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Como a jornalistas não é permitido exercitar a criatividade hermenêutica dos bacharéis concursados do Parquet, resta-nos a criatividade semântica a serviço da retórica e o “jus sperniandi”. Esperneemos, pois.

 

Ernesto Marques

Sempre me incomoda ler/ver/ouvir de colegas de imprensa equívocos como: o Ministério Público “determinou”, “decidiu”, “proibiu”…

Se a imprensa é mesmo o quarto poder, não atentou para os riscos de tais equívocos colaborarem para criar um quinto – nem sempre independente, mas sempre autônomo. As redações banalizaram o erro no qual reincidem focas, editores, comentaristas e medalhões do jornalismo brasileiro. Não se trata de mera questão semântica e este episódio do “embargo” ao cumprimento da decisão da Comissão Intergestora Bipartite (CIB), incluindo comunicadores entre os grupos prioritários para a vacinação, é só mais um sintoma do vírus do abuso do poder institucional que nós, jornalistas, ajudamos a instilar.

As aspas no termo “embargo” são propositais mesmo. O Ministério Público nada embarga. Não determina coisa alguma, a quem quer que seja. Nada decide, muito menos proíbe. O MP, no entanto, tem o poder de provocar quem, de fato e de direito, tem o poder de embargar, determinar ou mesmo proibir algo: a Justiça.

Do império até os estertores da ditadura militar, o MP não passava de mero apêndice mal resolvido, pendulando entre o Executivo e o Judiciário. Ganhou outro status com a Lei da Ação Civil Pública, de 1985. O então presidente Sarney vetou o artigo que dava ao MP o poder de atuar em defesa dos direitos difusos – conceito novo para o Brasil daquela época. Na conversa com Sepúlveda Pertence, seu procurador-geral e articulador da nova lei, Sarney profetizou o perigo com a imagem do promotor hipotético de um lugarejo desconhecido: “imagina que amanhã ele entenda que o casamento do João com a Maria fere algum interesse difuso. Então essa não vou sancionar.” E vetou o artigo.

Integrante da comissão de notáveis que ajudou a escrever a Constituição de 1988, Sepúlveda Pertence foi muito mais longe. Tinha lá suas razões: em 1969 os militares usaram o AI-5 para afastá-lo compulsoriamente da Procuradoria. Garantiu ao MP brasileiro prerrogativas que bem merecem o rótulo de jaboticaba. Em nenhum outro país o Parquet pode tanto. O MP ganhou autonomia funcional e administrativa, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Ganhou. Ganhou mesmo. A sociedade brasileira, farta das deformações do regime militar, deu. Esperava, em contrapartida, uma instituição a protegê-la de abusos seculares.

Mas a popular lei de Gerson também vigora entre promotores e procuradores. Embalados por doses desmedidas de criatividade hermenêutica, sepultaram o sonho de Sepúlveda agregando poderes para muito além do desenho já bastante arrojado, definido pelos constituintes. “Eu não sou Golbery (general criador do SNI, da ditadura), mas também criei um monstro”. Tarde demais…

Em bom manejo do “clamor público”, engravatados arautos da moralidade e justiceiras de scarpin arvoram-se ao poder de interferir em quase tudo. Da ameaça aos direitos difusos, representada pelo casamento de João com Maria, à vida econômica, ao funcionamento da política e do serviço público.

As tais recomendações são, talvez, a melhor síntese da criatividade hermenêutica dos ficais da lei, livres de quem os fiscalize, efetivamente.

A recomendação a alcançar comunicadores que choram a cada dia de pandemia, a morte de um colega vitimado pela covid-19 será útil se cumprir papel pedagógico para ensinar, afinal, que Ministério Público não é Judiciário. Em sintonia, MPF e MPE recomendam que a CIB, instância prevista na Lei Orgânica do SUS com competência legal para decidir sobre políticas de saúde pública, se abstenha de incluir novos segmentos aos chamados grupos prioritários. Recomendaram também aos secretários de Saúde e prefeitos o descumprimento da resolução da CIB. E qual gestor público não teme as investidas potencialmente devastadoras do quinto poder?

A recomendação do promotor Pedro Nogueira Coelho, de Ilhéus, é exemplo lapidar do abuso. Depois de quatro páginas de “considerandos”, recomenda que o secretário municipal de Saúde se abstenha de cumprir a resolução. Pede que Geraldo Magela apresente argumentos técnico-científicos balizadores da decisão que ele não tomou e apenas deveria cumprir.

Como se fosse pouco, o procurador ainda pressupõe que o secretário descumprirá a sua “recomendação” e impõe prazo de 15 dias para “manifestação a respeito do acatamento da presente recomendação, bem como informações acerca das providências adotadas para o seu cumprimento, acompanhadas dos documentos necessários à sua comprovação.”

