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Eduardo Thadeu| ethadeu@gmail.com
 

O que se ouviu ao longo de toda a manhã foram loas ao agronegócio representado pela CNA, modelo que por definitivo não se adequa às tradições cacaueiras baianas e obviamente em direto antagonismo com as próprias políticas públicas emanadas tanto do Governo Federal quanto do Estadual.

 
Estou escrevendo este artigo ainda sob o impacto do que vi, ouvi, observei e avaliei do evento ocorrido hoje – escrevo na quinta feira, 24.01 – no auditório da CEPLAC/BA .
Desde que aqui cheguei em agosto de 2010, duas coisas me impressionaram profundamente, ambas surpreendentes para um profissional que, como eu, dedica-se à causa do Desenvolvimento Regional Integrado Sustentável há mais de 30 anos.
A primeira delas, extremamente impactante, ocorreu quando alguns amigos, abnegados defensores do Sistema Cabruca, levaram-me a uma propriedade onde este sistema é predominante na produção de cacau. Minha primeira reação foi perguntar o porquê do mundo não conhecer tal prática sustentável e responsável pela preservação de enorme mancha de Mata Atlântica na tradicional região cacaueira baiana. A partir desta constatação e, após a posse de Juvenal Maynart na Superintendência da Ceplac, tratamos de ecoar pelos gabinetes responsáveis pela coordenação da então vindoura Conferência das Nações Unidas sobre a Sustentabilidade, ocorrida no Rio de Janeiro em junho passado, também conhecida como RIO + 20.
Os esforços foram recompensados: estivemos durante dez dias na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, com o acampamento “Povos da Cabruca”, onde milhares de visitantes tiveram a oportunidade de conhecer as delícias e demandas do cacau e do chocolate. Estivemos, também, no Píer da Praça Mauá durante os dez dias, em stand no espaço dedicado à Ciência e Tecnologia, alternativas em uma parceria do Instituto Cabruca e da Ceplac/BA, “and last but not least”, apresentamos um painel sobre o Sistema Cabruca no dia 19 de junho p.p. em parceria com a Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais, onde também em duas sessões foi apresentado o documentário “ THE CABRUCA COCOA – THE COCOA FROM BRAZILIAN ATLANTIC RAINFOREST”, resultando que o Sistema Cabruca e a cultura do Cacau foram os únicos citados no documento formal do MAPA que listou as premissas para uma agricultura sustentável no século 21.
A segunda delas, talvez não tão impactante quanto a primeira, foi a constatação de que, apesar da Bahia produzir 70% do cacau brasileiro, ter esta cultura e tradição de preservação, abrigar o centro de pesquisas da Ceplac, seu Centro de Extensão e a maioria de sua força de trabalho, a Ceplac não tinha em sua direção um baiano envolvido com a cadeia produtiva do cacau e do chocolate. A Ceplac vinha a anos sendo dirigida por um pesquisador paraense que, como era de se esperar, tratava de beneficiar a cultura do cacau na Amazônia em detrimento da tradicional região produtora baiana.
Recentemente, o Diretor Geral da Ceplac foi substituído, mas pasmem, ela não voltou para mãos baianas, o que se refletiu claramente no mal-estar generalizado observado no evento hoje ocorrido, a pretexto do lançamento de cartilhas dedicadas – como cartilhas por gênese o são – aos pequenos produtores que deveriam ser atendidos pela extensão da Ceplac.
Talvez influenciado pelos antigos defensores do velho e ultrapassado paradigma do produtivismo, da derruba total e outras práticas deslocadas dos tempos atuais, o novo Diretor Geral, o funcionário do MAPA e mato-grossense Helinton Rocha, cercou-se na mesa dos trabalhos por pessoas completamente desplugadas da realidade atual. Demonstrando total falta de tato político, não convidou para a mesa o anfitrião local – o superintendente da Bahia, Juvenal Maynart, o Presidente da Câmara da Cadeia Produtiva do Cacau do próprio MAPA, Durval Libânio, e nem o Coordenador do Território de Identidade Litoral Sul e importante líder do movimento social sul baiano, Joelson Ferreira, além do Presidente da APC-Associação dos Produtores de Cacau, Guilherme Galvão.
Pior que não convidar os citados lá presentes, foi a falta de convite para o IPC-Instituto Pensar Cacau, instituição que congrega significativa parte dos tradicionais e atuantes produtores sul-baianos e da Câmara Estadual da Cadeia Produtiva do Cacau, que, caso estivesse na reunião, teria evitado que o secretário estadual de Agricultura se confundisse ao afirmar que a seca que assolou o Estado atingiu a cultura do cacau. Ao contrário da afirmação do Sr. Secretário, a Bahia, em 2012, teve a maior safra de cacau desde a introdução criminosa da vassoura de bruxa em nosso Estado.
É sabido que a produção baiana hoje vive um novo tempo, voltado para a sustentabilidade, para as práticas agroecológicas , para a luta pelo reconhecimento dos ganhos ambientais oportunizados pelo sistema Cabruca, para a agregação de valor dos pequenos produtores, para a qualidade, certificação etc. Mas o que se ouviu ao longo de toda a manhã foram loas ao agronegócio representado pela CNA, modelo que por definitivo não se adequa às tradições cacaueiras baianas e obviamente em direto antagonismo com as próprias políticas públicas emanadas tanto do Governo Federal quanto do Estadual. Nossa observação e sentimentos podem ter sua veracidade constatada pelo fato de que o assunto, ou piada, mais ouvida na saída do evento era a de que “estão reinventado a UDR no sul da Bahia”. Como a voz do povo é a voz de Deus, mais uma vez me pergunto: onde andam os senhores parlamentares baianos?
Eduardo Thadeu é economista, mestre em planejamento e desenvolvimento regional integrado, especialista em planejamento ambiental e ex-conselheiro do CONAMA.

