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Thiago Dias

Quando completou 40 anos, Marcelo fez pedido inusitado aos amigos do Facebook. Ele disse que, para presenteá-lo naquele 1º de agosto de 2021, bastava compartilhar sua publicação sobre a luta dos professores contratados por tratamento igualitário na rede municipal de Ilhéus.

“Não há diferença entre professores efetivos e professores contratados”, dizia a frase no panfleto digital. Abaixo, na mesma mensagem, a afirmação de que a Lei Nacional 11.738/2008 vale para todos os docentes do Brasil. O post foi compartilhado 51 vezes.

A lei em questão é conhecida como piso nacional do magistério, que, em seu segundo artigo, estabelece a jornada da categoria e limita a presença do professor em sala de aula a dois terços da carga horária contratual. O terço restante deve ser reservado às atividades fora da classe. No caso dos professores contratados, a Secretaria de Educação de Ilhéus (Seduc) não cumpre a lei, denuncia Marcelo, que é professor de Filosofia da rede municipal desde 2020.

Ele está no seu segundo contrato temporário com o município. A exemplo de outros municípios brasileiros, a Prefeitura de Ilhéus prioriza contratações temporárias ao invés de aumentar o quadro de professores efetivos por meio de concurso – o último foi realizado em 2016, após forte pressão do Ministério Público do Trabalho. Ao PIMENTA, a vereadora Enilda Mendonça (PT) estimou que, hoje, a Seduc tem cerca de 500 professores contratados. Consultada pelo site, a pasta não informou o número de docentes nesta condição.

Quando a pandemia estourou e as aulas foram suspensas, em 2020, a Prefeitura de Ilhéus cortou 50% do salário dos professores contratados. A remuneração completa foi restabelecida só no contrato posterior, segundo Marcelo. No ano seguinte, encerrado o vínculo temporário, ele fez novo processo seletivo e voltou à rede municipal.

Conforme o Edital 001/2021, que regulamentou a seleção, a carga horária era de 20h semanais, relembra Marcelo. No entanto, quando foi assinar o contrato, ele descobriu que, além das 20h previstas no edital, a jornada dos professores contratados seria acrescida de 4h semanais para atividades de planejamento. Nos contratos de 40h, o acréscimo semanal seria de 5h.

Além de não cumprir a reserva do terço da carga horária, a Seduc aumentou o tempo de contrato, ignorando o próprio edital, lamenta o professor. “Eu tenho 20h no município. Eu teria que ter, por essa carga horária, dois terços de trabalho com aluno e um terço de trabalho de correção, preparação de aula. Isso configuraria, em 20h, 13h de trabalho com os alunos, com 13 turmas, e 7h de trabalho em casa, planejando ou corrigindo atividade. O contrato da Seduc não respeita a lei”, denuncia.

RÉPLICA E TRÉPLICA

Procurada pelo PIMENTA, a secretária de Educação de Ilhéus, Eliane Oliveira, se manifestou por meio de nota. “O contrato é assinado com 20 ou 40 horas semanais, que equivale a carga horária de 24 ou 45 horas/aula semanais (de segunda a sexta). Cabe salientar que o(a) docente selecionado(a) atua em regência de classe com 20 ou 40 horas/aula, sendo reservada, respectivamente, a carga horária de 4 ou 5 horas/aula, para o planejamento semanal, ficando ainda com a carga horária livre de 5 horas/aula (1 turno por semana)”, diz trecho da mensagem (íntegra ao final do texto).

Confrontado com a explicação da Seduc, Marcelo retruca. “A Secretaria de Educação de Ilhéus sabe que 20h não são 24h e que 40h não são 45h. Não existe nada que justifique a alteração arbitrária desses valores. Nem o edital da seleção pública da Prefeitura contém essa discrepância. Nele se fala da existência de cargas horárias de 20h e de 40h. Na hora de assinar o contrato é que o professor contratado se depara com essa surpresa desagradável, preparada no sentido de explorá-lo e de precarizar a educação pública em Ilhéus”.

Ele também reclama que a Seduc teria se recusado a lhe entregar cópia do seu contrato, por isso enviou ao site apenas um modelo que diz ser igual ao que assinou (acesse aqui).

