Macarrão, beringela e pancetta substituíram o mocofato || Foto Walmir Rosário
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E de tanto planejar minhas andanças no Carnaval deste ano terminei transgredindo meus conceitos passados. Dei-me ao luxo de passear na avenida no horário vespertino, quando tomei conhecimento que existem blocos de crianças nessa parte do dia. Pelo menos fiquei longe das brigas de galeras dos trios elétricos e poupei minha cansada audição dos pornográficos “paredões”.
Walmir Rosário
Nunca escondi que gosto de comer bem e com alimentos de “sustança”, ainda mais quando o período exige, a exemplo das festas de longa duração, como o Carnaval, que requer redobrado vigor mental e físico, este, sobretudo. É um conceito que trago comigo há muito anos, diria até, a perder de vista. E tenho me dado bem com esse hábito.
E digo mais: pelos meus conhecimentos, não os científicos, mas os tornados de domínio público por várias gerações, é preciso repor as energias gastas na maratona carnavalesca. Afinal, a constante movimentação torna os músculos cansados, diria até fadigados, agravados, ainda mais com o consumo do xarope de cevada e outras beberagens destiladas.
E como aprendi na escola do mundo, nada melhor para combater essa fadiga do que as comidas mais energéticas, com músculos, colágenos, gorduras e outras propriedades científicas. Para tal, alimentos cozidos do tipo mocotó, fatada (ou os dois juntos), carnes ensopadas, uma boa e variada feijoada são altamente recomendadas para essas ocasiões.
Um amigo meu, dos pampas gaúchos, também recomenda a alimentação à base de churrasco com carnes malpassadas, aliadas a alguns vegetais, supimpas para recuperar a “moral” antes em baixa. Posso dizer com garantias escritas que aprovei, com algumas ressalvas, no que concerne aos vegetais, muitos deles fora do meu corriqueiro cardápio.
Faço questão de ressaltar que hoje não possuo a mesma disposição de antes. E que com o passar dos tempos a cabeça continua pensando com a mesma rapidez, mas em descompasso com os músculos. Não sei o motivo da desavença entre eles, só sei que hoje possuem conceitos ou vontades diferentes, distintos, o que não é do meu gosto.
Assim como a festa momesca mudou – para pior, acredito –, meu organismo também. Para enfrentar uma semana de intenso Carnaval, é preciso muito preparo conseguido com o auxílio da Educação Física, com malhações diárias e muito suor. E isso apenas para se preparar para a academia de lutas marciais e a defesa dos adversários atrás dos trios elétricos.
Assumo publicamente que não mais sou dotado do vigor de antes – não os necessários para as brigas –, o essencial para enfrentar as muitas horas nos blocos e nas “pipocas” avenida afora. Confesso que hoje dou preferência a locais reservados, nos quais posso me esbaldar com segurança, mantendo o nível de alegria de acordo com os padrões de mordomia.
E de tanto planejar minhas andanças no Carnaval deste ano terminei transgredindo meus conceitos passados. Dei-me ao luxo de passear na avenida no horário vespertino, quando tomei conhecimento que existem blocos de crianças nessa parte do dia. Pelo menos fiquei longe das brigas de galeras dos trios elétricos e poupei minha cansada audição dos pornográficos “paredões”.
Melhor mesmo foi me esbaldar regiamente sentado num bar com visão privilegiada para um palco onde cantores e músicos se revezavam lembrando as marchinhas carnavalescas de anos bastante recuados. Junto de nós foliões mais exaltados cortavam os céus travando inocentes guerras de serpentinas e confetes. A ameaça maior era esses artefatos carnavalescos caírem em nossos copos, que foram devidamente protegidos com bolachões de chopp.
A minha previdência em planejar tudo nos mínimos detalhes foi providencial. Ao que parece atingi em cheio, pensei, não fosse o esquecimento imperdoável no abastecimento da cozinha de casa. E só me dei conta disso no domingo à tarde, ao chegar em casa para o chamado almoço de sustança e recuperar as energias, já em frangalhos.
Minha decepção foi tamanha diante dos pratos colocados na mesa: adeus mocofato, nem sombra do ensopado de chupa-molho, nenhuma notícia do sarapatel. À minha frente, talharim com molho pesto bem recheado de parmesão; dadinhos de berinjela assados ao forno; e pancetta na airfryer. Imediatamente minha cabeça rodou para saber onde errei. Fui obrigado a reconhecer minha culpa.
Já mais calmo, abri uma cerveja e educadamente iniciei minha não esperada refeição. Juntei a fome com a vontade de comer e devorei dois pratos, sempre com o pensamento voltado para a mudança dos tempos. Não se faz mais Carnaval como antigamente, pensei alto, e ouvi minha mulher dizer com uma risadinha estampada. “Melhor rever seus conceitos”. Resignadamente, consenti.
Apresentação da BaianaSystem no Carnaval de Salvador || Foto Alfredo Filho/SecomSSA
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Enquanto isso, uma das poucas bandas que propõem renovação, a BaianaSystem, parece enfrentar dificuldades para conquistar espaço nos canais de mídia durante o Carnaval. Coincidência ou não, suas apresentações frequentemente sofrem cortes na transmissão para dar lugar a artistas mais tradicionais.
Dimas Roque
O Carnaval de Salvador, na Bahia, é reconhecido mundialmente por sua grandiosidade e riqueza cultural. Entretanto, ao olhar para o passado e o presente dessa celebração, surge uma questão inquietante: estaria o Carnaval da Bahia envelhecendo mal?
É verdade que o Carnaval de Salvador já viveu momentos inesquecíveis. Recordo-me das imagens vibrantes do Trio Caetanave desfilando pela Avenida Sete há quase cinco décadas. Nessa época, o Carnaval pulsava inovação e encantava multidões com o som das guitarras elétricas dos pioneiros Armandinho, Dodô e Osmar. Anos depois, nos idos de 1985, Luiz Caldas lançou o álbum Magia, que continha o hit Fricote. Assim nascia o movimento Axé Music, um gênero irreverente e contagiante que dominou não apenas o Carnaval, mas também as rádios e festas em todo o Brasil.
No início dos anos 1990, o Carnaval baiano se reinventava novamente. Ricardo Chaves surgia como destaque, trazendo novos ritmos e tornando-se uma sensação nacional. A banda Timbalada, com os talentosos Xexéu, Ninha e Patrícia, conquistou o público com suas inovações visuais e percussivas – os corpos pintados e as batidas hipnotizantes ecoaram mundo afora. Por sua vez, o Olodum revolucionava a música afro-brasileira, encantando artistas como Paul Simon e Michael Jackson, que gravaram ao lado do grupo em Salvador.
No entanto, ao observar os circuitos tradicionais, como Barra-Ondina e Campo Grande, percebe-se uma preocupante estagnação. Artistas renomados continuam a apresentar sucessos consagrados, mas raramente arriscam algo novo. São performances que, por mais brilhantes que tenham sido no passado, já não possuem o impacto inovador de outrora. Enquanto isso, uma das poucas bandas que propõem renovação, a BaianaSystem, parece enfrentar dificuldades para conquistar espaço nos canais de mídia durante o Carnaval. Coincidência ou não, suas apresentações frequentemente sofrem cortes na transmissão para dar lugar a artistas mais tradicionais.
Isso nos leva a uma reflexão crítica sobre o futuro do Carnaval de Salvador. É possível honrar a tradição sem abrir mão da inovação? A resposta é sim. O Carnaval precisa abraçar a diversidade de ritmos e artistas, equilibrando as estrelas consagradas com novos talentos que anseiam por espaço. Existe uma riqueza criativa nos compositores da Bahia que ainda não foi plenamente explorada.
Ao longo de sua história, o Carnaval de Salvador sempre se destacou por sua capacidade de transformação e reinvenção. Para que continue a ser relevante e encantador, é essencial que essa tradição de mudança persista. O público, seja no circuito ou nas telas, merece vivenciar a explosão de cores, sons e criatividade que fez do Carnaval da Bahia uma referência cultural mundial.
Que este espírito renovador sirva de norte para os próximos 40 anos – porque envelhecer bem é, antes de tudo, abraçar o novo sem perder o brilho do passado.
Países como o Brasil, que traz na sua gênese uma cultura de paz, precisam ser e ter voz mediadora, e também voltar-se para dentro e mergulhar um pouco mais nesse tecido divisório, buscando romper com o pseudopatriotismo e alcançar a brasilidade.
Rosivaldo Pinheiro
Num país ainda dividido, sem senso de nação, o sucesso do filme Ainda Estou Aqui acabou transparecendo, ainda mais, as nossas vias e veias abertas e, com elas, o nível da polarização existente e persistente.
O filme traz em sua composição a denúncia de um crime. Narra uma parte da nossa história, uma fase que ainda carece ser revisitada, apurada e os seus responsáveis punidos, ainda que seja com a estruturação simbólica de medidas legais aos que já partiram. Nossa saúde e nossa longevidade democrática exigem. Delas, acredito, iniciaremos a nossa construção de nação, coisa que os sucessivos golpes na ordem democrática não permitiram. Não à toa assistimos há pouco todos os desdobramentos que culminaram com o 8 de janeiro de 2023.
É fato que o mundo passa por um momento em que o viés autoritário e autocrata tem tido destaque. Estamos observando uma nova estratégia de dominar o que ainda resta de ativos econômicos capazes de garantir longevidade econômica para os países de maior poderio bélico.
Baseados nessa lógica, estamos assistindo aos últimos acontecimentos geopolíticos, a exemplo das guerras Israel X Gaza, Rússia X Ucrânia e outras com menor exposição na mídia global. A lógica dos financiadores visa apenas o benefício pleno das suas nações: querem comer o mel sem sujar diretamente as mãos.
É preciso, porém sairmos desse modelo para evitar que o pior aconteça. Assim, países como o Brasil, que traz na sua gênese uma cultura de paz, precisam ser e ter voz mediadora, e também voltar-se para dentro e mergulhar um pouco mais nesse tecido divisório, buscando romper com o pseudopatriotismo e alcançar a brasilidade.
A punição de forma exemplar aos autores, financiadores e idealizadores da última tentativa de abater as instituições democráticas, com vistas a estabelecer um novo ciclo ditatorial no país, exige uma mudança de rumo. Precisamos, ao contrário das vezes anteriores, ter punição exemplar. Evitando a ideia de que no patriotismo seja dado o direito de todo poder, seja ele de esquerda ou direita. Algo que precisa ser enfrentado e barrado.
Aí reside, acredito, o combate que vimos por parte dos defensores do golpe contra o filme. Penso que ele seja uma voz da realidade, e traga de forma inquestionável o quanto temos ainda que dar passos na direção da cidadania plena, e no passar a limpo da história. Ainda estamos aqui!
