do bairro Pontal, a celebração é uma das manifestações mais tradicionais da religiosidade e da cultura popular de Ilhéus.

Na década de 1970, lembra Mãe Laura, “a Nova Brasília era praia pura; poucas casinhas”. Desde então, a paisagem mudou muito. “Acho que é progresso. Tudo bem, tá certo, mas não pode também mexer nas coisas da cultura e do sagrado”, alerta a fundadora do terreiro Ilê Guainia de Oiá em conversa com o PIMENTA.

Imagem de Iemanjá, que abre cortejo da festa na Nova Brasília, feita com tronco de árvore encontrado na praia

Mãe Laura pretende recorrer ao Governo do Estado e ao prefeito Mário Alexandre (PSD) para que o equipamento da Embasa não seja construído na Universidade Livre do Mar e da Mata (Maramata), que pertence ao município e é o palco principal da Festa de Iemanjá na Nova Brasília. “Se for preciso, vou até o governador [Rui Costa]”, avisa.

A ESCOLHA DO LOCAL

Fernanda Dantas (de saia florida) participou de reunião sobre a obra com Mãe Laura, o vereador Vinícius Alcântara, o advogado Gabriel Souza e a mestre Janete Lainha, presidente do Conselho Municipal de Cultura

Foi Fernanda Dantas quem avisou à mãe de santo sobre a obra. Professora de História do Colégio da Polícia Militar Rômulo Galvão, ela mora ao lado da Maramata. Fernanda destaca a relevância da ampliação do sistema de saneamento básico para Ilhéus, que trata menos de 40% do seu esgoto. “[A obra] é muitíssimo bem-vinda. O meio ambiente precisa. A gente não pode ficar jogando as águas sujas no mar, sem tratamento, sem nada”. Porém, considera o local escolhido inapropriado para uma estação elevatória de esgoto. De acordo com a Embasa, a escolha da área levou em consideração as características topográficas do terreno.

A praia da Maramata vista da ponte Jorge Amado

A Prefeitura de Ilhéus e a Embasa, na perspectiva da professora, não se comunicaram devidamente com a comunidade para explicar a intervenção. Ouvidor cidadão da Defensoria Pública do Estado (DPE), Crispim Soares tem a mesma opinião. Além disso, ele considera a escolha do local para a estação uma afronta às religiões que cultuam Iemanjá, a exemplo da umbanda e do candomblé. “Nós temos o direito de ter dignidade para fazer nossas celebrações. As forças da natureza, para gente, são elementos sagrados. O mar está ali; as árvores, mesmo que poucas, estão ali; a terra que sustenta o chão, sustenta todos nós, está ali; o ar puro está ali”, elencou, descrevendo as características da área livre da Maramata.

Crispim, que foi iniciado no candomblé no terreiro Abassa Kalundé Kalungerê, do Banco da Vitória, informou ao PIMENTA que os povos de terreiro buscarão a ajuda da DPE e do Ministério Público do Estado da Bahia para embargar a obra.

INTERVENÇÕES URBANAS DEVEM CONSIDERAR CULTURA E HISTÓRIA DOS LOCAIS, AFIRMA PROFESSOR

Segundo Luciano, além da legislação, intervenções urbanas devem considerar a cultura e a história dos locais escolhidos

Nossa reportagem também conversou sobre o assunto com o professor Luciano Pillo, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unime. Como não conhece o projeto discutido, Luciano preferiu não fazer uma avaliação do caso em particular, mas falou em tese sobre os principais aspectos que devem ser considerados ao se analisar uma intervenção urbana.

Segundo o professor, a primeira coisa a saber é se o projeto está de acordo com a legislação que incide sobre esse tipo de obra. “Se sim, a gente parte para outros aspectos. Mesmo quando um projeto é legal, na nossa ótica – sobretudo na ótica do urbanismo, muito mais do que da arquitetura-, não há a possibilidade de tomar decisões (pelo menos, nós não recomendamos) descartando a relação histórica e cultural. A legislação permite? Muito bom, mas a gente precisa levar em consideração a história do sítio. Infelizmente, isso é muito descartado hoje nas decisões, sobretudo da gestão pública”.

Antes de uma intervenção urbana significativa ser realizada, explica Luciano Pillo, a população local deve ser ouvida e esclarecida sobre o projeto. Quando isso não ocorre, “muitas vezes, os moradores têm a impressão de que o espaço está sendo simplesmente invadindo, pressupondo que aquela ocupação não é regular”.

