Por enquanto, ninguém está gargalhando das sandices ou mesmo rindo, comedidamente. Enfezados, arrogantes e ameaçadores, seus áulicos repetem grosserias sobre grosserias a cada microfone aberto, câmera, luz, ação.
Luiz Conceição
A tarifação desmedida do líder estadunidense de cabelo exótico merece uma reflexão séria. Há cinco décadas, as indústrias e empresas americanas do norte globalizaram suas atividades para valer. O valor da hora no chão de fábrica impedia, criava obstáculos para ganhar mais para si e seus acionistas.
Pode-se dizer que o que pagavam a um de seus trabalhadores por hora era mais que suficiente para remunerar inúmeros operários com ganhos menores em outros continentes, especialmente no Império do Meio. Em uma simplória comparação, a história do presidente do tarifaço é similar àquela do personagem Benjamin Button do cinema, que nasce idoso e à medida que o tempo passa rejuvenesce.
Os empresários bilionários que cercam o presidente do inacreditável tarifaço não devem ter visto o filme do diretor David Fischer, lançado em 2009, ganhador do Oscar de Melhores Efeitos Visuais. Também não tinham e não têm tempo para a cultura ou mesmo para conhecer ou estudar filosofia, arte, geografia e história, principalmente a econômica. Pode-se dizer o mesmo para os políticos.
Na película, decorridos 12 anos do seu nascimento, Button conhece Daisy, uma criança que cresce para ser dançarina. A sua relação com ela o faz acreditar que os dois se encontrarão no momento certo da vida. Como se fosse possível o tempo voltar. É um filme marcante até por sua semelhança com um personagem real.
No caso do tarifaço, não. A sua megalomania o leva a imaginar que impor exorbitantes tarifas em economias concorrentes fará ressurgir a outrora fulgurante indústria americana de parte do século XX, cujo orgulho estava em Detroit, no Michigan, endeusada como a Capital do Automóvel, em 1950, com população superior a dois milhões de habitantes. Pelo que se publicou, em 8 de julho de 2013, a cidade declarou falência, com dívida de bilhões de dólares, tornando-se a maior cidade dos EUA a declarar falência.
Ou quem sabe, o Cinturão da Ferrugem (Rust Belt, em inglês), conhecido até meados dos anos 1970 como Cinturão da Manufatura, que abrange estados do Nordeste, dos Grandes Lagos e do Meio-Oeste. Talvez, pelo sucesso econômico e tecnológico do Vale do Silício, o presidente imagina ser possível parar o relógio inexorável do tempo para fazer seu país grande novamente por meio de decretos, imitando outros presidentes em vários continentes que o fazem quando imaginam barrar a economia e seus contratempos.
Por enquanto, ninguém está gargalhando das sandices ou mesmo rindo, comedidamente. Enfezados, arrogantes e ameaçadores, seus áulicos repetem grosserias sobre grosserias a cada microfone aberto, câmera, luz, ação. Será que era uma vez a…?
Quem sabe empresários, intelectuais e exportadores do agronegócio ainda não infectados o acordem desse sonho maluco que a todos empobrece, envergonha e é motivo de piada. Pela incerteza para todos nós e os americanos de que, ao despertar, ele aperte o botão errado e… bum!!!. Já fomos…
Luiz Conceição é bacharel em Direito (1994) pela Uesc, leitor de temas econômicos e jornalista desde 1975 (época em que era muito feliz!).
Cristo Redentor de Ilhéus, ao longo dos anos, foi consagrado como uma referência espacial que extrapola a simples denominação de uma praia, destacando-se por sua importância histórica e identificação com os habitantes
Alcides Kruschewsky
Resguardar o patrimônio cultural e histórico, enquanto se pede que seja encontrada uma alternativa adequada para os motorhomes, que são bem-vindos, está longe de ser hostilidade. A hostilidade é ao patrimônio cultural, este sim vítima da negligência pública, não de agora, em se permitir que o valor que a escultura empresta à paisagem seja subtraído pelos obstáculos que interferem entre o monumento e os que querem contemplá-lo. Isso sem que um olhar sensível, sobretudo das mentalidades mais preparadas, recaía sobre o fato.
Nenhum outro lugar que tenha pretensões turísticas e bom nível educacional permitiria tal desagravo a um ícone dessa importância, visto por alguns como se fosse apenas uma coisa qualquer que atenua o sol escaldante para os que ali, também, organizam farras, sob sua sombra. Mas estamos em Ilhéus, onde se elogia os predicados turísticos da cidade vizinha, Itacaré, mas não se leva em conta que esta não permite o ingresso de ônibus turísticos na zona urbana, quando estes pretendem se dirigir às praias e ali estacionar. Estaria também Itacaré enxotando turistas?
Sugerimos alternativa para motorhomes, sim, pois ali não é adequado para estacionamento. Da mesma forma e pelos mesmos motivos, indicamos a área entre a nova pista e a Av. Dois de Julho, a 20 metros dali, para que os frequentadores daquela praia possam estacionar seus veículos sem nenhum prejuízo ao lazer. Resguardar o visual da estátua, o seu valor na paisagem livre e desimpedido, mantendo intocável o seu potencial de divulgação de Ilhéus através das milhares de fotografias e vídeos que já circularam e continuarão a circular pelo mundo, além de sua proteção material, é a nossa intenção. Não é lúcido que seja permitido a interposição de obstáculos no seu arredor.
Estátua do Cristo Redentor de Ilhéus
É preciso fazer uma delimitação que distancie veículos que hoje ali param, literalmente, nos pés do Cristo Redentor de Ilhéus, consentindo que apenas pessoas possam se aproximar da obra artística, construída e idealizada para ser vista. Os demais motivos são do imaginário dos que a idealizaram em 1941, projetada pelo renomado artista italiano Pasqual De Chirico. Para melhor esclarecimento dos interessados sugiro a leitura do artigo De Braços Abertos na Entrada do Ancoradouro: O Monumento ao Cristo Redentor de Ilhéus, cujo autor é Danilo José Messias Marques, especialista em História do Brasil pela Universidade Estadual de Santa Cruz, cujo link segue: https://nossailheus.org.br/artigo-de-bracos-abertos-na-entrada-do-ancoradouro-o-monumento-ao-cristo-redentor-de-ilheus/
E já aproveito para destacar parte do seu texto:
“Ao circularmos pela cidade, nos deparamos com uma diversidade de imagens e símbolos que, por sua localização ou singularidade, acabam servindo de orientação para seus habitantes. De acordo com o urbanista Kevin Lynch, esses “elementos marcantes” constituem-se como verdadeiros pontos de referência, funcionando como indicações seguras do caminho a seguir.
Alguns desses elementos são tão eficientes que acabam se consolidando como verdadeiros marcos urbanos, que, segundo Leonardo Oba, “são produtos sociais e culturais vinculados ao processo de construção da cidade e da sua identidade”. Esse é o caso do Cristo Redentor de Ilhéus, que, ao longo dos anos, foi consagrado como uma referência espacial que extrapola a simples denominação de uma praia, destacando-se por sua importância histórica e identificação com os habitantes.
Alcides Kruschewshy é presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (Atil).
Promover o destino Costa do Cacau como uma experiência plural e integrada aumenta a competitividade da região, o tempo de permanência do visitante e o impacto positivo na economia local.
Marcos Souza “Japu”
A Costa do Cacau, localizada no sul da Bahia, reúne destinos que encantam por sua beleza natural, cultura rica, excelente gastronomia e diversidade de experiências. Municípios como Ilhéus, Itacaré, Maraú, Uruçuca/Serra Grande, Una e Canavieiras formam esse corredor turístico privilegiado, marcado pela história do cacau, pela presença forte da literatura e por um patrimônio arquitetônico e ambiental de valor inestimável.
Apesar desse potencial, a fragmentação das ações e a promoção isolada de cada município ainda são entraves para o pleno desenvolvimento da região. A construção de um projeto coletivo e integrado de turismo é, hoje, uma necessidade urgente para tornar a Costa do Cacau uma marca forte e reconhecida nacional e internacionalmente.
O PODER DA UNIÃO: VENDENDO O DESTINO COSTA DO CACAU
A união dos destinos em torno de um planejamento colaborativo permite que todos saiam ganhando. Vender Itacaré, Maraú, Una, Uruçuca, Ilhéus ou Canavieiras separadamente é limitar a força do conjunto. Promover o destino Costa do Cacau como uma experiência plural e integrada aumenta a competitividade da região, o tempo de permanência do visitante e o impacto positivo na economia local.
A diversidade de atrativos é um ponto de força: o visitante que chega interessado nas praias e trilhas de Itacaré pode se encantar também pela cultura histórica de Ilhéus, pela riqueza natural de Uruçuca ou pelo charme colonial de Canavieiras, por exemplo. Com roteiros bem planejados, infraestrutura conectada e uma comunicação unificada, a região se transforma em um destino completo.
