Escultura de Iemanjá diante de navio turístico atracado no Porto de Ilhéus || Foto Julio Gomes
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Por que não se avisou aos turistas dos navios que hoje é Festa de Iemanjá? Por que não os trouxeram para vê-la? Por que o melhor de nossa cultura, de nossas raízes, ficou oculto e invisível?

Julio Gomes

Dois de fevereiro é Dia de Iemanjá, e na Bahia é dia de festa no mar. Quem trabalha, assim como eu, tem que estar no local do trampo, do batente. Mas, existe o horário do almoço, quando às vezes é possível escapar com alegria e brevidade para ir saudar a Rainha das Águas!

A primeira parada é no Pontal, próximo ao Morro de Pernambuco. Que saudades de minha amiga Mãe Laura! Me consola um pouco saber que a Praça da Maramata agora tem seu nome, em justa e merecida homenagem à nossa querida ialorixá. Creio que, em espírito, de alguma forma, ela se faz presente naquele local. Corro o ramo com água de cheiro e lá vamos para o Malhado, onde também há festejos na beira do mar.

Já em frente ao Barravento Praia Hotel o trânsito foi desviado e Avenida Litorânea é só nossa e do sol de verão de uma hora da tarde. Próximo à praia do Marciano, há um grande palco e muitas barracas em volta, vendendo bebidas e comidas, muitas delas de origem africana. Ali encontro um toldo maior ainda, onde o Povo de Santo dança, toca e festeja Iemanjá.

A alegria me toma de vez! Reencontro amigos, sinto o vento quente do dia e o sol da Bahia no corpo enquanto a festa continua, com a presença de lindas baianas, jovens ou mais maduras, e os sons, ritmos e cheiros que trazem felicidade. Não é preciso deixar de ser cristão para ter carinho, respeito e admiração pelos deuses da África e de todos os povos. Queiramos ou não, Deus é um só!

Homens e mulheres de terreiros de Ilhéus na Festa de Iemanjá || Foto Julio Gomes

Ainda no Malhado, vejo que Ilhéus recebe neste mesmo dia um grande navio de cruzeiro, daqueles cheios de turistas brasileiros e/ou estrangeiros, que buscam novidades no acanhado Centro de nossa cidade, sempre precário, quase sempre malcuidado, sem atrativos e quase sem opções de visita e de cultura para os turistas. Mas, observo que nas duas festas, no Pontal e no Malhado, só vemos os ilheenses, só o Povo de Terreiro e aqueles que, como eu, sentem felicidade por estar ali, juntos.

Penso que Iemanjá há de perguntar: por que o povo do navio não vem me ver? Será que esse povo branco de outras terras não gostaria de me conhecer, de ver minha cultura africana, indígena, baiana, de se misturar com o meu povo? Será que não ficariam felizes por ver nossa alegria, nossas flores, ouvir nossos atabaques, ver nossas roupas e danças?

Penso nos rostos decepcionados dos turistas no Centro de Ilhéus, olhando com aquela expressão de é só isso que tem aqui?, retornando para os navios cheios de expectativas não satisfeitas.

Por que não se avisou aos turistas dos navios que hoje é Festa de Iemanjá? Por que não os trouxeram para vê-la? Por que o melhor de nossa cultura, de nossas raízes, ficou oculto e invisível?

Balaios com flores e outras oferendas para a Rainha do Mar || Foto Julio Gomes

As barracas estavam ali, o palco estava armado, os terreiros presentes, só faltaram os turistas que também animariam a festa, movimentariam o comércio e teriam contato com uma Bahia como eles nunca viram, que jamais pensaram que existisse daquela forma tão original e tão linda.

Nós estávamos com Iemanjá, mas queríamos compartilhar nossa cultura e nossa alegria com mais pessoas.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).

5 respostas

  1. A resposta é simples: o mau e velho racismo. Tanto de quem promove a distração quanto desse povo careta e entediado(ante) do navio que se jura patriota, mas despreza nossa história, nossa cultura e paga caro só pra dizer que foi numa octoberfest da vida ou pra qualquer outra idiotice com fama de chique e advinda da cultura dazorópa.

  2. A falta de informacão NÃO é racismo. A falta de oportunidade não é racismo. A falta de oferecer não é racismo. A ignorancia não é racismo.

  3. Mas cuidado! Festas religiosas NÃO são atracōes turisticas como uma visita no zoologico para ver os elefantes. Festas religiosas tem um espirito especial e neccesitam muito respeito e vibracão positiva. Festas religiosas não são comêrcio.

  4. Á exclusão do roteiro turístico decorre de interesses comerciais de empresas e guias, focados no lucro e desinteressados de cultura e tradições.

  5. Porque eles não se importam. Eles vem pra se distrair, se divertir, beber, não pra cultuar ou reverenciar divindidades de religiões alheias.

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