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No ano do seu centenário, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) escolheu Sofia Manzano para representá-lo na disputa da Presidência da República. A paulistana de 51 anos é radicada em Vitória da Conquista desde 2013, quando assumiu o cargo de professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), onde leciona Economia, sua área de pesquisa da graduação na PUC-SP ao doutorado na USP.

Ela é autora do livro Economia Política para Trabalhadores (Ed. Instituto Caio Prado Jr.), título que indica um dos desafios da sua pré-candidatura: levar ao conhecimento da classe trabalhadora as propostas dos comunistas para a economia do país.

A tarefa não é fácil. O PCB está em franca reconstrução, mas ainda longe do protagonismo que marcou sua trajetória no século passado. Some-se a isso os consensos neoliberais no debate público, promovidos por meios de comunicação de massa. As brechas estão na internet, como nas redes sociais, onde os pré-candidatos comunistas acrescentaram a sigla do partido aos seus nomes (@sofiamanzanoPCB, por exemplo) para uniformizar a identificação dos perfis.

Se a missão de falar às multidões é cheia de obstáculos, o apelo dos temas econômicos é forte e incontornável no debate eleitoral. A carestia da vida está nas gôndolas de alimentos, nos postos de combustíveis, na conta de energia, no preço do gás, etc., enquanto o salário mínimo não tem ganho real desde 2017.

Nesta entrevista ao PIMENTA, Sofia Manzano mostra como esse cenário econômico reflete o conjunto da obra do governo Bolsonaro. Também explica como o Dieese chega ao valor recomendado do salário mínimo para as despesas de uma família, que hoje seria de R$ 6,3 mil. Segundo ela, com planejamento econômico, o país tem condições de atingir esse nível de renda mensal familiar. Leia.

PIMENTA – O Comitê de Política Monetária elevou a taxa básica de juros para 12,75%, alegando que isso é necessário para conter a inflação. De um lado, a gente vê reclamações, como as da Confederação Nacional das Indústrias. De outro, tem gente da esquerda defendendo a gestão de Roberto Campos Neto. Qual é o melhor caminho para a política monetária brasileira?

Sofia Manzano – É um equívoco a gestão do Banco Central independente do Roberto Campos, porque ele está fazendo uma política monetária que visa, simplesmente, o interesse do mercado financeiro. Essa política de aumentar a taxa Selic é muito ineficiente para conter a inflação. O que eles alegam é que a inflação está – e de fato está – muito elevada e crescendo. Por isso, eles aumentam a taxa de juros, pensando sempre num modelo de teoria econômica bastante ultrapassada, que é a teoria quantitativa da moeda. A ideia de que, se os preços estão subindo, é porque a demanda está muito elevada, então tem que aumentar a taxa de juros para conter a demanda.

Só que sabemos que o nosso processo inflacionário não decorre do aumento da demanda. Muito pelo contrário. Tínhamos, antes da pandemia, quando não havia uma inflação tão elevada, uma população se alimentando e consumindo. Com a pandemia e o empobrecimento da população por causa da reforma trabalhista, hoje temos mais de cem milhões de pessoas com insegurança alimentar. Elas não têm dinheiro para comprar o básico, o alimento. Portanto, a demanda, que é a procura por bens e serviços, não está aumentando, está retraindo. A inflação atual não é causada por um excesso de demanda, mas por pressões de custo.

Quais?

A principal é a política de preços da Petrobras. O lucro trimestral da Petrobras aumentou 3.000%, R$ 44,5 bilhões. Ora, não é a Petrobras empresa: o governo que está comandando essa empresa é que faz uma política que só visa o lucro, com aumentos constantes dos combustíveis e gás, que entram no custo de toda a produção. Para produzir qualquer coisa tem que ter energia e transporte. Se a energia e o transporte sobem, o preço desses produtos vai subir.

