Por 8 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) não pode ser usada para punir, criminalmente, alguém que porte Cannabis (maconha) para consumo. Para a maioria do STF, a interpretação da lei conforme a Constituição de 1988 não permite que uma conduta pessoal, que não envolva ato intersubjetivo (entre ao menos duas pessoas), seja enquadrada como crime.
O mesmo argumento poderia ser utilizado para descriminalizar o consumo de qualquer droga, como defendido pelo relator da matéria no STF, ministro Gilmar Mendes, na primeira versão de seu voto, em 2015.
No entanto, após a votação de colegas, Gilmar redefiniu o próprio voto para restringir a descriminalização à maconha, considerando que o caso concreto, levado ao Supremo pelo Recurso Extraordinário 635.659, trata de um interno do sistema prisional paulista flagrado com menos de duas gramas de Cannabis na cadeia.
Com o jeitinho jurídico, o Supremo evitou confronto maior com a maioria conservadora do Congresso Nacional, onde tramitam projetos de lei que visam endurecer a legislação antidrogas.
Após concluir a votação do recurso nesta terça-feira (25), o plenário do STF volta a analisar o tema hoje (26), quando irá definir a quantidade limite para diferenciar o porte para uso pessoal do tráfico. Até o momento, os votos dos ministros sugeriram quantias entre 25 e 60 gramas. Também apontaram o limite de seis plantas fêmeas de Cannabis.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira (25) o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. A sessão está prevista para começar às 14h. Até o momento, a Corte tem placar de 5 votos a 4 a favor da descriminalização.
Faltam os votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. A maioria favorável à descriminalização será formada com seis votos.
Pela manifestação dos ministros que já votaram, o porte de maconha continua como comportamento ilícito, mas as punições definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa e não criminal. Dessa forma, deixam de valer a possibilidade de registro de reincidência penal e de cumprimento de prestação de serviços comunitários.
A Corte também vai definir a quantidade de maconha que deve caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas. A medida deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis.
LEI DE DROGAS
O Supremo retoma o julgamento da constitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.
A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvos de inquérito, assinatura de termos circunstanciado e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.
NÃO É LEGALIZAÇÃO
Na sessão realizada quinta-feira (20), o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a Corte não está decidindo sobre a legalização da maconha.
Barroso afirmou que os votos já proferidos pelos ministros mantêm o porte como comportamento ilícito, mas entendem que as medidas definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa.
“Que fique esclarecido a toda a população que o consumo de maconha continua a ser considerado ilícito porque essa é a vontade do legislador”, afirmou.
VOTOS
O julgamento começou em 2015, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização do porte de qualquer tipo de droga. No entanto, após os votos que foram proferidos pelos demais ministros, Mendes restringiu a liberação somente para a maconha, com fixação de medidas para diferenciar consumo próprio e tráfico de drogas.
O julgamento da descriminalização do porte de drogas para consumo voltará ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira (6). Iniciado em 2015, o processo já foi ao plenário diversas vezes, endo alvo de sucessivos pedidos de vista (mais tempo de análise). Até o momento, o placar está em 5 votos a 1 em favor da descriminalização apenas do porte de maconha.
Os ministros também discutem se estabelecem um critério objetivo, uma quantidade específica de maconha, para diferenciar o usuário do traficante de drogas. Pelos votos proferidos até o momento, esse montante pode ficar entre 25g a 60g.
A maioria, até agora, se mostrou favorável também à liberação do cultivo de até seis plantas fêmeas de Cannabis, forma de diminuir o espaço do mercado ilegal.
O caso volta a plenário após terminar o prazo regimental de 90 dias da vista pedida pelo ministro André Mendonça, que deverá ser o próximo a votar.
Aqui no Brasil, no entanto, grupos religiosos e políticos impedem a descriminalização, por motivos distintos. Os religiosos, por dogmatismo. Já entre os políticos, alguns estão a serviço do tráfico.
Gerson Marques
Uma pessoa com grana no bolso pode entrar em qualquer agência de um banco no Brasil e aplicar em maconha nos EUA, comprando fundo de ações da XP e outras, além de ganhar muita grana com a maconha legal dos americanos. Geram empregos, renda e impostos, lá, para eles.
