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A publicidade não pode ser instrumento de opressão e de reprodução da desigualdade. É difícil atender a dois senhores, mas a publicidade pode ser também mediadora para caminhadas mais amenas na sociedade. Portanto, não fujamos dessa responsabilidade.

Efson Lima

Mais uma vez, aparentemente, fomos surpreendidos pela campanha do novo carro VW Polo, com um casal gay na peça publicitária. “Só que não”. Quem não se lembra da campanha publicitária de uma empresa de cosméticos para celebrar o Dia dos Pais em 2020? Há algum tempo, muito já se comenta que a diversidade aumenta a capacidade de produção e favorece a criatividade e a inovação das empresas, ou melhor, de todas as organizações. Dentro de um marco do sistema capitalista, a proposta ameniza o sofrimento e oportuniza uma aparente inclusão para alguns grupos. As empresas desenvolvem ações a afirmar que estão comprometidas com a responsabilidade socioambiental, por meio do marco da inclusão e da diversidade.

O case da campanha publicitária para celebrar o Dia dos Pais com Thammy Miranda, transexual, impactou o país. Diante da campanha inclusiva, protagonizada pela empresa de cosméticos ao ter Thammy na divulgação de seus produtos para o Dia dos Pais, milhares de pessoas protestaram. Afinal, para os conservadores, Thammy não pertence ao padrão “genuíno” de pai. Os que saíram em defesa da peça utilizaram argumentos diversos, entre eles o fato de que o Brasil tem 5 milhões de pessoas sem o nome do pai na certidão de nascimento.

O cidadão Thammy pode ser um novo modelo de pai, não porque a instituição pai seja nova, mas em razão de que pais responsáveis não estão nas prateleiras brasileiras e milhares deles negam o reconhecimento da paternidade e sequer assumem essa função. É importante lembrar que os conservadores britânicos apoiaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Afinal, para esses, a comunidade LGBTQIA estava a defender o casamento enquanto instituição a ser preservada. No Brasil, os conservadores resistem e criam fatos para negar a realidade que está às claras. Thammy Miranda fez a sua defesa ao dizer que ele não era pior nem melhor que os outros pais, mas era um pai presente. Trocadilho que significou um tapa simbólico em inúmeras pessoas.

Naquele ano, as ações da empresa de cosméticos dispararam positivamente na Bolsa de Valores de São Paulo. O envolvimento de algumas companhias com a diversidade tem se consolidado. Uma outra empresa de cosméticos já havia se inserido no contexto em favor da diversidade, assim como alguns bancos, empresas de tecnologia e uma grande marca de refrigerante. Afinal, o dinheiro rosa é disputado no mercado, e a lógica segue a mesma para o black money. Mas, no caso do novo VW Polo, observa-se um embate cada vez mais presente na sociedade brasileira em face de temas disputados por conservadores e progressistas.

Estamos a viver a maior transformação de nossos tempos. Estamos mudando alguns hábitos e vamos repetir tantos outros. A consciência humana não muda tão rapidamente, entretanto, precisamos pensar na inclusão dos outros e das outras. É importante valorizar quem respeita a diversidade, o meio ambiente, a cidadania, a cultura, a liberdade de expressão e de comunicação. Cada um é responsável pelo que cativa, como já externou Saint-Exupery. Precisamos cultivar a democracia como forma de assegurar nossos valores e contemplar a diversidade.

A publicidade não pode ser instrumento de opressão e de reprodução da desigualdade. É difícil atender a dois senhores, mas a publicidade pode ser também mediadora para caminhadas mais amenas na sociedade. Portanto, não fujamos dessa responsabilidade. A trajetória é árdua, cheia de idas e vindas, mas o caráter não pode transitar para atender interesses da imoral oportunidade, muito menos ser mais um rato a assolar a nação. As campanhas publicitárias chegam tardiamente, mas são necessárias para fomentar uma nova cultura. Elas também precisam sair das salas do marketing e ganhar a arena pública: canais de televisão, cinemas, redes sociais, outdoors, entre tantos outros suportes. Desculpem meu determinismo, mas só há um caminho no século XXI: o da inclusão. Lutar fora desse marco é negar direitos e assegurar a barbárie.

Efson Lima é mestre e doutor em Direito pela UFBA, professor, escritor e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI).

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