Outro elemento que provoca essa inflação – e isso está impactando o mundo todo – é que, com a pandemia, alguns elos das cadeias produtivas foram interrompidos. A China, por exemplo, quando tem casos de Covid, fecha cidades de milhões de habitantes. Leva sério o combate à pandemia. Como a China é um grande fornecedor de peças, implementos e matérias-primas para diversos produtos, a restrição das atividades faz com que esses produtos faltem para outros países continuarem a sua produção. O setor automotivo, por exemplo, passou muito tempo com problemas de ausência de peças por conta do bloqueio de diversos países. O setor de eletrodomésticos da mesma forma.

Além disso, a China faz uma política de segurança alimentar intensiva. No início da pandemia, aproveitaram momentos em que o petróleo e os produtos agrícolas estavam com preços baixos e compraram toneladas e toneladas. Fizeram um estoque muito grande de produtos básicos para a economia deles. Isso gerou um aumento dos preços desses produtos no mercado externo.

Ainda tem o próprio dólar. O preço do dólar elevado encarece os insumos importados e faz com que o produtor nacional equipare seu preço ao internacional em dólar, convertido em real. Por exemplo, mesmo tendo açúcar produzido 100% no Brasil e mesmo se tivesse uma política que diminuísse o custo de produção do açúcar, quando o produtor compara o quanto ele ganharia vendendo para o mercado externo com o dólar nas alturas, ele eleva o preço interno também, para ganhar a mesma coisa que ganharia exportando.

Como você vê, são vários elementos fazendo com que a inflação aumente, mas o principal, que é aquilo em que o governo deveria atuar, ele não está agindo, que é o controle do preço dos combustíveis, da energia elétrica, o controle dos preços administrados, aqueles sobre os quais o governo tem o poder de fazer com que não suba tanto.

São diversos fatores em que o governo deveria estar agindo para controlar a inflação, mas não age por diversas razões. Só está agindo para beneficiar o mercado financeiro tanto no caso da taxa de juros quanto no caso da Petrobras. Não age para controlar a inflação, melhorar a segurança alimentar e ter uma política econômica condizente com o tamanho do nosso país e com o tamanho da nossa economia. É um governo que nunca mostrou nenhum tipo de planejamento econômico decente.

A senhora associa a queda do poder aquisitivo do trabalhador à reforma trabalhista. Existem estudos que demostram essa relação?

Existem. A reforma trabalhista precarizou as relações de trabalho. Permitiu, por exemplo, o trabalho intermitente. Quer dizer, você trabalha algumas horas num dia, outras horas noutro dia, o que antes não era possível. Você tinha uma jornada de trabalho organizada. Ela permitiu estender o trabalho mais precarizado, no sentido de que a pessoa não é mais um empregado permanente. Ela tem contratos temporários de trabalho. Todas essas questões fazem com que a insegurança do trabalhador provoque o rebaixamento das suas condições de vida.

Nós temos visto, nos dados apresentados inclusive na grande mídia, que a taxa de desemprego, apesar de ser muito elevada (são quase doze milhões de desempregados), se mantém estável. Não está havendo crescimento do desemprego, mas a média salarial do país está em queda, mês a mês. Com salários caindo e inflação subindo, as condições de vida pioram ainda mais para os assalariados e as pessoas mais pobres, mesmo com uma taxa de desemprego estável.

Também aumentou muito a quantidade de trabalhadores por conta própria, que sempre existiram, mas eram, normalmente, eletricistas, encanadores e empreiteiros que prestavam serviços em diversas casas. Hoje, muitos setores, como toda a área dos trabalhadores de aplicativos, são considerados trabalhadores por conta própria. Na verdade, eles estão submetidos a uma relação de emprego. Não têm autonomia, por exemplo, para cobrar o que quiserem. São dependentes do que os aplicativos determinam. Também foram muito precarizados. O aumento da sua jornada de trabalho é brutal, e o que eles ganham diminui cada vez mais. Se, quando surgiu o Uber, o motorista tinha uma remuneração significativa, hoje, mesmo trabalhando muito mais, a remuneração caiu muito, porque o próprio aplicativo não paga taxas decentes.