Rosivaldo Pinheiro é comunicador, economista e secretário de Educação de Itabuna.
Capa do livro que reúne poesias do escritor itabunense Firmino Rocha || Reprodução Walmir Rosário
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Ao chegar a Itabuna em início dos anos 1960, o professor Flávio Simões foi um daqueles abordados pelo poeta Firmino Rocha, enquanto passeava com sua filha pela praça Olinto Leone. Em quase todas as tardes Flávio Simões ouvia os poemas de Firmino Rocha.
Walmir Rosário
Embora nunca tenhamos marcado qualquer encontro, religiosamente nos víamos, e sempre ao cair da tarde. Posso afirmar que nossos hábitos eram bem distintos em variados aspectos. Assim que terminava o expediente, eu e o famoso operador de som da antiga Rádio Clube de Itabuna, Eliezer Ribeiro (Corpinho de Leão), nos dirigíamos ao Ita Bar para tomarmos um (uns) aperitivo(s).
Aos poucos, vislumbrávamos a figura do nosso personagem cruzar a rua que separava a praça Olinto Leone, onde morava, e embocar no beco em direção ao Ita Bar. Passava rente ao saudoso castelinho, com sua pasta de couro, daquelas que os vendedores viajantes utilizavam àquela época. No interior da pasta, nada de talões de pedidos ou prospectos de publicidades. Só poesias.
Pelo caminho o ritual diário era o mesmo: cumprimentava a todos com sorrisos, algumas frases de elogios, especialmente flores para as mulheres. Essa distinção era rotineira. As pessoas que ainda não o conheciam geralmente olhavam aquela figura com desconfiança, até serem informados e certificados que se tratava de Firmino Rocha, poeta, pessoa de bem, e, para alguns, com a cabeça nas nuvens.
A indumentária era a mesma: um terno surrado, voltado para a cor cinza, às vezes com gravata, bem frouxa no pescoço e a cabeça protegida por um chapéu de baeta. Sempre com um sorriso nos lábios. Se houvesse oportunidade, abriria a maleta e pegaria os papéis soltos ou o caderno e os mostraria, declamando uma das dezenas de poesias.
Ao chegar ao Ita, sentava-se num banco junto ao balcão ou à mesa diante dos convites. Luzia, a garçonete com anos de experiência e conhecimento dos fregueses, lhe servia uma cachacinha pura ou o famoso “leite de onça”, aperitivo da casa. Engrenava a conversa, apresentava seus novos trabalhos, desfiava versos de seus novos poemas.
Nascido em 7-6-1910, à época desses nossos encontros (1964-65 em diante), Firmino Rocha, diplomado em Ciências e Letras, pouco se preocupava com o academicismo e sim com o que lhe rodeava. E assim, rodava, ou rondava Itabuna ao cair da noite, visitando bares e lanchonetes, revendo os amigos, conversando ou declamando versos.
Quem recorda bastante de Firmino Rocha é o advogado Gabriel Nunes (ex-presidente da OAB de Itabuna), muitas das vezes dos encontros na choperia e lanchonete Model, na avenida do Cinquentenário. Para Gabriel, Firmino Rocha era um poeta que quebrou os tabus e padrões da época, com um estilo eminentemente conhecido como o modernismo baiano.
E numa das viagens aos Estados Unidos, Gabriel Nunes foi visitar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), que exibe em seu hall uma bela homenagem a mais conhecida poesia de Firmino Rocha, “Deram um Fuzil ao Menino”, concebida por protesto à Segunda Guerra Mundial. “Assim que vi a mensagem, me senti também celebrado, pois era um grapiúna como o amigo Firmino Rocha”, declara Gabriel.
Mas como o tempo é implacável, Firmino Rocha morre aos 61 anos (1º de julho de 1971), deixando parte de sua obra publicada em jornais de Ilhéus e Itabuna e singelos livros que editou. Mas quis o tempo preparar a reabilitação do poeta itabunense em 2008, por ação do professor Flávio Simões Costa, quando diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC).
Ao chegar a Itabuna em início dos anos 1960, o professor Flávio Simões foi um daqueles abordados pelo poeta Firmino Rocha, enquanto passeava com sua filha pela praça Olinto Leone. Em quase todas as tardes Flávio Simões ouvia os poemas de Firmino Rocha. Na FICC chegou a oportunidade de homenagear o poeta itabunense, editando o livro Firmino Rocha – Poemas escolhidos e inéditos, editado pela Via Litterarum.
O meu exemplar, autografado por Flávio Simões, é guardado como uma relíquia em local de destaque na minha biblioteca.
mineiros prestam informações em vídeo sobre o Rio Pardo || Foto Walmir Rosário
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Aqui pra bandas da Bahia o povo ribeirinho do Rio Pardo ainda não abriu os olhos ou, melhor dizendo, não conseguiu convencer os governantes sobre o assoreamento do leito do rio, o fim da navegação, o sumiço dos peixes..
Walmir Rosário
A crescente preocupação com o meio ambiente vem aproximando os povos que tenham algo em comum. O que lhes unem não é o sangue, mas o que dispõem como a cultura ou meios de sobrevivência. De repente, o morador de Rio Pardo de Minas descobre que tem algo em comum com os canavieirenses, apesar dos quase 600 quilômetros de distância.
E têm: aí os moradores da nascente do rio Pardo, na Serra das Almas, em Rio Pardo de Minas (MG) e deságua em Canavieiras, após percorrer 565 quilômetros e encontrar o Oceano Atlântico. São 220 km em território mineiro e outros 345 em terras baianas. Se chove muito lá no norte de Minas essa água terá que desaguar na ilha da Atalaia, em Canavieiras.
E nesse caminho percorrido, às vezes muitos estragos são causados. Derruba casas, árvores, carrega animais, dá fim a lavouras. Certo que o mineiro não tem culpa, mesmo assim toma todas as providências para que retome a altivez de antes, quando o Pardo tinha água em abundância: pra dar e vender, como dizem. E os resultados positivos saltam aos olhos de qualquer vivente.
Aqui pra bandas da Bahia o povo ribeirinho do Rio Pardo ainda não abriu os olhos ou, melhor dizendo, não conseguiu convencer os governantes sobre o assoreamento do leito do rio, o fim da navegação, o sumiço dos peixes. Mesmo assim, o Pardo ainda é o maior habitat do robalo, pescado por caravanas do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás e até São Paulo. Levam toneladas.
A Lyra do Commercio se apresenta ao público em Canavieiras || Foto Walmir Rosário
E o Rio Pardo sempre teve uma responsabilidade muito grande com seus ribeirinhos, essencialmente no Sul da Bahia, onde banha imensos cacauais. Aliás, às margens do Rio Pardo foram plantados os primeiros cacaueiros por Antônio Dias Ribeiro, com as sementes trazidas do Pará por Luiz Frederico Warneau, isso em 1746.
Que o cacau foi e ainda é uma potência econômica da Bahia (e hoje do Brasil), todos sabem, mas poucos conhecem a importância do Rio Pardo na cacauicultura, fornecendo água e fertilizando com suas enchentes. Muitos ainda sabem esse cacau era transportado por canoas até os armazéns de Canavieiras, lembra que somente a canoa Baleia tinha capacidade de levar 200 sacas de 60 quilos (12 toneladas), além da tripulação.
Se a população de Rio Pardo de Minas se preocupa com o Rio Pardo, muitos sul-baianos têm se manifestado ao longo de anos. Nessa conta cabem o Grupo Apaixonados por Canavieiras, Tyrone Perrucho, Miguel Fróes, dentre outros. Uma dessas ações foi a Circunavegação Tyrone Perrucho, percorrendo o Rio Pardo, dando a volta às sete ilhas canavieirenses.
E foi a tenacidade de Miguel Fróes em realizar viagens em trechos do Rio Pardo, feitos em canoas e caiaques, explorando aspectos geográficos e culturais que “desaguou” nesse encontro dos povos do Rio Pardo. Na primeira tentativa, em que os canavieirenses iriam a Rio Pardo de Minas a pandemia não permitiu; feito conseguido agora com os mineiros explorando as margens do Rio Pardo por quase 600 quilômetros, montados em bicicletas.
E como o canavieirense é um grande anfitrião, Miguel Fróes moveu céus e terra para recebê-los em festa, com direito a encontro cultural e musical no Porto Grande (ou velho), justamente às margens do Rio Pardo. E os mineiros mostraram sua música de viola com Waldir Perninha; a cidade e a proteção ambiental com Felicíssimo Tiago e o Tenente Kennedy.
E Canavieiras apresentou sua fanfarra do Colégio Luiz Estadual Eduardo Magalhães (Fanec), a Lyra do Commercio, o Grupo de Percussão Ouro Negro e a Banda Mulheres do Samba. Foi uma sexta-feira (21-02) digna das festas realizadas no Porto Grande (centro histórico de Canavieiras). Neste sábado, a comitiva visitou a chegada das águas do Rio Pardo no Delta de Canavieiras e seu encontro com o Oceano Atlântico.
Em Canavieiras o Rio Pardo tomou gosto pela terra e se espalhou como quis, e continuou seu percurso em forma de V, criando dois leitos, nos quais se acomodou garbosamente. No da direita continuou sendo chamado de Pardo pelos ribeirinhos; no caminho tomado pela esquerda foi batizado como Cipó. Não contente, ao chegar perto da cidade tomou o nome de Patipe.
Ao vislumbrarem a Ilha da Atalaia, voltara a tomar forma única e, unidos num delta, o Pardo emboca na boca da barra para se juntar às águas do Oceano Atlântico. E Miguel Fróes não descansa e promete uma nova Circunavegação Tyrone Perrucho, agora ostentando o número 2, com a presença dos mineiros do Rio Pardo de Minas.
As opiniões de alguns profissionais do Direito terão uma dose apurada de apelo político, natural num país que naturalizou os arroubos, os palavrões e a falta de liturgia do cargo mais importante da nação.
José Cássio Varjão
Ao longo dos últimos 80 anos, diversos acontecimentos globais colocaram algumas profissões no centro das atenções do mundo contemporâneo. Na corrida armamentista/tecnológica entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, denominada Guerra Fria, entrou em evidência a atividade científica, com destaque para a chegada do homem à lua, pelo lado dos americanos, e por colocarem o primeiro humano fora da órbita terrestre, ficou a cargo dos soviéticos. Também após o fim da Segunda Grande Guerra, a expansão e a reconstrução econômica, principalmente dos países europeus, os aliados ocidentais, destacaram-se os economistas com a chamada Era de Ouro do Capitalismo ou Boom econômico pós-guerra, criando o Plano Marshall.
Já no século XXI, com a continuação da exploração tecnológica, evidenciando o desenvolvimento de softwares, a indústria de TI, banco e análise de dados, tiveram ênfase as profissões como ciência de dados, engenharia de software e da computação, desenvolvedor mobile, tecnologia da informação, programador web, robótica, marketing digital etc.
