Viaduto Catalão era um dos pontos preferidos por ilheenses para o ataque
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Após o jogo, assim que os ilheenses embarcam no trem para retornar a Ilhéus, diversas pessoas da torcida itabunense jogaram as tais laranjinhas dentro dos vagões, causando uma fedentina insuportável, além de manchar e rasgar as roupas.

 

Walmir Rosário

Dois fatos relevantes sobre a rivalidade no futebol entre Ilhéus e Itabuna ficaram marcados na memória do diretor do Banco Econômico da Bahia, Carlos Botelho: O primeiro foi o acidente sofrido por Clóvis Nunes de Aquino, centroavante da seleção de Itabuna, que apesar de reserva de Juca Alfaiate, que era mais impetuoso, e em determinadas partidas era escolhido em lugar do titular, considerado mais técnico.

E num desses jogos, no primeiro tempo, a seleção de Ilhéus ganhava, em casa, por 2X0, quando no segundo tempo o técnico Costa e Silva (à época gerente das Casas Pernambucanas, em Itabuna) tirou o trio atacante de Itabuna – Lubião, Juca Alfaiate e Macaquinho – e substituiu-o pelo trio atacante reserva – Mil e Quinhentos, Clóvis Aquino e Lameu – com o intuito de virar o placar.

Com apenas 15 minutos do jogo reiniciado, o Itabuna já empatava em dois a dois, com dois gols de Clóvis. Foi aí que o violento beque da seleção de Ilhéus, Pedro Fateiro, do Fluminense do Pontal, enlouquecido com o “baile” que tomavam, numa jogada eminentemente criminosa, desferiu um pontapé no rosto de Clóvis Aquino, causando fratura no nariz e no maxilar.

A segunda briga no estádio ilheense também foi terrível, no momento em que o itabunense Alberto Santana, ao defender os interesses de Itabuna, ficou sozinho e apanhou bastante dos ilheenses. A briga, que iniciou na arquibancada do Estádio Mário Pessoa, só terminou no meio do campo, tanto que o jogo não teve continuidade. Nesta partida, a torcida do Itabuna foi – mais uma vez – literalmente massacrada.

Os torcedores de Itabuna não deram o braço a torcer e prepararam a revanche, desta vez em um novo jogo entre os times das duas cidades, realizado no campo da Desportiva itabunense. Com antecedência, um prático farmacêutico de nome Andrade, que trabalhava na Farmácia Caridade, do Dr. Nilo de Santana, preparou umas “laranjinhas” (um tipo de bola de gude revestida de parafina) contendo um produto químico devastador.

Após o jogo, assim que os ilheenses embarcam no trem para retornar a Ilhéus, diversas pessoas da torcida itabunense jogaram as tais laranjinhas dentro dos vagões, causando uma fedentina insuportável, além de manchar e rasgar as roupas. No dia seguinte, o Diário de Ilhéus estampava em sua manchete: “Itabuna lança guerra química contra Ilhéus”. Mais uma vez as populações das duas cidades ficaram um bom tempo com as relações estremecidas.

Assim que era marcada a próxima partida, as duas torcidas se preparavam para dar continuidade à batalha campal nos estádios de futebol das duas cidades. Nos dias em que antecediam as partidas, os grupos se encarregavam de preparar “as armas” para irem à guerra. Os próprios meios de comunicação das duas cidades – à época os jornais – promoviam o acirramento dos torcedores, de acordo com os acontecimentos do último jogo.

Nessas batalhas Ilhéus sempre levava a melhor por ter pontos de passagem na estrada que facilitavam o ataque, como os morros e barrancos. Com a inauguração do Viaduto Catalão – em 31-03-1955 –, os ilheenses ganharam um local privilegiado para atirar pedras, paus e tudo que fosse possível nos itabunenses. E a desvantagem dos itabunenses era gritante, pois grande parte da torcida viajava em carrocerias dos caminhões, portanto desprotegida.