Parafraseando o saudoso Millôr Fernandes, livre recomendar, é só recomendar. Assim, atrevo-me a recomendar ao Dr. Coelho e pares: abstenham-se de continuar se abstendo no “x” da questão sobre a falta de vacinas para o povo brasileiro. Talvez estivéssemos oferecendo prêmios a quem se vacinasse, como nos Estados Unidos e no Chile, se o MP tivesse “recomendado” às autoridades de plantão, a compra de vacinas, em vez de remédios ineficazes. E com base em critérios técnico-científicos!

De Luis Gama a Barbosa Lima Sobrinho, não faltam interseções entre jornalistas e advogados. Mas as “recomendações” dos MPs revelam-nos mais um traço comum: a criatividade. Como a jornalistas não é permitido exercitar a criatividade hermenêutica dos bacharéis concursados do Parquet, resta-nos a criatividade semântica a serviço da retórica e o “jus sperniandi”. Esperneemos, pois.

Ernesto Marques é é jornalista e radialista, atual presidente da Associação Bahiana de Imprensa.

Chaveamento das Oitavas de Final da Copa Libertadores 2021
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Deixando de lado os números e históricos, e avaliando inclusive o que vimos nas duas últimas edições de Libertadores, creio ser bem viável o Flamengo estar na final; já o adversário, eu arrisco dizer que ficaria entre São Paulo e River Plate. É um palpite.

Sergio du Bocage

Antes de ter início o sorteio dos cruzamentos das oitavas-de-final da Copa Libertadores havia receio de enfrentar, de imediato, um grande concorrente pela frente. E não era para menos. Flamengo, Internacional, Fluminense, Atlético-MG e Palmeiras, que ficaram em primeiro lugar em seus grupos, viam no outro pote as bolinhas de Boca Juniors e River Plate, da Argentina, e do São Paulo, entre os mais fortes. E ao final do evento, a maioria respirou aliviada: só o time mineiro pegou a conhecida “pedreira”.

A partir de agora, o caminho até a final está traçado. Uma das chaves ficou com Flamengo, Internacional e Fluminense; a outra, com Atlético-MG, São Paulo e Palmeiras. Pra começar a análise, vamos pelo número de conquistas de cada lado. Na primeira, temos três campeões, com um total de sete títulos: três do Olímpia (PAR), dois do Internacional e outros dois do Flamengo. Na segunda, sete campeões e 18 títulos: seis do Boca Juniors, quatro do River Plate, três do São Paulo, dois do Palmeiras e um do Racing, do Argentino Juniors e do Atlético-MG.

Só essa situação – dos títulos – já nos antecipa outra: numa das chaves, a posição das equipes no ranking da Conmebol é bem inferior à dos times do outro lado da tabela. O Flamengo, 6º, por exemplo, vai pegar o Defensa y Justicia (ARG), 37º. Dos três, é o que pega o adversário, teoricamente, mais fraco. Mas não custa lembrar que o DYJ é o atual campeão da Copa Sul-Americana e venceu o Palmeiras, nos pênaltis, na Recopa. Se passar, já poderemos ter um clássico que decidiu o título brasileiro de 1987 – Flamengo x Internacional, 18º no ranking, que pega o Olímpia (PAR), 12º, nas oitavas. E desse duelo nacional sairá um brasileiro para, possivelmente, encarar o Fluminense (39º) numa semifinal. O Tricolor carioca pega o Cerro (PAR), 11º do ranking, e depois, se tudo der certo, o vencedor de Vélez (ARG, 33º) x Barcelona (EQU, 31º). Dá pra sonhar, não acham? Não chega a ser uma tarefa hercúlea.

Já do outro lado, a dificuldade é bem maior. O Atlético-MG, 19º no ranking, terá de superar o Boca (2º) e, depois, muito provavelmente o River (1º), que terá uma tarefa bem mais fácil nas oitavas – talvez até a mais tranquila -, contra o Argentinos Juniors, 81º, rival argentino conhecido e o de pior ranking sul-americano entre os classificados desta fase da Libertadores. Ou seja, para ser semifinalista, o Galo terá de passar pelos dois primeiros colocados do ranking e dos maiores campeões da competição – o maior é o Independiente (ARG), com 7, e que disputa a Copa Sul-Americana; aliás, será o adversário do Santos, apontado em sorteio também realizado nesta terça-feira (01).