Nessa época em que entramos, no segundo quarto do século XXI, além da continuação e do crescimento acelerado das áreas tecnológicas, destaca-se a importância e o conhecimento do profissional de relações internacionais, analisando e discutindo os reflexos do cenário geopolítico mundial, num momento em que o poderio do imperialismo americano se enfraquece – e um mundo multipolar surge, dividindo o centro do poder entre os países que compõe os BRICS, com características de maior integração entre países e organizações internacionais.
No Brasil, desde a época do pós-guerra, entre explosões inflacionárias e crescimento industrial, os economistas também tiveram grande relevância, destacando-se Celso Furtado, Ignácio Rangel, Edmar Bacha e Carlos Langoni. Posteriormente, dentro os diversos planos econômicos criados para controlar os processos inflacionários que teimaram em minar durante toda a segunda metade do século XX, a nossa frágil economia, sobressaíram-se Delfim Netto, André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha e outros. Pelos acontecimentos recentes, nos próximos meses, frequentarão os telejornais e sites de notícias, com grande visibilidade, os profissionais da advocacia.
Os profissionais do Direito, entre adesões e censuras, discorrerão sobre a denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra Jair Messias Bolsonaro e et caterva. Será um evento de enorme repercussão e incontáveis narrativas. Em estágio inicial dos embates, ainda na fase de entrevistas e exposições em redes sociais, alguns juristas, consideraram “a denúncia muito forte, consistente e muito bem fundamentada, obrigando os advogados de defesa a trabalharem muito na tentativa de estabelecer o contraditório, objetivado defender seus clientes, sobretudo os mais graúdos e relevantes”.
Por outro lado, outros profissionais trilham caminhos inversos, como demover a credibilidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Nesse contexto, poderíamos evocar o conceito de paradigma de Thomas Kuhn e a imagem ambígua do pato-coelho, como forma de descrever duas formas diferentes de se ver a mesma realidade.
Mergulhados nos últimos anos por discussões sobre liberdade de expressão e manifestação de pensamento, a nossa sociedade se equilibra entre os limites do estado democrático de direito, esses determinados pelas “quatro linhas” da Constituição, e a negligência da má-interpretação, dolosa ou não, do que são, constitucionalmente, direitos e garantias individuais.
Na filosofia aristotélica, o silogismo é uma forma de raciocínio lógico, que consiste em deduzir uma conclusão a partir de duas premissas, melhor dizendo, uma premissa maior ou uma afirmação geral; uma premissa menor ou uma afirmação específica relacionada à maior, e a conclusão, a inferência lógica que segue das duas primeiras. Em resumo, o silogismo na filosofia aristotélica é uma ferramenta essencial para o raciocínio dedutivo, permitindo a derivação de conclusões válidas a partir de premissas estabelecidas. Como analogia ao equilíbrio do estado democrático de direito, uma linha limítrofe entre dois polos, o silogismo aristotélico se divide em duas partes: o científico, que se baseia em argumentos técnicos e específicos, contendo o valor da verdade, tanto nas premissas, quanto nas conclusões, e o dialético, baseado em juízos hipotéticos e incertos, usados na retórica e na persuasão, referindo-se exclusivamente às opiniões.
A advocacia é uma profissão técnica que defende interesses de pessoas e empresas em questões legais, baseando-se nas leis, decisões judiciais e teorias jurídicas. Nesse caso específico, que julga a orquestração de um golpe contra as instituições da República, a tentativa de eliminação de adversários políticos e de magistrado da alta corte do país, as opiniões de alguns profissionais do Direito terão uma dose apurada de apelo político, natural num país que naturalizou os arroubos, os palavrões e a falta de liturgia do cargo mais importante da nação.
José Cássio Varjão é cientista político com MBA em Cooperação Internacional e Políticas Públicas e pós-graduado em Administração Municipal e Desenvolvimento Local; Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes; e Gestão de Negócios Inovadores.
Orlando Cardoso está no ar há 64 anos, ininterruptos
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Os locais destinados aos visitantes eram em espaços exíguos e junto às torcidas adversárias, intimidando-os o jogo inteiro. Algumas vezes foi obrigado a transmitir os jogos em cima do teto da Kombi da Rádio Difusora.
Walmir Rosário
Sem sombras de dúvida, o radialista Orlando Cardoso é um ícone da comunicação radiofônica de Itabuna. Não apenas pelos 64 anos ininterruptos à frente do microfone, mas pelo conceito adquirido junto aos ouvintes da região cacaueira. É preciso competência, carisma e credibilidade junto ao público – cativo – por longos anos.
E uma das marcas de Orlando Cardoso é ter responsabilidade em tudo que leva ao ouvinte, com o apoio de boa música e os comentários dos fatos no dia a dia de seus programas. E não é pra menos, pois a credibilidade do comunicador garante uma audiência cativa, com reflexos positivos na área comercial, com anúncios nos programas.
E a simplicidade de Orlando Cardoso não permite que ele fale sobre a publicidade no seu programa diário (matinal) Panorama 640 (meia quatro zero), sem espaços vazios na grade de comerciais. E cheios de orgulho, alguns colegas e amigos dizem que é o único programa a recusar novas publicidades, por um fator inédito: não existe espaço disponível.
Com toda a tranquilidade Orlando revela que o rádio lhe deu muita experiência de vida, a chance de conhecer parte do país, o que jamais teria em outras profissões. E não economiza elogios ao dizer que o rádio sempre foi tudo pra ele, depois de Deus e a família. E em seguida emenda que nunca foi metido a besta, o que lhe ajudou também na política.
Orlando Cardoso trabalhou nas três emissoras AMs de Itabuna – Difusora, Clube e Jornal – sempre disputando o primeiro lugar em audiência, com a mesma tranquilidade, focando sempre na sua comunicação. Numa conversa nossa há algum tempo ele disse que tem muita gente boa de audiência no rádio, mas que não conseguiu se eleger na política por não ser popular, simpático, e que a política não perdoa.
Mas os ouvintes não têm a menor ideia da trabalheira que é ser líder de audiência. E pra começo de conversa, exige um projeto que caia no gosto do ouvinte, acompanhado de músicas e boas informações. No esporte não é diferente e ele mesmo já passou muitos dissabores em estádios onde transmitia jogos da Seleção de Itabuna, a Hexacampeã Baiana de Amadores.
Em muitos desses jogos, os radialistas eram também tratados como adversários e tinham que ter muito jogo de cintura para realizar uma transmissão de qualidade. Os locais destinados aos visitantes eram em espaços exíguos e junto às torcidas adversárias, intimidando-os o jogo inteiro. Algumas vezes foi obrigado a transmitir os jogos em cima do teto da Kombi da Rádio Difusora.
E Orlando Cardoso não nega que era um apaixonado pela Seleção de Itabuna, e os torcedores apaixonados por ele. Nas transmissões sua vibração era transmitida pelo rádio e a torcida acompanhava, a exemplo do gol do Hexacampeonato, em Alagoinhas, quando ele narrou com toda a força dos pulmões o bordão: “É gol Itabunense, torcida grapiúna!”.
E nessa hora balançaram tanto a Kombi que ele não pode ver quem teria marcado o gol, muito menos ouvir o repórter Ramiro Aquino dar os detalhes do gol de cabeça do centroavante Pinga. “Acabou o jogo, entramos na Kombi e voltamos para Itabuna, e somente aí é que fui informado que o gol teria sido de Pinga, mas pouco importava, pois já éramos Hexacampeões”, ainda comemora Orlando.
A primeira participação de Orlando Cardoso no microfone foi na Rádio Clube de Itabuna, indicado pelo radialista e publicitário Cristóvão Colombo Crispim de Carvalho, por volta de 1960, quando narrou um jogo imaginário. Em seguida narrou outro jogo, este de verdade, no Campo da Desportiva, mas não continuou. Em seguida narra outro jogo imaginário na Rádio Difusora, a pedido de Romilton Teles, e é chamado para um teste na emissora, a qual trabalha.
E prestes a chegar aos 83 anos continua firme e forte na condução do Programa Panorama 640 (meia quatro zero) para a alegria de milhares de ouvintes. Vida longa na existência física e radiofônica, Orlando Cardoso!
Os ex-governadores e ex-ministros Waldir Pires e Antônio Carlos Magalhães
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O que Waldir ainda não sabia é que Sarney fazia parte do jogo. Antes da conversa com Waldir, Roberto Marinho e ACM já tinham se reunido com Sarney, exposto o plano e este não se opôs. A Globo tinha autonomia no governo para fazer o que quisesse.
José Cássio Varjão
Após as eleições de 1962, ainda se recuperando da derrota para Lomanto Júnior, Waldir voltou a Brasília para concluir seu mandato de deputado federal. Perder a eleição por meros 33.623 votos, sabendo que a Igreja Católica foi preponderante para sua derrota, era seu calvário, teria que aceitar, era fato consumado. Numa circunstância eleitoral, até então, inédita, mesmo com a derrota, os dois senadores eleitos para aquela legislatura, Antônio Balbino e Josaphat Marinho, eram da chapa de Waldir Pires.
Os primeiros anos da convivência entre Waldir Pires e Antônio Carlos Magalhães, dois deputados estaduais de primeiro mandato, eram cordiais, principalmente, porque ambos apoiavam o governador Antônio Balbino. ACM sabia da ligação próxima entre Waldir e o governador. O Diário da Assembleia, de 19 de junho de 1955, relata debate acalorado, ocorrido na tribuna da Casa, entre os deputados Adelmário Pinheiro e Josaphat Marinho, ambos da oposição, contra Waldir Pires, sobre a sua presença no governo de Régis Pacheco.
Aspas para Waldir: “Deixei a secretaria em fins de 1953, por imperativos de fidelidade pessoal e política ao hoje governador Antônio Balbino. E deixei as melhores relações pessoais com S. Excia., senhor governador Régis Pacheco. Deixei a secretaria pobre, como hoje o sou. Não tenho coisa nenhuma, absolutamente coisa nenhuma, e vivo exclusivamente dos meus subsídios. Não tenho títulos, nem imóveis ou bens pessoais”. Num aparte, o deputado Antônio Carlos Magalhães, emendou: “mas tem um grande patrimônio moral”. Os dois conviviam civilizadamente.
Em outro momento, conforme discurso publicado no Diário Oficial da ALBA, dia 21 de fevereiro de 1957, ACM fez importante intervenção em defesa do veto do governador a um aumento dos subsídios para os deputados. Foi um pronunciamento firme e contundente contra um acréscimo de 12 mil cruzeiros nos vencimentos dos parlamentares: “um escândalo contra a maioria dos assalariados baianos”, bradou ACM.
