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Raul Monteiro | politicalivre@politicalivre.com.br

A crise do quase secular jornal A Tarde é editorial. Dela, derivam todas as demais, inclusive a financeira, que está levando seu precário comando familiar a sabiamente reavaliar até sua presença na direção da empresa e submetendo-o a seu primeiro grave conflito com os jornalistas que deveriam ser o eixo de sua existência. O conceito vem, entre outras evidências, do fato de que o matutino já foi líder em circulação no Norte e Nordeste, passou a liderar apenas na Bahia e agora luta com todas as suas forças para retomar a liderança roubada pelo Correio, jornal da família do ex-senador ACM, que, por ironia, ajudou a combater politicamente em defesa da liberdade no Estado.

Foi a indefinição editorial de A Tarde ao longo da última década, especialmente depois do declínio de ACM, espécie de Muro de Berlim na história da política baiana, que acabou impedindo-o de atualizar seu modelo de interação com os cidadãos do Estado que chegou a representar visceralmente no passado e do qual extraiu forças para se tornar uma potência de comunicação temida até muito recentemente. Sem dizer o que pensa claramente, sem comunicar a que veio e sem interlocutores claros em seus diversos setores, mas principalmente no campo da redação, qualquer veículo de comunicação está fadado a patinar até acabar.

Quando os jornalistas de A Tarde decidem entrar “em estado de greve até a definição de uma linha editorial” estão ironicamente revelando, sim, que precisam saber o que podem escrever para não serem surpreendidos com uma dolorosa carta de demissão no dia seguinte ou dois meses depois, como aconteceu com o repórter Aguirre Peixoto, pivô da atual crise do matutino. Mas eles estão enfatizando, principalmente, que não conhecem a organização em que trabalham, não possuem meios para acompanhar sua lógica imprevista e, por isso, sob o ponto em que se encontram em sua estrutura, perversa.

Trata-se de uma exigência que apenas parece ingênua, porque, como empresa, um jornal nem sempre precisa dizer explicitamente a seus profissionais até onde podem ir. Mas quando toma a decisão de limitar sua atuação editorial pode fazê-lo até certo ponto abertamente, pagando, sob risco mais ou menos calculado, inclusive com sua credibilidade perante leitores e a opinião pública. O que normalmente revela a identidade de um jornal é um texto editorial diário, expressão do que pensa e acredita, em qualquer campo da atividade humana. Mas pergunte ao leitor mais fiel de A Tarde sobre o que disse o editorial de hoje e ele não terá condições de responder-lhe. Por quê? Simples. Porque ele não lhe diz nada. Não há interesse onde falta inteligência.

Se um jornal não opina, não dá um norte ao seu leitor, não o inspira com relação a uma nova idéia, não propõe a ele uma reflexão, não o instiga com relação a alguma mudança que está por vir, não critica, de que serve mesmo? Jornais não são lidos diariamente ou assinados apenas por um anúncio de emprego ou pelas manchetes que os colocam como mais um produto à venda, mas por permitirem o compartilhamento do infindável universo de informações em que se transformou o mundo, por assim gerarem pertencimento e, mais do que isso, pela capacidade de darem sentido aos acontecimentos.

A Tarde, que já foi bem maior, preferiu subtrair sua opinião, sua identidade editorial, em decorrência de uma conturbação em seu comando, fato que passou despercebido enquanto foi líder inconteste do mercado editorial baiano. Infelizmente, sua direção preferiu, pelas razões que diz respeito só a ela própria, com as consequências com que arca agora, retrair-se a marcar posição. Com isso, lançou uma questão que não quer calar: Quem finalmente manda em A Tarde? Seus leitores, seus jornalistas, seus enclaves ou seus donos, divididos em um triunvirato de primos, com poder mal delegado dos pais, que não possuem papel oficial em relação a nada na organização?