UM CHAMADO À GESTÃO COMPARTILHADA
“Enquanto secretário de Turismo de um dos mais importantes destinos do Brasil, Itacaré, percebo que seguiremos muito mais fortalecidos se unirmos forças, planejarmos juntos e executarmos as propostas dialogando com os governos municipais, estadual e federal, bem como com a iniciativa privada e sociedade civil. A tarefa não é simples, pois existem diferenças de entendimento no campo da política, vaidades e uma falta de avaliação coletiva. Contudo, compreendo que esse é o melhor caminho. Precisamos que prefeitos e secretários/diretores de turismo estejam alinhados e ajustados nesse sentido de criarmos uma concepção coletiva, trocar experiências e nos fortalecer enquanto gestão compartilhada para o Turismo da Costa do Cacau”.
Essa fala representa o espírito que deve nortear a construção de um novo momento para o turismo regional: diálogo, articulação, escuta e cooperação entre todos os atores envolvidos — poder público, iniciativa privada e sociedade civil organizada.
Vantagens da integração entre os destinos
• Fortalecimento da marca Costa do Cacau no mercado nacional e internacional;
• Criação de roteiros turísticos integrados, mais atrativos e com maior potencial de consumo;
• Divisão de esforços e investimentos em promoção, infraestrutura e capacitação;
• Aumento da permanência do turista na região e estímulo ao turismo de retorno;
• Redução da competição interna e valorização da complementaridade entre destinos; e
• Capacitação e qualificação da mão de obra também de forma integrada, chamando para tal instituições como Uesc, UFSB, Ifs, Sebrae, Senar.
O caminho é coletivo. O turismo não se desenvolve de forma sustentável quando cada destino caminha sozinho. É preciso compreender que a competitividade está na união, não na disputa. Trabalhar coletivamente, com metas regionais, é criar uma base sólida para um turismo mais estruturado, rentável e sustentável.
O TURISMO COMO MOTOR DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
O turismo vai muito além do lazer: ele é uma atividade econômica poderosa, capaz de transformar realidades. Quando bem planejado e promovido, atrai investimentos, gera empregos/ trabalho e renda e movimenta setores diversos da economia — da hotelaria e alimentação ao transporte, receptivos, guias, artesanato e agricultura familiar.
Como ressaltamos, enquanto secretário de Turismo de Itacaré:
“Atrair mais turistas brasileiros e estrangeiros para os destinos da Costa do Cacau é trazer fortalecimento da economia e geração de trabalho e renda para os trabalhadores e trabalhadoras do setor. Moeda estrangeira mais forte e consumo mais alto, ticket médio alto, é o que precisamos operacionalizar nos destinos.”
Essa visão reforça o papel estratégico do turismo como política pública de desenvolvimento regional. Quanto mais visitantes qualificados e bem acolhidos, maior será o impacto positivo na economia local. Por isso, a integração entre os destinos da Costa do Cacau não é apenas uma decisão inteligente do ponto de vista turístico, mas também uma ação urgente para fortalecer a economia da região, gerar renda e criar oportunidades reais para a população local.
A Costa do Cacau tem tudo para se tornar uma referência no Brasil e no mundo — mas isso só será possível com visão compartilhada, liderança estratégica e compromisso conjunto. A hora de agir juntos é agora.
Há que se compreender cada especificidade dos destinos. Cada um chama atenção pelo que possui de atrativo. Se cada destino se propõe a não vender apenas o destino, mas ofertar as opções dos destinos contíguos, seria o máximo. Por exemplo, como deixar Ilhéus de fora se Ilhéus é polo vetor da chegada via aérea e via portuária. Aeroporto e porto de Ilhéus nos trazem muitos turistas. Precisamos ajustar, melhorar esses equipamentos, bem como discutir com fortaleza de coletivo a malha aérea, os valores excessivos de passagens para o aeroporto Jorge Amado, a falta de voos diretos para Brasília, Belo Horizonte, que são dos maiores emissores de turistas para a Costa do Cacau.
Eventos podem ser criados com um calendário para a zona turística, criando uma rota, um roteiro, uma pauta tratada em cada município e socializada com os outros destinos, para tentar ajustes e minimizar custo. Isso é economia e organização.
Fortalecer a zona turística é buscar juntar forças políticas e técnicas com o objetivo de chamar a atenção para um dos maiores setores que mais crescem no Brasil, que mais gera trabalho e renda, o turismo. Precisamos de investimentos e entendimento geral para avançar muito mais, alinhar com todos os órgãos , a UPB, AMURC, Consórcios CDS Litoral Sul E Cima, todos outros já citados acima, e trabalhar muito na formação e qualificação dos profissionais. Vamos transformar para melhor o futuro.
Marcos Souza “Japu” é secretário de Turismo e ex-secretário de Administração de Itacaré, bacharel em Administração e em Direito e foi quadro de órgãos estaduais e federais.
Vista parcial da orla da Soares Lopes, em Ilhéus || Foto José Nazal
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Na placa colocada pelo MP-BA na Avenida há uma legenda da qual gostei: “Guardião da Cidadania”. Penso que assim deve ser e por isso creio que haverá uma reflexão entre os que verdadeiramente guardam nossa cidadania, de modo que percebam o erro histórico e ambiental que será cometido, caso a obra seja executada.
José Nazal Pacheco Soub
O dia de ontem, 1º de abril, consagrado e conhecido como o Dia da Trola, da Pegadinha, da Lorota, enfim, o Dia da Mentira já faz parte do folclore nacional. Não se trata da mentira ofensiva, caluniosa, a que maltrata, e sim, como dizia o saudoso Mestre Suassuna, da mentira lírica, mentira com arte, que deve ser cultivada.
No amanhecer de ontem, foi divulgada uma notícia que parecia ser um 1º de abril. Eu desejei que fosse, mas não era. Uma placa colocada, possivelmente no final do dia anterior, dava conta de que a Promotoria de Justiça Regional de Ilhéus pretende construir sua sede num trecho da orla acrescida na Avenida Soares Lopes, onde se pretendeu em 2021 construir o novo prédio do Fórum do Tribunal de Justiça da Bahia, cuja doação foi autorizada pela Lei nº 4.126, de 17/09/2021, e que a ementa anunciava: “Autoriza a doação dos Direitos Reais de Uso de Imóvel Público ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em área de domínio do município”.
Aqui faço o primeiro questionamento: é de domínio do município o trecho que era alcançado pelo Oceano Atlântico, onde eu e muitas outras pessoas que estão na faixa de 70 anos tomávamos banho de mar? Aos que não creem que o mar “lambia” a Avenida, pesquisem fotos que comprovam e analisem se é verdade.
Depois da notícia espalhada rapidamente pelas redes sociais, o bombardeio foi forte e, em absoluta maioria, as opiniões foram contra a proposta. Dentre as que tive acesso, uma especialmente me chamou atenção.
No perfil do Instagram da Revista Folha da Praia (@folhadapraiaoficial) está anotado que, ao ser provocado pelo veículo de comunicação, o Ministério Publico do Estado da Bahia (MP-BA) respondeu que “[…] não há nenhuma ilegalidade ou irregularidade na futura sede da Promotoria Regional de Ilhéus” e que “[…] o terreno destinado à construção da nova sede pertence à União, e sua demarcação foi devidamente autorizada pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU) no último dia 20 de março. A autorização aconteceu após um processo de consulta iniciado em 2024 […]”. “Além disso o MPBA afirmou que todos os requisitos ambientais e urbanísticos serão atendidos durante a construção do novo edifício”.
Na minha opinião (que só vale para mim), o problema está resolvido: não será construído o novo edifício. Ora, se o MP-BA afirma que respeitará a legislação urbanística e ambiental – e acredito realmente que esse respeito ocorrerá –, a equipe de arquitetura e engenharia do Parquet não terá como se basear na elaboração do projeto.
Explico o fundamento da minha opinião: a área pretendida é indicada como Zona de Especial Interesse Ambiental (ZEIA) pelo Plano Diretor Municipal vigente, pela Lei 3265/06 (vide Imagem 2), e em razão disso ficou fora do zoneamento urbano definido pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, pela Lei 3746/15, com alterações subsequentes (vide Imagem 3).
Imagem 2 – Zona Especial de Interesse Ambiental na Avenida || Fonte PMIImagem 3 – Delimitação da Lei de Uso e Ocupação do Solo || Fonte PMI
Resumindo, além de ser área ambiental, para o trecho não há parâmetros urbanísticos, como: permissões de uso; altura do prédio, recuos laterais, frontais e de fundos; coeficiente de ocupação; taxa de ocupação etc. As duas zonas vizinhas ao trecho são as ZC-23 e ZC25.