Enquanto a maioria dos deputados fazia apartes defendendo a majoração dos seus vencimentos, Waldir interveio afirmando que “a verba pretendida pelos seus pares, era inconveniente na essência, na substância”. Antônio Carlos agradeceu de imediato a manifestação de Waldir: “Eminente líder, agradeço o aparte de V. Excia., – e quando digo eminente líder, digo-o conscientemente por que em qualquer posição que V. Excia. se encontre, nesse plenário, V. Excia. é um líder da moralidade, um líder da boa causa! Consequentemente, tenho somente que agradecer o aparte de V. Excia. que vem em auxílio aos meus argumentos, e isso fulmina a todos quantos queiram sofismar a respeito de um assunto tão importante”.
Foram várias as oportunidades que os apartes, vindos de lado a lado, aconteceram com deferência mútua, sem os entraves da formação política, sobretudo por estarem em posições diametralmente opostas. Para aquele momento, exclusivamente o que os unia era a defesa do governo de Antônio Balbino. Waldir, por sua formação no PSD e rigorosa coerência democrática, não se encontrará na sua trajetória política quaisquer ligações com o campo da direita. Já Antônio Carlos, oriundo da UDN, foi peça chave para sustentação da ditadura militar no estado da Bahia, sendo nomeado pelos militares prefeito biônico em 1967 e, governador em duas oportunidades, em 1970 e 1978, pelos militares.
Em 1963, Waldir Pires é nomeado por João Goulart, presidente da República, e João Mangabeira, ministro da Justiça, para o cargo de consultor-geral da República, que hoje equivale a Advogado-Geral da União. Nessa época, ACM era deputado federal. Com o golpe militar de 1964 e a deposição do presidente João Goulart, Waldir Pires deixa o Palácio do Planalto, direto para o exílio no Uruguai. Waldir e Darcy Ribeiro foram os últimos a deixar o Palácio do Planalto, no momento em que Auro de Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente da República, convocando o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, para assumir o cargo.
A reação de revolta de Tancredo Neves entrou para a história da política brasileira, com a célebre frase “Canalha! Canalha! Canalha”. Após quase dois anos no Uruguai, sem possibilidades de se manter financeiramente, Waldir desembarca no aeroporto de Orly, era o dia 18 de dezembro de 1965. A escolha por Paris se dava pelo conhecimento da língua e pela presença dos amigos Max da Costa, Raul Riff, Celso Furtado e Josué de Castro.
Lecionou, com destaque, na Universidade de Dijon, na área de Direito Constitucional Comparado. Sua aula inaugural sobre “Grandes Problemas Contemporâneos”, que revelava o clima político, econômico e social vivido pela América Latina, com a implantação de ditaduras, contou com a presença de quase 200 alunos e diversos professores, todos curiosos em conhecer aquele professor estrangeiro. Waldir tinha provocado grande entusiasmo nos presentes, pelo seu conhecimento de Direito Constitucional. Ao final, com o auditório em suas mãos e todos impressionados com sua oratória, ele se sentiu como “o conquistador do mundo”. Por um período, o sustento da sua família estava garantido.
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“Paris, nunca mais te esquecerei, mas a minha luta é no meu país”.
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Apesar de estabelecido na França, no final de 1969, Waldir decidiu, junto com Yolanda, que após concluir seus trabalhos em Dijon, voltariam ao Brasil. Não queria que os filhos fossem criados longe da sua pátria. “Paris, nunca mais te esquecerei, mas a minha luta é no meu país”. No início de 1970, decidiram voltar, mas para o Rio de Janeiro. Era impossível viver numa Bahia sob a dominação de Antônio Carlos Magalhães, com a tutela do AI-5. Após 12 dias de viagem, Waldir viu uma lancha da Polícia Federal se aproximando no navio, que parou a uns 500m do porto. Um sujeito de terno e gravata o interpelou, para que o acompanhasse. Chegaram à PF antes das 10h da manhã e o interrogatório durou todo o dia. Por que o senhor está voltando para o Brasil? O que o senhor pretende fazer aqui? O senhor volta para a subversão? Qual a organização subversiva o senhor pertence? Vai viver com qual renda? E a luta armada? Mesmo após todas as explicações, de que voltava para o Brasil para criar os filhos no país deles, a PF o liberou, dizendo que sabiam onde ele iria morar e que não poderia sair do Rio de Janeiro sem permissão policial.
Com a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, Waldir mais uma vez arruma as malas. Era chegada a hora de voltar para a sua amada Bahia, enfrentar quem quer que seja, reestruturar o PMDB e cumprir o que o povo baiano delegasse. Sua chegada a Salvador, em 12 de janeiro de 1979, foi apoteótica, com mais de 200 pessoas o aguardando no Aeroporto Dois de Julho. Eram dirigentes partidários, deputados, amigos e parentes.
Aquele não foi um acontecimento qualquer. Antônio Carlos não podia ignorar esse evento, tinha que demonstrar receptividade. Então, pediu a Clériston Andrade, que era o presidente do Baneb e ex-colega de Waldir na Faculdade de Direito, que, por sua vez, procurou Gerbaldo Avena, cunhado de Waldir, para sondar sobre o encontro entre os dois. A proposta era Waldir ir ao encontro de ACM. A resposta foi positiva, porém, com ACM indo ao encontro de Waldir. “Pode mandar dizer a Antônio Carlos que o recebo na minha casa. Ele sabe que sou um sujeito educado”, disse Waldir.
O encontro se deu na casa de Gerbaldo, irmão de Yolanda. Foi breve, ameno, com gentilezas e amabilidades entre os dois casais. ACM estava acompanhado de D. Arlete e, ao se despedirem, Waldir foi incisivo, dizendo que agradecia a visita, mas não poderia fazer o mesmo, pois ACM era um representante daqueles que oprimiam o Brasil e a Bahia, que exercia a ditadura no Estado, de modo que não poderia retribuir a visita. Com essa atitude, Waldir marca terreno na política do estado da Bahia, cortando os laços com quem governava com um chicote numa mão e uma mala de dinheiro na outra. Tinha retornado para resgatar o PMDB, que ainda era adesista, e dessa missão ele não abriria mão.
Em 1985, entre as atividades do ministério e a campanha para o governo do estado, a saúde de Waldir sentiu o esforço. No dia 27 de julho, após o encerramento da convenção do PMDB, um comício seria realizado na Praça da Sé, centro de Salvador. Com a aglomeração de pessoas nas ruas, o carro não pôde chegar ao local do evento, ficando estacionado da Rua da Ajuda. Waldir seguiu a pé com outros correligionários, quando se sentiu mal na Rua do Tira Chapéu, ao lado da Câmara de Vereadores. Tinha asma, que foi sendo agravada pelas andanças pelo interior do estado. Os adversários, cientes da sua enfermidade, faziam poeira aonde ele chegava para os comícios. Após esse incidente, Waldir foi para o Rio de Janeiro para a realização de exames mais apurados, tinha vivido na cidade por 9 anos. Preferiu fazer os exames no Hospital dos Servidores do Estado, se recusando a usar instituições privadas. Nessa internação, só foi permitida a presença de familiares ou de médicos. ACM, com seu diploma de médico, esteve no hospital para visitá-lo, talvez como um sinal de aproximação. Porém, foi enfaticamente barrado pela filha Ana Cristina, que não admitiu a presença dele.
Em 1986, durante um ato em alusão aos 100 dias do seu governo, Waldir e Yolanda Pires recebem a notícia do suicídio de Ana Lúcia Magalhães, de 28 anos, filha de Antônio Carlos. Mesmo sendo membro da família do seu principal adversário, o ato foi suspenso em respeito à dor da família Peixoto de Magalhães. Waldir e Yolanda passaram pela mesma tragédia, na morte de Waldemir Pires, filho do casal.
Enquanto Waldir estava no exílio, ACM já tinha sido nomeado prefeito de Salvador, governador do estado e seria empossado novamente como governador, em 15 de março daquele ano, 1979 – na mesma época que solicitou aquela visita, via Clériston Andrade. Com o término do seu primeiro mandato como governador, em 15 de março de 1975, Roberto Santos foi indicado para o cargo, escolha que contrariava ACM, que desejava a indicação de Clériston Andrade. Mário Kertész, ex-prefeito de Salvador, num documentário realizado pela Rádio Metrópole, de sua propriedade, disse que “após deixar o Palácio de Ondina, Antônio Carlos passava o dia de pijama, caminhando de um lado para o outro na varanda da sua casa, na Graça. Andava meio depressivo”. Concluiu. ACM entrava no ostracismo.
Em novembro de 1975, o ministro das Minas e Energia do governo de Ernesto Geisel, Shigeaki Ueki, resolveu demitir o presidente da Eletrobrás, Mário Bhering. Ueki e Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, convenceram o Alemão, como era chamado Geisel, a nomear ACM para o cargo. Ligaram para ACM e adiantaram que ele seria nomeado para a Eletrobrás: “o presidente vai lhe chamar”. Antônio Carlos, que não sabia bulhufas sobre a função que deveria assumir, voou para o Rio de Janeiro, se trancou num quarto, por um fim de semana, para aprender o que fosse possível, com o intuito de impressionar o presidente. Fingindo não saber de nada, Geisel lhe fez o convite, e ACM verteu conhecimento sobre o desafio que iria assumir. ACM foi salvo pelo gongo, por Ueki e por Golbery. Esse momento da vida de ACM, foi preponderante para seu futuro político, pois, ao ser alçado a um cargo no governo federal, com dimensão nacional, ele passa a ter maior relevância dentro do grupo, que já foi comandado por Juracy Magalhães.
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Com a interferência do amigo Roberto Marinho, dono da Rede Globo, ACM foi indicado para o Ministério das Comunicações. A amizade dos dois foi construída no período em que esteve na Eletrobrás.
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Entusiasta da candidatura de Mário Andreazza para suceder a João Figueiredo, ACM fez forte oposição à Paulo Maluf na convenção nacional do PDS, em 1984. Maluf venceu Andreazza por 493 a 350 votos. Antônio Carlos mudou de lado e compôs a Aliança Democrática que elegeu, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves. Com a interferência do amigo Roberto Marinho, dono da Rede Globo, ACM foi indicado para o Ministério das Comunicações. A amizade dos dois foi construída no período em que esteve na Eletrobrás. A influência de Marinho para a formação do governo era tão grande que Tancredo dizia: “eu brigo com o ministro de Exército, mas não com Roberto Marinho”. Quando o nome de ACM foi ventilado para compor o ministério, Tancredo disse a ACM, com o intuito de agradar ao dono da Globo: “o senhor se incomoda de Roberto Marinho lhe fizer o convite para ser ministro”? ACM respondeu: “não, não me incomodo, ele é meu amigo”. O detalhe dessa negociação de cargo é que Roberto Marinho não aceitou que ele fizesse a indicação, afirmando que “se o convite fosse dele, estaria enfraquecendo Antônio Carlos, que deveria ser visto como um ministro do presidente, e não da Globo”. Antônio Carlos Magalhães foi o único ministro a ficar na pasta por todo o governo Sarney.
