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EPIGRAMISTAS NÃO GANHAM BUSTOS

Ousarme Citoaian
Epigramistas não são bem vistos. Nenhum deles ganha homenagem. Meu estimado leitor e minha não menos querida leitora já viram algum busto de epigramista? Uma praça ou viaduto? Uma reles placa em rua desimportante identificando-a como “Epigramista Fulano de Tal”? É provável que não. Sarcastas (como Horácio, na foto) distraem as pessoas comuns e atraem o ódio das autoridades. São cobradores, e ninguém aprecia ser cobrado. Em público, menos ainda. Os lexicólogos também não gostam de epigramista: com mais de 2.500 anos de registro (vem dos 500 a. C.), o termo (que ou aquele que faz epigramas) ainda é solenemente ignorado pelos dicionários.

OS FILHOS DE GREGÓRIO DE MATOS

O grego Simônides de Ceos é uma espécie de pai do epigrama. Mas o modelo cunhado na Grécia foi modificado pelos romanos, com proximidade da forma maldosa, crítica e humorística de nossos dias. Sem querer demarcar fronteiras, coloquemos nesse gênero dois expoentes brasileiros (Emílio de Menezes e Gregório de Mattos) e um português (Bocage). Os três fustigaram os costumes e deixaram herdeiros. Aliás, a Bahia é pródiga em “filhos” de Gregório de Mattos, o Boca do Inferno (foto) – quase fazendo da arte de mal dizer um gênero baiano: Aloysio de Carvalho, Pinheiro Viegas, Ildásio Tavares, Lafayette Espínola, Clovis Amorim, Sílvio Valente e outros.

HOISEL, O HOMEM QUE CRITICAVA

Em Ilhéus, com assento no Diário da Tarde e no Bar de Barral, o grande nome do epigrama foi Alberto Hoisel, retratado por Antônio Lopes em Solo de trombone (Editus/Uesc). A partir dos anos cinquenta (morreu em 2000), Hoisel movimentou a cidade e, sobretudo, infernizou a vida de todos os prefeitos do período. A Pedro Catalão (prefeito de 1951 a 1955) coube a maior crueldade: “Nunca no mundo supunha/Ser verdade absoluta/Que um filho da Catalunha/Virasse filho da puta!…”. Sobre o judiciário, ele fez uma quadrinha que está ainda muito atual: “A Justiça em seus julgados/Anda sempre em dois sentidos:/Ora de olhos vendados,/Ora de olhos vendidos”.

EMÍLIO DE MENEZES, O IMPIEDOSO

O epigramista (os dicionários preferem epigramatista, sem apoio na vida literária) precisa de talento, coragem e maldade. Nesse último quesito, a sátira em versos nunca teve ninguém tão bem aparelhado quanto Emílio de Menezes, para quem a impiedade era uma segunda natureza.  Lulu Parola está mais para o gracejo do que para a ofensa, enquanto Ildásio Tavares (foto acima) é agressivo a ponto de ter epigramas concluídos, mas retardar a publicação. “Primeiro preciso comprar um colete à prova de balas”, brinca (com fogo!) o poeta grapiúna. O Pimenta abriga o bissexto Agulhão Filho, que – ao estilo Lulu Parola – prefere o divertimento à crueldade.

DISPARATES QUE SÃO BEM-VINDOS

Volta e meia alguém emprega um verbo como sinônimo de outro, equivocadamente. É o caso de ter por haver, muito comum nas transmissões de futebol na televisão. “Tinham dois jogadores impedidos”, diz o comentarista. Pedrada: em português, diz-se “havia dois…”. Mas deixemos pra lá, pois bater na tevê é como bater em defunto: ela sempre foi o quarto de torturas da língua portuguesa. Pior é quando o jornal, cujo texto tem tempo para ser lido, pensado, analisado e emendado, sai com disparates parecidos. E eles, os disparates, não são avis rara nem personas non gratas em nossas redações. Bem ao contrário, são recebidos com tapete vermelho.

LIBRA E SINAIS DE FUMAÇA

Um dos principais diários de Itabuna é useiro e vezeiro em misturar os sentidos dos verbos. “Prazo para transferência de presos encerra na segunda-feira”, diz ele, em edição recente. Aos dicionários: o verbo encerrar encontra oito acepções no Aurélio,  nove no Michaelis e 11 no Priberam. Nenhum deles mostra o verbo como sinônimo de terminar (o que parece ter sido a intenção do jornal). É claro que vai aparecer algum “liberal” pra dizer que “está certo” como foi escrito, pois a mensagem nos chegou. Mas não tratamos aqui de filosofias baratas, Libras ou sinais de fumaça, e sim de língua portuguesa culta.

