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MC DONALD´S COMO SÍMBOLO DA DECADÊNCIA

Ousarme Citoaian
Em viagem recente, conversei com uma senhora parisiense sobre a decadência da cultura francesa, que influenciou o Brasil e o mundo (até o início do século XX, pelo menos). Acordamos em que o espaço da língua culta foi muito reduzido – salvo na área diplomática, em que ainda é exigida. Mas tínhamos preocupações diferentes: eu, perfunctório, o geral (língua, música, cinema, literatura); ela, de olhar profundo, incluía a mesa. Enquanto eu lamento que já pouco se estude francês (língua “irmã” do português) ou se ouçam canções francesas, a gentil senhora deplorava a presença do Mc Donald´s a popularizar hambúrgueres malcheirosos – uma agressão à cuisine (pouco importa se nouvelle ou classique). É a obesidade chegando.

AO LADO DE ROBESPIERRE, MARAT E DANTON

Sou dos tempos em que Hugo, Flaubert, La Fontaine e Voltaire eram traduzidos na escola. Cantava-se, mesmo desafinado, La marseilleise (lá fui pescar este grito de Aux armes, citoyens!), ouvia-se Bécaud, Piaf, Aznavour, Mireille Mathieu,Yves Montand e Juliette Gréco. No cinema, Alain Resnais, Clouzot, Simone Signoret, Alain Delon, Louis Malle, Charles Vanel e Anouk  Aimée-Jean-Louis Trintignant (na foto). Certo menino, durante a aula de história, muitas vezes atravessou a velha Paris do fim do século XVIII em companhia de Robespierre, Danton e Marat. Derrubei bastilhas e monarquias, nenhuma piedade pelas cabeças coroadas que rolavam. Na França ensanguentada, imaginei a reação no meu País – e ainda imagino: às urnas, cidadãos!

O NOVO SEMPRE VEM, QUEIRAMOS OU NÃO

As coisas mudam, o novo sempre vem. Mas nem todo velho é ruim, nem todo novo é bom, nem tudo que parece novo é novo. Com a companheira de viagem fiz apreensões da realidade e externei preocupações com a expansão do império norte-americano – entendendo que tal império outrora foi francês, e que La mère África sofre com isso até hoje. C´est la vie, dissemos em coro. E, para comemorar, comemos talvez nossa última refeição ritual: um pavê de morue à l´huile d´olive, et ratatouille, que vem a ser (se acaso o vinho e aqueles olhos insondáveis não me embotaram a memória) um lombo de bacalhau nadando em azeite, cercado de legumes por todos os lados, menos o de cima. Não era uma sessão de saudosismo. Se saudade tive foi do menino que já teima em não mais habitar em mim.

COISA É MACONHA E MUITAS OUTRAS COISAS

Circulam na internet curiosidades sobre a palavra “coisa”, entre elas que pode ser substantivo, adjetivo, advérbio e, como derivado, o verbo “coisar” – usado em substituição a verbo esquecido. No Nordeste (e em Portugal) significa praticar o ato sexual, enquanto “coisas” seriam os órgãos genitais. Tirem as crianças da sala que lá vai José Lins do Rego, num trechinho didático de Riacho doce: “E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios”. Fred Navarro (Dicionário do Nordeste) informa que, na região, “coisa” é um dos nomes da maconha, hoje coisa de passeata. O abono vem de um time que sabe das coisas: Bráulio Tavares, Zé Vicente da Paraíba e Passarinho do Norte, num martelo agalopado.

“VIAGEM” COM SUOR, VERTIGEM E FRAQUEZA

“Tem um verso que fala da maconha/Uma erva que dá no meio do mato/Se fumada provoca o tal barato/A maior emoção que a gente sonha/A viagem às vezes é medonha/Dá suor, dá vertigem, dá fraqueza/Porém quase sempre é uma beleza/Eu por mim experimento todo dia/Se tivesse um agora eu bem queria/Pois a coisa é da santa natureza”. Pausa para dizer uma coisa: martelo agalopado é uma dentre as muitas modalidades da composição poética popular, conforme o modelo acima: dez versos de dez sílabas poéticas, com rimas do tipo ABBAACCDDC, isto é, o primeiro verso rima com o quarto e o quinto, o segundo com o terceiro, o sexto com o sétimo etc. Já se vê que produzir esse pacote de rimas de improviso não é coisa para amador.

