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A CASA DE DYLAN, BURDON E AGNALDO

Ousarme Citoaian
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É incerta a origem do clássico folk A casa do sol nascente, que teria chegado à América via colonos ingleses. The house of the rising sun é gravada desde 1933, por diversos artistas. O mais famoso arranjo, cantado por Eric Burdon, do The Animals, foi inspirado num show de Nina Simone (festejada vocalista de jazz), que cantou a The house antes de Bob Dylan (foto).

Os fãs de Dylan o acusaram de plagiar a versão do The Animals e ele, na moral, retirou a canção do repertório (aqui, uma contradição que não explico: ao que me consta, a gravação de Bob Dylan é anterior à do The Animals – o que torna o plágio uma impossibilidade. Aliás, o velho Bob anda com uma urucubaca danada: dia desses, passou pelo constrangimento de ter o clássico Blowin’ in the wind “interpretado” em pleno parlamento brasileiro pelo senador Eduardo Suplicy.
“(…) The house of the rising sun, com todos aqueles acordes  dançantes, saltou do aparelho de som e invadiu meus ouvidos, trouxe de volta os anos da dance e humilhou minhas articulações, lembrando a vítima que fui de mim mesmo, por culpa de um comportamento intolerante e esnobe.
Refresco minhas memórias esmaecidas: esta era, no longínquo 1965, a faixa de trabalho da banda The Animals, um grupo que disputava o gosto de quem amava os Beatles e os Rolling Stones, e que  foi revivida no fim dos setenta pelos ciganos da Santa Esmeralda, provocando verdadeiro “estouro” nacional. Entre aprender a música e derrubar a ditadura militar, minha geração preferiu a segunda escolha e fracassou rotundamente nas duas.
A história, impiedosa como é do seu costume, sepultou a ditadura e os Beatles (estes, apenas fisicamente, apresso-me a dizer, diante da previsível ira dos beatlemaníacos), fez dos Stones inesperados sobreviventes, com suas “titias” aí dando o maior banho na mesmice, enquanto do The Animals tudo que restou, ao menos para minha tribo, foi  The house
O que não é pouco. Quando Eric Burdon (ele era “o cara”), apoiado pelas guitarras do grupo, berra “There is a house in New Orleans/They call the rising sun…” é, como dizem alguns criativos redatores de tevê, “pra não deixar ninguém parado”. O mundo balança, as lembranças acordam, a vontade proustiana é de regressar a tempos de antanho e, não importa de que modo, recuperá-los, mesmo os sabendo irremediavelmente perdidos (…)”.
(LOPES, Antônio. “Caçador de mim”, in Estória de facão e chuva. Ilhéus: Editus/Editora da Uesc, 2005).

E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!

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No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as versões, a letra em português (de Fred Jorge) nada tem a ver com a americana, aliás, bem chinfrim. A original fala de uma casa de tolerância, ambiente barra pesada, um lugar impróprio para menores; já Fred Jorge, pelo vozeirão de Timóteo, diz: “A casa dos meus sonhos/ é feita de ilusão/ e vive sempre cheia de amor/ amor e solidão…”. O texto poético é pífio, mas, pelo menos, não chega a tirar o sono do juiz de menores. E vendeu feito pão quente em fim de tarde.

Fred Jorge (nascido em Tietê-SP) foi letrista de música, jornalista, escritor e, acima de tudo, o grande versionista (era este o termo) do rock americano, nos tempos da Jovem Guarda. Entre seus maiores êxitos (além de A casa do sol nascente) dá para citar, de memória, Estúpido cupido, Banho de lua e Lacinhos cor de rosa – três músicas que garantiram à cantora Celly Campello (foto) o título de Rainha do Rock Brasileiro, graças ao trabalho do versionista. Mas também houve Diana e Oh, Carol! (Carlos Gonzaga) e A noiva (Agnaldo Timóteo). Fred Jorge morreu em 1994, em sua cidade natal, na mesma casa em que nascera, e em estado de pobreza, sobrevivendo da aposentadoria do INSS, sem receber nenhum direito autoral.
Por fidelidade ao clássico, revivemos aqui o registro do The Animals, com vocal de Eric Burdon.

CAMÕES E A LÍNGUA TORTURADA

A língua de Camões tem cerca de 370 mil palavras, segundo o último Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Por que as pessoas teimam em torturá-la, ao repetir termos e frases, se ela, riquíssima, oferece tantas possibilidades? A reincidência em não olhar para os lados, não explorar o amplo horizonte linguístico, é o caminho para aliar-se ao pior inimigo da comunicação: o lugar-comum (o locus comunis do latim, também identificado como  chapa, chavão, frase feita e outros), uma praga com presente brilhante e futuro promissor na nossa língua.
Claro que entre esses 370 mil vocábulos estão arcaísmos, neologismos, palavrões, calões, gírias e termos que revelam pedantismo, portanto, de menor interesse para a comunicação. Mas, se ficarmos somente com as categorias mais utilizáveis (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios), ainda teremos umas 150 mil unidades para, devidamente combinadas, nos “traduzir” perante o mundo (este cálculo arbitrado, é da coluna, não da ABL).
Conta-se que um editor de jornal americano, cansado das repetições do seu jovem redator, lhe disse: “Filho, a língua inglesa tem mais de 60 mil palavras disponíveis. Use-as”.
Talvez a observação valha para todos nós, que lutamos com as palavras, “mal rompe a manhã”. Ler frequentemente, policiar a própria linguagem, ser implacável com os erros – enfim, fazer o melhor que possa ser feito, pois é isso que o redator deve ao seu público. Errar por ignorância é ser humano; errar por preguiça e desleixo é ser irresponsável. Embora o conselho de “ler, ler, ler” nunca seja seguido, é permitido dizer que há coisas que a gente só aprende com a leitura. O correto é casa… ou “caza”? É casa, segundo tenho lido nos bons autores. Como não existe regra que imponha a grafia, eu bem poderia grafar “caza”. Mas não grafo, porque a forma eleita por quem sabe escrever é casa (com “s”, não com “z”). Ler vale a pena.