O ápice da disputa política entre Waldir e ACM aconteceu quando a transmissão da Rede Globo, na Bahia, que era feita pela TV Aratu, desde 1969, tinha na família de Luiz Vianna uma das suas proprietárias. Já a TV Bahia, fundada em 10 de março de 1985, era afiliada à Rede Manchete e tinha como seus donos ACM Júnior e César Mata Pires, genro de ACM. No final de 1986, a Rede Globo oficializa à TV Aratu a não renovação do contrato de transmissão.
Waldir Pires estava atormentado com essa situação desde o final de 1986, ou seja, o fato foi consumado antes dele tomar posse como governador. Definitivamente, ACM se municiou de todas as condições favoráveis pela condição de Ministro das Comunicações para golpear a família Vianna e dominar a comunicação do estado, visto que já era o dono do jornal Correio da Bahia, fundado em 1978. Waldir procurou o presidente Sarney, ainda em novembro de 1986, informando sobre os impactos que aquela decisão teria para o PMDB e para seu governo. Como seria possível aparelhar o seu adversário, derrotado de forma humilhante, semanas antes, premiando-o com poder fogo suficiente para criar sérios problemas ao seu governo? O que Waldir ainda não sabia é que Sarney fazia parte do jogo. Antes da conversa com Waldir, Roberto Marinho e ACM já tinham se reunido com Sarney, exposto o plano e este não se opôs. A Globo tinha autonomia no governo para fazer o que quisesse. Coincidência ou não, a TV Mirante, do Maranhão, foi fundada em 1987, por Fernando Sarney, filho de José Sarney, como transmissora dos canais SBT e, em 1991, passa a ser a transmissora da Rede Globo.
Em 1987, a bancada federal do PMDB baiano, denunciou a Sarney o escândalo das concessões de estações de rádio FM praticadas por ACM, em benefício de pessoas ligadas a ele. À época, o ministro admitiu que pudesse ter beneficiado algumas pessoas, corroborando que tais concessões eram feitas de acordo com interesses do governo. De acordo com o Ministério das Comunicações e do Diário Oficial da União, entre 1985 e 1988, durante todo o governo Sarney, foram outorgadas 632 emissoras de rádio FM, 314 de rádio OM e, 82 concessões de TVs, totalizando 1.028 concessões e permissões.
O Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM) ilustrou como se estruturou o chamado, “coronelismo eletrônico”, baseado no domínio de emissoras de televisão. O jornalista Sérgio Murillo, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) avaliou, que “ACM ajudou a formar a imagem do ministério como um cartório de grupos de rádio e TV do país. Ele era o agente político desses grupos que controlam a mídia no Brasil. E foi um dos mais competentes neste sentido, nessa tradição de misturar os interesses públicos com interesses privados”.
Na caminhada para 1986, em determinado momento, ainda na fase das articulações, ventilou-se a possibilidade de composição com o PDS, incluindo ACM, nos moldes do que Tancredo Neves construiu em 1985. Era um novo momento do país, era a Nova República, a ditadura derrotada, existiam novas possibilidades e desafios. Era a hora da abrangência, não da exclusão. ACM também não descartou essa aliança, não tinha interesse em disputar o governo da Bahia, mas queria uma vaga no Senado. Nessa discussão, os dois lados sabiam que existia um risco calculado, pois os anos passados deixavam as pontes bastante avariadas e atravessá-las seria um alto risco. Waldir experimentou o exílio, as dificuldades para sobreviver, sentira a violência da ditadura, consigo e com vários companheiros de caminhada. Antônio Carlos fez o caminho oposto, participou de tudo no golpe de 1964, era um dos homens fortes do regime militar, governou em três oportunidades indicado pelos militares. ACM só foi consagrado pelo escrutínio popular nas eleições de 1990, na sucessão de Nilo Coelho. “Os homens fazem a sua história. Porém, não a fazem como querem, sob circunstâncias de sua escolha, e, sim, sob aqueles com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas do passado”. Karl Marx. As circunstâncias históricas e o legado do passado não permitiram que selassem a aliança.
Como prometido durante a publicação da primeira parte sobre a vida e as controvérsias da carreira política de Waldir Pires, essa segunda parte tratou da convivência entre WP e ACM. Como essa narrativa se estendeu um pouco mais do que imaginei, será necessário descrever, em outro texto, sobre o poder de ACM em interferir, via governo federal, para dificultar as ações do governo Waldir Pires e, consequentemente, sua renúncia para concorrer, junto com Ulisses Guimarães, nas eleições presidenciais de 1989.
José Cássio Varjão é cientista político com MBA em Cooperação Internacional e Políticas Públicas e pós-graduado em Administração Municipal e Desenvolvimento Local; Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes; e Gestão de Negócios Inovadores.
Em Itabuna, Tasso Castro lança livro sobre a Copa Rio de 1952
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Tasso Castro deixa clara a mudança no Fluminense, que do pejorativo timinho de 1951 se transformou no campeão Carioca do mesmo ano e continuou com seu poderio em campo, se sagrando campeão Mundial de Clubes, no ano seguinte.
Walmir Rosário
Um livro para ficar na história dos torcedores do Fluminense carioca, ou das Laranjeiras, como queiram, estará à disposição dos tricolores de todo o Brasil, contando a história da 2ª Copa Rio, conquistada pelo Fluminense, em 1952, data do seu cinquentenário. E a obra do escritor Tasso Castro – 1952, A maior conquista do futebol tricolor – será lançada nesta segunda-feira (10 de fevereiro), às 18h30min, no Shopping Jequitibá, em Itabuna.
De pronto, vale avisar aos tricolores mais moços, que a Copa Rio foi o primeiro Campeonato Mundial de Clubes, realizado pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), a CBF da época, com licença da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Os jogos eram realizados no Rio de Janeiro e São Paulo, por equipes da Europa e da América Latina, duas delas brasileiras.
E o texto cirúrgico e preciso é o resultado de pesquisa realizada por Tasso Castro, que conta em detalhes o futebol da época, ressaltando o grande feito do Fluminense, desde a participação do Campeonato Carioca de 1951, considerado um timinho pela mídia. Além de faturar o Carioca de 51, os dirigentes ainda convenceram a CBD e a Fifa a realizarem a Copa Rio um ano antes, já que seria realizada de dois em dois anos, portanto, em 1953.
No livro, o Autor também mostra que o Fluminense foi o primeiro time brasileiro a vingar a nossa derrota de 1950 para a Seleção do Uruguai, que ficou conhecida como o “Maracanazo”. Isto porque o Fluminense jogou contra o Peñarol e aplicou um “chocolate” de 3X0, e nem tomou conhecimento dos carrascos Ghiggia, Schiaffino, dentre outros. Obdúlio Varela não jogou por estar contundido.
A cada jogo o Fluminense de Castilho, Píndaro, Pinheiro, Jair, Édson, Bigode, Lino, Telé, Orlando, Vilalobos, Marinho, Didi, Robson, Quincas, Carlyle, Simões e cia., foi derrotando seus adversários, apesar dos susto inicial no 0X0 contra o Sporting português. Aos poucos se firmou e não tomou conhecimento do Grasshopper (suíço); Peñarol (uruguaio); Áustria Wien; e o Corinthians (dois jogos nas finais). O 1º venceu por 2X0, e empatou o segundo em 2X2.
Os leitores não perdem por esperar, pois além das informações gerais sobre cada uma das partidas, ainda poderão conferir as análises realizadas pelos jornalistas das maiores publicações esportivas. Nelas, cada atleta é estudado em cada partida, e nem mesmo Didi, que viria a ser conhecido como o “Senhor Futebol” escapou das críticas, apesar de considerado o craque da competição.
No texto, Tasso Castro deixa clara a mudança no Fluminense, que do pejorativo timinho de 1951 se transformou no campeão Carioca do mesmo ano e continuou com seu poderio em campo, se sagrando campeão Mundial de Clubes, no ano seguinte. “Com certeza, vencer a Copa Rio de forma invicta demonstra um Fluminense Espetacular”, ressalta o Autor.
O livro 1952 – A maior conquista do futebol tricolor, é formatado em 5 capítulos: I – Copa Rio, 1951, II – Campeonato Carioca 1951, III – Copa Rio 1952, IV – O mundial da Fifa 2000; e o V – Testemunhos de tricolores, além de prefácio, a extinção da Copa Rio e posfácio. Em cada um dos depoimentos os tricolores demonstram a paixão pelo Fluminense, que vão desde a transferência do amor aos filhos até a participação nos jogos em cidades distantes.
Sobre o autor, Alexandre Berwanger escreveu: “Se não bastasse o Fluminense Football Club ostentar entre os seus torcedores Nelson Rodrigues, o “Shakespeare brasileiro”, Paulo-Roberto Andel, o “João do Rio do Século XXI”, também tem Tasso Castro, o “Novo Jorge Amado”, escritor baiano talentoso radicado em Itabuna que publicou outros três livros sobre o Tricolor:
* “Fluminense, memórias de uma paixão” (2011).
* “Oxente, Somos Flu!” (2018).
* “Doces Vitórias” (2022).
Esse seu quarto livro, como o nome indica, aborda a conquista da Copa Rio de 1952, o primeiro título internacional oficial do Fluminense, competição organizada pela CBD, autorizada e acompanhada pela FIFA para a qual segundo o seu Estatuto toda a competição acompanhada por ela tem o caráter de oficial.
Em 1928 o Fluminense conquistou as suas primeiras taças internacionais, amistosas, mas essa é outra época, outra história, embora também muito retumbante.
Além de escrever algumas linhas no excelente livro tenho a satisfação de ter contribuído com a imagem da capa, a do troféu tão significativo para nós tricolores”, finalizou.
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.
Caboclo Alencar serve a mais famosa batida de Itabuna
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Prometo que daqui pra frente somente participarei de eventos em que a falta seja injustificável, tomando todas as precauções com o estado físico. Aguarda-me, por exemplo, o sábado (15 de fevereiro), no conceituado Mac Vita, quando será apresentado à sociedade mundana canavieirense o livro Tyrone Perrucho – o homem que colecionava amigos, de minha autoria.
Walmir Rosário
Afirma o ditado que Deus escreve certo por linhas tortas. Concordo em gênero, número e grau e por tudo que há de mais sagrado, pois as confirmações sempre me são mostradas e com rigor, digamos, científico, ou quase. Este fim de semana, por exemplo, fui impedido de comparecer a uma série de eventos, já programados com bastante antecedência.