Quem, pelo amor de Deus, responde pelo jornal? É a pergunta que inquieta quem precisa do veículo, quem já foi vítima de alguma matéria injusta sua, quem quer felicitá-lo por um acerto, quem tenta desvendar seu rumo, quem necessita usar sua força para divulgar um novo conceito ou propor uma nova idéia. Para vencer o desafio de não ser tragado pelos novos tempos que ameaçam a todos indistintamente com sua dinâmica irrefreável, A Tarde terá que extrair sua opinião, se conceituar, dizer o que é e o que pretende numa sociedade baiana que, embora com atraso, também exige mudanças, provocada pelas novas tecnologias da informação.

O jornal, que não deixa de ser um patrimônio social nacional – daí também a repercussão que a demissão de um repórter de política gerou, para surpresa principalmente de seus proprietários que não perceberam a sutileza dos limites entre o privado e o público no campo da comunicação -, terá que recriar-se rapidamente, porque está surfando na inércia. Em outras palavras, A Tarde precisa entender a generosidade do apelo de seus jornalistas para que se defina editorialmente o quanto antes, admitindo seus limites, porque todos os têm. Para adquirir de novo uma fisionomia, entretanto, é necessário primeiro que, de uma vez por todas, se profissionalize. De cabo a rabo – o que significa da gestão à redação.

Passar a atuar profissionalmente com todos com que se relaciona, interna e externamente, é um imperativo óbvio para qualquer empresa que deseja permanecer. Mas é uma exigência mais do que urgente para um veículo de comunicação de 98 anos que conseguiu cruzar o tempo de uma era nova a cada momento. Com certeza, a sociedade baiana ainda lhe concederá crédito para mudar.

Raul Monteiro é jornalista, editor do site Política Livre.

0 resposta

  1. N existe crise em a tarde – existe vontades de acabar com este grande jornal secular. Todos dizem q o correio passou a tarde. Favor analisar o segmento correio tabloide e a tarde standart – preco – e alem dos jornais enviados gratuitos e fazem parte nos numeros do ivc. A crise em atarde e algo a superar – como qualquer problema empresarial – nada que uma boa consultoria nao resolva – ao pimenta que tanto tem relado esta crise – deveria ser solidario e voltar colocar o link no seu site ligando a tarde – e nao me diga que retirou por nao apoiar a demissao do jornalista – pois a classe nunca foi unida – por qual motivo tomar as dores ? Acho que colovar o nome de a tarde diversas vezes abre mais numeros de acessos ? Espero que entenda pois sem leitores e midia , nenhum veiculo vive essa e a realidade e voces tambem sabem disso – telhado de bidro .

  2. ”Não há interesse onde falta inteligência.”

    Uma pena vermos um veículo que já foi tão importante nesse estado deplorável, sujeito a críticas e vulnerável em todos os sentidos. Mas quem conhece sabe que a frase é essa: falta inteligência, especialmente de alguns profissionais… ai ai…

  3. Zelão diz: – Em tempo de crise financeira, sacrifica-se a independência

    A finança depauperada da maioria dos jornais brasileiros tem levado a perda de identidade dos mesmos em favor da sobrevivência no momento.

    É sabido que as edições impressas, notadamente as que não souberam se adaptar aos novos tempos trazidos pela comunicação eletrônica, perderam espaço na comunicação das massas. O fator internet, tem causado vítimas em todo o mundo da mídia impressa.

    A falta de visão empresarial dos dirigentes dos veículos de comunicação impressa, em geral em mãos de políticos ou a eles diretamente ligados, não permitiu enxergar os novos tempos. Dai por diante, começaram a pipocar as crises internas, notadamente, quanto à linha editorial a ser seguida. Poucos são os que vão sobreviver à crise em que se encontram.

  4. Como disse Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é burra”, e é assim que a direção do Jornal A Tarde se sente e as vezes só uma pancanda muito grande para mudar e tomara que mudem, pois a Bahia já perdeu coisas demais e não podemos perder este importante veículo de comunicação.

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