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AO REI DO ROCK TUDO É PERMITIDO

Ousarme Citoaian
Elvis Presley .

Quem nunca cantarolou Unchained melody, nem que fosse sob o chuveiro frio (em dia de apagão da Coelba), atire a primeira pedra. É a canção do filme Ghost, de Jerry Zucker/1990 (com Patrick Swayze e Demi Moore), que emocionou multidões. A canção (de Alex North, com letra de Hy Zaret), no entanto, é bem anterior ao filme, gravada pela primeira vez em 1955, por um cara chamado Al Hibbler. Você o conhece? Nem eu. E você sabe qual a última música cantada por Elvis Presley? Acertou: Unchained melody.

Calcula-se que mais de 300 gravações foram feitas de Unchained melody, nesse mais de meio século  de idade da canção (a mais recente de que tenho notícia é a de Cyndi Lauper, de 2003). Em Ghost, as vozes são da dupla The Righteous Brothers, num ótimo desempenho – fazendo a melodia grudar no telespectador.
Uma curiosidade: Unchained melody, foi cantada no último show do Rei do Rock, em junho de 1977, de improviso, sem ser ensaiada. Combalido, excessivamente gordo, metido numa roupa um tantinho ridícula pra meu gosto, cheio de drogas, Elvis é uma triste sombra da figura arrebatadora de outros tempos, um homem dilacerado. Mas aí ocorre a metamorfose: diante do piano, com limitada técnica do instrumento (há duas notas erradas, segundo os críticos), ele parece ter redescoberto a alegria de viver, é um artista feliz, bem humorado, cheio de força e energia.
O show é um renascer, depois de quase um ano de intensa depressão e muito remédio. Pena que esse rejuvenescimento tenha durado tão pouco. Ele morreria menos de dois meses depois dessa apresentação fantástica.
Juntando a melancolia de Unchained… com a compaixão que o artista me desperta no seu infortúnio, sinto um aperto na garganta e os olhos marejar, sempre que vejo/ouço este vídeo. Há momentos em que o cantor nos surpreende a sorrir, quando a canção é intensamente dramática (que, no caso dele, soa como um pedido de socorro). É que ele estava em estado de graça, sentia o prazer do reencontro com sua plateia.
Talvez, por essa alegria ao cantar um tema tristemente romântico, outro intérprete fosse acusado de canastrão, o que não se deve fazer com Elvis Presley: ao sorrir, ele atenua nossa tristeza, dando a impressão de que está bem mais feliz (ao menos naquele instante) do que seus fãs imaginam. Depois, ele era o Rei, a quem tudo é permitido.
A gravação só foi lançada nove meses depois, em março de 1978, no lado B de um compacto simples. Hoje, os críticos a consideram uma das maiores interpretações da carreira de Elvis.
Antes de clicar, pegue o lenço.


MACHADO DE ASSIS ESTAVA “POR FORA”

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Na semana passada, esta coluna empregou a expressão “risco de vida”. Foi o suficiente para um leitor nos interpelar, sugerindo que queríamos dizer “risco de morte”. Agradecemos pela colaboração, mas desejávamos dizer o que foi dito: “risco de vida” (até mesmo para chamar a polêmica a este palco). A expressão é perfeitamente defensável à luz da gramática portuguesa e não será difícil mostrar que a coluna estava em boa companhia – com Machado de Assis, Eça de Queirós e muitos outros.

Dizem os gramáticos que a construção “risco de vida” (usada aqui na semana passada, e que gerou protesto) é boa e bem feita: trata-se de uma elipse, situação em que uma palavra ou expressão é omitida. Exemplos? João foi ao cinema; Maria, ao teatro. Eu bebo vinho; ela, cerveja. Nos dois casos há um verbo “encoberto” (“foi”, na primeira frase e “bebe”, na segunda). A construção fica econômica e elegante. E em “risco de vida”, o que tem a ver com isso? Simples: é risco de (perder a) vida. Há outras explicações, mas esta me satisfaz. A elipse, já se vê, está subjugada pela lei do menor esforço, a nos evitar gasto desnecessário de energia e palavras.

“Risco de morte” é invenção modernosa, que famoso professor de português criou (na TV Cultura de São Paulo, creio) e a boiada foi atrás. O lente televisivo argumentou com a “lógica” de que risco de vida é coisa de quem está morto e “corre o risco de voltar a viver”. Francamente, ninguém merece.
Em linha reta – A expressão “risco de morte” é defensável, pelo mesmo mecanismo da elipse – talvez “risco de (encontrar a) morte”. Mas existe um equivalente, considerado melhor, que evita a tal curva elíptica, indo ao ponto em linha reta): “risco de morrer”
A expressão “risco de vida”, além de (também) correta, é consagrada pelo uso. Uma pesquisa rápida me responde que desta forma curvilínea se valeram Machado de Assis, João de Barros, Coelho Neto, Joaquim Nabuco, Eça de Queirós e muitos outros autores, além de milhares de pessoas “comuns”, ao longo dos séculos. Entre os clássicos, avulta-se a exceção do Padre Manuel Bernardes, que preferiu “risco de morte”. Direito dele.
Em resumo, é preciso desconfiar das “novidades lingüísticas” que surgem a todo instante, como em linha de montagem. Alguns neologismos são, verdadeiramente, necessários como enriquecedores da língua portuguesa. Mas quando, em nome da “lógica”, tenta-se sepultar expressões consagradas por muitas gerações, é preciso cuidado. Ou então, que o professor da tevê e seus seguidores vão dizer a Machado de Assis e Joaquim Nabuco (num encontro hipotético, é claro), que eles estavam “por fora”  em matéria de gramática.
A propósito, o lendário professor Evanildo Bechara defende “risco de vida”, o que já me parece suficiente para encerrar a discussão. Ele é “o cara”.

