"Ainda estamos aqui", diz faixa do povo tupinambá de Olivença || Foto Lucas Santos
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Com a paráfrase, os tupinambá reafirmam sua presença, aqui e agora, sem metáfora, em carne, osso e urucum.

 

Thiago Dias

 

 

 

 

 

A foto de Lucas Santos nasceu antológica. A imagem que ilustra este comentário é da Festa da Puxada do Mastro de São Sebastião e foi capturada no domingo (12), em Olivença. O distrito ilheense é parte do território dos tupinambá de Olivença, que se estende por 47 mil hectares, nos limites dos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, no sul da Bahia.

São tantas camadas. De saída, o registro mostra guerreiros de um povo que, há cinco séculos, resiste ao projeto de extermínio da colonização europeia, ainda em movimento por ação e omissão do Estado brasileiro. Nos últimos 15 anos, mais de 30 lideranças tupinambá foram assassinadas.

As lentes de Lucas Santos também capturaram uma ressurgência do gesto antropofágico em sua expressão metafórica, consagrada pelos modernistas brasileiros. Obra de sagacidade política, o hipertexto tupinambá devora o hype do filme Ainda Estou Aqui, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e aproveita a visibilidade de um festejo tradicional. Com a paráfrase, os tupinambá reafirmam sua presença, aqui e agora, sem metáfora, em carne, osso e urucum.

Noutra camada, a flexão precisa da frase título no plural reivindica a existência coletiva, elemento básico para a compreensão dos levantes dos povos tradicionais e da demarcação de sua alteridade frente aos modos de ser do capitalismo tardio, que sacralizam o indivíduo.

A imagem ganha mais uma camada pelo fato de Eunice Paiva, a viúva de Rubens, ter retomado o curso de Direito após o assassinato do marido, tornando-se das maiores referências da advocacia em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

Desde 2009, sucessivos ministros da Justiça se negaram a publicar a portaria declaratória do território reconhecido como indígena pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, com base em estudo antropológico da portuguesa Suzana de Matos Viegas, autora do livro Terra Calada: Os Tupinambá da Mata Atlântica do Sul da Bahia, lançado pela editora 7 Letras, em 2008.

A longa batalha dos tupinambá pela demarcação de seu território abrange quatro governos do PT, incluindo o segundo e o terceiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em curso.

A luta desse povo também remonta ao Caboclo Marcelino. Dos primeiros a se levantar pela demarcação do território indígena e contra o avanço dos coronéis do cacau em direção ao sul de Ilhéus, ele desapareceu há quase 100 anos, vítima do terror varguista.

Assim como Marcelino, o ex-deputado Rubens Paiva foi assassinado por um estado terrorista, ambos acusados de colaboração com forças subversivas. Ao arrepio da violência do projeto de seu desaparecimento, os tupinambá e a memória dos que tombaram na luta contra o terrorismo de estado ainda estão aqui.

Em tempo, a foto sem edição, como extraída do Instagram de Lucas Santos (@lucasayinyang):

Thiago Dias é jornalista do PIMENTA e da Morena FM 98,7.

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