Face à minha opinião, afirmo que continuo acreditando nos Ministérios Públicos e desejo continuar crendo e esperando. Na placa colocada pelo MP-BA na Avenida há uma legenda da qual gostei: “Guardião da Cidadania” (vide Imagem 4). Penso que assim deve ser e por isso creio que haverá uma reflexão entre os que verdadeiramente guardam nossa cidadania, de modo que percebam o erro histórico e ambiental que será cometido, caso a obra seja executada.
Placa anuncia “instalações futuras” do MP na Soares Lopes || Foto José Nazal
José Nazal Pacheco Soubé fotógrafo, memorialista, ex-vice-prefeito de Ilhéus e autor do livro Minha Ilhéus: fotografias do século XX e um pouco da nossa história (Via Literarum, 2010).
Thiago Fernandes e Henrique C. Oliveira propõem ressignificação do chocolate na Páscoa à luz da cultura grapiúna
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Nesta Páscoa, ao saborear um chocolate, pense no que ele representa: uma história rica, uma comunidade vibrante e um futuro sustentável para o Sul da Bahia.
Thiago Fernandes e Henrique Campos de Oliveira
A Páscoa é um momento de renovação e reflexão, e teria melhor ocasião para falarmos sobre a riqueza cultural e ambiental que a Cabruca representa para o Sul da Bahia? Este sistema agroflorestal, que combina o cultivo do cacau com a preservação da Mata Atlântica, é uma expressão viva da união de diferentes grupos étnicos que moldaram a identidade grapiúna. Indígenas, negros e sergipanos colaboraram na construção dessa prática sustentável, que não apenas transforma a paisagem, mas também edifica uma comunidade resiliente e culturalmente rica.
Historicamente, a região do Sul da Bahia foi marcada pelo mandonismo e coronelismo, temas recorrentes nas obras de Jorge Amado, como “Tocaia Grande”, “Terras do Sem Fim”, “São Jorge dos Ilhéus” e “Gabriela”. Essas narrativas retratam um passado onde o poder estava concentrado nas mãos de poucos. Hoje, no entanto, as mulheres estão invertendo essa lógica, assumindo o comando de fazendas, roças de cacau e assentamentos, trazendo uma nova perspectiva de liderança e transformação social. As roças de cacau, frequentemente cultivadas em assentamentos, são fundamentais para a dinâmica econômica e social da região. Essas áreas são espaços de resistência e de cultivo sustentável, onde pequenos produtores e suas famílias trabalham em harmonia com a natureza, preservando a biodiversidade local e garantindo a produção de cacau de qualidade. A conexão com a terra e a tradição familiar são aspectos que fortalecem a identidade cultural da região e promovem um modo de vida que respeita o meio ambiente.
Além disso, o turismo se apresenta como uma alternativa viável e promissora para o desenvolvimento econômico do Sul da Bahia. A valorização do patrimônio cultural e natural, associada à produção de chocolate de qualidade, atrai visitantes que desejam conhecer as práticas sustentáveis, as roças de cacau e a rica história da Cabruca. O turismo não apenas gera renda para as comunidades locais, mas também desempenha papel crucial na preservação da sociobiodiversidade. Ao promover experiências autênticas e imersivas, os turistas são convidados a entender a importância da Mata Atlântica e do cacau, fortalecendo a consciência ambiental e o compromisso com a conservação.
Essa transformação não teria sido possível sem o apoio de instituições essenciais, como a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), a Ceplac, os Institutos Federais de Educação, o CIC, o Sebrae e a Aiex Unifacs. Essas entidades têm sido fundamentais na capacitação de produtores, na pesquisa e na promoção de práticas sustentáveis, contribuindo para que a região se torne um modelo de desenvolvimento. É crucial reconhecer e valorizar o trabalho dessas pessoas e instituições, que investem tempo e esforço na valorização do cacau e na construção de uma economia local sólida.
Entretanto, é importante ressaltar que o cenário atual do mercado de cacau apresenta desafios significativos. Os maiores produtores mundiais, Gana e Costa do Marfim, que juntos representam quase 60% da produção global, estão enfrentando dificuldades que impactam diretamente os preços. Isso significa que o cacau, especialmente o fino e de qualidade, teve um aumento significativo, elevando os custos de produção. Esse cenário se torna ainda mais relevante para o movimento de chocolate Tree to Bar e Bean to Bar, que utiliza a manteiga de cacau como a única gordura possível em seu chocolate artesanal. Essa prática enfrenta uma concorrência acirrada com a grande indústria, que frequentemente recorre a outras gorduras, comprometendo a qualidade do produto.
Neste momento de celebração da Páscoa, vamos refletir sobre o significado do chocolate que consumimos. Que ele represente não apenas um deleite, mas também a história de luta e união dos povos que ajudaram a cabrocar a mata, a força das mulheres que estão à frente do processo produtivo e o compromisso com um futuro que respeita o meio ambiente e a diversidade cultural.
A Cabruca é mais do que um sistema de cultivo; é uma proposta de vida que busca a harmonia entre o ser humano e a natureza. Que possamos, portanto, valorizar e apoiar essa iniciativa, reconhecendo que cada pedaço de chocolate é um símbolo de um legado que merece ser preservado e celebrado. Neste feriado, ao saborear um chocolate, pense no que ele representa: uma história rica, uma comunidade vibrante e um futuro sustentável para o Sul da Bahia.
Thiago Fernandes é diretor do Consórcio Cabruca de Chocolates Finos do Sul da Bahia
Henrique Campos de Oliveira é doutor em Ciência Política pela UFBA e coordenador da Agência de Incubação para o Exterior da Universidade Salvador (Aiex-Unifacs).
O oeste da Bahia, por exemplo, uma região já super desenvolvida economicamente, segue buscando inovar, evoluir em plantios e colheitas, numa tentativa acirrada de protagonismo, e a pergunta que me faço é: a quem interessa o ostracismo do cacau do sul da Bahia?
Manu Berbert
Após um longo período dedicado à gestão de comunicação na área de saúde e, na sequência, dedicada a eventos privados, voltei à minha profissão e caí de paraquedas (ou não) na gestão de comunicação e eventos na área de agricultura, agricultura familiar e, claro, do cacau. Já tinha participado, lá atrás, de alguns projetos, mas confesso que não com o olhar e a vontade de hoje. E, talvez, seja esta maturidade que esteja me fazendo enxergar tudo com outros olhos…
Há um ano venho participando de missões técnicas e, assim, escutando discussões de todos os tipos sobre o cacau, as novas e inúmeras fábricas de chocolate daqui, o desenvolvimento do trade turístico etc. Existem muitas coisas boas acontecendo, especialmente com a demanda altíssima do fruto, mas, ao mesmo tempo, há um silêncio ensurdecedor pairando no ar da nossa região.
Na última semana, por exemplo, o Instituto Federal Baiano (IF Baiano), campus Uruçuca, comemorou o Dia do Cacau com uma mesa riquíssima de discussões. Não vi deputados estaduais da região por lá, como nenhum outro gestor municipal. Procurei nas redes e não encontrei nada além de cards marcando a data.
O que vivencio hoje, circulando neste universo, me dá a sensação de que o mundo está de olho nas nossas novas formas de fazer vindo estudar, aprender, copiar, mas a nossa região segue com os olhos vendados, sem se apropriar de fato deste sentimento de pertencimento.
O oeste da Bahia, por exemplo, uma região já super desenvolvida economicamente, segue buscando inovar, evoluir em plantios e colheitas, numa tentativa acirrada de protagonismo, e a pergunta que me faço é: a quem interessa o ostracismo do cacau do sul da Bahia?
Dia de Campo sobre o manejo de caprinos e ovinos || Foto Walmir Rosário
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Walmir Rosário
Não se assustem, mas é a mais pura verdade. Foi difícil acreditar até eu constatar que não estava a ver visões, quem sabe por culpa do forte sol da caatinga. Fiz questão de apurar tudo direitinho para não perder a credibilidade. Eu não esperava, mas podes crer, o caatingueiro, com sua vestimenta de couro, incluindo o chapéu, falando francês e fazendo biquinho, sem pedantismo.
E esse fato se deu em Campo Formoso, em meados deste março, onde fui visitar parentes e aproveitei para participar de um Dia de Campo promovido pelo Senar e a Prefeitura, por meio da Secretaria da Agricultura do Município. O tema era o “Manejo Sanitário na Caprinovinocultura”, apresentado pela zootecnista Angélica Sampaio, do Senar.
Cabras leiteiras escolhidas para o projeto || Foto Walmir Rosário
Até então, pensava eu que seria uma hora de conversa a respeito de como alimentar e tratar caprinos e ovinos, animais por demais conhecidos dos caatingueiros e que desde os anos 1500 fazem parte do cenário do semiárido. A minha surpresa foi o grau de sofisticação da criação desses animais, tratados a pão de ló, como se dizia antigamente.