A reforma trabalhista precarizou todos os setores, a não ser o público. No setor privado, todas as relações foram precarizadas e de forma bastante acentuada. Toda vez que a relação de trabalho é precarizada, o salário tende a diminuir, porque a competição entre os trabalhadores aumenta. Sempre vai ter gente disposta a receber menos por um mesmo trabalho, e a empresa vai demitir um trabalhador para contratar outro mais barato. Isso piora as condições de vida do conjunto da população trabalhadora.

De volta à Petrobras, o que significa dizer que ela é estratégica para a nossa soberania nacional?

A gente tem que lembrar da história da Petrobras. No Brasil, as pesquisas para a exploração de petróleo começaram por volta de 1940 e 1950. OS países produtores de petróleo e os mais poderosos do capitalismo já estavam de olho nas regiões do mundo que tinham grandes reservas. Por isso, foi feito um grande movimento popular, chamado O petróleo é nosso!, para garantir que o petróleo fosse do Brasil, do povo brasileiro. A Petrobras surgiu como uma empresa estatal e tinha o monopólio da extração do petróleo, que foi quebrado no governo Fernando Henrique Cardoso. Isso já foi uma possibilidade para que as empresas estrangeiras viessem explorar o petróleo no Brasil. Mesmo assim, até hoje, a Petrobras é a maior exploradora de petróleo no país. E ela se tornou, ao longo da sua história, uma empresa extremamente competente, porque tem tecnologia de ponta para extrair petróleo em altas profundidades marítimas, como no Pré-Sal, uma coisa inédita. Nunca se teve uma pesquisa desse tipo. São reservas elevadas.

Ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, a Petrobras foi sendo vendida aos pedaços. Com a abertura do capital para o mercado internacional, hoje, mesmo que o Estado brasileiro seja o sócio majoritário da Petrobras – e ele indica o presidente [da empresa]-, grande parte dos donos da Petrobras são acionistas. A política de paridade internacional dos preços da gasolina, do gás, foi determinada pelos acionistas. É uma política artificial, que busca elevar o lucro da empresa para que os acionistas tenham um ganho muito grande. Tanto é verdade que, no ano passado, a Petrobras deu um lucro de 106 bilhões de reais. Toda empresa, quando dá lucro, tem que pegar parte importante desse lucro e investir, para continuar melhorando sua produção. O capitalismo funciona assim. Uma empresa que deu lucro e não investe tende a desaparecer. Vai ser sucateada.

Dos R$ 106 bilhões de lucro da Petrobras, ela deu aos acionistas R$ 101 bilhões. Veja só! Ela não está investindo. É muito importante para nós recuperar a Petrobras para o Estado brasileiro, para que ela seja um patrimônio do povo brasileiro e garanta a soberania interna, em termos de exploração de petróleo e de produção de combustíveis, porque a Petrobras deixou de investir também nas refinarias. Não adianta só produzir. A gente tem que refinar o petróleo para produzir os derivados. Ela deixou de investir nas refinarias e está sendo desmontada, aos pedaços, com o objetivo de privatizar de vez essa empresa.

Isso é muito temerário. O mundo faz guerra por causa de petróleo. Os Estados Unidos ataca o Iraque, vive ameaçando o Irã e ameaça a Venezuela por causa de petróleo. A Rússia faz uma guerra não exatamente por causa de petróleo, mas ameaça os demais países por conta do gás natural e do petróleo. O petróleo ainda é a principal fonte de energia que nós temos. Se um país abre mão da autonomia, da soberania, em termos da sua exploração e do beneficiamento do petróleo, ele fica muito vulnerável aos interesses de outros países que virão aqui explorar as nossas riquezas e a nossa classe trabalhadora, por isso que a Petrobras é estratégica para o Brasil.