REVOLTA E TRANSFERÊNCIA

Na videochamada com a reportagem do PIMENTA, em mais de uma ocasião, Aderson Marcelo Borges Ferreira disse que o tratamento desigual conferido a ele e aos demais professores contratados é um tipo de “escravidão moderna”, sempre recorrendo ao argumento de que a relação trabalhista não cumpre a lei nacional da categoria. O tom do professor é de revolta.

“Que é um homem revoltado?”, pergunta-se Albert Camus (1913-1960) no capítulo que dá título a ensaio de 1951. “Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento”, responde o próprio filósofo, lançando a premissa do seu raciocínio, a saber, a de que a revolta é sempre um duplo movimento de negação e afirmação.

No cumprimento do contrato, Marcelo diz ter estabelecido um limite e se recusa a participar de atividades que aumentariam sua jornada, que já ultrapassa a prevista em lei. A recusa é acompanhada do esforço para tentar mudar a relação de trabalho, o movimento afirmativo da sua revolta, diria Camus.

Gaúcho radicado em Ilhéus desde a infância, o gremista passou a estimular a rebeldia entre os colegas contratados. A adesão existe, mas é discreta, segundo ele, porque a maioria dos professores tem medo de ir para o enfrentamento e, no ano que vem, não conseguir o contrato da seleção simplificada.

Até o ano passado, Marcelo lecionava no Caic Darcy Ribeiro, no bairro Hernani Sá, o mesmo onde mora, na zona sul da cidade. Entrou em conflito com a direção da escola por reivindicar o cumprimento da lei do magistério quanto à composição da jornada. Após os embates, foi transferido para o Colégio Rotary, na Barra, na zona norte, onde passou a dar aulas neste ano.

SEM VALE-ALIMENTAÇÃO

O professor de Filosofia aponta outra desvantagem para os contratados. Diferente dos efetivos, eles não recebem o vale-alimentação, que agora é de R$ 550,00 por mês.

Na nota enviada ao PIMENTA, a secretária Eliane Oliveira enfatiza que o prefeito Mário Alexandre (PSD) assegura, desde o início da gestão, o pagamento do piso salarial nacional a todos os profissionais do magistério, contratados e efetivos. “O reajuste de 33,24% do piso salarial nacional será concedido na folha deste mês aos contratados”, complementa a gestora, referindo-se aos vencimentos de abril de 2022, já pagos.

De fato, a renumeração dos docentes contratados foi reajustada no percentual informado, assim como a dos efetivos. No entanto, Marcelo ainda questiona a falta da reserva do terço da carga horária e a falta do vale-alimentação. A Seduc não respondeu ao PIMENTA se há, no governo, a expectativa de estender o vale aos professores não efetivos.

A vereadora Enilda Mendonça (PT) explicou à reportagem que, para ter todos os direitos assegurados no plano de carreira, o professor deve ingressar no município por meio de concurso. O exemplo de Marcelo ilustra o que isso significa. Caso fosse efetivo, além do piso do magistério, sua remuneração teria o acréscimo correspondente à graduação superior em Filosofia. Na nota, a Seduc não responde se a realização de concurso público está nos planos do governo. Leia a íntegra.

“SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO ESCLARECE SOBRE CARGA HORÁRIA E REMUNERAÇÃO DOS CONTRATADOS

A secretária de Educação de Ilhéus, Eliane Oliveira, esclarece sobre a carga horária dos professores selecionados em chamada pública. Segundo a secretária, o contrato é assinado com 20 ou 40 horas semanais, que equivale a carga horária de 24 ou 45 horas/aula semanais (de segunda a sexta). Cabe salientar que o(a) docente selecionado(a), atua em regência de classe com 20 ou 40 horas/aula, sendo reservada, respectivamente, a carga horária de 4 ou 5 horas/aula, para o planejamento semanal, ficando ainda com a carga horária livre de 5 horas/aula (1 turno por semana).

Os momentos de planejamento são realizados na escola com apoio da Equipe Gestora e da Equipe de Formação da Seduc através do Planejamento Coletivo em Rede (PCR).

Além disso, o Prefeito Mário Alexandre vem garantindo, desde o início da gestão, o pagamento do piso salarial nacional a todos os profissionais do magistério independe de ser contratado ou efetivo. O reajuste de 33,24% do piso salarial nacional será concedido na folha deste mês aos contratados.

Atenciosamente,

Prof.ª Eliane Oliveira da Silva
Secretária de Educação”

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