Gerson Marques | gerson-marques@uol.com.br
Você pode até dizer que nunca foi fã de Michael Jackson, entendo, mas nunca vai poder dizer que ficou imune a este furacão, que nunca viu a luz deste cometa, que nunca se pegou batendo o pé ao ritmo de uma dance-music ou de queixo caído com os passos mágicos de quem anda sem sair do lugar.
Antes havia a música, a dança e a TV. Depois tudo isso, passou a se chamar videoclip. Antes havia a música negra e a música branca, depois só havia a World Music.
Antes o cantor era um artista. Depois dele o artista tornou-se um andrógeno, não existia limite para esse gênio, o único limite chegou dia destes quando o relógio marcava uma e meia da tarde em uma mansão da Califórnia. Michael se foi. Será? Será que Michael se foi?
Ontem tinha mais estrelas no céu que hoje, mas o céu continua lindo como ontem e assim será amanhã com uma estrela a menos.
A estrela chamada Michael não tinha gênero. Era impossível classificá-lo, estava em um patamar diferente, algo assim como um deus do tipo Netuno, Afrodite, Iemanjá, John Lennon, Gandhi, Chaplin, Einstein entre outros poucos, pouquíssimos é verdade. Era um destes que nunca existiu e nunca existirão dois iguais.
Se você nunca dançou ao som de Ben de rostinho colado ouvindo a voz feminina de um garoto de onze anos, ou nunca se estrebuchou em uma discoteca ao som de Thriller, nem mesmo se emocionou com a belíssima We are the world em favor dos povos da África e não entendeu a fortíssima mensagem ante-racista na super canção Black and White, me perdoe,mas você não viveu nos últimos trinta anos, tente viver, ainda dá tempo.
Não se pergunte por que a morte leva os gênios tão cedo. Não existe resposta para isso. Para as estrelas, morrer é apagar a luz. Para nós, é ver tudo um pouco mais escuro.
Michael morreu criança ao cinquenta anos, mas ainda uma criança a criança da terra do nunca de Never Land, a eterna criança que sempre será a voz dos Jackson Five.
Não tente entender Michael, impossível. Mas saiba que ele foi o primeiro artista importante de sua época a atravessar o Atlântico para abraçar Nelson Mandela pouco depois que ele saiu da prisão. E isso foi muito, muito importante para o fim do apartheid.
Saiba também que grande parte de sua imensa fortuna, a fortuna financeira é claro, foi gasta em doações permanentes para trinta e nove instituições de várias partes do mundo que se dedicam às crianças com câncer, à pesquisas contra a AIDS, ao combate à fome e à desmontagem de minas terrestre.
Michael foi um soco no estômago da direita racista americana, uma mosca na sopa dos preconceituosos, um tapa na cara dos que não sonham nem tem fantasias, um turbilhão que virou de cabeça para baixo a moral burguesa e colocou luz na escuridão do mundo triste dos anos oitenta, imerso na guerra fria.
Michael dançou em cima do caixão dos hipócritas e dos cínicos e eles nunca o perdoaram, tentaram de todo jeito vinculá-lo à pedofilia, ao excentrismo e à sordidez. Nunca conseguiram.
Daqui a mil anos, quando contarem a história do Século Vinte, Michael estará lá, dançando, cantando, dançando… Para pessoas assim, a palavra morte é só palavra. Não tem o menor significado.
Gerson Marques