Nada de soltar os animais em enormes áreas e deixá-los se virar em busca de comida e água. Nada disso, hoje eles são tratados com todos os mimos, desde a alimentação balanceada, água de qualidade, medicamentos dos melhores laboratórios. Comem a pasto e nos cochos, nestes, com suplementações balanceadas e nutrientes altamente escolhidas para suprir a falta de macros, micros e sais minerais. Um luxo!
E não é pra menos, estamos falando de caprinos das raças Saanen e Parda Alpina, e ovinos da raça Dorper, que terão a missão de produzir bastante leite para a população, especialmente os alunos da rede municipal da educação de Campo Formoso. Tudo pensado, planejado para oferecer aos alunos uma alimentação de qualidade, de baixa lactose em relação ao leite bovino.
Secretário Rangel Batista de Carvalho || Foto Walmir Rosário
E essa mudança conceitual está sendo implantada pelo técnico em agropecuária, biólogo, com mestrado em Botânica, Rangel Batista de Carvalho, atualmente secretário da Agricultura do Município de Campo Formoso. E para introduzir esse programa foi realizado um amplo diagnóstico pela Caravana de Sustentabilidade, que identificou todas as condições necessárias.
E não foi muito difícil formatar o projeto, pois os caprinos e ovinos fazem parte e são indivíduos importantes no meio ambiente da caatinga. Identificadas as condições de produção, produtividade, condições climáticas, a equipe partiu para oferecer uma nova alternativa de trabalho às famílias, iniciando com os cursos de administração e participação no programa.
Iracy, minha irmã, aderiu de pronto ao programa e adquiriu junto a Ailton – o anfitrião da fazenda na qual foi realizada o Dia de Campo –, quatro exemplares de cabras da raça Parda Alpina para presentear seu neto Kayran. Acreditem, não é um simples regalo, mas o início da atividade empreendedora de um jovem caatingueiro. Um bom exemplo.
Para Rangel, não basta dizer que o sertanejo é antes de tudo um forte, como alertou Euclides da Cunha no livro Os Sertões, no início do século passado, é preciso mantê-los em seu habitat, proporcionando condições de permanência favoráveis na economia e na educação. “Ninguém conhece as condições de vida que a caatinga oferece senão o caatingueiro”, ressalta o secretário.
E atualmente a ciência oferece novos conhecimentos ao homem do campo, permitindo que ele possa desempenhar atividades econômicas favoráveis com os cerca de 500 mm de precipitação, média da região. E Rangel dá o exemplo ao fabricar queijos tipo Valeçay, Borsin, Gorgonzola, tipo Edam Holandês. Não são mais novidades os queijos de leite de cabra frescal, meia cura, meia cura maturado no vinho, no café ou defumado. Nada mais chic!
Não me sinto envergonhado de ter aportado no Dia de Campo pensando que não teria que esforçar a memória para lembrar o velho e surrado vocabulário francês dos tempos de ginásio e passar perrengue diante dos agropecuaristas caatingueiros. Deu-me saudades dos meus professores de Francês, Frei Félix de Pacatuba, Aderaldo (que prometia me ensinar 5 mil palavras num minuto), Helena Targino e Everaldo Cardozo. Ainda bem que nenhum estava presente.
Somente com o passar do tempo que consegui me ambientar e entender que Chèvre era cabra, Feta um tipo de queijo, Chavroux, outro tipo de queijo francês doce e suave, e que o queijo Pecorino também poderia ser fabricado com leite de cabras e não só de ovelhas. O conhecido Camembert é outro que pode ser feito com leite das cabras. Embaralhei-me todo que até esqueci que Fromage é a versão de queijo traduzida ao francês.
Até agora somente falamos sobre a cabra (chèvre). Mas não tem bode ou carneiro em Campo Formoso? Sim, e eles serão saboreados com o que tem de melhor na gastronomia internacional. Mas o que estará na moda, mesmo, é a francesa, portanto, aprenda alguns cortes (coupes de chèvre): Gigot d’agneau (Perna de cordeiro); Echine (ombro); Côtelette (costeleta); Jarret (canela); Selle d’agneau (sela); Carré d’agneau (costela de cordeiro).
Creio que tomarei algumas aulas de francês antes de retornar a Campo Formoso.
Bolsonaro durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro || Reprodução Mídia Ninja/Instagram
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O que é esclarecedor e deve servir como reflexão nesse contexto político que estamos vivendo é que Nós Ainda Estamos Aqui. Eles também continuarão aqui.
José Cássio Varjão
No momento em que um punhado de pessoas, desprovidas de erudição, se aglomeram em determinados ambientes públicos para endossar as palavras e as ideias de mentes vazias e, às vezes, sem cognição, que pedem o “esquecimento”, por parte das autoridades, de crimes cometidos por tentativa de ruptura institucional, percebe-se explicitamente que, antes da particular liberdade de escolha de cada brasileiro, está plantada, por parte da elite branca, escravagista, antinacionalista e liberal/econômica, a semente do personalismo político, que teima desde 1930 em nos dividir entre nós e eles, o bem e o mal, de um lado qualquer um, e do outro quem tem nove dedos.
Quando incautas e desocupadas dezoito mil e trezentas testemunhas participam de um cortejo fúnebre, com a devida atenção dispensada ao defunto, e junto dele, seus asseclas, que não irão deixar nem o corpo do finado esfriar, para se apossar do seu espólio eleitoral, constata-se que continuaremos presenciando esse espetáculo dantesco. Ele dá engajamento, dá like e, principalmente, dá recortes distorcidos da realidade, como o da polícia de Claudio Castro, governador do Rio de Janeiro, que estimou essa bizarrice em quatrocentos mil presenciadores.
Os seguidores do irrefletido capitão são pessoas sem discernimento ou autonomia de escolha política, são os mesmos que votaram na UDN, na ARENA, em Fernando Collor, Fernando Henrique, votaram no PSDB, colocaram broche da Ucrânia na roupa, pediram voto impresso e auditável e ainda pedem intervencionismo militar. Nesse caso, por completa falta de entendimento do que foram os atos institucionais, principalmente o AI-5, ou um golpe, dentro do golpe.
Nesse panorama histórico atual, o filme Ainda Estou Aqui, extraído do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, com mais de 5 milhões de expectadores e com arrecadação de mais de 200 milhões de reais em todo o mundo, não nos deixa esquecer do período cinzento da nossa história, que percorreu um continuum entre as agressões físicas e as prisões, os assassinatos e os desaparecimentos de cidadãos, que só cessaram com a malfadada Lei da Anistia, um acordo entre os poderosos, feito pelo andar de cima da sociedade, convencionado pelas oligarquias que sustentaram o regime, amparadas sob o guarda chuvas da ARENA, que deixou de punir os torturadores, os assassinos e os responsáveis pelos desaparecimentos, como o do ex-deputado Rubens Paiva.
A cultura do país resiste, Ainda Está Aqui, para lembrar que, das mentes brilhantes dos nossos artistas, saíram as vozes dissonantes contra o regime de exceção. Usando de metonímias e anáforas, para construir letras com duplos sentidos e metáforas, Chico Buarque, Adoniram Barbosa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João do Vale, Ney Matogrosso, entre outros, desafiavam a ditadura brincando com as palavras propositadamente incorretas. Adoniram Barbosa, em Tiro ao Álvaro, usou tauba, automóver, revórver e frechada, para desafiar os censores.
Chico Buarque, para também driblar a censura, criou um heterônimo para a solução do problema e ele se chamava Julinho da Adelaide. O personagem criado por Chico, supostamente, era um compositor de morro carioca que frequentava as páginas policiais. Julinho da Adelaide gravou duas músicas: Jorge Maravilha e Acorda Amor, e ficou tão famoso que, em 7 de setembro de 1974, o escritor Mário Prata (amigo de Chico) fez uma entrevista para o Jornal Última Hora. Os amigos, com o tempo, descobriram, mas os censores não. Os seguidores da turba são semelhantes, às vezes alguns deles não sabem nem o motivo pelo qual estão presentes no aglomerado de pessoas, o importante é estar de verde amarelo, gritar mito e rezar para pneus.
O jornalista Carlos Heitor Cony, imortal da Academia Brasileira de Letras – ABL, preso duas vezes, citava as dificuldades de convivência com a censura, antes e após o AI-5, com o fechamento total da ditadura. “A gente contava com dois fatores, um a favor e um contra. A favor era que os censores eram muito burros e não percebiam certas nuances. Por sua vez, por serem muito burros, às vezes, cismavam com coisas que não tinham nada demais e proibiam uma peça, um artigo ou uma música”.
Uma dessas vozes dissonantes, na plenitude dos seus 82 anos, fez um show apoteótico no Estádio Fonte Nova, em Salvador, no último sábado, dia 15.03.25. Na turnê de despedida da sua gloriosa carreira artística, chamada de Tempo Rei, mais de 40 mil empolgados fãs aproveitaram, por duas horas e trinta minutos, das músicas que marcaram a carreira de 60 anos de Gilberto Gil. Com direito a um estrondoso “Sem Anistia!”, Gil começou sua apresentação cantando Cálice e concluiu com Aquele Abraço.
Composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, a música Cálice, lançada há 52 anos, em 1973, teve um impacto profundo e duradouro na MPB, se tornando um símbolo de resistência artística e política, fazendo um trocadilho com a expressão “cale-se”, uma clara referência ao silêncio imposto pelo regime. A letra, repleta de metáforas religiosas (como o cálice da Santa Ceia), criticava indiretamente a repressão e a violência do governo, driblando a censura de forma inteligente. A música se tornou um hino de relutância pacífica, inspirando outros artistas a usarem a arte como forma de protesto. A canção também é um exemplo da sofisticação poética da MPB, combinando elementos religiosos, políticos e sociais em uma letra densa e cheia de significados, sendo frequentemente relembrada em momentos de crise política no Brasil, mostrando que seu impacto transcende o período da ditadura.
Gilberto Gil e Caetano Veloso ficaram presos pela repressão, entre dezembro de 1968 e fevereiro de 1969, em Realengo, no Rio de Janeiro. Foram soltos numa Quarta-Feira de Cinzas com o objetivo, determinado pelos militares, de voltarem a Salvador, fazerem dois shows, para angariar fundos e saírem do Brasil para o exílio. Iriam para Londres. No avião, entre o Rio de Janeiro e Salvador, com um guardanapo e uma caneta na mão, a estrutura de Aquele Abraço saiu do imaginário artístico de Gil para entrar na história da MPB como um símbolo de resistência, de otimismo, de união, alegria e orgulho de ser baiano/carioca, afinal, a Bahia lhe deu “régua e compasso” para lutar contra as adversidades. Aquele Abraço era uma ode ao Rio de Janeiro, ao mencionar ícones culturais como o samba e a Portela, o futebol com o Flamengo (Gil é Fluminense, que tinha derrotado o Flamengo na final do Carioca de 1973), o Carnaval e a Banda de Ipanema, Chacrinha e sua Terezinha, sem se esquecer de Realengo. Aquele Abraço significava gesto passageiro, transitório. Gil sabia que iria voltar e que o regime iria acabar. É como se desejasse falar que Ainda Estaria Aqui, um dia, em breve.
Numa época em que os artistas reagiram à ditadura com a voz e um microfone nas mãos, o jornalismo fazia o mesmo, empunhando uma caneta, que a voz rouca do povo ecoava de dentro das cátedras das melhores universidades do país através de mentes brilhantes, percebemos, deste modo, o quanto somos lenientes nos dias atuais. Só quem não conhece a história pode se conformar com um país que não tenha o Ministério da Cultura, como no governo que essa turma quer trazer de volta.
O que nos move e o que nos faz seguir adiante, lutando contra as arbitrariedades que aconteceram há uns poucos anos no Brasil, é o legado de quem lutou contra um regime ditatorial e sanguinário, em síntese, quem de nós não gostaria de ter “caminhado contra o vento, sem lenço e sem documento?” ou não ter se encantado com as “Cardinales bonitas e a sensualidade de Bardot”, na letra de Caetano e Gil? Quem não gostaria de ser “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco e vindo do interior”, como Belchior foi? Quem não gostaria de ter “sonhado com a volta do irmão do Henfil, com tanta gente que partiu num rabo de foguete” ou “chorou com as Marias e Clarisses no solo do Brasil”, como Aldir Blanc e João Bosco escreveram e a grande Elis Regina eternizou com sua voz? Quem não quis “botar o bloco na rua, brincar e botar pra gemer” pulando de alegria com Sérgio Sampaio? Quem não “jurou mentiras e seguiu sozinho, assumindo seus pecados”, igual a Ney Matogrosso? Se “viver é melhor que sonhar”, e Belchior sabia “que o amor é uma coisa boa”, por que não sermos os embaixadores dessa mensagem? E não termos medo do “perigo na esquina”, até “porque eles já venceram e o sinal ficou fechado para nós”. Ainda bem “que somos jovens” e vamos seguir nossa luta, nossa caminhada contra o retrocesso que espreita sorrateiramente, cada passo dessa jornada.
O que é esclarecedor e deve servir como reflexão nesse contexto político que estamos vivendo é que Nós Ainda Estamos Aqui. Eles também continuarão aqui.
José Cássio Varjão é cientista político, MBA em Cooperação Internacional e Políticas Públicas; Administração Pública Municipal e Desenvolvimento Local; Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes; Gestão de Negócios Inovadores e pós-Graduando FESPSP Repensando o Brasil: Sociologia, Política e História.
Mariana Ferreira é jornalista e consultora em Comunicação || Foto Arquivo Pessoal
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Deslegitimar é o objetivo dessa agenda estrutural, que busca intimidar, hostilizar, ridicularizar, até mesmo com falsos elogios públicos que escondem atitudes misóginas nos bastidores, as poucas mulheres que decidiram e decidem enfrentar mais essa luta todos os dias, numa permanência que vive ameaçada.
Mariana Ferreira
É exaustivo ver a permissividade e o nível de tolerância com que é tratada a violência de gênero nos espaços de poder. Poderia aqui elencar inúmeras falas, inclusive institucionais, de evidente violência contra as mulheres que hoje ocupam esses espaços, afastando dos plenários brasileiros mulheres extremamente inteligentes e realizadoras.
A última, de Plínio Valério (PSDB), senador da República, com sua declaração em púlpito (!): “Imagina o que é ficar com a Marina [Silva] seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la”, é um dos fortes exemplos da desqualificação do debate por meio de uma agressão concreta a uma mulher, que também é ministra de Estado, professora, deputada federal eleita, ex-senadora e ativista.
A lei que tornou crime a violência política de gênero completou três anos em agosto do ano passado. Ela estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos, dentre outras providências (Lei n° 14.192/2021). No entanto, isso não parece intimidá-los, e a reflexão sobre isso precisa ser feita coletivamente.
Deslegitimar é o objetivo dessa agenda estrutural, que busca intimidar, hostilizar, ridicularizar, até mesmo com falsos elogios públicos que escondem atitudes misóginas nos bastidores, as poucas mulheres que decidiram e decidem enfrentar mais essa luta todos os dias, numa permanência que vive ameaçada. A exemplo de 60,4% das prefeitas e vices brasileiras que afirmam já ter sofrido algum tipo de violência política de gênero durante campanhas ou mandatos, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM), em parceria com o Movimento Mulheres Municipalistas, que ouviu 224 prefeitas e 210 vices no segundo semestre do ano passado.
Por causa desse ambiente hostil, muitas estão pela metade em suas ambições, representações e realizações. E também pela metade está o número das que têm a intenção de permanecer na política concorrendo à reeleição, conforme esse mesmo estudo.
Não distante, um episódio de misoginia aconteceu, institucionalmente, em Itabuna, no sul da Bahia, quando o vereador Danilo Freitas (União Brasil) usou da sua palavra no plenário da Câmara de Vereadores para desqualificar a primeira-dama do município, Andrea Castro, que poucos meses antes avaliava se juntar às poucas mulheres na política para representar a região na Assembleia Legislativa da Bahia. Ele se retratou por meio de nota, mas a punição exemplar não poderia deixar de existir: ficou impedido pela Comissão de Ética da Câmara de Vereadores de se pronunciar nas sessões legislativas de setembro a dezembro de 2023 e no ano seguinte foi condenado pela Justiça a pagar indenização por danos morais.
A violência política de gênero não fica, no entanto, restrita aos púlpitos das Casas Legislativas, às chacotas de presidentes como Bolsonaro ou aos bastidores das corridas eleitorais. Está também alastrada nas redes sociais e tem sido crescente, ainda mais agora, com a recente decisão de Mark Zuckerberg de dar fim à checagem de fatos nas redes sociais da Meta. Uma vergonha, e tão perto das eleições de 2026. Que da indignação coletiva e do instinto de sobrevivência enquanto seres sociais emerjam mais mulheres para ocupar os espaços de poder brasileiros. E que estejam por inteiro.
Mariana Ferreira é jornalista e consultora em Comunicação.
Diante do clima de velório visível na figura do prefeito, os convivas se dirigiram às suas residências sem tocar no assunto. Nem precisavam, pois a sentença lavrada pelo juiz de Direito ganhara os quatro cantos de Irecê.
Walmir Rosário
Recentemente abordei numa crônica um nosso professor de Direito Civil, Érito Francisco Machado (juiz, desembargador e presidente do TRT-BA 5ª Região), e recebi de colegas pedidos de novas histórias sobre ele. Mesmo sem ser preciso, não deixo de falar sobre seus atributos intelectuais, sua formação humanista e a independência em suas decisões.