E quem seria o rival do Galo, se ele chegasse na semifinal? Palmeiras, 4º do ranking, ou São Paulo (13º), que poderão se encontrar nas quartas-de-final, repetindo a final do último Paulistão. O Palmeiras, antes, vai encarar o Universidad Catolica (CHI, 30º), enquanto o Tricolor paulista pega o Racing (ARG, 22º). É possível, sim, termos um brasileiro saindo dessa chave para a final, mas o caminho será árduo. O que, por outro lado, poderá deixar esse classificado embalado e fortalecido pelos desafios que terá superado.

Deixando de lado os números e históricos, e avaliando inclusive o que vimos nas duas últimas edições de Libertadores, creio ser bem viável o Flamengo estar na final; já o adversário, eu arrisco dizer que ficaria entre São Paulo e River Plate. É um palpite. Com a ressalva, importante, de que a bola vai voltar a rolar para a Libertadores apenas em julho, depois da Copa América. E, até lá, todos os times vão passar por mudanças, para melhor e/ou para pior. Mas como sonhar não custa nada, que tal imaginar um tricampeonato brasileiro no mais importante torneio de futebol entre clubes na América do Sul?

Sergio du Bocage é apresentador do programa No Mundo da Bola (TV Brasil).

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Marão não contava conversa e, com a mesma disposição que organizava e participava das caminhadas de Serra e Souto, não dispensava os “arrastões” de Dilma e Wagner que tinha a participação de Ângela Sousa.

 

Walmir Rosário

Campanha política de 2010 para eleger presidente, senadores, deputados federais e estaduais e governador. Em Ilhéus, a base aliada de Dilma Rousseff e Jaques Wagner transbordava de adesões, mas como política é uma arte que requer muita astúcia, algumas lideranças, para garantir prestígio, seja qual for o resultado das urnas, dão uma no cravo e outra na ferradura.

Bastante precavida, a deputada estadual ngela Sousa formou dobradinha com alguns deputados federais – alternando as cidades –, sendo que em Ilhéus o acordo foi fechado com o deputado federal Geraldo Simões e, apesar do seu partido pertencer à coligação que tinha como candidato a governador Geddel Vieira Lima, fez campanha para Dilma e Jaques Wagner.

Já o vice-prefeito de Ilhéus, Mário Alexandre, filiado ao PSDB, “armou seu barraco” na campanha de José Serra e Paulo Souto, pulando a cerca – por motivo justo – quando se tratava dos votos que teria que dar à mãe, Ângela Sousa, e a Geraldo Simões, além dos candidatos a senadores Lídice da Mata e Walter Pinheiro. Tudo era permitido legalmente, embora não recomendado pela ética.

Mesmo com os candidatos diferenciados, o vice-prefeito Marão não contava conversa e, com a mesma disposição que organizava e participava das caminhadas de Serra e Souto, não dispensava os “arrastões” de Dilma e Wagner que tinha a participação de Ângela Sousa. Para ele, o principal era mostrar serviço e ficar bem com todas as coligações, num sinal de esperteza eleitoral.

Médico dos mais conhecidos e conceituados, Mário Alexandre, pela disposição que sempre apresentava, entusiasmava tanto os participantes das caminhadas quanto os moradores ou transeuntes, tratando todos pelos nomes. Pródigo nos abraços, perguntava pela família e pedia o voto para a coligação de sua mãe, a deputada Ângela Sousa, e depois para os candidatos da coligação tucana.

E com essa profusão de coligações, em que adversários políticos e coligados se misturam, o barco navegou bem durante toda a campanha eleitoral, fazendo com que todos se juntassem na hora de trabalhar a população de determinado bairro. Uma turma descobria a tendência eleitoral dos moradores de determinadas casas, que eram visitadas primeiro pelos cabos eleitorais ligados aos candidatos daquela família.

E foi uma tática que deu certo. Na reta final da campanha, numa dessas caminhadas realizada no bairro do Pontal, tudo corria tranquilamente e a adesão dos moradores era praticamente total, para delírio das lideranças. Foi aí, então, que aconteceu um fato inesperado, digno da esperteza política e que mereceria uma rigorosa apuração dos fatos praticados por uma das coligações.

Numa das turmas, o vereador petista licenciado e secretário da Indústria, Comércio e Planejamento Municipal, Alisson Mendonça, após ter se refrescado do sol quente com alguns goles de cerveja, sente vontade de ir ao banheiro e, passando em frente à casa de um amigo, pede licença para satisfazer suas necessidades fisiológicas. Ao sair, se depara com uma paisagem totalmente diferente da que deixou. Todas as propagandas da coligação petista, coladas anteriormente estavam cobertas pelos cartazes dos candidatos da coligação PSDB-DEM.