Tem mais uma questão, se você me permite. A Petrobras tinha um plano de diversificação energética. Ela iria investir na produção de energia que não fosse derivada de combustíveis fósseis, que são muito poluentes. Quando houve o golpe contra a Dilma, e o Michel Temer assumiu, esse plano estratégico da empresa foi desmobilizado. A Petrobras deixou de se preocupar em transformar outras formas de energia na principal fonte energética do país, porque nós temos muito sol, muito vento, diversas formas de produção de energia não poluentes. E a política desses governos – veja: não é da empresa – está fazendo com que a própria empresa seja despedaçada, precarizada, colocando em risco o fornecimento de energia para todos os brasileiros e para os empresários também, porque energia é importante para todos.

Criolo tem um verso que diz assim: FGV me ajude nessa prece, um salário mínimo com base no Dieese. Isso é possível?

É sim. Inclusive, é um dos programas que nós apresentamos na nossa pré-campanha, que o salário mínimo tenha aumento progressivo até chegar no que o Dieese estabelece. Para quem não sabe, o Dieese faz o cálculo de quanto uma família precisa receber, por mês, para cumprir o que a Constituição determina sobre o salário mínimo. Não é nenhuma coisa que saiu da cabeça deles, não. É a própria Constituição que diz que o salário mínimo tem que ser suficiente para alimentação adequada, vestimenta, transporte, casa, água, luz, os insumos básicos que uma pessoa precisa, educação. Isso nunca foi cumprido.

O Dieese faz esse cálculo de quanto seria o salário mínimo para uma família de quatro pessoas e o valor que ele chega, nos cálculos de hoje, seria de aproximadamente R$ 5,9 mil [o valor atual é R$ 6,3 mil]. Veja, esse valor é para a família, não é por pessoa. Hoje o salário mínimo está em R$ 1.200,00, isso porque, durante os governos Lula e Dilma, houve uma política de aumento real do salário mínimo, o que foi muito bom. Isso melhorou as condições de vida da classe trabalhadora. Tirou, de fato, o Brasil do Mapa da Fome, porque, com salários mínimos maiores, as pessoas têm mais condições de vida.

Por que vincular o crescimento do salário ao PIB?

A política do salário mínimo era a seguinte. Todo ano, o governo federal estabelecia o valor do salário mínimo levando em consideração a inflação anterior mais o crescimento do PIB. Por que o crescimento do PIB? É importante dizer isso. Porque o PIB é a riqueza produzida no país. Quem produz a riqueza são os trabalhadores e as trabalhadoras. Somos nós que produzimos a riqueza. Então, se riqueza aumentou, é justo que os trabalhadores e as trabalhadoras recebam essa parte do aumento da riqueza. Isso se chama ganho de produtividade. Se produzimos mais, quem trabalha tem que receber mais também.

O salário mínimo passou por um processo de ganhos reais, chegando ao valor que tem hoje, só que, mais uma vez, a partir do golpe de 2016, as políticas governamentais antipovo, antitrabalhador, fazem com que o salário mínimo tenha reajuste menores e não há nenhuma perspectiva de se voltar uma política de reajuste correta. Nós defendemos, volto a dizer, que haja um plano de quatro anos para que, nesse período, o governo possa estabelecer um salário mínimo que alcance o recomendado pelo Dieese, que é o mínimo que uma família precisa receber para ter as condições compatíveis com a riqueza produzida no Brasil. O Brasil produz muita riqueza, só que ela fica muito concentrada nos ricos e milionários e não na mão de quem está produzindo essa riqueza, que são os trabalhadores e as trabalhadoras.

Professora, estado planejador saiu de moda um tempo. Só que a pandemia e a crise econômica de 2008 mostraram que, sem a capacidade de intervenção do estado, a economia não para em pé. Quais são as condições que o Estado brasileiro tem para intervir a favor do desenvolvimento da nossa economia?

É fundamental a intervenção do estado na economia. Em primeiro lugar, é mentira que pode haver uma economia sem estado nenhum. Porque, veja, a moeda é controlada pelo estado. A moeda privada, que é essa tentativa do Bitcoin, está se mostrando uma grande pirâmide, com grandes prejuízos para muita gente. Portanto, o estado precisa ter uma intervenção na economia. O que está em jogo é o tipo de intervenção que o estado tem. Quando você fala, por exemplo, o Banco Central aumentou a taxa de juros Selic. É uma intervenção do estado na economia, que beneficia o mercado financeiro.