Antes de Itabuna, aonde veio assumir a Justiça do Trabalho, foi juiz de Direito na Comarca de Irecê (BA), no final da década de 1950. E o Dr. Érito comentava que a prestação da justiça nos processos ia além dos autos, pois dependia da realidade e situação das partes. “Não posso condenar uma pequena empresa a pagar sentença absurda, fechar as portas e deixar outros 10 pais de família desempregados”, dizia.
E o juiz Érito Machado adotava uma linha de conduta rígida, a começar pelo modo de vestir, sempre social, se permitindo a tirar o paletó e arregaçar as mangas da camisa apenas quando ia à praia. Não frequentava qualquer ambiente, tampouco recebia presentes e outros mimos, obedecendo, rigorosamente, a liturgia do cargo e a educação familiar.
E ele nos contava que antes de ingressar na Justiça do Trabalho era juiz de Direito na comarca de Irecê. Reunia-se diariamente – após o expediente forense – na residência do prefeito, para um bate-papo intelectual seleto, com o padre, o diretor do ginásio, um pastor protestante, além do próprio alcaide e esporádicos convidados.
Certa feita julgou uma ação judicial que envolvia a propriedade de uma grande extensão de terras, cuja sentença foi contra os interesses do então prefeito, anfitrião diário dos encontros vespertinos. Agiu como o magistrado que era, e ao sair do fórum cumpriu seu ritual diário, para a tertúlia cotidiana com os amigos, justamente na casa da parte derrotada na ação.
Para o magistrado, nada fora da normalidade, agiu como deveria, dando o direito a quem deveria, sem o envolvimento inerente de quem detém o poder ou por causa da amizade. Chegou, abriu o portão, chegou à varanda cumprimentou os presentes e se sentou, como todos os dias, na sua cadeira favorita, conforme o ritual diário.
Todos os saudaram efusivamente, como de hábito, seguindo as costumeiras perguntas sobre o dia a dia, a exceção do anfitrião, que respondeu ao seu cumprimento com um muxoxo e sequer abriu os lábios para responder com a cordialidade de sempre. E nosso personagem cumpriu a rotina de sempre: falou sobre os assuntos mais importantes do dia e não foi respondido com a afabilidade de sempre.
De pronto, o Dr. Érito Machado desconfiou da distração do ora dissimulado anfitrião e continuou agindo como nada daquilo lhe dizia respeito. Se dirigiu à mesa, colocou gelo no copo, abriu o litro de whisky e se serviu generosamente, como costumeiramente fazia. Voltou a ocupar sua cadeira e retomou aos assuntos corriqueiros com os outros convidados.
Embora o bate-papo continuasse rolando, o clima não foi dos melhores, por parte do anfitrião, que assistia a tudo e não participava das conversas, como era do seu feitio. Não teceu críticas à falta de repasses de recursos pelos governos estadual e federal, não contou seus planos para o desenvolvimento da cidade, sua querida Irecê, como tratava.
Por volta das 19h30min, seguiram o rito mantido há anos, se despediram e prometeram retomar a discussão dos assuntos na tarde seguinte. Diante do clima de velório visível na figura do prefeito, os convivas se dirigiram às suas residências sem tocar no assunto. Nem precisavam, pois a sentença lavrada pelo juiz de Direito ganhara os quatro cantos de Irecê.
Para o prefeito a retumbante vitória na ação que se arrastava há anos, agora resolvida, seriam favas contadas. E foi o próprio alcaide quem sugeriu ao juiz que desse uma atenção especial ao processo que dormitava nos arquivos do cartório. Com toda a dedicação, o juiz Érito Machado examinou o processo e fez a justiça conforme demonstravam os fatos nos autos do processo.
Ao terminar de contar a história, o nosso professor Érito Machado dava uma verdadeira lição aos seus alunos e amigos. “O direito é pra ser concedido a quem o possui, não pode ser dado por amizade ou vendido a troco de dinheiro ou benesses. No dia seguinte, voltei à casa do prefeito, que já parecia refeito do trauma, conversamos como sempre e bebemos o nosso whisky à vontade”, finalizou a história.
O aumento do consumo e, por conseguinte, dos preços, elegeu o cacau como a commodity queridinha da vez, derrubando mitos, e a cacauicultura passou a ser implantada em todo o Brasil, inclusive a pleno sol, pelos grandes representantes do agronegócio do oeste baiano.
Walmir Rosário
Não existe qualquer ser vivente que registre hoje um só político visitando a Ceplac e as fazendas de cacau do Sul da Bahia. Faz muito tempo que a cacauicultura baiana começou a ser desprezada por alguns setores da sociedade. E quem inaugurou essa virada foi o segmento bancário, fechando as torneiras para os financiamentos de custeio e investimento.
E esse caso de desamor data do final da década de 1980, com a infestação dos pés de cacau com a vassoura de bruxa, doença que dizimou os cacaueiros e quase mata sem dó nem piedade a principal matriz econômica do Sul da Bahia. Sem recursos para honrar seus compromissos com os trabalhadores, o manejo das roças e, sequer, comprar alimentos para a sua sobrevivência, o cacauicultor foi banido do mundo produtivo, comercial.
Nesta data era comum o desembarque de um monte de políticos no Sul da Bahia, para cumprir um extenso roteiro, a começar pelas instalações da Ceplac, fazendas (principalmente as mais infestadas) e redações de jornais, rádios e TVs. Com o cenho franzido, analisavam a situação de penúria do setor cacaueiro e prometiam reverter a terrível situação junto ao governo federal.
Os políticos de situação semeavam esperança ao garantir as ações salvadoras e os oposicionistas culpavam o governo pela imobilidade que resultou no maior crime de lesa pátria contra a região cacaueira. Como sempre, se autointitulavam representantes da lavoura e cobravam uma votação expressiva para eles (claro), pois assim teriam força para eliminar a crise.
E os deputados cobravam a presença dos presidentes da República, que teriam que examinar – in loco – a debacle da antes rica região cacaueira da Bahia. À custa de muita lábia, finalmente apareceu um deles, que por desconhecimento total do assunto parecia perdido nas areias do deserto do Saara. Mesmo assim, experimentou o cacau in natura, na forma de chocolate e o famoso mel afrodisíaco. E fez mais promessas.
Na realidade, mais promessas não cumpridas, ou solucionadas em parte, sempre com notícias alvissareiras. Fora da mídia, os ministérios ou instituições que deveriam alocar os recursos sussurravam que não seria legítimo colocar dinheiro bom no cacau, um negócio ruim. Apesar da situação de miséria, os cientistas da Ceplac começaram dar a volta por cima e apresentaram novos materiais genéticos de qualidade.
Com os novos clones disponíveis – alguns deles prospectados nas fazendas da região –, o entrave continuava pela atávica falta de recursos disponíveis para a implantação dos novos materiais. Os cacauicultores que possuíam negócios diversificados conseguiam renovar as plantações com os clones tolerantes à vassoura de bruxa e de alta produtividade.
Aos poucos as fazendas de cacau foram mudando de donos; os pequenos produtores também passaram a renovar suas plantações. Na mesma proporção em que a cacauicultura ressurgia, a Ceplac era desmontada e o silêncio dos políticos ensurdecia. Enfrentando as adversidades, o cacauicultor conseguiu dar a volta por cima e hoje não ouve mais o lero-lero enganador.
Se no Brasil a cacauicultura conseguiu ser renovada, o mesmo não aconteceu na Ásia e África, acometida por uma série de doenças e adversidades climáticas, o que elevou o preço do cacau no mercado internacional. E esses compradores passaram a enxergar o produto brasileiro com bons olhos, devido à qualidade superior entregue pelos novos cacauicultores brasileiros.
O aumento do consumo e, por conseguinte, dos preços, elegeu o cacau como a commodity queridinha da vez, derrubando mitos, e a cacauicultura passou a ser implantada em todo o Brasil, inclusive a pleno sol, pelos grandes representantes do agronegócio do oeste baiano. E como um negócio democrático os cacaueiros têm se adaptado à caatinga com plantações, inclusive, em diversas regiões de Sergipe.
O silêncio dos políticos na cacauicultura deve ter sido benéfico para o produtor rural, que se ateve mais às questões científicas, em detrimento das promessas não cumpridas de Brasília. A análise não se prende apenas a essas questões e são por demais complexas. Mais uma coisa é certa, os políticos já resolveram problemas da cacauicultura, isso na segunda metade da década de 1950.
Nessa época, o governo federal criou a Ceplac, de início a do financiamento da cacauicultura. Com o visionário José Haroldo, vieram novas fases da Ceplac: a da extensão rural, da pesquisa, ensino e do desenvolvimento. Com isso, atualmente, o sergipano não precisará deixar sua terra natal para trabalhar com o cacau nas inóspitas terras grapiúna de antigamente, pois agora o cacau chegou a ele.
Valorizar o servidor não é uma mera condescendência do gestor. É, sobretudo, um dever legal.
