As opiniões de alguns profissionais do Direito terão uma dose apurada de apelo político, natural num país que naturalizou os arroubos, os palavrões e a falta de liturgia do cargo mais importante da nação.
José Cássio Varjão
Ao longo dos últimos 80 anos, diversos acontecimentos globais colocaram algumas profissões no centro das atenções do mundo contemporâneo. Na corrida armamentista/tecnológica entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, denominada Guerra Fria, entrou em evidência a atividade científica, com destaque para a chegada do homem à lua, pelo lado dos americanos, e por colocarem o primeiro humano fora da órbita terrestre, ficou a cargo dos soviéticos. Também após o fim da Segunda Grande Guerra, a expansão e a reconstrução econômica, principalmente dos países europeus, os aliados ocidentais, destacaram-se os economistas com a chamada Era de Ouro do Capitalismo ou Boom econômico pós-guerra, criando o Plano Marshall.
Já no século XXI, com a continuação da exploração tecnológica, evidenciando o desenvolvimento de softwares, a indústria de TI, banco e análise de dados, tiveram ênfase as profissões como ciência de dados, engenharia de software e da computação, desenvolvedor mobile, tecnologia da informação, programador web, robótica, marketing digital etc.
Nessa época em que entramos, no segundo quarto do século XXI, além da continuação e do crescimento acelerado das áreas tecnológicas, destaca-se a importância e o conhecimento do profissional de relações internacionais, analisando e discutindo os reflexos do cenário geopolítico mundial, num momento em que o poderio do imperialismo americano se enfraquece – e um mundo multipolar surge, dividindo o centro do poder entre os países que compõe os BRICS, com características de maior integração entre países e organizações internacionais.
No Brasil, desde a época do pós-guerra, entre explosões inflacionárias e crescimento industrial, os economistas também tiveram grande relevância, destacando-se Celso Furtado, Ignácio Rangel, Edmar Bacha e Carlos Langoni. Posteriormente, dentro os diversos planos econômicos criados para controlar os processos inflacionários que teimaram em minar durante toda a segunda metade do século XX, a nossa frágil economia, sobressaíram-se Delfim Netto, André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha e outros. Pelos acontecimentos recentes, nos próximos meses, frequentarão os telejornais e sites de notícias, com grande visibilidade, os profissionais da advocacia.
Os profissionais do Direito, entre adesões e censuras, discorrerão sobre a denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra Jair Messias Bolsonaro e et caterva. Será um evento de enorme repercussão e incontáveis narrativas. Em estágio inicial dos embates, ainda na fase de entrevistas e exposições em redes sociais, alguns juristas, consideraram “a denúncia muito forte, consistente e muito bem fundamentada, obrigando os advogados de defesa a trabalharem muito na tentativa de estabelecer o contraditório, objetivado defender seus clientes, sobretudo os mais graúdos e relevantes”.
Por outro lado, outros profissionais trilham caminhos inversos, como demover a credibilidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Nesse contexto, poderíamos evocar o conceito de paradigma de Thomas Kuhn e a imagem ambígua do pato-coelho, como forma de descrever duas formas diferentes de se ver a mesma realidade.
Mergulhados nos últimos anos por discussões sobre liberdade de expressão e manifestação de pensamento, a nossa sociedade se equilibra entre os limites do estado democrático de direito, esses determinados pelas “quatro linhas” da Constituição, e a negligência da má-interpretação, dolosa ou não, do que são, constitucionalmente, direitos e garantias individuais.
Na filosofia aristotélica, o silogismo é uma forma de raciocínio lógico, que consiste em deduzir uma conclusão a partir de duas premissas, melhor dizendo, uma premissa maior ou uma afirmação geral; uma premissa menor ou uma afirmação específica relacionada à maior, e a conclusão, a inferência lógica que segue das duas primeiras. Em resumo, o silogismo na filosofia aristotélica é uma ferramenta essencial para o raciocínio dedutivo, permitindo a derivação de conclusões válidas a partir de premissas estabelecidas. Como analogia ao equilíbrio do estado democrático de direito, uma linha limítrofe entre dois polos, o silogismo aristotélico se divide em duas partes: o científico, que se baseia em argumentos técnicos e específicos, contendo o valor da verdade, tanto nas premissas, quanto nas conclusões, e o dialético, baseado em juízos hipotéticos e incertos, usados na retórica e na persuasão, referindo-se exclusivamente às opiniões.
A advocacia é uma profissão técnica que defende interesses de pessoas e empresas em questões legais, baseando-se nas leis, decisões judiciais e teorias jurídicas. Nesse caso específico, que julga a orquestração de um golpe contra as instituições da República, a tentativa de eliminação de adversários políticos e de magistrado da alta corte do país, as opiniões de alguns profissionais do Direito terão uma dose apurada de apelo político, natural num país que naturalizou os arroubos, os palavrões e a falta de liturgia do cargo mais importante da nação.
José Cássio Varjão é cientista político com MBA em Cooperação Internacional e Políticas Públicas e pós-graduado em Administração Municipal e Desenvolvimento Local; Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes; e Gestão de Negócios Inovadores.