A INFINITA AMPLITUDE DAS ESCOLHAS

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Nesta época do ano, mesmo a turma da cerveja costuma fazer esta pergunta de múltiplas respostas: Qual é o melhor vinho? Abstraindo-se o suave, que não é vinho, mas agressão ao paladar, qual seria a escolha? Champagne? Tinto seco, branco, rosé, espumante? Nacional, importado? Chileno, europeu, aqueles baratinhos (e ordinários) que a Argentina coloca nos supermercados? Os “clássicos” da região Sul, os emergentes do Nordeste? A decisão depende de gosto e bolso.

Dentre todas as bebidas, o vinho é, certamente, a de maior variedade. Dos mais baratos e inferiores, aos sofisticados e de alto preço, o espectro tangencia o infinito. E então, ficamos com os nacionais simples, ou temos paladar para os franceses Château Latour, Lafite-Rothschild ou Boujolais Nouveau (deles não damos o preço, porque esta coluna pretende divertir os leitores, não assustá-los). Ao menos para meu orçamento, eles são todos (que as vinícolas não me processem) “avinagrados”.
(De certa feita, num restaurante de Ilhéus, analisava o lado direito da carta de vinhos de forma um tanto dissimulada – quase à Capitu de Machado de Assis – quando a discreta senhora que me acompanhava, dona de mais beleza do que bom gosto, sugeriu uma marca de popular suave e de baixo preço – um chamado Samba, Bolero, Valsa ou coisa parecida. Salvou-me a lavoura, a pecuária, a noite e a vida: meu paladar fez várias perguntas, mas meu bolso não perguntou nada (atendi-lhe a solicitação e pedi para mim um uísque com gelo). Devo dizer que hoje tenho método próprio de olhar bem a coluna da direta, sem que a senhora que me acompanha perceba o truque.
Enquanto você se decide, vai uma rápida e fantástica estória sobre vinhos, com a ressalva de que, se parece mentirosa, não foi inventada por mim:
Conta-se que em 1985 o bilionário Malcolm Forbes (1919-1990) pagou, num leilão da Christie´s, 155 mil dólares por uma garrafa de Château Lafite,  de 1787, que pertencera à adega do presidente Thomas Jefferson (um grande amante dos vinhos de Bordeaux). Corrigida pelo poder de compra da moeda americana, essa quantia corresponde hoje a uns 500 mil dólares, a algo próximo a R$ 900 mil.

Final infeliz: a garrafa foi colocada em demonstração, na posição errada (vertical), e sob um forte foco de luz. O calor fez secar a rolha, esta caiu dentro da garrafa e o vinho se perdeu. Dá para acreditar? Acredite: é o fantástico mundo dos muito ricos. É de Forbes, que gostava de fazer frases (além de dinheiro), esta: “A diferença entre homens e meninos é o preço dos seus brinquedos” (Mr. Forbes, se verdadeira a estória do leilão, era chegado a brinquedinhos nada baratos).
Voltemos à questão primária da escolha. Pensando bem, tudo tem a ver com o gosto (e o bolso). Logo, você pode até ir de tinto suave, pois a decisão é sua e ninguém tem nada com isso. O suave também é muito bom vinho, se assim lhe parece.

De minha parte, fico com esta definição do poeta:

Quintana

MELHOR VINHO

Por mais raro que seja, ou mais antigo,
só um vinho é deveras excelente:
aquele que tu bebes, docemente,
com teu mais velho e silencioso amigo.
Falou e disse, Mário Quintana. Tintim!

JOTAÉ FICARÁ DE BUZU EM FEVEREIRO

Jararaca Ensaboada está de carro novo, comprado em 60 prestações ditas suaves, com a primeira delas agendada para quando o Carnaval chegar. Tadinho do vendedor: novo na região, ainda não sabe que, de acordo com o histórico do comprador, o veículo terá de ser tomado (com muita dificuldade), tão logo soem as trombetas do Zé Pereira de 2010. Jotaé é do tipo que não paga nem promessa a santo, que dirá bens de consumo. Depois dessa providência traumática, a triste figura voltará ao buzu, ou terá de usar o polegar para pedir carona a quem não a conhece.
(O.C.)

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2 respostas

  1. Correndo o risco de vida ou não irei comentar (rsrsrs):

    Numa boa, pra mim tanto faz qual expressão usar. Havendo comunicação entre as partes, nada mais interessa ao ponto de dizer que uma é certa ou não.

    Na realidade em se tratando de língua (levando em conta que essa mesma tem vida) é preferível dizer que não existe erro. -Bagno que o diga isso.

    Eu obedeço a gramática sim; porém tenho consciência que quase todos que a domina faz dela um bíblia, ou melhor um alcorão. Prova disso são os terrorista que estão por aí.

    PS.: Tudo muda, tudo deve mudar. Inclusive a língua.

  2. Excelentes os esclarecimentos do “post” “Machado de Assis estava ‘por fora'”, concordo com o autor em tudo. Quanto ao comentário de O Grapiúna, é coisa daqueles que defendem a linguistica. Tudo bem, porém o uso correto da gramática, por aqueles que a conhecem e tratem com o público em geral, como as mídias, é o correto.
    “Tudo muda, tudo deve mudar. Inclusive a língua”, será? Acho que certas coisas são necessárias adaptações ou nivelamentos, mas, nunca po baixo.

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