SIMPLICIDADE NÃO É HUMILHAÇÃO

Nunca será demais lembrar que simplicidade não é humilhação, mas qualidade do estilo. Se eu posso escrever “Prazo para transferência de presos termina…”, por que empregar um encerra, que o leitor medianamente informado não sabe de onde veio nem para onde vai? Vã complicação. Longe de melhorar o texto, o torna empolado, torto, questionável. Afinal, o sentido mais corriqueiro de encerrar é de transitivo direto, levantando no leitor a dúvida imediata: “Encerra o quê?”. E aí fica uma confusão dos pecados, até que se encontre o sujeito dessa construção canhestra.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

André Iki Siqueira fez, em João Saldanha, uma vida em jogo (Companhia Editora Nacional), o que entendo ser a biografia definitiva do polêmico treinador de futebol. Ao menos, é a mais consistente das que li. Personagem talhado para a ficção, Saldanha tem sua vida cercada de mitos (muitos criados por ele mesmo), de forma que, muitas vezes, a gente não percebe a diferença entre o real e o imaginário. O livro não põe luz sobre toda essa incerteza, mas aponta aspectos novos da vida do João sem Medo (epíteto criado pelo amigo Nelson Rodrigues), úteis, sobretudo, para as novas gerações de pesquisadores e, por que não dizê-lo, fãs.

JOÃO SALDANHA, A FERA DAS FERAS

Uma vida em jogo mostra que Saldanha não foi comunista de praia e mesa de bar, mas ativo militante do PCB. Teve vida clandestina (era o camarada Souza) foi preso e fichado pela ditadura de Getúlio, comandou greves importantes como a dos 300 mil (São Paulo, 1953), organizou camponeses no Paraná (1950), enfrentou os gorilas de 1964 (disse que Médici era “o maior assassino da história do Brasil”), protegeu perseguidos políticos às custas do próprio bolso. Na Seleção (que ganhou invicta as eliminatórias), não abriu mão da militância e carimbou o time com sua personalidade.  As feras do Saldanha, como seu líder, não tinham “complexo de vira-lata”.

“COMO NUM ROMANCE DE AVENTURA”

André Iki Siqueira (foto), o autor, é um desses jornalistas de muita competência e pouca badalação. É carioca, consultor de comunicação, trabalhou na grande imprensa, dedica-se também à música (como compositor) e a fazer roteiros de televisão e cinema. Além de João Saldanha, uma vida em jogo, foi co-diretor do longametragem João, sobre o mesmo personagem. Atualmente, dirige a revista Brazilian foreign trade. Voltando ao livro, lê-se na contra-capa: “Como num romance de aventura, é uma história de tirar o fôlego, em que fato e ficção se confundem para criar um personagem inesquecível, o João Sem Medo – um grande brasileiro”. Assino.

COM OS DEFEITOS NECESSÁRIOS

Nelson Rodrigues (ilustração) foi, desde o começo, o grande defensor do João Sem Medo para dirigir a seleção. Está nesta crônica de À sombra das chuteiras imortais: “Tenho-lhe um afeto de irmão. Quebrei minhas lanças para que a CBD o escolhesse. João Havelange e Antônio do Passo tiveram um momento de lucidez ou mesmo de gênio, e o chamaram. Ao ler a notícia, berrei: ´É o técnico ideal!’ . Um amigo meu, bem pensante insuportável, veio me perguntar: ´Você acha que o João tem as qualidades necessárias?’. Respondi: ´Não sei se tem as qualidades. Mas afirmo que tem os defeitos necessários´. E, realmente, o querido Saldanha possui defeitos luminosíssimos”.

A PARCEIRA QUE BRECHT NÃO VIU

A “Ópera dos três  vinténs” (Brecht),  que no Brasil virou “Ópera do malandro” (Chico Buarque), teve uma canção muito divulgada: Mack the knife (1955). Foi cantada por Armstrong, Bobby Darin, Frank Sinatra e um monte de gente. Curiosidade: foi a primeira gravação de Elza Soares (foto), versão em português, claro, em 1959 (o outro lado do disco tinha Se acaso você chegasse, de Lupicínio Rodrigues). A letra, como costuma ocorrer na música americana, é pouco expressiva. Mas o balanço é irresistível. As coisas estavam assim, até que Ella Fitzgerald cantou Mack the knife numa apresentação ao vivo, em 1960. Foi um show mágico, eletrizante, algo ainda não visto.