Osias Lopes
O SERVIDOR PÚBLICO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – O subtítulo deste modesto artigo parece até um lugar comum, eis que por obviedade o servidor público é imprescindível para que ocorra, de fato, o funcionamento da chamada máquina pública. Todo serviço público é executado pelo servidor, é ele quem faz acontecer a entrega dos produtos e serviços essenciais à vida na municipalidade. Mas, na prática não é assim que ele é visto e tratado por um determinado segmento de “gestores” que teimam em enxergá-los de maneira estranhamente enviesada, esdrúxula até, a começar por terem a folha de pagamento de pessoal como incômoda despesa. E mais, quase sempre se utilizam da verba de pessoal para a prática nefasta de política assistencialista/clientelista, deturpando todos os princípios básicos que regem a administração pública, resultando no que todos vemos, uma máquina pública entrevada, coxa, sem foco, sem eira nem beira, que pouco ou quase nada serve ao público, sua única razão de existir.
A ESCOLA DE GOVERNO – Contrapondo-se a essa realidade, é interessante lembrar que lá pelos idos dos anos primeiros da primeira década do século XXI, de maneira pioneira, a gestão pública itabunense experimentou a implementação do projeto de uma Escola de Governo, quando foi desenvolvida uma importante fase embrionária com o apoio da sociedade e efetiva participação de autoridades locais, membro do Ministério Público Estadual, profissionais liberais e, fundamentalmente, de professores da UESC, quando ministraram aulas extraordinárias acerca das mais variadas temáticas, tudo voltado à formação e ao crescimento intelectual do servidor, conferindo-lhe conhecimentos de todos os naipes, inclusive e especialmente os voltados à melhoria da gestão municipal.
O MODELO DE CAMPINAS, SÃO PAULO – Essa Escola foi inspirada no modelo então adotado no Município de Campinas, São Paulo, sem formalismos estruturais físicos ou burocráticos que demandassem custos extras, haja vista que para o seu mister eram utilizadas salas de reuniões e auditórios já existentes, com uma programação elaborada a partir das mais ingentes e urgentes carências detectadas no quadro de pessoal decerto que poderia ter progredido mais, mas a mudança de hábitos e de rotina assusta, fez a Escola sofrer os mais variados ataques, até de quem não deveriam vir.
A institucionalização da Escola de Governo. E o fato é que, a preocupação em fazer andar esse projeto era tamanha que o legislador municipal foi convencido da necessidade de institucionalizar a iniciativa, e foi assim que, através da Emenda nº 007/2003, se inseriu no Capítulo II da Lei Orgânica do Município de Itabuna – LOMI, dedicado aos servidores municipais, no § 3º do art. 94, a seguinte obrigação:
Art. 94- …
§ 3º O Município criará Escola de Governo, sob a denominação “Escola de Governo e Desenvolvimento do Servidor Público Municipal de Itabuna” para a formação e o aperfeiçoamento dos Servidores Públicos Municipais, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção de carreira, facultada, para isso, e elaboração de convênios ou contratos entre os entes federados ou privados.
CONSECTÁRIOS ÓBVIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA ESCOLA DE GOVERNO – É fácil de imaginar o melhoramento da gestão municipal, imbuída de capacidade satisfatória para enfrentar os desafios impostos pelas constantes mudanças e transformações trazidas pelos novos tempos, tivesse havido a concretização da criação dessa Escola há mais de vinte anos. Certamente que todos os servidores estariam praticando as melhores técnicas, com melhores conhecimentos, atualizados e muito mais aptos a exercerem suas funções. Para isso bastava aos alcaides que se sucederam anos afora, cumprir com esse dever legal, insculpido na mais elevada norma municipal, popularmente considerada como constituição municipal. Mas o fato é que tal dispositivo foi solenemente ignorado, desprezado, e não bem avaliado também e até pela instituição sindical, que em última análise, poderia e pode requerer em juízo a criação da Escola, ferramenta estratégica e de fundamental importância para o aprimoramento da prestação do serviço público.
RESPEITO À VERDADEIRA MEMÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO – Em vez disso, estamos testemunhando alguns “incidentes” que afetam de maneira demasiadamente negativa membros dos quadros de servidores municipais, especialmente o segmento dos mais antigos, demonstrando até mesmo uma certa insensibilidade no trato com quem realmente dedicou e ainda dedica a vida à causa pública, desprezando o conhecimento e a experiência que carregam, verdadeiras memórias vivas da Administração que, observadas pelo gestor com inteligência, sobriedade e respeito, em muito poderiam e podem contribuir para a boa fluência e qualidade dos serviços públicos prestados, assim como para o aprimoramento da atuação dos novos servidores.
O DEVIDO CUMPRIMENTO DA LEI – A mais disso, tem-se ouvido falar sobre o dever de se cumprir a Lei, afirmativa essa, claro, que não merece qualquer reparo. Mas não se pode dizer isso distante da prática e seletivamente, pois não é razoável que se eleja para cumprimento apenas normas que mais satisfaçam ao ego de quem, precipuamente e por ofício, tem esse dever.
A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019 – Não é assim que, sob esse mesmo argumento de cumprimento da Lei, em nossa cidade se levou a efeito um dispensar indistinto de servidores aposentados, sob o argumento de se estar no cumprimento de ditames constitucionais, o que não passa de meia verdade, pois a Emenda Constitucional nº 103/2019 quer fora do serviço público somente os que a partir de sua vigência se aposentaram, fazendo ressalva expressa quanto aos aposentados anteriormente a ela, excetuando-os, permitindo-lhes, ipso facto, a permanência no emprego.
TODA APOSENTADORIA SERÁ CASTIGADA (??!) – Aliás, se tem notícia de que os servidores aposentados pelo RGPS vêm sofrendo retaliações faz tempo, pois o enquadramento nos cargos criados, coisa que a todos os demais servidores foi garantido, não lhes foi deferido, sendo mantidos, ao que se sabe, num quadro à parte, numa anomalia inexplicável, posto que, antes da EC nº 103/2019, tinha-se por certo que a aposentadoria não causava rutura contratual laboral. Daí, infere-se que, se não havia, como não houve, rutura do pacto laboral, liame esse que seguia indene mesmo ante a aposentadoria, impunha-se o enquadramento do servidor
FUNCIONÁRIO E CARGO. CARGO E FUNCIONÁRIO – Fala-se também que aos servidores aposentados pelo regime geral de previdência gerido pelo INSS foi imposto o regime estatutário. Ora, como dito acima, não houve enquadramento dos mesmos nos cargos criados, não havendo portanto que se falar, in casu, em mudança de regime, pois não há funcionário sem cargo (aqui, ambos os termos, funcionários e cargo, tomados na acepção técnico jurídica trazida pelo Direito Administrativo). Essa situação leva a uma outra perversa anomalia, posto que, não ocupando o aposentado cargo público não há que se falar em vacância de cargo, o que impede a aplicação da Lei Municipal que trata da matéria, pela óbvia impossibilidade de se declarar vacância de cargo sem existir, no particular, cargo a ser vacante.
Pois é… Valorizar o servidor não é uma mera condescendência do gestor. É, sobretudo, um dever legal.
Osias Lopes é ex-secretário de Administração de Itabuna.
Cleonice Monteiro é professora e doutora em Teologia e engajada na causa das mulheres || Foto Divulgação
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O Dia Internacional da Mulher é um dia para relembrar o esforço, a força e a luta de todas, tanto no passado quanto no presente. É triste pensar que ainda precisamos de um dia para nos lembrar disto e dos direitos arduamente conquistados.
Cleonice Monteiro
Desde o final do século 19, organizações femininas oriundas de movimentos operários protestavam em vários países da Europa e nos Estados Unidos. As jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e os salários medíocres introduzidos pela Revolução Industrial levaram as mulheres a greves para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, comum nas fábricas durante o período.
Foi escolhido 8 de março porque neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, e ocuparam a fábrica onde trabalhavam. Elas reivindicavam redução da carga horária diária de trabalho para 10 horas. Porém, o resultado foi a morte de 130 das grevistas queimadas vivas trancadas dentro da fábrica.
Elas tinham como objetivo chamar a atenção para a função social e para a dignidade da mulher, sendo:
a)incentivar a tomada de consciência do valor da mulher enquanto pessoa;
b)destacar o papel desempenhado pelas mulheres na sociedade;
c)romper com os preconceitos e as limitações, que historicamente, vinham sendo impostos à mulher o qual ainda existem até os tempos atuais.
Algumas outras datas são bastante significativas na história da luta das mulheres por direitos iguais.
Em 1691 as mulheres do Estado do Massachusetts conseguem o direito de voto, embora venham a perdê-lo posteriormente (1789).
Em 1788, Condorcet, filósofo e homem político francês, reclamava para as mulheres o direito à educação, à participação na vida política e ao acesso ao emprego.