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O vereador Vinícius Alcântara (PV), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Ilhéus, por meio de ofício enviado à Embasa, perguntou à empresa pública se os moradores da Nova Brasília foram ouvidos sobre a obra e se a licença ambiental foi respaldada por estudos de impacto de vizinhança e de alternativas locacionais. A Embasa, por sua vez, informou ao site que a estação elevatória foi licenciada pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

Praça de alimentação ao lado da Maramata

Recentemente, a Prefeitura de Ilhéus construiu uma praça de alimentação ao lado da Maramata, próxima da cabeceira da ponte Jorge Amado. Nossa reportagem conversou com o dono de um food-truck que trabalha no local. Ele pediu para não ser identificado na matéria.  O empreendedor tem medo que a Estação Elevatória de Esgoto, cujo local escolhido fica a menos de 50 metros da praça, espante os clientes. Teme também que o equipamento emita ruído e mau cheiro.

Procurada pelo PIMENTA, a Embasa enviou nota (íntegra abaixo) ao site, informando que “as estações elevatórias previstas na praça do Pontal, na área verde da Sapetinga e na praça do museu Maramata respeitarão o conjunto urbanístico existente. Os equipamentos, à exceção do conjunto elétrico, são subterrâneos e não provocam prejuízo estético, ambiental ou quaisquer outros transtornos”.

Também procuramos a Prefeitura de Ilhéus, na última quinta-feira (25), para perguntar qual foi o instrumento legal utilizado para autorizar a construção da EEE na Maramata. Não obtivemos resposta até o momento.

Leia a íntegra da nota da Embasa

A Embasa informa que Ilhéus está recebendo investimentos da ordem de R$ 71,6 milhões de reais, com a ampliação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) Ilhéus-Pontal. O novo SES visa elevar a cobertura de atendimento com o serviço de coleta, tratamento e destinação final de esgotos sanitários para 80%, percentual semelhante às cidades mais saneadas do país. O empreendimento beneficia cerca de 65 mil pessoas, através da implantação de 55 km de redes coletoras, 13 novas estações elevatórias e uma moderna estação de tratamento de esgoto. A primeira etapa do empreendimento já se encontra em operação e a segunda etapa levará o serviço de esgotamento sanitário aos bairros Pontal, Sapetinga, Nova Brasília e parte do Nossa Senhora da Vitória. A previsão é de que a obra seja concluída no primeiro semestre de 2022.

As estações elevatórias previstas na praça do Pontal, na área verde da Sapetinga e na praça do museu Maramata respeitarão o conjunto urbanístico existente. Os equipamentos, à exceção do conjunto elétrico, são subterrâneos e não provocam prejuízo estético, ambiental ou quaisquer outros transtornos. Não é verdadeira a informação de que árvores serão suprimidas ou que haverá prejuízo às atividades já realizadas nos respectivos locais.

É preciso esclarecer a diferença entre as estações elevatórias e a estação de tratamento de esgoto. As estações elevatórias são unidades responsáveis pelo bombeamento dos esgotos coletados até a estação de tratamento, situada no distrito do Couto. Não existe acúmulo nem tratamento de esgotos nas elevatórias. Um diferencial do empreendimento é que todas as estações elevatórias previstas possuem equipamento reserva e grupo gerador, acionados durante um eventual desabastecimento de energia. Como consequência, a continuidade do serviço é garantida. Além disso, os geradores são cabinados, garantindo conforto acústico aos moradores de seu entorno.

A definição da localização das estações elevatórias está vinculada às condições técnicas e topográficas das áreas que serão atendidas, não sendo, portanto, de livre escolha. A disponibilidade e a situação fundiária das áreas, que devem possuir espaço suficiente para implantação das unidades, também são avaliadas. O objetivo é implantar a estação elevatória em um ponto que possa atender ao máximo de pessoas.

Já nova estação de tratamento de esgotos (ETE) está situada em área distante dois quilômetros da sede municipal, cercada por mata atlântica, que funciona como um cinturão verde natural, ajudando na dissipação dos gases oriundos do processo de depuração do esgoto. A concepção da ETE foi baseada na classificação do corpo receptor estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e é capaz de reduzir 97% da carga orgânica e 99,9% de bactérias do tipo coliformes termotolerantes.

Também é preciso informar que as intervenções se encontram licenciadas por meio da Portaria nº 11.306/2016 do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Inema (Licença de Instalação) com vigência até 18/02/2022. A Embasa também segue cumprindo as condicionantes previstas na licença, destacadamente aquelas relacionadas à implantação das estações elevatórias.

Sem as estações elevatórias, é inviável o atendimento à população, pelos motivos técnicos já informados. Além disso, não seria possível a despoluição da Baía do Pontal, uma vez que, sem esse equipamento, os moradores do eixo de intervenção continuariam afastando esgoto in natura por meio de córregos e galerias pluviais.

O Projeto de Trabalho Social (PTS) da obra atua por meio de diversas atividades de conscientização ambiental e presta informações sobre a adesão ao sistema. A equipe social também está disponível para registrar e atender sugestões e reclamações. O telefone é 73 3632-8713 e o canal funciona de segunda a sexta-feira, das 08 às 12h e das 13h às 17h.

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