Jair e Michel Bolsonaro durante o pronunciamento de Natal
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Se pudesse, Bolsonaro teria repetido aos brasileiros o que disse aos norte-americanos naquele jantar. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo”. No Natal de 2021, a frase soa ainda mais sincera e tenebrosa.

 

Thiago Dias

Difícil recordar ocasião em que Jair Bolsonaro tenha sido mais sincero do que naquela noite de março de 2019, início do seu governo, quando a embaixada brasileira em Washington ofereceu jantar a extremistas dos Estados Unidos. O trecho mais didático do discurso merece transcrição:

– O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz –.

Até aqui, Bolsonaro honra com mérito marcial a palavra-chave daquele discurso. Quem duvida da desconstrução a que submete o país? Importante deixar claro que estamos diante de um eufemismo: destruição é espécie de desconstrução.

Bolsonaro pode se orgulhar das obras da sua arquitetura da destruição, que alcançam as esferas pública e privada da vida brasileira, nas dimensões material – com a produção da morte em larga escala – e subjetiva, com a degradação dos espaços de consensualidade política. A superação das formas de subjetividade forjadas pelo temperamento belicoso exigirá tanto esforço e tempo quanto a recuperação econômica do país.

Esboço a hipótese de que o “ponto de inflexão” resultado do governo Bolsonaro, neste massacre contínuo de três anos, é o desvelamento das contradições inconciliáveis, que impossibilitam o diálogo e desativam o caráter mediador da palavra. Um bom exemplo para o que afirmo vem da editoria cotidiana. Na véspera do Natal de 2021, os sites dos grandes jornais brasileiros apresentavam receitas para viabilizar o convívio em família – ignorar Bolsonaro é único ingrediente que aparece em todas as fórmulas.

Se o presidente deve ser ignorado no jantar em família, a Presidência da República é assunto incontornável do debate público, e ele está lá, no moto-contínuo que paralisa os indignados pelo cansaço da tensão incessante.

A breve pausa do terror é o pronunciamento de Natal. Na tela, ele não faz esforço para fingir que não lê o teleprompter. Ao contrário, esforça-se para demonstrar que cumpre o protocolo de maneira desconfortável; para deixar claro que o palavreado caridoso e o terno não lhe caem bem, como se dissesse: “Alguém escreveu e mandou que eu lesse. Tirei apenas a frase de solidariedade aos enlutados da pandemia”.

Se pudesse, Bolsonaro teria repetido aos brasileiros o que disse aos norte-americanos naquele jantar. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo”. No Natal de 2021, a frase soa ainda mais sincera e tenebrosa.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

2 respostas

  1. Parabéns Tiago por essa bela reflexão! Você acertou em cheio! Em nenhum momento ele lembrou das mais de 600 mil mortes, que poderiam ser poupadas caso o governo fosse ágil em combater a pandemia.

  2. Não gosto do governo do Bolsonaro, porém, não sou louco de esquecer que estamos a dois anos em uma pandemia.
    Deus é tão bom que o PT só pôde atrapalhar em alguns Estados, imagina se fosse o pt no poder.
    Deus é bom!
    Moro presidente e Lula na cadeia em 2022

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