Quatro anos depois, ou seja, em 1792, no Reino Unido, Mary Wollstpnecraft pioneira da ação feminista, publica uma texto tratando das dificuldades das mulheres em terem direitos; ela denomina seu texto, se não me engano, de algo como “direitos das mulheres- injustiças dos homens”.
Em 1840, nos Estados Unidos, Lucrécia Mott lança os alicerces da Equal Rights Association, reivindicava direitos iguais para mulheres e negros.
Todos somos iguais em dignidade, e o respeito à mesma surge do reconhecimento de que a diversidade não pode, sob hipótese alguma, servir de base para a discriminação, opressão.
O Dia Internacional da Mulher é um dia para relembrar o esforço, a força e a luta de todas, tanto no passado quanto no presente. É triste pensar que ainda precisamos de um dia para nos lembrar disto e dos direitos arduamente conquistados.
Não há dúvida de que a sociedade precisa refletir caminhos que não sejam drones, guerra cibernética e foguetes flamejantes e bombas sobre suas cidades e cabeças a pretexto de se querer voltar a um passado sem volta.
Luiz Conceição
“Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição…”
O pequeno trecho que abre esta reflexão foi extraído de um texto magnifico que mudou o mundo há 134 anos. Na Rerum Novarum, uma encíclica do Papa Leão XIII, cujo título significa “Das Coisas Novas” ou “Da Revolução das Coisas”, o então pontífice renova a doutrina social da Igreja Católica e fala de esperança. “Fecha o segundo período do movimento social católico e abre o último”, escreveu um teólogo.
A encíclica teve grande importância ao proclamar a Justiça Social na Europa, que enfrentava a Revolução Industrial. Além disso, sustentava a necessidade de novas bases nas relações de trabalho para que a dignidade humana no labor fosse preservada e sustentava o fundamento moral na necessária intervenção do Estado para a solução da “questão social”.
O Papa Leão XIII, sabe-se, ”possuía a arte de ouvir, e de aceitar as reivindicações de que o visitasse, “ao menos em vários casos, deixando-os amadurecer bastante antes de chegar a uma síntese, e sobretudo conseguia se fazer servir de maneira valiosa, embora descontraída e discreta, por seus secretários, que redigiam os textos pontifícios, corrigindo-os uma duas e mais vezes pacientemente até que exprimissem perfeitamente a ideia do Soberano”.
Em 1891, pequenos grupos de ricos e de opulentos impunham à multidão de proletários sua ganância e deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão. Se comparados aos tempos atuais, quando donos das big techs se unem aos chefes de plantão para alterar a convivência democrática dos povos, que tais estados antes defendiam com golpes, deposições e outros diabos, o texto com pequenas correções continuam atualíssimo.
“O homem é o lobo do homem” é uma frase popularizada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), a dizer que os seres humanos têm uma tendência natural a prejudicar uns aos outros. Mais atual que isto, somente a luz do sol que nos chega gratuitamente a cada dia depois de noites em que a paz, a harmonia e a convivência social dão lugar a todo tipo de violência que se amplia com as ditas redes digitais ou sociais que não são nem uma coisa nem outra, já que pequeno grupo de sujeitos mundo a fora ardilosamente pregam o ódio e a desarmonia em likes e cortes.
Escrevi a amigos, em tom de pilhéria, que num tempo onde a saúde mental é tema de preocupações mundiais e se populariza termo inglês “brain rot”, ou “cérebro podre”, que a Universidade de Oxford, no Reino Unido, definiu como a palavra (ou expressão) do ano de 2024, efetivamente precisamos de uma nova encíclica ou doutrina a nos encorajar a lutar contra os podres cérebros adultos que confundem ideologia com expressões de ódio, inclusive chefes de estado que imaginam mudar o construído ao longo de séculos e anos com expeditas ordens.
O verbete da Oxford da moda fala da “suposta deterioração do estado mental e intelectual de uma pessoa, especialmente pelo consumo exacerbado de conteúdo superficial no contexto da internet”. Não há dúvida de que a sociedade precisa refletir caminhos que não sejam drones, guerra cibernética e foguetes flamejantes e bombas sobre suas cidades e cabeças a pretexto de se querer voltar a um passado sem volta.
Luiz Conceição é bacharel em Direito (1994) e jornalista desde 1975 (época em que era muito feliz!).
Macarrão, beringela e pancetta substituíram o mocofato || Foto Walmir Rosário
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E de tanto planejar minhas andanças no Carnaval deste ano terminei transgredindo meus conceitos passados. Dei-me ao luxo de passear na avenida no horário vespertino, quando tomei conhecimento que existem blocos de crianças nessa parte do dia. Pelo menos fiquei longe das brigas de galeras dos trios elétricos e poupei minha cansada audição dos pornográficos “paredões”.
Walmir Rosário
Nunca escondi que gosto de comer bem e com alimentos de “sustança”, ainda mais quando o período exige, a exemplo das festas de longa duração, como o Carnaval, que requer redobrado vigor mental e físico, este, sobretudo. É um conceito que trago comigo há muito anos, diria até, a perder de vista. E tenho me dado bem com esse hábito.
E digo mais: pelos meus conhecimentos, não os científicos, mas os tornados de domínio público por várias gerações, é preciso repor as energias gastas na maratona carnavalesca. Afinal, a constante movimentação torna os músculos cansados, diria até fadigados, agravados, ainda mais com o consumo do xarope de cevada e outras beberagens destiladas.
E como aprendi na escola do mundo, nada melhor para combater essa fadiga do que as comidas mais energéticas, com músculos, colágenos, gorduras e outras propriedades científicas. Para tal, alimentos cozidos do tipo mocotó, fatada (ou os dois juntos), carnes ensopadas, uma boa e variada feijoada são altamente recomendadas para essas ocasiões.
Um amigo meu, dos pampas gaúchos, também recomenda a alimentação à base de churrasco com carnes malpassadas, aliadas a alguns vegetais, supimpas para recuperar a “moral” antes em baixa. Posso dizer com garantias escritas que aprovei, com algumas ressalvas, no que concerne aos vegetais, muitos deles fora do meu corriqueiro cardápio.
Faço questão de ressaltar que hoje não possuo a mesma disposição de antes. E que com o passar dos tempos a cabeça continua pensando com a mesma rapidez, mas em descompasso com os músculos. Não sei o motivo da desavença entre eles, só sei que hoje possuem conceitos ou vontades diferentes, distintos, o que não é do meu gosto.
Assim como a festa momesca mudou – para pior, acredito –, meu organismo também. Para enfrentar uma semana de intenso Carnaval, é preciso muito preparo conseguido com o auxílio da Educação Física, com malhações diárias e muito suor. E isso apenas para se preparar para a academia de lutas marciais e a defesa dos adversários atrás dos trios elétricos.
Assumo publicamente que não mais sou dotado do vigor de antes – não os necessários para as brigas –, o essencial para enfrentar as muitas horas nos blocos e nas “pipocas” avenida afora. Confesso que hoje dou preferência a locais reservados, nos quais posso me esbaldar com segurança, mantendo o nível de alegria de acordo com os padrões de mordomia.
E de tanto planejar minhas andanças no Carnaval deste ano terminei transgredindo meus conceitos passados. Dei-me ao luxo de passear na avenida no horário vespertino, quando tomei conhecimento que existem blocos de crianças nessa parte do dia. Pelo menos fiquei longe das brigas de galeras dos trios elétricos e poupei minha cansada audição dos pornográficos “paredões”.
Melhor mesmo foi me esbaldar regiamente sentado num bar com visão privilegiada para um palco onde cantores e músicos se revezavam lembrando as marchinhas carnavalescas de anos bastante recuados. Junto de nós foliões mais exaltados cortavam os céus travando inocentes guerras de serpentinas e confetes. A ameaça maior era esses artefatos carnavalescos caírem em nossos copos, que foram devidamente protegidos com bolachões de chopp.
A minha previdência em planejar tudo nos mínimos detalhes foi providencial. Ao que parece atingi em cheio, pensei, não fosse o esquecimento imperdoável no abastecimento da cozinha de casa. E só me dei conta disso no domingo à tarde, ao chegar em casa para o chamado almoço de sustança e recuperar as energias, já em frangalhos.
Minha decepção foi tamanha diante dos pratos colocados na mesa: adeus mocofato, nem sombra do ensopado de chupa-molho, nenhuma notícia do sarapatel. À minha frente, talharim com molho pesto bem recheado de parmesão; dadinhos de berinjela assados ao forno; e pancetta na airfryer. Imediatamente minha cabeça rodou para saber onde errei. Fui obrigado a reconhecer minha culpa.
Já mais calmo, abri uma cerveja e educadamente iniciei minha não esperada refeição. Juntei a fome com a vontade de comer e devorei dois pratos, sempre com o pensamento voltado para a mudança dos tempos. Não se faz mais Carnaval como antigamente, pensei alto, e ouvi minha mulher dizer com uma risadinha estampada. “Melhor rever seus conceitos”. Resignadamente, consenti.