0 resposta

  1. Sou baiano, mas moro fora da Bahia há 05 anos. Sinto-me esperançoso ao ler este artigo, pois vejo que outra pessoa percebeu o que eu observei quando sai da minha terra e só voltei à passeio. A região cacaueira se acha “bairrista”, mas na verdade é uma “terra de mãe Joana”. Vivemos cultivando “picuinhas” locais, enquanto pessoas “de fora” se apoderam das direções dos orgãos centrais de fomento da nossa economia.
    Acorda Região Cacauiera! Acorda Bahia

  2. Muito bom o texto. Parabéns.
    Mas é bom considerar que, aparentemente, já não existe nos quadros da Ceplac gente capaz, com coragem e independência. Os acusados do crime da vassoura-de-bruxa continuam lá, dando as cartas e falando grosso! Produtor de cacau que se respeita lá não pisa os pés.
    Talvez isto explique a necessidade da intervenção de forasteiros!

  3. Estive presente nesta “festa da CEPLAC”, festa ???
    O que acompanhei foi um desrespeito a Região do cacau, comandada por gente que nem sabe por que estar lá, não sabe da historia da região cacaueira baiana e por isso fez aquele papelão diante dos funcionários da instituição e a sociedade civil.
    Temos que botar cabeça na CEPLAC, a realidade de hoje é um corpo e sem cabeça.
    Ouvir falar em nomes que defenda o Cacau Cabruca… , isso sim é o caminho !!!
    Força para região, força para o cacau e força ao povo !!!!
    Juliana

  4. Zelão, diz: – “O berro dos excluídos”
    “Em casa que não tem dono, o vizinho é quem manda”
    Como exercício do “jus esperniendi” entendi os argumentos utilizados pelo “douto economista,” salvo pelos “pecadilhos” de falso bairrismo cometidos.
    A história da cacauicultura baiana, apesar de escrita com sangue, suor e lágrimas (muitas vezes com mais sangue), cresceu e se tornou rica, graças à tenacidade dos homens incultos, que derrubavam a mata, apenas o necessário para plantar as roças.
    Foi por orientação técnica dos “doutos homens da ceplac,” que; sob o argumento da necessidade de “diminuir” o sombreamento das roças, que causava a incidência do “mela do cacau e da podridão parda”, que a devassa das matas teve início. A “cabruca” era uma prática habitual.
    Vale aqui resaltar, que nem todos os males da cacauicultura baiana, aconteceram, quando a Ceplac estava sob os auspícios
    “De não baianos (como aconteceu recentemente), inclusive a própria “difusão,” criminosa ou acidental, da vassoura-de-bruxa” que quase dizimou a economia cacaueira da Bahia.
    Quanto à apatia dos nossos políticos é fato insofismável. Quanto à incompetência dos homens que gerem o negócio cacau, o fato também é histórico e cultural, que sempre se alicerçou na cultura do individualismo, que foi capaz de destruir as poucas conquistas, a exemplo das cooperativas de crédito e de fomento.
    Volto a repetir, aqui o que disse ao comentar as críticas sobre o encontro, organizado pela diretoria da Ceplac, para apresentar e discutir os novos rumos do “agronegócio cacau,” por não ter privilegiado “na mesa principal da reunião,” aos “cientistas social” ligados aos movimentos dos sem-terra: –
    Salvo “a politicagem da esquerda festiva, esses senhores, nada tinham para contribuir.”

  5. que vergonha!!!!! uma terra onde já estrondou a voz de Rui Barbosa, de João Mangabeira, e tantos outros….se rende à incompetência de um Partido? De vários? De um governador que não liga para o sul de seu Estado? estou envergonhado!!!!!

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