Atônito, Alisson, que tinha ficado pra trás, ligou ao celular para um “companheiro” que ia à frente comandando a colagem das propagandas da coligação petista para se inteirar da rápida mudança ocorrida:

– Nosso pessoal não está fazendo a “colagem”? – perguntou.

– Você está gozando de minha cara, claro que sim, qual é o problema – retrucou.

Foi aí que a turma que ia à frente parou de caminhar e Alisson, que ia atrás, se encontraram e presenciaram a turma da campanha de José Serra e Paulo Souto, coordenados por Mário Alexandre, colando os cartazes de sua coligação, justamente em cima dos cartazes da coligação petista. Se entreolharam encabulados como sinal de que estariam se entendendo bem e nada mais foi dito, apenas os sorrisos amarelos.

A partir do dia seguinte, não mais foi visto o vice-prefeito Marão na caminhada da coligação petista. Os cuidados foram redobrados, com uma turma à frente colando os cartazes e uma turma tomando conta da retaguarda.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Nós, todos, vivemos um ciclo desequilibrado que nos expõe como animais, uns contra os outros, numa espécie de jaula invisível muito poderosa, e que nos destrói.

Manuela Berbert || manuelaberbert@yahoo.com.br

Somos as nossas conexões e experiências, já escrevi isso outras vezes. São elas que proporcionam a nossa visão de mundo e assim as nossas perspectivas. “Manu, o que você vê à sua frente? ”, me questionou um profissional de saúde recentemente. “Você”, respondi. “E eu vejo você, com uma bolsa colorida nas mãos, um sorrisão bonito e olhos curiosos. Você sabe que seus olhos passam essa curiosidade, né? ”, sorriu. “Você não está errada na sua resposta, nem eu na minha. Nós só estamos em um mesmo ambiente, mas vendo coisas completamente diferentes”. Passei alguns dias pensando sobre isso e como transformar essa pauta neste texto que você lê agora.

Dia desses, voltando de Salvador, um amigo teve a ideia de entrarmos em Cachoeira para conhecermos de perto Edson Gomes, cantor e compositor baiano de destaque nos anos 80 e 90 através do reggae. Numa escala de preferências, mesmo sendo uma apaixonada por música e manifestações culturais, confesso que o reggae não configura o topo da minha lista, mas ainda assim topei a empreitada, que foi um desastre. Conseguimos achar a casa dele, que apareceu na sacada e disse que não iria descer para tirar uma foto porque estava ocupado. Passei o restante da viagem rindo da decepção do fã, e essa história me trouxe algumas lições na sequência.

Provavelmente incomodado com o meu descaso com a situação, em todas as oportunidades seguintes ele me mostrava letras do artista que retratavam a desigualdade social, violência e mazelas. E o trecho “quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera”, da música Camelô, me trouxe o incômodo necessário para que eu refletisse para além das próprias experiências. E é a primeira frase que me vem à mente quando vejo matérias sobre ações da polícia nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo. Como também me incomoda ter conhecimento das precárias condições de trabalho das delegacias, da falta de estrutura a qual os agentes públicos são expostos diariamente e por aí vai.

Vejo alguns chamando as ações de chacina. Leio outros chamando de faxina. Todas as versões me entristecem. A mãe de um bandido não é menos mãe porque o filho é bandido. A mãe do policial não é mais mãe porque o filho é policial. Nós, todos, vivemos um ciclo desequilibrado que nos expõe como animais, uns contra os outros, numa espécie de jaula invisível muito poderosa, e que nos destrói. De um lado, o tráfico crescendo como opção de renda nas periferias. Do outro, o número de policiais adoecendo do corpo e da mente numa curva gigante e assustadora, por diversos motivos. Políticas públicas eleitoreiras e sem alcance real de transformação de ambos os lados, e a grande questão é: por qual visão de mundo estamos olhando?

Manuela Berbert é publicitária e apresentadora do programa Debate Por ElaSS!

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Cabe torcer para que os alertas aqui mostrados, não sejam agouros, mas advertências e colaborações na perspectiva do êxito que o passado avaliza a ambas as organizações.

 

Manoel Moacir Costa Macêdo
Manoel Malheiros Tourinho

As organizações são estruturas criadas para alcançarem objetivos específicos como partes de processos institucionais existentes no mundo contemporâneo. Elas estão presentes em qualquer sociedade e espécies de governança, sistemas, formas e regimes de governo: capitalista, socialista, monarquia, oligarquia, aristocracia, democracia, ditadura, parlamentarismo e presidencialismo. As nações têm fábricas, lojas, hospitais, quartéis, escolas, centros de pesquisa, entre outras organizações que fazem a vida existir. As organizações modernas se movem segundo os ambientes, recursos, estruturas, objetivos e processos de gestão. Não são apenas estruturas físicas, a exemplo de prédios e equipamentos, ao contrário, abrigam ativos relevantes: pessoas, visões, missões, tecnologias, história, além da integridade moral e ética.