CARNAVAL: SEGURA A COISA E A COISINHA!

Caetano Veloso usou a palavra em Qualquer coisa (“esse papo seu tá qualquer coisa” e em Sampa (“Alguma coisa acontece no meu coração”). Noel disse que o samba, a malandragem, a mulata e outras bossas “são coisas nossas”. O carnaval de Olinda tem o bloco adulto Segura a coisa (no estandarte, um baseado tamanho família) e o infantil Segura a coisinha. O grito de Alceu Valença ecoa pelas ladeiras seculares: “Segura a coisa, que eu estou chegando”. A MPB, às vezes, trata a coisa com certo exagero: Gonzaguinha fala em “coisinhas miúdas” e Jorge Aragão-Almir Guineto-Luís Carlos criaram a tatibitate “coisinha tão bonitinha do pai”, que virou trilha sonora da Nasa. Do maestro Moacir Santos (e seu Coisas) falaremos depois.

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FILME QUE NÃO CHEIRA A NOVELA DAS OITO

Sem esperar muito da Globo Filmes e suas produções com cheiro de novela das oito, fui ver Tempos de paz (Daniel Filho/2009) e tive uma surpresa agradável. É abril de 1945. Após muita tortura pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, vários presos políticos ganham a liberdade, devido à pressão externa decorrente do fim da segunda guerra mundial. Um ex-torturador (Tony Ramos), agora chefe da seção de imigração na Alfândega do Rio de Janeiro, teme que suas vítimas resolvam se vingar. Em meio a essa paranóia, surge um imigrante polonês (Dan Stulbach) que se diz agricultor, mas tem mãos finas e recita Drummond (“Não serei o poeta de um mundo caduco”). Isto é muito suspeito.

ATORES VIVEM “DUELO” DE INTERPRETAÇÃO

O ex-torturador é chamado a investigar o caso, com poder de decidir se o polonês entra no Brasil. A alternativa é a volta, pelo mesmo navio em que chegara, e que já apita no cais, anunciando a saída. O fugitivo da Polônia tem contra ele, além da má vontade, o tempo. O que se vê aqui é uma espécie de duelo de interpretação de dois grandes artistas: Tony Ramos, consagrado pelo público, e Dan Stulbach, um bicho de teatro, com raras aparições na tevê. Depois de esgotar todos as justificativas para seu ingresso no Brasil, o polonês não dissipa as suspeitas do ex-policial. Este, como se espera, é um homem frio, capaz de contar detalhes do seu “trabalho”, sem mostrar emoção.

O TEATRO JAMAIS GANHOU HOMENAGEM MAIOR

E é em cima dessa frieza que o imigrante é chamado a defender sua permanência no Brasil ou ser repatriado (no porto, o navio apita mais uma vez).  Com um estranho senso de humor (talvez próprio dos torturadores), é proposto ao imigrante um desafio: se este contar algo que faça o agente chorar, poderá entrar no País; se não, embarcará no navio que zarpa em poucos minutos. É o ápice do filme. O polonês (que não é lavrador, mas ator) declama Monólogo de Segismundo – da peça A vida é sonho (Calderón de la Barca/1635). Tempos de paz é a maior homenagem que o teatro já recebeu do cinema.  Ah, sim. O torturador chorou – e eu também. Clique e veja que só o bom texto nos redime.

(O.C.)

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O TEXTO SOBREVIVERÁ AO MUNDO

Ousarme Citoaian

Em jornal e revista (a dita mídia impressa), o texto fala por si, enquanto a foto é fundamental como ajuda. Por isso disseram por aí que quando o mundo se acabar será necessário um jornalista para dar a notícia. Sobrando fotógrafo, melhor ainda. Se o the end da “civilização cacaueira” chegou mesmo, montado na vassoura-de-bruxa, há controvérsia – alimentada pelos laboratórios, que tentam parir cacaueiros resistentes à doença. Enquanto isso, Daniel Thame (foto), pelo sim, pelo não, apresenta-se como o cronista que o assunto exige. Seu Vassoura (Via Litterarum) está na praça, para agitar, provocar e cutucar cérebros anestesiados. Só o bom texto nos redime.