Em Itabuna, apenas dois pontos favoreciam os torcedores locais: na ponte em frente a reformadora de pneus Bendix, no bairro de Fátima, e os paredões do morro do Dr. Caetano, no Alto Mirante. Os ataques aos torcedores adversários se davam na entrada e saída das duas cidades, não importando qual o resultado do jogo. A palavra de ordem era promover a vingança do jogo anterior.

Em tempos mais recentes, no início da década de 1960, o zagueiro Itajaí, nascido em Itabuna, teve a oportunidade de jogar pelas seleções de Ilhéus e Itabuna. Era um zagueiro vigoroso e por isso contrariava as duas torcidas. Em algumas das várias partidas entre as representações das duas cidades, torcedores incentivavam que os adversários quebrassem a perna de Itajaí, considerado “vira folha” pelos adversários.

Foi nesse período que as contendas entre os times de Ilhéus e Itabuna, notadamente as seleções, passaram a ser consideradas inimigas viscerais, e como os itabunenses sempre venciam, os ataques da população praiana eram mais intensos. Devido a esse motivo, além de serem nomeados mutuamente de papa-caranguejo e papa-jaca, os ilheenses também passarem a ser chamados de cubanos, numa alusão à Cuba de Fidel Castro.

Se o “pau comia” fora dos campos de futebol, nas arquibancadas e dentro das quatro linhas não eram diferente. Apesar dos ilheenses terem bons craques, era difícil vencer os itabunenses, que rivalizavam em qualidade de atletas e jogavam pelo resultado, saindo vencedores nas guerras dentro das quatro linhas. Historicamente, os resultados podem ser contados pelo número de campeonatos vencidos pela Seleção Amadora de Itabuna, que chegou ao hexacampeonato em anos seguidos.

Walmir Rosário é radialista, jornalista, advogado e autor d´Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.

Da esquerda para a direita, Léo Briglia, Adonias Oliveira e Vivaldo Moncorvo
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Minhas conversas com Léo tinham dois lugares: a Ponta da Tulha (algumas vezes) e o Bar do saudoso Raileu, onde sentava na praça e dava expediente quando em Itabuna. Não tinha lugar melhor para ouvi-lo. Ali recebia os amigos com o mesmo entusiasmo de sempre.

 

Walmir Rosário

Quantos aos desígnios de Deus ninguém discute. A morte é o fim da vida. Cada um presta contas lá em cima pelo que fez aqui na terra. Esta é a lei implacável dos dons divinos. Aqui na terra, não chega a ser bem assim, mas as aparências são mais ou menos as mesmas. O que chama a atenção sãos os seus desígnios, escolhendo os que Ele quer ao Seu lado, numa espécie de lista, fila, sei lá…

Aos poucos, Ele vai fazendo a chamada. No mês passado levou Pedrinha (Antônio Oliveira), já nos seus 85 anos de idade, cerca de 40 deles dedicado ao futebol amador. Meio-campista do Botafogo do bairro da Conceição, fez história formando uma das maiores tabelinhas junto com Mundeco. E lembrei que em 2016, também levou para a sua glória três esportistas de uma só vez: Adonias Oliveira, Léo Briglia e Vivaldo Moncorvo.

É um luto daqueles que Itabuna vai vivendo, paulatinamente, com a perda um ou vários dos seus filhos, embora nunca com os que militaram num único setor, o esporte, e sucesso assegurado em vida, deixando perplexo os amigos e parentes. Cada um, é claro, na sua área de atuação. Enquanto Léo era o dono da bola, o goleador, os outros não podem ser considerados menores.

A Adonias Oliveira, que nunca chegou a chutar uma bola (e se o fez foi totalmente errado), formou uma plêiade de jogadores. Sua proposta ultrapassava aos retângulos dos gramados, cujo objetivo era formar cidadãos. Deixou seu legado. De pouca fala – timidez ao extremo – conseguia se comunicar com os jovens que convocara para os quadros do Fluminense juvenil e o América da Vila Zara.