Teorias acreditadas pela ciência permitem analisar as organizações complexas sob várias perspectivas. A mais completa procura entendê-las à luz da teoria de sistemas, compreender as organizações como um arranjo sóciotécnico: universidades e centros de pesquisa são parte dos sistemas sociotécnicos de ciência e educação, como a CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira e a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Elas não operam em circuitos fechados e imunes às influências do ambiente externo. Ao contrário, estão abertas à capilaridade entre os de fora e os de dentro. Em alguns casos essa é a essência das estruturas, das tecnologias e dos seus papéis, a exemplo das organizações de saúde em tempo de pandemia. As organizações não operam no vácuo social, mas em condições de “conflitos” de variada natureza. O reducionismo das suas funções, é um artifício, tal qual o axioma da química, as “CNTP – Condições Normais de Temperatura e Pressão” e o “Ceteris paribus” da economia, onde “tudo mais permanece constante”, exceto as herméticas variáveis em análise. Ambos são recursos metodológicos, vez que no mundo real “tudo está em movimento e tudo interfere em tudo”.

Nessa perspectiva, por exemplo, um evento no setor agropecuário brasileiro, expressivo da economia nacional, mereceu atenção. Trata-se de analisar à luz de conjunturas passadas e presentes o que impulsiona o arranjo organizacional para recuperar a cacauicultura brasileira com a criação da Unidade Mista de Pesquisa e Inovação do Cacau, corruptela atualizada do “velho convênio técnico-científico” entre CEPLAC e EMBRAPA, organizações reconhecidas mundialmente devido a eficiência e sucesso no determinado lapso temporal. A CEPLAC foi modelo de uma ação integrada de pesquisa, ensino e extensão aplicada a um produto – o cacau. A CEPLAC, foi efetiva, eficiente e primorosa, em participar na ocupação da Amazônia no período do governo militar. O maior sucesso dessa missão está no fato do estado do Pará atualmente pontuar como o maior produtor de amêndoas de cacau nacional.

A EMBRAPA por sua vez, nasceu no pragmatismo da ditadura militar, como um modelo concentrado de pesquisa lastreado majoritariamente em centros de pesquisa por produtos, lógica avessa ao modelo difuso dos institutos de investigação; entretanto sem assumir os papéis derivados do ensino e extensão, ficando a sua “raiz pivotante” em produtos relevantes das cadeias agroindustriais e uns poucos nos biomas e na alimentação nacional.

A receita da Revolução Verde, orientou os propósitos da EMBRAPA no “aumento linear da produção e produtividade das lavouras e criações”, pela entrega de específicos “pacotes tecnológicos”, apartados das identidades históricas, sociais, econômicas e ambientais dos produtores rurais e seus modos de produzir e viver. A referência era a monta das inovações incorporadas em determinados produtos agropecuários na lógica reconstruída pela “inovação induzida” dos fatores de produção intensivos em capital, independentes de externalidades negativas.

O processo de colaboração entre as duas organizações estatais sob o véu do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA, qualificam a se “amigarem”, no qual a estatal EMBRAPA ajudará a outra, a CEPLAC a fazer com eficiência o dever de casa como fez outrora, trinta anos passados. Será possível, ou será o benedito? Os objetivos são ambiciosos e transbordam a realidade das organizações isoladas em seus próprios mandatos, que passam a contrair uma cegueira às ameaças do seu entorno, ontem favorável e aplaudindo, hoje judiando e crucificando. Contingências que permeiam a EMBRAPA e a CEPLAC, a primeira ainda respirando pela sua rica história, a segunda agoniando. A Unidade Mista de Pesquisa nasce numa atmosfera de carência de recursos, restrições à aquisição de equipamentos, suspensão de treinamentos no exterior, restrições às ações de apoio aos experimentos no campo e laboratórios e até de suprimento de mão de obra especializada em decorrência de aposentadorias, mortes e defecções voluntárias. A CEPLAC tem mais de um quarto de século que não repõe seus efetivos, em menor tempo, também na EMBRAPA.

Apesar da CEPLAC e EMBRAPA terem acumulado experiências exitosas no marco temporal definido, tempo que não volta jamais, a realidade não mantém a sua histórica relevância. Apresenta-se então a pergunta: tem a ideologia neoliberal, da economia de mercado, da proposta do Estado Mínimo interesse em mantê-las vivas e pujantes? Uma resposta clara, como simples exemplo a essa premissa: na Amazônia depois do cacau ter retornado às suas origens florestais pela CEPLAC nos anos setenta, quem comanda agora a economia cacaueira, inclusive na formação de novos talentos e operários para as lides da lavoura, senão o setor privado na via do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem, apostolados pelas Federações de Agricultura dos estados amazônicos produtores de cacau.