ÓPERA DA “MALANDRA” ELLA FITZGERALD

Na abertura, Ella avisa que não está segura quanto a lembrar-se de toda a letra da canção (We hope we remember all the words). Antes de chegar ao meio, a cantora tem um “branco” (ops!), mas é aí que começa o verdadeiro show. Ela não perde a cadência nem a classe: começa com “Qual é o próximo refrão dessa música, agora?” (What´s the next chorus to this song, now?) e prossegue citando, com ritmo e rima, os cantores Bobby Darin (foto) e Armstrong (que popularizaram a composição de Brecht e Weill), ri de si mesma – “Nós estamos fazendo um naufrágio” (We’re making a wreck) – manda uma imitação de Satchmo, e arremata tudo com aquele scat singing que tornou ambos famosos.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

O IMPROVISO QUE GANHOU O GRAMMY

Próxima ao final, Ella se diverte, cantando: “vai ser uma surpresa se essa gravação virar Mack the knife” (it´s a surprise this tune comes Mack the knife). De fato, àquela altura, já pouco restava da letra original, “adaptada” à ocasião. No fim, com os aplausos da platéia, a cantora abre o sorriso: missão cumprida, o imprevisto tinha sido dominado.  A improvisação ganhou o Grammy de 1960. Ella tinha também o dom de imitar vozes e instrumentos: em One note samba (Samba de uma nota só), de Tom, ela “toca” uma cuíca; aqui, tira um sarro com seu amigo rouco Louis Armstrong. O vídeo, ao que me consta, não é do show original.
(O.C.)

Respostas de 6

  1. Caro Souza Neto:
    Os analistas apontam uma conjunção de fatores:
    1. a personalidade “forte” de Saldanha (que não aceitava palpites no seu trabalho);
    2. o Brasil campeão do mundo dirigido com um sujeito que tinha carteirinha do PCB era inimaginável para o regime;
    3. ser treinador da seleção facilitava suas andanças pelo mundo – quando denunciava a tortura no Brasil;
    4. a tal personalidade “forte” o levou a invadir a concentração do Flamengo para atirar em Yustrich (Havelange aponta esse episódio como decisivo na demissão);
    5. desgaste devido a opiniões sobre a “cegueira” de Pelé, uma história com muitas versões;
    6. é claro que a ditadura militar (o coronel Jarbas Passarinho era o ministro da área) se sentia incomodada com um treinador tão “independente”;
    7. fala-se que o próprio Saldanha provocou toda a celeuma, como forma de, ao chamar a atenção sobre si, evitar a repressão contra ele, que se avizinhava.
    Enfim, vejo João Saldanha, um de meus heróis, como um personagem de ficção: tudo sobre ele navega entre a fábula e a realidade, dependendo sempre de quem conta a história, que sempre terá um viés iedológico. Devo dizer que também sou suspeito, devido à minha manifestada preferência.
    Nesse episódio, gosto muito da resposta do próprio treinador, quando lhe perguntaram por que saiu da Seleção. “Não sei nem porque entrei”, disse ele, realimentando toda a dúvida que você levanta – e que também é minha.
    Muito obrigado pela participação.

  2. “…Mas não tratamos aqui de filosofias baratas, Libras ou sinais de fumaça, e sim de língua portuguesa culta.”

    ps.: A Língua Brasileira de Sinais tem me saído tão cara, que às vezes nem posso filosofar.

  3. Muito, muito bom o seu artigo sobre o IMPROVISO QUE GANHOU O GRAMMY, sobre a talentosa Ella Fitzgerald!
    Gostaria de dizer que Mack The Knife, tambem era, como dizer, uma quase assinatura musical de Bobby Darin perdendo apenas para Beyond The Sea.
    Permita-me dizer que a pessoa que está na fotografia é Kevin Spacey, no
    filme Uma vida Sem Limites, musical que narra a vida de Bobby Darin, meu ídolo, infelizmente esquecido aqui no Brasil. Dele lembram apenas de Splish Splash da qual é o compositor e quase todos pensam que é de autoria de Roberto Carlos.
    Obrigada por permitir o comentário.

  4. Oi, Carmen!
    Comentários como o seu valorizam muito nosso trabalho. Agradeço por me mostrar que confundi o artista (Bobby Darin) com sua representação (Kevin Spacey).
    Aos eventuais leitores interessados no tema, lembramos que Uma vida sem limites (2004), contando a vida de Darin, está disponível em DVD. Capítulo notável é o casamento com a atriz Sandra Dee, que terminou sendo sua “concorrente” – ela se sentiu ofuscada pelo brilho do marido.
    Mais uma vez, obrigado.

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