O que muitos economistas e políticos disseminaram, que é essa ideologia neoliberal de redução da participação do estado na economia, diz respeito apenas àquela parte em que o estado intervém para auxiliar a população. São os cortes na saúde, educação, segurança pública e fiscalização do meio ambiente. A gente está vendo a degradação gigantesca que o nosso meio ambiente está sofrendo por conta da redução dos recursos para a fiscalização.

O estado precisa dos instrumentos adequados para fazer o planejamento estratégico. Nós defendemos que saúde, educação, segurança, pesquisa, tecnologia e fiscalização têm que ser tarefas do estado e têm que ser feitas com servidores concursados. Nada de terceirizar para a iniciativa privada, porque aí é que vem a corrupção. Aí é que vêm os interesses escusos de pessoas que não são concursadas e capacitadas para fazer esse tipo de atividade.

Numa entrevista recente, a senhora fez uma oposição da Lei de Responsabilidade Fiscal com a Lei de Responsabilidade Social. Quais são interesses em confronto quando alguém defende, de um lado, a responsabilidade fiscal e, de outro, a criação da Lei de Responsabilidade Social?

Essa ideia é do nosso programa: transformar a Lei de Responsabilidade Fiscal na Lei de Responsabilidade Social. É o seguinte. O estado tributa e, dessa tributação, vai fazer o gasto público. O gasto público, a partir do governo Fernando Henrique, foi limitado para a remuneração dos servidores públicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal impede, por exemplo, os municípios, os estados e até o governo federal de fazer concursos públicos para contratar médicos, enfermeiros, professores, cientistas, fiscais e policiais concursados. O que acontece? Isso abre espaço para a privatização.

Aqui na Bahia, o governo estadual construiu, em tudo que é região do estado, grandes hospitais e policlínicas, mas não fez concurso para contratar os profissionais. O estado gasta fazendo os hospitais e comprando os equipamentos e entrega esses hospitais para a iniciativa privada, que, através das chamadas OS [Organizações Sociais], vai receber dinheiro do estado. Veja: é o estado que paga para a iniciativa privada contratar médicos e demais profissionais de saúde que vão trabalhar naquele hospital. As denúncias de corrupção nessa área são enormes. Só não são maiores porque não estão sendo investigadas, mas, basta a gente ir num posto de saúde, numa UPA, numa UBS e ver que não existem ali os profissionais adequados que deveriam existir. Só que, lá na conta do governo, está escrito que o governo pagou para contratar uma pessoa pra tá ali atendendo à população. E a OS, que deveria fazer essa contratação, embolsou o dinheiro e não fez a contratação.

Defendemos o fim da Lei de Responsabilidade Fiscal para que o estado possa não gastar o dinheiro transferindo-o para a iniciativa privada, mas fazendo concursos públicos para contratar os servidores que vão prestar os serviços nas estruturas públicas de saúde, nas estruturas de educação, de segurança pública e assim por diante, porque, de toda forma, o dinheiro vai sair do estado, só que da forma como está sendo feita agora, ele sai do estado e vai para a mão dos empresários e, da outra forma, ele vai sair do estado para os servidores público que atenderão diretamente à população. Por isso somos contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque ela impede a realização de concursos públicos. Nós somos a favor da Lei de Responsabilidade Social, que é um projeto nosso, de que o recurso público tem que ser usado para os serviços sociais na medida em que são necessários. Se sobrar recurso, aí o estado pode fazer outros tipos de investimento ou pagamento da dívida pública.

A senhora foi convidada para a Sabatina Folha/UOL? 