Os agentes públicos presentes na Unidade Mista de Pesquisa, apresentaram propósitos ambiciosos e desprovidos de referenciais pragmáticos à sua operabilidade sobre as pessoas, materiais, estratégias efetivas e recursos financeiros para prospectar os revelados propósitos. Para o MAPA, o objetivo é “fortalecer a cacauicultura brasileira. Incrementar a pesquisa e desenvolver novos clones, mais produtivos e resistentes às pragas. O início da retomada do Brasil como grande produtor mundial”. À EMBRAPA “identificar as principais lacunas e potenciais oportunidades para alavancar a cacauicultura nacional”. Para a CEPLAC “que o Brasil deixe de ser importador de cacau e amplie sua exportação de cacau fino, derivados e chocolate em prol da cadeia do cacau e da sociedade brasileira de forma geral”.

Nos anais da história brasileira, constam registros de organizações estatais extintas, com fartos exemplos no setor agropecuário, sem reações e contestações robustas da sociedade, até por que foram decisões legais oriundas do poder legislativo. O diagnóstico das crises, anomalias e morte das organizações, são indispensáveis para a sua sustentabilidade e governança, sobretudo as públicas. Um profundo estudo dos ciclos dos monocultivos e suas organizações fomentadoras (cacau, café, algodão e cana-de-açúcar) vindas da economia colonial, marcado pelos rastros dos baronatos, capitães, coronéis e donos da terra, do desmatamento do bioma da Mata Atlântica, ambiente inicial das ações da CEPLAC se faz necessário pensar uma nova história organizacional.

Qual o papel que ainda pode ser reservado ao Estado nessas contingências? O suposto, é de que nem mesmo a soma aritmética dos anos da CEPLAC + EMBRAPA = 112 anos serão capazes de alcançar os objetivos propostos nessa cooperação. O fundamental é compreender a real movimentação do agronegócio no país e no mundo, livres dos apanágios corporativos que terminam buscando soluções mágicas, retiradas das cartolas das grandes corporações estrangeiras, algumas mais poderosas que alguns países, na geração de emprego e renda, acumulação e modernização do mundo rural, entre outros.

As duas organizações estatais, estão em questionamentos sobre as suas inserções nas demandas do agronegócio brasileiro. A CEPLAC, no período pósConstituição Federal de 1988, mostrou os primeiros sinais de declínio, quando comparado com o seu virtuoso passado. Diríamos que está “estiolada” e “desidratada” apesar das fortes chuvas do Sul da Bahia e do Pará. Pesquisadores bem treinados, reclassificados funcionalmente como “fiscais agropecuários” podem ser vistos nas plataformas de embarque de cacau no porto de Ilhéus. A imobilidade intencional alcança trinta anos.

À EMBRAPA, os sinais de enfraquecimento não faltam e não são recentes. Nos últimos vinte anos, vem ocorrendo o contingenciamento dos seus dispêndios orçamentários e o deslocamento das demandas por resultados de pesquisa pela complexa produção agropecuária brasileira. Não é recente a desarticulação do seu programa de treinamento, a carência de aquisição de equipamentos estratégicos, os descuidos com os campos experimentais e os baixos indicadores da ciência, tecnologia e inovação, em publicações e patentes, particularmente, com as referências internacionais. “Por favor, Embrapa: acorde!”.

A sustentabilidade das organizações numa sociedade desigual estará comprometida quando algum desses fatores estiverem presentes na sua operacionalidade: gestão desconectada com a realidade, carência de cumprimento de metas robustas, baixa produtividade, afastamento progressivo da evolução do conhecimento, distanciamento das demandas locais, envelhecimento dos meios de trabalho e rendimentos incompatíveis com a unidade das “possibilidades versus as necessidades”.

Cabe torcer para que os alertas aqui mostrados, não sejam agouros, mas advertências e colaborações na perspectiva do êxito que o passado avaliza a ambas as organizações. Sem um efetivo diagnóstico organizacional para identificar as ameaças e falhas, a “boia salva-vidas” atirada ao mar para resgatar dois moribundos, não vai salvá-los. Um agonizando e o outro está deveras enfermo. Se a boia estiver furada, só resta o abraço dos afogados.

Manoel Moacir Costa Macêdo e Manoel Malheiros Tourinho são engenheiros agrônomos e, respectivamente, pesquisadores aposentados da Embrapa e da Ceplac.