Adonias, ou “Dom Dom”, como muitos os chamavam, nunca chutou uma bola, mas sabia, como nunca, descobrir nos velhos campinhos de bairros valores esportivos. Alguns deles chegaram ao futebol profissional; outros se destacaram no futebol amador “marrom”, que ganhava dinheiro sem se profissionalizar. Mas não importa, eram craques que tinham seus lugares nos mais diversos times de Itabuna.

E todos se exibiam na velha Desportiva Itabunense, onde hoje está implantado o Centro de Cultura de Itabuna. O fim do velho campo da Desportiva não impediu que eles brilhassem nos campinhos de bairro ou até no Estádio Luiz Viana Filho, o gigante do Itabunão, como queriam e querem alguns radialistas. Além de dirigir o América da Vila Zara e o Fluminense, seu time de coração, foi dirigente da Liga de Desportos de Itabuna.

Vivaldo Moncorvo, de 101 anos, também nos deixou na mesma semana. Radiotelegrafista, veio da cidade do Senhor do Bonfim para exercer seu trabalho nos Correios e Telégrafos, em Itabuna, e se apaixonou pela cidade e pelo esporte. Desde os tempos da gloriosa Seleção Amadora de Itabuna tomou pra si a incumbência de animar a equipe com a famosa charanga que o consagrou pelo resto da vida.

Se o Itabuna estava em baixa perante a torcida, quem “pagava o pato” era o Moncorvo e sua charanga, que se colocava na arquibancada ao lado dos torcedores. Não haveria local mais apropriado para receber as vaias que seriam destinadas aos jogadores. Quando o Meu Time de Fé estava em alta, Moncorvo era aclamado com sua charanga. Para ele, o céu e o inferno astral fazia pouca diferença, no esporte ou na política.

Diferente de Adonias e Moncorvo, Léo Briglia atuava dentro de campo, fazendo a alegria da torcida com seus dribles e gols. E Léo sempre gostou dos extremos: poderia ter sido um grande cacauicultor ou doutor. Foi estudar em Salvador, mas optou pelo futebol. Torcedor do Vitória, se consagrou no Bahia; nunca obedeceu às premissas do esporte, preferindo a vida desregrada; como gozava de saúde férrea, chegou a desprezar cuidados essenciais. E sempre viveu nessa dualidade.

Mas nada disso tirou o brilho de suas atuações em campo, seja no início de sua carreira profissional no Bahia, consagrando-se artilheiro da Taça Brasil, ou quando campeão em pleno Maracanã, estádio em que brilhou por anos seguintes. Não foi à Copa do Mundo na Suécia, mesmo sendo o melhor da posição, preterido sob a alegação de cáries e outros pequenos problemas de contusão. Estava no lugar errado e na hora errada, como dizem.

Acabou o futebol, voltou para Itabuna, foi ser servidor do Estado. Continuou o mesmo de sempre. Uma boa companhia para um bom papo, principalmente numa mesa de bar. Acostumado aos holofotes da imprensa nacional, ficava nervoso ao se deparar frente a um gravador ou à caneta do repórter. Em vista dessa característica, sempre preferi conversar informalmente, transformando nossos bate-papos em crônicas e reportagens. Das boas.

Minhas conversas com Léo tinham dois lugares: a Ponta da Tulha (algumas vezes) e o Bar do saudoso Raileu, onde sentava na praça e dava expediente quando em Itabuna. Não tinha lugar melhor para ouvi-lo. Ali recebia os amigos com o mesmo entusiasmo de sempre. Arroubo esse que se estendia o ano todo, com mais intensidade próximo ao Carnaval, desfilando garbosamente no bloco As Leoninas, fantasiado a caráter: apenas de biquíni.

Essa era a figura de Léo Briglia, que soube gozar a vida como lhe aprazia, feliz consigo mesmo e irradiando a mesma felicidade para o grande número de amigos que colecionou ao longo do tempo. Além de tudo o que já foi dito, bom pai, extremado avô, que deixa um importante legado para os mais novos. Acredito até que ele cultuava aquele pensamento do nosso poeta português Fernando Pessoa: “Tudo Vale a pena / Se a alma não for pequena. (Mar Português).

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.