Por enquanto, não. Nós estamos pressionando bastante eles para que a gente tenha o espaço. O nosso pré-candidato ao Governo do Estado de São Paulo, Gabriel Colombo, está, nesse momento, sendo sabatinado pelo UOL e Folha, mas, por enquanto, eles falaram que só iam fazer a sabatina com 8 pré-candidatos que escolheram, mas nós estamos brigando para conseguir esse espaço também. Nós já temos algumas agendas na Rede TV e outros meios de comunicação. Saiu uma matéria na Tribuna de Santos, no jornal A Tarde.

Com a internet, há a impressão de que todo mundo tem voz e pode falar, mas, se é assim, o alcance do que é dito por cada emissor é muito diferente. Como introduzir e promover o debate sobre a democratização dos meios de comunicação sem descambar para a censura?

Na verdade, não tem nada a ver uma coisa com outra. Você pode ter a mais ampla liberdade de imprensa sem ter uma concentração dos meios mais importantes de comunicação, como temos no Brasil. Hoje, três ou quatro família são donas dos maiores meios de comunicação do país, comunicação de massa; das televisões; das reprodutoras nos estados ou nas regiões; dos grandes jornais impressos e, portanto, dos grandes sites de notícia; das rádios. O que se tem que fazer no Brasil é a democratização dos meios de comunicação. Isso vai, na verdade, ampliar a liberdade de imprensa, porque o que a gente tem hoje não é uma liberdade de imprensa ampla. É apenas a visão principal dessas famílias que é veiculada na imprensa dominante e reproduzida por meios menores nas cidades, nos blogs. As vozes que são discordantes e dissonantes são caladas. Elas estão censuradas, porque não têm espaço nessa grande imprensa, nessa grande mídia de massas. Enfrentar essa questão é fundamental para ampliar a democracia no Brasil. É uma pena que, nos primeiros governos petistas, eles não tiveram a coragem de fazer isso, como foi feito na Argentina, Canadá e diversos países em que os governos de centro-esquerda enfrentaram os monopólios dos meios de comunicação para permitir a democratização.

Além disso, temos outro problema, que é acreditar que as redes sociais vão substituir os meios de comunicação de massa. Na verdade, o próprio controle dos algoritmos faz com que a gente tenha muita dificuldade de furar as bolhas das redes sociais. Portanto, falamos para nós mesmos. É uma ilusão achar que, só porque eu postei numa dessas redes sociais, vou atingir milhões de pessoas. Não atinjo. Atinjo um grupo muito pequeno, que são sempre os mesmos e que concordam comigo. O debate fica truncado. Enquanto isso, a grande massa da população brasileira está assistindo televisão todos os dias e está sendo informada, de forma unilateral, pelos grandes meios de comunicação de massa. Portanto, a democratização dos meios de comunicação vai ampliar a liberdade de imprensa, não reduzir ou ter qualquer tipo de censura.

Como funcionaria na prática? Seria com a abertura de mais canais e com investimento público na produção de conteúdo?

Ou, simplesmente, usar o próprio Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], que é o controle da concorrência, e não permitir que a mesma família seja proprietária, por exemplo, da televisão de São Paulo, do Rio, da Bahia, de Pernambuco, do Ceará, de todos os lugares, porque é um monopólio. Se isso é um negócio, quando uma mesma família tem rádio, grandes jornais, canais de televisão e, agora, grandes sites também, ela está formando, do ponto de vista empresarial, um grande monopólio.

Isso acontece com qualquer outra empresa. Quando teve a fusão das cervejeiras, o Cade falou não pode uma empresa comprar todas as produtoras de cerveja, vai se formar um monopólio e proibiu a compra. Agora, tem que se agir no sentido de que uma mesma família não pode ser dona de todos os canais de televisão, de todas as redes. Além disso, é evidente que se pode também abrir novos canais, e o estado pode ajudar a financiar canais alternativos, canais diferentes, para que a população possa ter acesso a visões diversas sobre a realidade, e não a uma visão unilateral, que quer formar a consciência para aceitar todas as mazelas que nós estamos vivendo hoje em dia.

Temos algumas experiências de emissoras públicas, mas muito comedidas. Não sei se concorda.