Juliette Freire venceu BBB21 com 90,15% dos votos
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Com o mundo real passando na palma das mãos de todos, através da tela do celular, quem é de verdade reconhece com muita sensatez quem é de mentira. E aí, nada produzido para agradar, vender ou convencer, ecoa mais!

Manuela Berbert || manuelaberbert@yahoo.com.br

Em tempos de rótulos e definições para tudo e todos, se tem uma frase que muita gente concorda é: não se explica fenômenos! Nem os produzidos pela natureza, nem os produzidos pela mente humana, como a paixão por celebridades etc. A gente até tenta decifrar, achar “a culpa” ou culpados, mas não passamos do campo das ideias e dos achismos. Sempre foi assim!

E é sustentando essa máxima que escrevo este texto, já que ninguém consegue explicar o que leva uma nação em peso a se apaixonar por uma determinada pessoa. No caso de Juliette em si, vencedora do BBB e recorde em engajamento nas redes sociais, vendas de produtos e rankings estrondosos em buscas por seu nome, nem ela mesma. “Por quê?”, questionava. “Porque o Brasil te ama”, respondiam os apresentadores. E só isso!

Mas embora não se explique fenômenos, ouso escrever que o não fazer parte das cópias, nem vender a própria alma para fazer parte de um determinado grupo que sustenta o caráter. E ele chega antes da pessoa! Coisa para gente corajosa! Destemida! Forte! Ainda que custe lágrimas e uma boa dose de insanidade mental pelo caminho.

São tempos claros, onde ninguém mais se esconde nas esquinas. Uma hora ou outra, verdades vêm à tona. “Máscara pesa”, escutei um dia e nunca esqueci. E tem pesado na cara tanto de pessoas comuns quanto de artistas, políticos etc. Com o mundo real passando na palma das mãos de todos, através da tela do celular, quem é de verdade reconhece com muita sensatez quem é de mentira. E aí, nada produzido para agradar, vender ou convencer, ecoa mais!

Manuela Berbert é publicitária.

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Como sempre promete o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é preciso mais Brasil e menos Brasília. Pelo visto, há, em sua trupe palaciana, os que discordam dessa assertiva.

 

Walmir Rosário

O título desta crônica nos remete ao hediondo período da escravidão, em que pessoas eram condenadas ao degredo simplesmente por discordar do ponto de vista dos governantes daquela época. O Brasil e outros países vivenciaram esse crime contra a humanidade desde sua formação, mas como o costume do cachimbo deixa a boca torta, esse ato repulsivo continua entre nós até hoje. Mudou-se apenas a metodologia.

Caso mais recente entre nós grapiúnas foi o que aconteceu na Ceplac com a repulsiva decisão do diretor-geral da Ceplac, Waldeck Pinto de Araújo Junior, ao exonerar o cientista Raul Valle do cargo de diretor do Centro de Pesquisas do Cacau da Comissão Executiva Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Ainda por cima comunicou a decisão via telefone, atitude estranha aos princípios da administração pública. Um simples ato de provocação.

A medida de Waldeck Pinto seria corriqueira caso se tratasse apenas de uma dança das cadeiras, com a simples mudança de dirigentes. Mas não se tratava de seguir os pachorrentos trâmites burocráticos e sim transferir Raul Valle para fiscalizar porões de navios no porto de Ilhéus, pelo grave crime de não concordar com o abrupto desmonte da Ceplac, liderado pelo diretor-geral da Ceplac, desconhecedor da cacauicultura.

Nada contra ao relevante trabalho desempenhado pelos auditores-fiscais do Ministério da Agricultura na inspeção de produtos agropecuários para garantir qualidade de vida, saúde e segurança alimentar, e sim do ato de retaliação. E a reação à famigerada atitude de Waldeck Pinto veio em cadeia com o afastamento de nove servidores que ocupavam cargos relevante na direção na Ceplac.

Posso afiançar que os pedidos de afastamento não foram meros atos de defesa corporativa e em defesa do colega exonerado e, sim, da preservação da Ceplac, que já foi o maior centro de pesquisa em agricultura tropical do mundo e que há muito fadada à extinção. Os servidores ainda em atividade são responsáveis pelo desafio da renovação da cacauicultura, que se recupera da vassoura de bruxa e cerram fileiras contra a monília.

Está mais que provado que não se faz ciência da noite para o dia, especialmente num tipo de cultivo perene, a exemplo da cacauicultura, cujo conhecimento científico abrange o trabalho de pesquisa e extensão por vários anos. Matando a Ceplac por inanição, como também pretende o diretor-geral Waldeck Pinto, todo esse cabedal de conhecimento é jogado no lixo junto com os recursos humanos e financeiros dispendidos pelo contribuinte.