E o motivo foi pra lá de justo, aqueles incômodos nem tão inesperados, causados pelo nervo ciático e as imperfeições na velha coluna cansada de guerra. E o veredito foi dado de forma brusca pelo meu team de personaltrainer, os professores Vilma e João José, que também carregam o sobrenome Rosário, proibindo qualquer estripulia.
Resignado, deixei de ir a Campo Formoso para comemorar, ao vivo e em cores, os 94 anos de minha mãe, neste dia 1º. No mesmo dia ainda tentei que me liberassem para um pulinho em Itabuna, pois participaria dos festejos antecipados dos 94 anos do Caboclo Alencar, que reina absoluto no ABC da Noite, no Beco do Fuxico, e ainda daria os parabéns ao amigo e colega Gabriel Nunes e Paulo (Índio) Lima (todos no dia 2, junto com Yemanjá).
Todos os meus sonhos foram por água abaixo e me contentei em parabenizá-los por meio de mensagens no Whatsapp, sem um aperto de mão, um abraço apertado e, sequer, desejar tudo de bom nesta vida brindando com uns dois ou três goles de batida. Todo o meu planejamento seguiu água abaixo, ou como diriam os mais exaltados, o meu castelo ruiu, sem mais nem menos.
Ainda bem que alcancei a dádiva de comemorar recentemente os 80 anos do Almirante Nélson, numa festividade que deu o que falar em toda a Canavieiras, devido ao brilho dos serviços e ao número e qualidade dos convidados. É por isso que tenho a convicção de que nada mais correto do que “o que tiver que fazer hoje não deixe para o amanhã”.
Minha grande preocupação seria carregar a pecha de desidioso, por não comparecer a tão importante e qualificado evento, em que tinha a obrigação da presença, na qualidade de vice-presidente da Alambique (Academia de Letras, Artes, Música, Birita, Inutilidades, Quimeras, Utopias, Etc.). Ainda bem que o zeloso presidente, o jornalista Daniel Thame fez a entrega solene da placa em homenagem às 94 “primaveras” do Caboclo Alencar, fixada na parede externa.
Placa em homenagem a quase um século de vida do nobre Caboclo Alencar
Mas não tive outro jeito senão acompanhar toda a movimentação do Beco do Fuxico pelas redes sociais e alguns telefonemas de amigos cobrando a minha presença. Deitado eternamente em minha rede esplêndida acompanhava com bastante atenção os presentes, todos bebericando as riquíssimas batidas elaboradas pelo mestre alquimista Caboclo Alencar.
Para os que pensam ter sido apenas comemorações de aniversários, posso afirmar que se tratou de uma festa de trabalho (pode?), pois já se debatia a tradicional Lavagem do Beco do Fuxico, na abertura do Carnaval do Itabuna. E este ano a folia será ampliada com a Lavagem da Cantina Tico-Tico e do bloco que leva o mesmo nome.
Mas nem só de Carnaval vive o Beco do Fuxico! O planejamento chegou ao mês de julho, quando será comemorado o aniversário dos 115 anos de emancipação de Itabuna, mais precisamente no dia 28 de Julho. Por coincidência, nesta mesma data se festeja aniversário do ABC da Noite, que atinge a marca de 63 anos de existência, no mesmo local e o mesmo proprietário.
Essas datas festivas são como um bálsamo para meus incômodos nevrálgicos, que espero solucioná-los em tempo recorde para não tomar falta na chamada da lavagem carnavalesca, bem como no aniversário do ABC da Noite, do qual sou aluno repetente dos mais antigos. Já encomendei ao colega de ABC, Cláudio da Luz, que em suas andanças por Itajuípe consiga algum remédio da flora nativa, criado por algum raizeiro juramentado.
Prometo que daqui pra frente somente participarei de eventos em que a falta seja injustificável, tomando todas as precauções com o estado físico. Aguarda-me, por exemplo, o sábado (15 de fevereiro), no conceituado Mac Vita, quando será apresentado à sociedade mundana canavieirense o livro Tyrone Perrucho – o homem que colecionava amigos, de minha autoria.
Caixeral de 1957 e seleção regional || Foto Arquivo de Walmir Rosário
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O número de jogadores era tão abundante, que os “cartolas” ainda se “davam ao luxo” de formar uma seleção regional, tendo como base os jogadores do bairro da Conceição.
Walmir Rosário
Mas qual eram os segredos para Itabuna formar tantos craques? De cara posso garantir que para um atleta atuar no Campo da Desportiva Itabunense era preciso passar por um verdadeiro vestibular, nos “babas” disputados em campinhos dos bairros ou escolinhas de futebol. Aprovado, a partir daí poderia tentar uma vaga nos times amadores.
Tínhamos, por exemplo, a Academia de Futebol Grapiúna, dirigida pelo cirurgião-dentista Demóstenes Carvalho, e os times de Adonias da Mangabinha, de Tim do bairro da Conceição, dentre outros. E os que mais se destacavam eram convidados a jogar nas diversas equipes aspirantes até chegar ao time de cima das agremiações amadoras.
E os campinhos de bairro não eram raridades, como hoje! Bastava um terreno baldio mais ou menos plano, sem muitas pedras, e duas traves. Era assim na Borboleta (hoje rodoviária); banca do peixe, Escola de Celina Braga Bacelar, Maravalha, (centro); São Judas Tadeu; campo do Tênis, torre da Rádio Difusora, Malícia, Brasilgás, Vila Zara, Eucaliptos (bairro da Conceição); Cortume (Banco Raso) para se submeterem aos olheiros e indicarem futuros craques.
O América da Vila Zara, comandado por Adonias, em 1963, era um dos times de camisa que forneceu jogadores para várias equipes. Em 1972, o mesmo América mantinha praticamente a mesma formação, mesclado com jogadores mais novos. João Garrincha, Dema, Betinho Contador, Zé Nito, Luiz Fotógrafo, e tantos outros.
Lembrados até hoje nos papos de saudosismo, os craques do passado têm nome, sobrenome e história a ser contada pelas jogadas memoráveis, tanto nos campos de pelada como na velha Desportiva. Um desses exemplos são as escalações da Seleção de Itabuna de 1958 a 1965, quando reinou absoluta no cenário amador do estado da Bahia. Fora essa saga vencedora, as equipes de bairros (ou várzea, como queiram), ainda reinam absolutas na memória dos torcedores.
Eu costumo usar uma frase dita pelos veterinários: “de mamando a caducando”, que se encaixa bem na velha prática do futebol, quando os escolhidos para formar o time (ainda na base do par ou ímpar, para escalar primeiro) eram pela eficiência, meritocracia. Pouco importava se menino ou homem-feito, tinham que ter as qualidades para jogar em determinado campo e decidir a partida. Isso era fundamental para jogar num time de camisa.
Enquanto nos campinhos o jogo era na “paeta” (descalço), nos times de camisa se jogava de chuteiras, fabricadas por sapateiros especializados, como Lauzinho, ali na rua Silveira Moura, no bairro da Conceição, ex-jogador do Botafogo de Rodrigo e exímio profissional, dentre outros que competiam para fabricar os melhores produtos.
E jogar de chuteiras era preciso uma adaptação, pois elas eram feitas de acordo com a posição em o futuro dono jogava: macia para atacantes e rígidas para zagueiros. Já as travas poderiam ser de sola grossa ou alumínio, a depender do tipo de jogo, mais alta ou mais baixam de acordo com o clima e a característica do jogador – ou de maldade, segundo os comentários da época.
Uma coisa era certa: todas as chuteiras eram pretas, algumas com uma ou duas listras brancas, porém jamais cor-de-rosa rosa choque, amarelo alaranjado, pois eram feitas para proteger o pé e aumentar a potência do chute, nunca para aparecer. O mesmo acontecia com o corte dos cabelos, em maioria o de “soldado americano” e, de quando em vez, um maracanã para o encanto das moçoilas casadoiras. Definitivamente, não era o tempo de Neymar!
Mas, trejeitos e modas à parte, o que valia era pisar no gramado e dar conta do recado. Jogador bom era o eficiente e produtivo. Não podia ser “manioso” ou “vedete”, para não cair em desgraça e ser olhado de soslaio pelos “cartolas”. Assim era no Flamengo de José Baliza, ou no Botafogo do bairro da Conceição de 1976, que mesclava atletas mais experientes como Neném, à garotada do tipo de Bilo e Paulo Roberto. No mesmo time jogavam Danielzão, Pelé Cotó, Romualdo Cunha e os garotos João Garrincha, Beguinho, Alterivo e Douglas.
Naquela época, o número de jogadores era tão abundante, que os “cartolas” ainda se “davam ao luxo” de formar uma seleção regional, tendo como base os jogadores do bairro da Conceição. Essa seleção excursionava pelas cidades vizinhas, acumulava vitórias e títulos, dada a altíssima qualidade dos jogadores como: (em pé, a partir da esquerda) Faruk, Vitor Baú, Sílvio Sepúlveda, Pedro Mangabeira, Lauzinho e Guaraí; agachados Lane, Pedrinha, Juca Alfaiate, Macaquinho e Diocleciano (foto acima).
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.
Imigrantes ilegais são deportados dos Estados Unidos || Foto Casa Branca/Divulgação
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Nesse momento de extrema tensão em que o sujeito sai de casa para trabalhar sem saber se vai voltar para rever os filhos, a minoria, que já está estabelecida, documentada e legalizada, indo e vindo, contribui muito pouco para amenizar o sofrimento daqueles com os quais um dia, ambos ainda indocumentados, dividiam moradia, dificuldades e preocupações. É cada um por si e Deus por todos.
José Cássio Varjão
Talvez o assunto mais comentado em todas as mídias dos países da América Latina, nos últimos dias, foram as deportações prometidas e cumpridas por Donald Trump. O momento atual, político e social, em que o mundo vive, com a construção genérica de narrativas ao gosto do cliente, requer que façamos algumas ponderações sobre a realidade dos fatos. Para desnudar factoides, as deportações sempre existiram nos EUA. Ponto. O que acontece nesse momento é um espetáculo midiático por parte da Casa Branca, com o intuito de efetivar promessa de campanha com grupos supremacistas e humilhar pessoas, com o objetivo de frear novas entradas ilegais em território americano.
Com os atentados de 11 de setembro de 2001, contra o World Trade Center e o Pentágono, o presidente George W. Bush criou o United States Departament of Homeland Security – DHS ou Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, com a missão de proteger o território americano, na esfera civil, em casos de ataques terroristas e desastres naturais, incluindo detectar, investigar e corrigir as vulnerabilidades relacionadas às fronteiras americanas, como a do México, do Canadá e a fronteira marítima com o Golfo do México.