Tem que ser uma coisa muito mais agressiva, no sentido de colocar a sociedade civil, para que o sindicato, os representantes dos estudantes, dos professores possam ter espaço na televisão. E não precisa criar um canal de televisão. Você pode criar dentro dos mesmo canais que já existem. [Estabelecer que,] nesse horário, vai ter um programa dos trabalhadores, da comunidade LGBT, da comunidade indígena e das mais variadas tendências da comunidade. Isso é muito possível de ser feito. É barato, inclusive, porque a gente sabe como produzir conteúdo, principalmente os jovens, que estão produzindo conteúdo. Imagina esses conteúdos veiculados nas televisões, nos grandes canais de massa. Fora isso, também tem que ter um controle sobre as fake news, as mentiras e as ofensas que, principalmente nas rádios, são descontroladas. Aqui em Vitória da Conquista, há cerca de um mês, teve um caso de quase agressão de alguns radialistas contra as professoras do ensino municipal. O caso chegou à polícia. Essas pessoas têm que ter uma responsabilidade social, civil e coletiva muito maior. Não podem usar um canal, que é uma concessão pública, para atacar, xingar, agredir trabalhadores e trabalhadoras em nome de campanhas políticas.

A senhora concorda com a avaliação de que o comunismo está numa posição defensiva desde 1989? 

Primeiro, a gente tem que falar que o comunismo nunca existiu. O que existiram foram experiências socialistas para tentar chegar ao comunismo. O comunismo é a proposta mais generosa que a gente tem para a humanidade, porque ele quer o fim de todos os tipos de opressão, o fim da exploração. Por que algumas pessoas têm que ter bilhões, enquanto milhões morrem de fome, sendo que todos nós participamos da produção da riqueza? O comunismo pensa uma sociedade em que não exista classe dominante e classe dominada, explorador e explorados, mas essa é uma construção histórica, de longo prazo.

Das experiências socialistas que já existiram, algumas não deram certo, como no leste europeu e na União Soviética, em que aquelas experiências foram fracassadas e esses países voltaram a ser capitalistas, mas continuam existindo experiências socialistas que estão dando certo, como a cubana, que é diferente da experiência chinesa, como a do Vietnã. São diversos países que estão tentando construir, através do seu projeto de socialismo, uma alternativa para que a suas populações possam usufruir da riqueza que produzem.

Sempre gosto de falar de Cuba, porque as pessoas xingam muito Cuba. Cuba é uma ilha no Caribe, que sofre há mais de 60 anos um bloqueio criminoso dos Estados Unidos. Enquanto isso, existem diversas outras ilhas no Caribe. Veja as condições de vida da população cubana e as condições de vida das populações dessas outras ilhas, até de Porto Rico, que é um protetorado dos Estados Unidos. Veja o nível de miséria, de pobreza, de fome, de mortalidade infantil que tem em Porto Rico e que não tem em Cuba. E olha que Cuba é bloqueada. Ela não consegue fazer negócios com grande parte do mundo. Eu vejo que o socialismo cubano é extremamente vitorioso, porque ele faz com que aquela população tenha um padrão de vida que nem os brasileiros têm, e o Brasil é muito mais rico que Cuba. Grande parte dos brasileiros não tem nem um décimo do padrão de vida que tem a população cubana.

Portanto, nós precisamos resgatar as ideias do que o comunismo representa de bom para a humanidade. Querem criminalizar o comunismo. Eu desafio alguém a dizer o que os comunistas fizeram de ruim para as pessoas. Nós não fizemos nada de ruim, não propomos nada de ruim. Muito pelo contrário. O capitalismo está se mostrando brutalmente perverso com a população humana e com o meio ambiente. A perversidade do capitalismo é o que está levando a gente à barbárie, inclusive com guerras, com genocídios, com mortalidade por conta da fome, mortalidade infantil, analfabetismo. Tudo isso é resultado do capitalismo. Portanto, o comunismo só vem para ser uma ideia de que a humanidade pode conviver sem a ganância do enriquecimento absurdo que nós temos hoje.

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