Um jovem branco de classe média, se pego com alguns baseados no bolso, no máximo, terá uma pena de trabalhos comunitários, e os pais vão colocar em um psicólogo… “Mas é apenas uma criança”…
Já um jovem preto, da periferia, se encontrado com UM baseado de maconha, pode pegar até oito anos de prisão. E muitos estão presos, abarrotando presídios e virando mão de obra fácil para grupos organizados, como o PCC.
A descriminalização da maconha, já práticada em vários países, não aumentou o consumo nem aumentou os problemas com consumidores. O resultado averiguado, até agora, é a queda vertiginosa do tráfico e, por consequência, da violência.
A maconha sempre foi legal no Brasil, até os anos 40. Tornou-se proibida não porque era droga, mas porque sua fibra, o cânhamo, é melhor que o algodão para tecidos. E, nos anos 40, o algodão era o principal produto de exportação dos EUA, que, para impor seu produto ao mundo, criou essa criminalização…
Uma das substâncias encontradas na maconha, o canabidinol, está causando uma revolução no mundo dos medicamentos. Aqui no Brasil, no entanto, grupos religiosos e políticos impedem a descriminalização, por motivos distintos. Os religiosos, por dogmatismo. Já entre os políticos, alguns estão a serviço do tráfico, os principais inimigos da descriminalização.
Gerson Marques é produtor de cacau e chocolate e agente cultural.
Temos que deixar a nossa hipocrisia de lado. A proibição ao consumo de drogas não livrou ou impediu que cada vez mais jovens fizessem uso dos entorpecentes. Acreditamos piamente que a única forma de vencermos os cartéis das drogas é descriminalizar o seu consumo.
As autoridades brasileiras nas três esferas de poder estão discutindo a crise no sistema penitenciário, após os massacres ocorridos nas penitenciárias de Manaus e Roraima. Quase 100 presos foram mortos na guerra das facções criminosas. Que o crime organizado domina o sistema prisional no Brasil não é novidade. As facções mandam fora e dentro dos presídios.
As disputas entre o PCC (Primero Comando da Capital, de São Paulo) e o CV (Comando Vermelho, do Rio de Janeiro), com suas ramificações por todo o País, têm o poder paralelo junto ao Estado de Direito. Hoje até candidatos a cargos eletivos são bancados por essas organizações criminosas. Por trás de tudo isso, está o tráfico de drogas, que movimenta bilhões e bilhões de dólares mundo afora.
Está provado que o enfrentamento ao tráfico não deu certo. A política antidrogas de países como os Estados Unidos, que gastam bilhões de dólares de recursos no combate às drogas, não obteve sucesso. O mesmo ocorre nos demais países. Chegou a hora de todos os países membro da Organização das Nações Unidas (ONU) discutirem uma política de descriminalização das drogas. Essa é a única maneira de eliminar o papel do traficante e, consequentemente, banir os cartéis das drogas.
Personalidades como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia), Ernesto Zedillo (México), Bill Clinton e Jimmy Carter (Estados Unidos) e os escritores Paulo Coelho e Mário Vargas Llosa defendem, na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, a descriminalização do consumo de entorpecentes. No Brasil, as drogas estão presentes nas escolas de ensino médio e fundamental (públicas e privadas), nas faculdades e universidades. Consequentemente, também se faz presente na maioria de nossas casas.
O tráfico de drogas é o principal responsável pelas mortes que ocorrem a cada ano em nosso país. Cito os exemplos das cidades de Itabuna e Feira de Santana, municípios onde moro e trabalho. Itabuna registrou 125 homicídios no ano passado, segundo o site Verdinho Itabuna, sendo que aproximadamente 85% dessas mortes estão relacionadas ao tráfico e as principais vítimas são jovens. Já Feira de Santana, de acordo com o site Acorda Cidade, registrou 375 assassinatos, 30% a mais que em 2015, a maioria dos mortos com idades entre 18 a 25 anos – e quase todos envolvidos com o tráfico de drogas.