Nesse contexto, como órgão subordinado ao DHS, passou a existir a agência policial U.S. Imigration and Customer Enforcement – ICE ou Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos, com sede em Washington D.C., dirigida por Diretor nomeado pelo Presidente dos Estados Unidos, que se reporta diretamente ao Secretário de Segurança Interna, sendo a segunda maior agência de investigação do país e ficando, em número de efetivos, somente atrás do FBI.
De acordo com informações da Agência Brasil, durante o ano fiscal americano, que terminou em 30 de setembro de 2024, o governo Biden deportou 271 mil imigrantes, de várias nacionalidades, sendo o maior nível de deportações desde o ano fiscal de 2014. A informação oficial foi divulgada pelo relatório de fiscalização da ICE, que também estima a presença de 11 milhões de imigrantes sem status legal em território americano. Alguns órgãos de defesa de imigrantes aumentam esse número para 13 milhões ou 14 milhões de indocumentados. Fato esse, ocorrido sem mediatismo.
Morei nos EUA entre 2002 e 2012, na região de Boston, Massachussets. Em 2004, esse número de imigrantes, sem status legal, já foi superior a 15 milhões de pessoas, sendo que na Nova Inglaterra ou New England, que é composta pelos estados de Massachussets, New Hampshire, Connecticut, Maine, Rhode Island e Vermont, estimava-se a presença de 500 mil brasileiros, a maioria em Massachussets. Atualmente cidade de Framingham/MA, com 75 mil habitantes, calcula-se que 20% da população seja brasileira.
Importante salientar que existem regras e procedimentos durante o processo de deportação, iniciando-se com detenção do imigrante, podendo este permanecer encarcerado até o final do processo, ou, em alguns casos, pagar fiança com a obrigatoriedade de comparecimento às audiências seguintes. O governo Trump, numa das suas novas determinações para agilizar as deportações, expandiu o procedimento de “remoção acelerada”, principalmente nos casos de pessoas detidas nos centros de custódia da fronteira com o México, portanto, pessoas que não chegaram a entrar em território americano, dando poder às autoridades imigratórias para expulsar uma pessoa sem a necessidade de audiência perante um juiz de imigração.
É essencial evidenciar que, em alguns casos, como crimes não violentos ou ter filhos americanos, o imigrante detido é solto, com um prazo para sair do país autonomamente, inclusive custeando seu retorno, num acordo prévio com o juiz de imigração. Portanto, até aqui, não se pode generalizar o processo de deportação de imigrantes do solo americano. São casos distintos, analisados individualmente, obedecendo determinações das leis de imigração.
As especificidades para abertura de um processo de deportação obedecem a critérios que se baseiam na forma como o imigrante entrou em solo americano. Todos aqueles que adentraram o país por meio de visto de turista, emitido por embaixada ou consulado no seu país de origem, passará por audiências com um juiz de imigração, podendo inclusive solicitar alteração do seu status de turista, para estudante, por exemplo, se comprovar estar estudando. Aqueles que ingressaram nos EUA, oriundos de países que fazem parte do Programa de Isenção de Vistos (VWP), quando o visto de entrada não é obrigatório, após ser detida, a pessoa fica reclusa em centro de custódia para imigrantes, aguardando oportunidade de ser deportada sumariamente, sem direito a apelação. Os que atravessaram as fronteiras americanas ilegalmente, uma vez detidos, podem em alguns casos, em que fica comprovado o risco de vida no retorno ao seu país de origem, solicitar asilo nos EUA. Na maioria das ocorrências, a deportação ocorre de forma sumária.
Num país essencialmente composto por imigrantes, porquanto somente os nativos nasceram em território americano, a imigração, inicialmente europeia, que ajudou a construir o império norte-americano, se tornou uma adversidade de dimensões incontroláveis, de dificílima resolução, a não ser com a possibilidade de legalização da maior parte daqueles que vivem há muitos anos e construíram o tão propagado sonho americano honestamente, com muito suor e trabalho.
Com 10 anos vividos nas Terras do Tio Sam, sempre tive a consciência e a certeza de que é impossível deportar todos os imigrantes sem status legal, que vivem nos EUA, principalmente porque não há espaço físico para acomodar nem 10% dessas pessoas detidas. Depois, não há efetivo de pessoal suficiente no Departamento de Imigração para dar encaminhamento a essa quantidade colossal de processos de deportação, e os custos com a detenção, alimentação e deportação desses indivíduos, seriam estratosféricos. De acordo com o American Immigration Council, entidade que atua na defesa de imigrantes, deportar todos aqueles que estão com status ilegal, vivendo nos EUA, custaria U$ 315 bilhões de dólares. Finalmente, porque, sem grande parte dos imigrantes que desempenham as tarefas que os americanos se rejeitam a fazer, como funcionarão alguns setores da economia, principalmente a área de serviços?
Essa seria uma questão que teria fortes impactos nos negócios como limpezas em geral, construção civil, lanchonetes/cafeterias, restaurantes etc. Nos últimos dias, por exemplo, algumas igrejas evangélicas americanas estão realizando seus cultos com menos fiéis, pois o clima é de apreensão e medo. Em New York, uma igreja colocou aviso na porta, alertando a ICE que só poderiam entrar com autorização judicial. Estabelecimentos comerciais, também estão lidando com a falta dos funcionários, receosos em ir trabalhar e sofrer com batidas da ICE. O pânico é geral, principalmente em estados com menor aceitação de imigrantes, como Arizona, Alabama, Geórgia, Indiana e Carolina do Sul, que já lutaram em tribunais para implementar leis estaduais anti-imigrantes. Trata-se de um imbróglio que trará menos ganhos e mais perdas, para os diversos setores da economia americana.
Vivendo esse problema de dimensões colossais, os EUA promoveram o último grande ato para legalização de imigrantes em 06 de novembro de 1986, com a Lei de Reforma e Controle de Imigração (IRCA), realizada pelo governo Ronald Reagan, dando oportunidade de quase 2,7 milhões de legalizações, em um montante de 5 milhões de imigrantes ilegais, naquele momento do país. O maior programa de legalização na história dos EUA já completou 38 anos. Em 2000, nos últimos meses do governo de Bill Clinton, a lei criada por Reagan foi reaberta por 4 meses, contemplando somente trabalhadores em áreas específicas, como restaurantes, padarias, pizzarias etc., legalizando um número muito pequeno dos imigrantes da época, que já batiam na casa dos 10 milhões de indocumentados.
A questão imigratória nunca encontrou consenso entre Democratas e Republicanos para ser discutida, em comum acordo, na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos ou Câmara dos Deputados. Pelosi Nancy, ex-presidente da Casa, tentou em algumas oportunidades, principalmente durante parte do primeiro mandato do governo de Barack Obama, incluir o assunto numa discussão mais aprofundada, sem sucesso. Nos bastidores da política americana há enorme rejeição, principalmente por parte dos Republicanos, em discutir e resolver esse assunto. A visão do partidário republicano é que, uma vez cometido o erro da entrada irregular no país, essa pessoa deve ser punida sumariamente com deportação, sem a possibilidade, inclusive, de pagar multa pelo seu crime contra a imigração americana. Em algumas oportunidades desse período, entidades que representam grupos pró-imigrantes trouxeram a possibilidade de pagamento de multa de 1 mil dólares por cada imigrante, além de arcarem com custas processuais, pagamento de Imposto de Renda dos últimos 5 anos, e de não terem ficha criminal, numa eventual legalização.
Onde há trigo, o joio também estará presente. Todos os imigrantes que estão sem os documentos essenciais para viver nos EUA cometeram crimes contra as leis migratórias. A prioridade do departamento de imigração sempre foi a de buscar aquele imigrante com problemas criminais, porém, a possibilidade de estar no lugar errado, na hora errada, é latente. O sujeito honesto e trabalhador pagará o mesmo preço do desonesto e oportunista.
O processo de migração internacional, forçado ou não, pode ser desencadeado em consequência de diversos fatores, como desastres naturais, guerras, perseguições políticas, religiosas, étnicas e culturais, porém, a principal causa é a econômica, aquela em que o sujeito migra forçadamente, em busca de melhores condições de vida para sua família. Nesse diapasão, as medidas propostas e implementadas pelo Consenso de Washington, em novembro de 1989, capitaneado pelos EUA e pela Inglaterra, tendo como foco os países da América Latina, com a imposição de propostas neoliberais, mostram o colapso nas economias desses países, fato preponderante para o alto índice de migração rumo ao norte do continente americano.
O economista coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, afirma que “o Consenso de Washigton foi uma armadilha criada pelos países desenvolvidos para impedir que os países subdesenvolvidos conseguissem atingir os mesmos níveis de desenvolvimento do Primeiro Mundo.” O economista coreano criou o termo “chutando a escada”, demonstrando a forma que os países desenvolvidos usaram para impedir que os países do chamado terceiro mundo fossem impedidos de alcançar o mesmo sucesso deles.
No país de Rosa Parks, que em dezembro de 1955 se recusou a ceder seu lugar num ônibus em Montgomery, no Alabama, que ainda atualmente segrega minorias, que separa bairros como de brancos, de negros e de latinos, obter o visto de residência permanente, o Green Card, não livra o imigrante das discriminações, humilhações e xenofobias. Uma vez imigrante, sempre imigrante. Você resolve sua questão legal com o governo, não com a cultura racista americana, que credita a entrada de doenças virais no país à imigração latina. Para parte desses americanos, os radicais, quem está abaixo dos Estados Unidos geograficamente fala espanhol e a capital do Brasil é Buenos Aires.
Num universo de centenas de milhares de imigrantes brasileiros que vivem nos EUA, não chegam a 10% dessa população os portadores de Green Card ou até mesmo da cidadania americana. Assim como qualquer região do mundo que se torna um El Dorado, a combinação de pessoas, com motivações, culturas, credos e posições sociais diferentes, forma uma população disforme e heterogênea. A maioria saindo do seu mundo para habitar outro completamente desconhecido, que foge da sua realidade, para ir em busca daquilo que nunca vivenciou e não conhece, não tem conhecimento da língua, da localização geográfica, se está acima ou abaixo da Linha do Equador, se está no Ocidente ou no Oriente. Nesse momento de extrema tensão em que o sujeito sai de casa para trabalhar sem saber se vai voltar para rever os filhos, a minoria, que já está estabelecida, documentada e legalizada, indo e vindo, contribui muito pouco para amenizar o sofrimento daqueles com os quais um dia, ambos ainda indocumentados, dividiam moradia, dificuldades e preocupações. É cada um por si e Deus por todos.