COMBINAÇÃO DE MITO E REALIDADE

O livro, com 23 histórias curtas (média de 2,5 páginas), situa-se, conforme destaca o editor Agenor Gasparetto, no lugar que separa os gêneros crônica e conto, classificação que, de resto, não deve tirar o sono de ninguém. Fiquemos com Mário de Andrade, que simplificou a questão: “Conto é tudo aquilo que o autor chama de conto”. Ou então, que se reconheça em Vassoura as duas facetas: na medida em que registra fatos, seria crônica histórica; já a parte com pitadas (melhor dizendo, generosas porções) de ficção, identificaríamos como conto, pois o livro é, claramente, essa combinação de realidade vivida e mito imaginado.

A ESPERANÇA AINDA ESTÁ VIVA

Daniel Thame introduz a vassoura-de-bruxa na literatura regional, e o faz com textos bem escritos, de feitura concisa e leitura agradável, sem descambar para o mero entretenimento. Ao contrário, sua ficção (surpreendente em alguém forjado no factual das redações) convida a pensar – talvez a mais nobre função da literatura. Se alguém achar que ele pesa no dramático, no humor negro ou na tragédia de seus anti-heróis, poderá estar certo. De minha parte, sinto nesse Vassoura um produto perpassado pela sensibilidade do autor, animal político aristotélico, que, sem disfarce no olhar de compaixão com nossa gente, nos diz que a esperança ainda resiste.

DITADOR É “IMORTALIZADO” EM ESCOLA

“Em sociedade, tudo se sabe” era um bordão do colunista social Ibrahim Sued (1924-1995). Pois, em conversa, fico sabendo que Itabuna possui uma escola chamada Garrastazu Médici (foto). E me ponho a pensar como a sociedade se curva aos interesses do poder, desdenhando sua própria dignidade. A escola, apesar de não estar poupada nestes tempos de violência, é um lugar sagrado. Sua identificação há de ser alvo de respeito, reverência e orgulho para a comunidade que ela se insere. Nomeia-se uma escola com pessoas que representaram bons exemplos a seguir.

ESCOLA FERNANDINHO BEIRA-MAR

“Eu estudo na escola Anísio Teixeira”; “Eu, na Paulo Freire”; “E eu sou do colégio Eusínio Lavigne”  – seria uma conversa esperada entre estudantes que se orgulham dos seus “patronos”. Já “Centro Educacional Jack, o estripador” ou “Escola Fernandinho Beira-Mar” seriam batismos infelizes. Então, por que coube a Itabuna a “honra” de ter um lugar (sagrado, repita-se) com o nome de tal indivíduo?  Submeter presos políticos a tortura, com choque elétricos e pau-de-arara (o que o general não fez pessoalmente, mas aprovou) não é pré-requisito para homenagem. Ao contrário.

NÃO QUEREMOS ABRIGAR A DESONRA

Ainda tenho esperanças de que fui mal informado, e que o sanguinário ditador dos anos setenta não identifica nenhuma escola entre nós. Mas, se abrigamos tal desonra, é tempo de professores, autoridades municipais e a comunidade em geral se levantarem num movimento que defenda a honra e a “limpeza” do nobre espaço de formação. É um crime coletivo permitirmos que esses jovens, mais tarde, se envergonhem de mencionar o nome da escola onde estudaram. E estarão certos, pois o lugar do general Garrastazu Médici não é a educação, mas a lata de lixo da história.

PALAVRAS DORMEM, MAS NÃO MORREM

Penso haver dito neste espaço que as palavras nascem, vivem e morrem. Mesmo que tal afirmação me tenha dado alguma sobrevida com a CLMH (Comunidade dos Linguistas Mal Humorados), preciso pedir perdão pela bobagem. Fui mal. As palavras só morrem se nós, que com elas lutamos mal rompe a manhã (na feliz expressão do poeta), assim o desejarmos. Digamos que os sem sensibilidade as condenam ao sono quase eterno, à  forçada hibernação, à troca por neologismos ainda recendentes a vinho novo. As palavras apenas se cansam e tiram férias compulsórias, até que sejam outra vez trazidas à lida.

RECUPERAÇÃO DO BRILHO ANTIGO

João Guimarães Rosa não me deixa mentir. O autor de Sagarana “acordou” centenas de vocábulos que a língua portuguesa pensava ter abolido. Muitos tão “mortos” estavam que não são encontrados em nenhum dicionário em moda no fim dos anos 50 (quando foi publicado Grande sertão: veredas). Alguns termos até foram, apressadamente, dados como “inventados” por JGR – quando uma análise menos perfunctória mostra que ele os recolheu, nas conversas com o povo nos sertões das geraes ou mesmo em textos antigos. O escritor tirou-lhes a poeira, restituiu-lhes o brilho anterior.