A edição do jornal Folha de São Paulo de hoje (12/1) traz matéria sobre a disputa entre o PCC e CV pelo fornecimento da cocaína peruana para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, que movimenta mais de U$ 14 bilhões por ano. Os nossos vizinhos sul-americanos são os principais produtores e fornecedores da cocaína consumida no Mundo e o Brasil é a principal rota de distribuição e também de consumo.
Essa guerra tem ceifado muitas vidas. Quase toda cidade brasileira tem sua cracolândia. O consumo do crack virou uma questão de saúde pública. As cracolândias produzem multidões de zumbis, e fazemos vistas grossas por achar que o problema não é nosso.
Um bom exemplo da política de descriminalização das drogas vem da Holanda. No último dia 25, o programa Fantástico, da Globo, exibiu matéria mostrando que, na última década, a população carcerária caiu 47%. Lá existem 57 presos para cada 100 mil habitantes, enquanto que no Brasil são 300 para cada 100 mil e nos Estados Unidos são 707 para cada 100 mil moradores.
Temos que deixar a nossa hipocrisia de lado. A proibição ao consumo de drogas não livrou ou impediu que cada vez mais jovens fizessem uso dos entorpecentes. Acreditamos piamente que a única forma de vencermos os cartéis das drogas é descriminalizar o seu consumo. Os recursos dos impostos arrecadados com a venda legal dos entorpecentes seriam empregados em políticas de assistência aos dependentes. Dessa forma, a figura do traficante seria eliminada. Esse é o X da questão. E as autoridades mundiais têm que começar a discutir.
Cláudio Rodrigues é jornalista e administrador de empresas.
O Brasil pode se igualar aos demais países da América do Sul que descriminalizaram o porte de drogas hoje ilícitas e passar a ser tolerante com o consumo e com o cultivo para uso próprio. A medida depende do Supremo Tribunal Federal (STF) que deve julgar, neste mês, ação questionando a inconstitucionalidade da proibição. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo recorreu à Corte, alegando que o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, não pode ser considerado crime, por não prejudicar terceiros. O relator é o ministro Gilmar Mendes, que finalizou o voto e deve colocar o tema em votação ainda este mês.
Para especialistas em segurança pública, direitos humanos e drogas, o STF tem a chance de colocar o Brasil no mesmo patamar de outros países da região e dar um passo importante para viabilizar o acesso de dependentes químicos ao tratamento de saúde, além de pôr fim à estigmatização do usuário como criminoso.
“A lei de drogas manteve a posse de drogas como crime, mas não estabeleceu a pena de prisão – o que foi um avanço. O entendimento que se tem é que isso [a proibição] é inconstitucional, diante dos princípios da liberdade, da privacidade, no sentido que uma pessoa não pode ser constrangida pelo Estado, sob pena de sanção, por uma ação que, caso faça mal, só faz mal a ela”, explicou a coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux.
REDUÇÃO DE CONSUMO
O diretor para a América Latina da Open Society Foundation, organização não governamental que defende direitos humanos e governança democrática, Pedro Abramovay, diz que em nenhum país onde o porte de drogas foi flexibilizado houve aumento do consumo.
“O Brasil está atrasado e se descriminalizar vai se igualar a dezenas de países que já passaram por esse processo. Todos os países que descriminalizaram o consumo, que falaram que ter o porte para o consumo pessoal não é mais crime, não viram o consumo crescer. Então, esse medo que as pessoas têm, de haver aumento, é infundado com os dados da realidade”, destaca.
Ele acredita que a medida pode fazer com que dependentes tenham acesso facilitado à saúde. “Hoje, um médico que trata uma pessoa que usa crack, lida com um criminoso, tem a polícia no meio, o que torna a abordagem mais e mais difícil”, destacou Abramovay, que já foi secretário nacional de Justiça.
TRAFICANTE X USUÁRIO
Com a decisão do STF, também pode sair das mãos da polícia e do próprio Judiciário a diferenciação entre quem é traficante e quem é usuário, que tem levantado críticas de discriminação e violação de direitos humanos nas prisões. A lei atual, de 2006, não define, por exemplo, quantidades específicas de porte em cada caso, como em outros países, e deixa para o juiz decidir, com base no flagrante e em “circunstâncias sociais e pessoais”. “Em outras palavras: quem é pobre é traficante, quem é rico é usuário”, critica Abramovay.