Os irmãos Deroaldo e Ronaldo na Cantina Tico-Tico || Foto Enault Freitas
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Raimundo Pereira Borges, o Zinho, ou o Tico-Tico, nasceu em 7 de maio de 1930 e faleceu em 18 de janeiro de 2011, deixando um legado para a família, que soube perpetuar um empreendimento que, embora pequeno, alcançou e soube se manter no patamar do sucesso. Além de Ronaldo Deroaldo e Deroaldo Ronaldo, Zinho deixou as filhas Cássia, Clélia, Hélia e Alcimar.
Walmir Rosário
No nosso tempo de menino em Itabuna uma das maiores diversões era assistir ou participar dos jogos de futebol. Era a nossa mania municipal. Campinhos não faltavam nos bairros e até no centro da cidade. Bastava uma bola, a marcação das traves, muitas vezes com pedras, e a meninada com vontade de brincar. Sobravam muitos, geralmente os sem habilidade.
Agora, bom mesmo, era assistir aos jogos e treinos dos times amadores, principalmente da invencível Seleção de Itabuna. Como nem sempre estávamos providos de recursos para o ingresso, recorríamos aos jogadores amadores que possuíam a carteirinha da Liga de Desportos Atléticos (Lida), e entrávamos com eles. Claro, sem pagar nada.
E existiam os funcionários que dificultavam nosso ingresso, enquanto outros facilitavam. E uma dessas figurinhas carimbadas era Raimundo Pereira Borges, um multifuncional no Campo da Desportiva, pois “jogava nas 11”, era bandeirinha, árbitro, goleiro, diretor da Lida e dono do bar interno da Desportiva. Uma figura alegre, brincalhona, afável, mas que sabia ser sisudo quando o assunto requeria.
Zinho (Tico-Tico) e a esposa, Miralva || Foto Arquivo Walmir Rosário
Raimundo Pereira Borges era pouco conhecido. Para nós era Zinho – só os mais velhos –, depois Tico-Tico, novo apelido que ganhou quando em 27 de janeiro de 1950 inaugurou, junto com sua esposa, Miralva, a Cantina Tico-Tico, bem próximo do Campo da Desportiva, na rua Almirante Tamandaré, ao lado do conhecido Jardim do Ó, local em que funciona até os dias de hoje.
E a escolha do nome foi pra lá de inusitado: um dia Zinho informa a seu irmão Antônio, conhecido como Tote, dono do Bar dos Operários, que iria abrir uma cantina e aproveita para pedir uma sugestão quanto ao nome que daria. Nesse momento, Tote saía de detrás do balcão e se dirigia ao banheiro com um rolo de papel higiênico, e mostrou ao irmão: “Bota o nome de Tico-Tico, como essa marca de papel higiênico”. E imediatamente foi aprovado o nome.
O local era pequeno, mas abrigava a todos, principalmente quando as empresas próximas liberavam os empregados para a “merenda” da manhã e da tarde. Bem em frente, onde hoje existe a Igreja Universal, funcionava uma revenda Volkswagen, com cerca de 50 funcionários, muito deles com o lanche anotado no caderno.
Refrigerantes, sucos e refrescos, pastéis bem recheados de carne, banana real, bolos de milho, tapioca e aipim, além das batidas de gengibre e maracujá fazem o maior sucesso. Com o passar dos anos a Cantina Tico-Tico ganhou conceito e frequência diversificada, com mecânicos, radialistas, jornalistas, bancários, advogados, comerciários, muitos dos quais buscavam o lanche fora da hora de grande movimento.
Os filhos de Zinho mantêm a obra: Deroaldo e Ronaldo no balcão do Tico-Tico || Foto Enault Freitas
Eu mesmo fui cliente assíduo da Cantina Tico-Tico quando a redação do Jornal Agora ficava do outro lado do Jardim do Ó. Todos os dias, eu, o saudoso colega Euclides Batista (Zoca) e o diagramador Paulo Fumaça dávamos uma paradinha nas “Olivetes” para o lanche sagrado. Barrigas abastecidas, trocávamos uns dois dedos de prosa com Zinho e os filhos Ronaldo Deroaldo (Peu) e Deroaldo Ronaldo.
E aos poucos o nome Zinho foi sendo transferido para Tico-Tico, um expert na área de lidar com o público e que soube repassar esse conhecimento aos filhos. Lembro-me, ainda menino, de quando ele dirigia o bar do Campo da Desportiva e num domingo o presidente da Lida o proibiu de vender cachaça, só cerveja e refrigerante. Foi uma revolta geral, mas Zinho soube tirar de letra e apaziguar.
E todo esse sucesso do Tico-Tico não subiu à cabeça da família que soube se dedicar a servir bem aos fregueses, com bebidas e comidas de boa qualidade, muitas delas fabricadas em casa. Um dos filhos, Deroaldo Ronaldo, optou pelo trabalho na cantina e deu adeus à advocacia, num tempo em que os despachos e sentenças eram raridades, pela falta de juízes e promotores.
As memórias: Zinho Tico-Tico nas páginas vibrantes do Jornal Agora
E por todo o sucesso dessa família à frente da Cantina Tico-Tico ao longo de 75 anos ininterruptos, o Serviço Brasil de Motivação e Marketing (Simmbra), liderado pelo empresário Valdir Ribeiro, prestará, nesta segunda-feira, 27, às 11 horas, uma homenagem à Cantina Tico-Tico, com um Certificado de Excelência. E Valdir Ribeiro ressalta que uma empresa familiar dificilmente consegue sobreviver no mercado por todo esse tempo.
Raimundo Pereira Borges, o Zinho, ou o Tico-Tico, nasceu em 7 de maio de 1930 e faleceu em 18 de janeiro de 2011, deixando um legado para a família, que soube perpetuar um empreendimento que, embora pequeno, alcançou e soube se manter no patamar do sucesso. Além de Ronaldo Deroaldo e Deroaldo Ronaldo, Zinho deixou as filhas Cássia, Clélia, Hélia e Alcimar.
"Ainda estamos aqui", diz faixa do povo tupinambá de Olivença || Foto Lucas Santos
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Com a paráfrase, os tupinambá reafirmam sua presença, aqui e agora, sem metáfora, em carne, osso e urucum.
Thiago Dias
A foto de Lucas Santos nasceu antológica. A imagem que ilustra este comentário é da Festa da Puxada do Mastro de São Sebastião e foi capturada no domingo (12), em Olivença. O distrito ilheense é parte do território dos tupinambá de Olivença, que se estende por 47 mil hectares, nos limites dos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, no sul da Bahia.
São tantas camadas. De saída, o registro mostra guerreiros de um povo que, há cinco séculos, resiste ao projeto de extermínio da colonização europeia, ainda em movimento por ação e omissão do Estado brasileiro. Nos últimos 15 anos, mais de 30 lideranças tupinambá foram assassinadas.
As lentes de Lucas Santos também capturaram uma ressurgência do gesto antropofágico em sua expressão metafórica, consagrada pelos modernistas brasileiros. Obra de sagacidade política, o hipertexto tupinambá devora o hype do filme Ainda Estou Aqui, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e aproveita a visibilidade de um festejo tradicional. Com a paráfrase, os tupinambá reafirmam sua presença, aqui e agora, sem metáfora, em carne, osso e urucum.
Noutra camada, a flexão precisa da frase título no plural reivindica a existência coletiva, elemento básico para a compreensão dos levantes dos povos tradicionais e da demarcação de sua alteridade frente aos modos de ser do capitalismo tardio, que sacralizam o indivíduo.
A imagem ganha mais uma camada pelo fato de Eunice Paiva, a viúva de Rubens, ter retomado o curso de Direito após o assassinato do marido, tornando-se das maiores referências da advocacia em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
Desde 2009, sucessivos ministros da Justiça se negaram a publicar a portaria declaratória do território reconhecido como indígena pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, com base em estudo antropológico da portuguesa Suzana de Matos Viegas, autora do livro Terra Calada: Os Tupinambá da Mata Atlântica do Sul da Bahia, lançado pela editora 7 Letras, em 2008.
A longa batalha dos tupinambá pela demarcação de seu território abrange quatro governos do PT, incluindo o segundo e o terceiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em curso.
A luta desse povo também remonta ao Caboclo Marcelino. Dos primeiros a se levantar pela demarcação do território indígena e contra o avanço dos coronéis do cacau em direção ao sul de Ilhéus, ele desapareceu há quase 100 anos, vítima do terror varguista.
Assim como Marcelino, o ex-deputado Rubens Paiva foi assassinado por um estado terrorista, ambos acusados de colaboração com forças subversivas. Ao arrepio da violência do projeto de seu desaparecimento, os tupinambá e a memória dos que tombaram na luta contra o terrorismo de estado ainda estão aqui.
Em tempo, a foto sem edição, como extraída do Instagram de Lucas Santos (@lucasayinyang):
Thiago Dias é jornalista do PIMENTA e da Morena FM 98,7.
Althemar Lima faz apelo por pagamento a agentes culturais || Foto Redes Sociais
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Reiteramos nosso apelo por um posicionamento imediato, que reconheça a importância da cultura como um pilar essencial para o progresso social e econômico de Ilhéus.
Althemar Lima
O Conselho Municipal de Cultura de Ilhéus (CMC) tem atuado incansavelmente, sem medir esforços, para assegurar a execução das políticas públicas de cultura, com destaque para a efetivação do pagamento das verbas previstas na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
Ontem, 10 de janeiro de 2025, protocolamos no Gabinete do Prefeito Valdeiro Reis Júnior e na Secretaria Municipal de Cultura do Município de Ilhéus um documento que apresenta esclarecimentos sobre as tratativas deste colegiado com o Ministério da Cultura, visando obter informações sobre as possibilidades para a liberação dos recursos da Lei Paulo Gustavo.
Adicionalmente, enviamos o mesmo documento, de forma virtual, à Vice-Prefeita Wanessa Gedeon, na tentativa de ampliar o alcance e o entendimento sobre a situação.
Ressaltamos que, conforme estabelece a legislação, a decisão final sobre a efetivação do pagamento das verbas cabe exclusivamente à atual gestão municipal. Contudo, até o presente momento, permanecemos sem respostas concretas, enquanto enfrentamos o risco iminente de devolver mais de R$ 1,6 milhão ao Tesouro Nacional.
É profundamente lamentável que nós, fazedores de cultura, sejamos relegados à margem deste processo, como se o patrimônio cultural de Ilhéus dependesse apenas de nossos esforços individuais. A falta de apoio e diálogo por parte da gestão municipal enfraquece não apenas a valorização da cultura local, mas também compromete a missão coletiva de promover o desenvolvimento cultural em nossa cidade.
Diante deste cenário, reiteramos nosso apelo por um posicionamento imediato, que reconheça a importância da cultura como um pilar essencial para o progresso social e econômico de Ilhéus. Não podemos permitir que recursos e oportunidades sejam desperdiçados por falta de comprometimento e ação.
Althemar Lima é presidente do Conselho Municipal de Cultura de Ilhéus.