Julio Gomes escreve sobre intolerância política e religião || Fotomontagem Jornal da USP
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Se fomos expulsos de algum local de culto, de forma explícita ou sutilmente, oremos por aqueles que assim fizeram e procuremos outro local mais adequado para vivenciar nossa religiosidade.

Julio Gomes

Estas eleições disputadas em 2022 foram diferentes de tudo quanto já se viu no Brasil e deixaram marcas profundas na sociedade brasileira e em cada família, nas empresas, nas amizades e até mesmo nos meios religiosos, que também sofreram com a agressividade e a radicalidade presentes na disputa, de onde ninguém saiu ileso.

Falando especificamente do exercício religioso e de suas instituições, encontramos relatos de inúmeras pessoas que simplesmente deixaram de frequentar a igreja ou local de culto, ou o espaço litúrgico onde exercia sua religiosidade, fosse este ou aquele.

Mais frequentes ainda são as notícias de afastamentos internos entre pessoas de uma mesma religião, a ponto de não quererem mais trabalhar juntas nem mesmo se relacionarem, como amigos ou como simples companheiros de um mesmo ideal.

Esses fatos merecem uma reflexão mais aprofundada.

Alguns argumentam que não toleram mais olhar para companheiros de fé, sobretudo cristãos, sabendo que estes desejam para as outras pessoas a prisão por motivos políticos, a tortura, a morte, a mais dura repressão ditatorial. Que desejam que trabalhadores percam seus direitos. Que indígenas e negros não tenham nenhum tipo de política pública de compensação voltada para si. Que a polícia mate, como ação fundamental e primária, e que as pessoas sejam reduzidas em seus direitos humanos.

Outros dizem que não querem de forma alguma se relacionar com pessoas que defendem o aborto, que destroem a família por meio de suas ideologias, que pregam a desordem e o comunismo, que aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que normalizam o uso das drogas e que pregam a desordem sexual, moral e a destruição de toda a ordem social.

Com isso, cavou-se um fosso profundo em muitas instituições religiosas, templos evangélicos, igrejas católicas, centros espíritas, sendo tal atitude, algumas vezes, tristemente incentivada pelos próprios diretores destas instituições.

Não desejo entrar aqui no mérito do que cada um pensa do ponto de vista estritamente político. Não menosprezo nem retiro a enorme importância desta discussão, que é, sim, necessária. Mas desejo prosseguir sob outro ponto de vista.

É fundamental que as pessoas não se afastem de Deus nem de sua religiosidade, aconteça o que possa acontecer, tomem os outros as decisões que tomarem. Nossa relação com Deus é personalíssima e íntima, não deve passar pelo crivo social de ninguém, embora o exercício litúrgico, frequentemente, seja coletivo.

Sobretudo se somos cristãos, cabe exercermos a disciplina e a tolerância, a humildade de sabermos que, mesmo com todas as nossas convicções, não somos donos absolutos da verdade. Cabe vermos que todos somos humanos e cheios de erros, falhas, equívocos, e que, sem fé e compreensão mútuas, sem tolerância e sem amor ao próximo, não iremos a lugar algum.

E se, por acaso, fomos expulsos de algum templo, igreja ou local de culto, de forma explícita ou mais sutilmente, oremos por aqueles que assim fizeram e procuremos outro local mais adequado para vivenciar nossa religiosidade, pois inaceitável mesmo é que nos afastemos de Deus, do exercício da fé e das boas obras. Isso, nunca!

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

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