DO MANDU À MADRINHA DA TROPA

A beleza de algumas formas ditas arcaicas de nos expressarmos justifica sua ressurreição. O escritor Adylson Machado (Amendoeiras de outono/Via Litterarum) recuperou, dentre várias palavras e expressões curiosas, “mais enfeitado que madrinha de tropa” (referência à mula que “comandava” a tropa, cheia de guizos e enfeites), “mandu” (encrenca, problema, gente ruim, inconveniente) e “abistunta” (forma aleatória de acertar o preço de mercadorias de valores variados). Se esses termos não têm sido usados, isto não quer dizer que estejam mortos. Apenas dormem, à espera de quem os desperte.

SUJEITO CHEIO DE NÓS PELAS COSTAS

Os alagoanos designam uma coisa muito velha com a deliciosa expressão “do tempo em que candeeiro dava choque” (Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro). Aqui na terra do mandu e da abistunta, um sujeito arrogante é dito cheio de nove horas, metido a sebo, cheio de nós pelas costas, podendo meter-se em camisa de onze varas num arranca-rabo, se acaso não tiver as costas quentes. Os pobres vestem roupa porta-de-loja, comem sobe-e-desce (às vezes, com o pão que o diabo amassou) e carregam seus poucos pertences num panacum. Ou bocapiu. Que, aliás, inexplicavelmente, não consta do Dicionareco das roças de cacau e arredores, de Euclides Neto.

BRASIL PÕE FRANK SINATRA NO GUINESS

Peças que a ignorância me prega. Só há poucos anos fiquei sabendo que uma das canções mais “americanas”, gravação famosa de Frank Sinatra, é… francesa. Trata-se de My way, que ao nascer chamava-se Comme d´habitude (de Thibault, Revaux e Claude François). Paul Anka (foto) comprou os direitos autorais da música, fez a versão para o inglês (dando-lhe o título de My way), em 1967, e a mostrou a Frank Sinatra. The Voice fez a gravação dois dias depois e prosseguiu cantando esse tema, quase obrigatório nos seus shows. No Maracanã, cantou My way para o maior público de sua carreira, 175 mil pessoas (o show entrou para o Guiness).

ALGUÉM JÁ OUVIU COMME D´HABITUDE?

O modelo “canção-francesa-que-vira-americana” já foi referido  aqui, com Les feulles mortes, mas não é a mesma coisa. Todo mundo conhece Les feuilles (ou Autunm leaves). Mas você já ouviu Comme d´habitude? Eu também não. A propósito, quem tiver essa música reclame na redação do Pimenta o prêmio a que faz jus (a coletânea O melhor do arrocha, com a faixa bônus “Rebolation”, na voz do Mano Cae). O mais interessante é que Frank Sinatra, após anos e anos cantando My way, revelou que não gostava dessa letra. Disse que quando a cantava se sentia “um gabola” diante da platéia, coisa que detestava.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

UMA ENORME CARGA DE GABOLICE

De outra vez, acentuou, sobre o assunto: “Eu odeio falta de modéstia, e é assim que eu me sinto com esta música”. A letra não é grande coisa: os americanos são bons melodistas, mas, para nossa sorte, Vinícius (foto), Chico Buarque, Caetano, Paulo César Pinheiro, Humberto Teixeira, Gilberto Gil, Noel Rosa e outros grandes letristas nasceram no Brasil. Mas bem olhada, My way revela enorme carga de arrogância, mostrando o cantor como todo-poderoso, acima dos mortais, dando a Sinatra razão para se sentir incomodado. É um hino ao cabotinismo, com som de caixa registradora: inesgotável fonte de renda para ele e, mais ainda, para Paul Anka.

“MAIOR CANTOR POPULAR DO MUNDO”

No vídeo será possível conferir essa opinião sobre o pedantismo da letra de My Way e identificar muita gente famosa, incluindo Dean Martin e Sammy Davis Jr. (na foto, nesta ordem, com Sinatra), amigos inseparáveis do artista. E também será fácil saber por que uma legião de críticos e fãs apontava Francis Albert Sinatra como o maior cantor popular do mundo.
Dê uma conferida.
(O.C.)