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O escritor Hélio Pólvora (foto), faz tempo, já chamava a atenção para a diferença entre falar e dizer: muitos falam (ou escrevem), mas poucos dizem. E Hélio, bem aparelhado ensaísta, cronista e contista/novelista tem a crítica literária nacional a atestar que ele sabe… dizer – e o disse em muitos livros e artigos de jornal.

Expressões vazias de conteúdo (nos ensina o mestre itabunense) falam, mas não dizem. Prestam homenagem à banalidade, preenchem espaços no jornal (ou tempo de rádio e tevê), mas não comunicam, ou, ao menos, não exaltam a beleza da língua. Ao contrário, a atiram no abismo da anti-estética.

SEM ARROGÂNCIA OU PRECONCEITO

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“Um jornalista tem que escrever tão bem quanto um romancista”, prega a filóloga Dad Squarisi. Obviamente, jornalistas não precisam ter a desenvoltura dos ficcionistas (há quem diga que o jornalismo é só uma forma de subliteratura), mas são, igualmente, guardiões da linguagem: precisam perder a arrogância, o preconceito contra a gramática e, mais do que isso, ler os bons autores. Fazer isso não é ser sofisticado, mas reconhecer que tem responsabilidades com o leitor e com a língua em que se comunica.

Pensemos nisso, enquanto vemos uma listinha de lugares-comuns dos quais precisamos correr tanto quanto o capeta corre da cruz – isto também um lugar-comum, mas que me pareceu adequado, além de engraçadinho. Antes, não resisto a lhes passar esta frase de um anúncio do Sebrae, que está no ar, na tevê: “seu envolvimento faz toda a diferença”. Alguém ainda aguenta essa coisa de “fazer toda a diferença”? Vamos à lista:
No aniversário, quem ganha o presente é você; com certeza; fazer a diferença, não deixa ninguém parado, gente bonita, a sala ficou pequena, fazer o dever de casa, com pompa e circunstância, para se ter uma ideia, tragédia anunciada, deixa muito a desejar, gerar emprego e renda… E, para encerrar, este, mais recente e não menos detestável: “Um beijo no coração” (argh!)!

O GOVERNADOR E O LUGAR-COMUM

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Luiz Viana Filho era intelectual e político, filho de intelectual e político. Em 1968 (plena ditadura militar a que, aliás, ele serviu com denodo), estava – como governador “biônico” da Bahia – para assinar um decreto sobre o abastecimento de água, quando se deparou com a expressão “precioso líquido”. Recusou-se a assinar, sublinhou a heresia, escreveu ao lado “isto é mau português!” e devolveu o documento ao secretário. Biógrafo de Rui Barbosa e membro da Academia Brasileira de Letras, Luiz Viana Filho detestava lugares-comuns. “Mas gostava da ditadura”, diriam os maldosos.

Parece-me que tais expressões batidas não cabem em códigos, leis, matérias jornalísticas, crônicas, contos, enfim, qualquer coisa que exija comprometimento com a língua culta. São bem-vindas, no entanto, quando se proponhem ao picaresco, à ironia, ao gracejo – como nesta quadrinha do trovador Agulhão Filho, publicada aqui no Pimenta (a propósito da água de Itabuna):
Nosso líquido precioso
ganhou valor agregado:
está deveras gostoso,
depois que ficou salgado!…
(Uma curiosidade sobre Luiz Viana Filho: foi o único político brasileiro que nasceu em… Paris!).

PRECIOSO LÍQUIDO, SEM SAL

Em tempo: Jararaca Ensaboada, que não lê nem bula de remédio, e por isso escreve num dialeto que parece (mas não é) língua portuguesa, usa aquela expressão execrável, quando pede água. A fala da hipertensa criatura ao atônito garçom soa mais ou menos assim: “Quero uma taça com o precioso líquido, sem sal!”.
(O.C.)
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Respostas de 2

  1. Esta canção popular estadunidense do final do sec. XIX é de domínio público Foi gravada pelo Woody Guthrie,o que na minha humilde opinião deve ter influênciado o Bob Dylan a gravar. Dylan era um grande admirador do cantor folk Woody Guthrie,e no ínicio de carreira o imitava.

  2. Neto

    Este é o melhor espaço do “pimenta”.

    Tenho certeza que a maioria dos visitantes do site “passa batida” por não entender o conteúdo. (Escrevi “…passa batida por não entender…” para concordar com “maioria”. Poderia ser “…passam batidos por não entenderem…”, concordando com “visitantes”).

    Ah! Estou pensando em escrever um livro com os termos citados. Acho que trezentas páginas será pouco. Você há de concordar que não se pode mais estabelecer um diálogo sem o uso deles, sob pena de tornar-se incompreensível.

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