O que há anos promovem contra a Ceplac é um crime de lesa-pátria. Não matam apenas a instituição, mas a economia e a dignidade das populações das regiões cacaueiras, que já sofrem com a falta de uma política para esse importante segmento. Não sou contra a extinção do atual modelo de Ceplac, pensado há mais de 60 anos e que deve ser revitalizado, não importando o nome que passe a ostentar.

O que não podemos admitir é que a manipulação no orçamento da Ceplac – feito por sucessivos governos – o transforme em valores ridículos, impedindo a continuidade das pesquisas e da extensão – ou o que ainda sobra delas. A defesa desses princípios teria sido o ponto de partida das retaliações contra Raul Valle, cientista que há muitos anos lidera as pesquisas exitosas da Ceplac.

Mais inteligente seria o diretor-geral encaminhar a transferência da Ceplac para instituições análogas como a Embrapa e/ou parceria com universidades, aproveitando o corpo de cientistas à beira da aposentadoria. Solucionaria os problemas existentes na Ceplac, a exemplo da escassez de cientistas para tocar os projetos em desenvolvimento, economizando ainda, os recursos financeiros.

Temos que considerar que atualmente a Ceplac está esvaziada, em termos de especialistas em importantes áreas da pesquisa, e especialmente de fisiologistas conhecedores do cacaueiro, como é o caso de Raul Valle. Com tempo suficiente para gozar a merecida aposentadoria, Raul Valle prefere continuar a emprestar sua formação e conhecimento à Ceplac e à cacauicultura.

Mas quem é Raul Valle: Hondurenho nacionalizado brasileiro, Raul René Meléndez Valle é graduado em Agronomia e Fitotecnia pela Faculdade de Agronomia e Zootecnia Manoel Carlos Gonçalves (1972); mestre em Plant Physiology – University of Florida (1978); doutor (1982) e pós-doutor (1984) em Crop Physiology – University of Florida. “Era” pesquisador principal da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira e revisor de várias revistas nacionais e internacionais. Tem experiência na área de Ciências Biológicas, com ênfase em Fisiologia da Produção e Ecofisiologia de Plantas Cultivadas, atuando principalmente nos seguintes temas: trocas gasosas, fisiologia da produção, indução de resistência sistêmica, vassoura de bruxa e cultura de tecidos no cacaueiro.

Como sempre promete o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é preciso mais Brasil e menos Brasília. Pelo visto, há, em sua trupe palaciana, os que discordam dessa assertiva.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

 

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A renovação política, senhores, passa pelos jovens, pela internet e pelas mulheres. E o grupo da direita sabia disso quando sugeriu Ana Paula para vice de Bruno Reis nas eleições de Salvador em 2020. E Rui Costa sabia disso quando sugeriu Major Denice como candidata, mesmo entendendo a pequena chance.

Manuela Berbert || manuelaberbert@yahoo.com.br

Não poderia começar esse texto sem citar que uma liderança escolhida erroneamente, se aproveitando da força da internet e de fake news disparadas pelo próprio grupo, pode destruir uma nação. Infelizmente, a pandemia revelou esse lado perverso da proposta de reciclagem política e isto é um fato, mas vou me ater a outros nomes e grupos. E seguir a pauta.

Aqui na Bahia, por exemplo, a renovação é nítida, ainda que alguns carreguem sobrenomes já conhecidos da população. Na coletiva de imprensa proposta pelo arrojado vice-prefeito de Itabuna, Enderson Guinho, na última terça-feira, Vinícius Ibrann disse governar Buerarema praticamente 100% com recursos próprios. De posse do microfone, com um discurso empolgante, sugeriu Rodrigo Hagge, atual prefeito de Itapetinga, para candidato a vice-governador nas próximas eleições, fazendo alusão à força da juventude e do interior. Personas que até herdaram a veia política dos pais, mas que já nem os citam mais como referência, afinal suas gestões engoliram as anteriores. (Com todo o respeito desta que vos escreve, claro!)

E aí, eu vou, neste contexto que insisto aqui, até Vitória da Conquista, onde, por uma fatalidade do destino, a vice Sheila Lemos Andrade tornou-se prefeita. Contrariando quem achava que ficaria apática, três dias após a posse moveu todo o tabuleiro do jogo local, se consolidando como liderança de personalidade daquela região. Vou a Eunápolis e cito Cordélia Torres, que, embora tenha ao lado o marido Dapé, velho conhecido do meio, chegou chegando e imprimindo uma gestão humanizada e muito próxima da população.

A renovação política, senhores, passa pelos jovens, pela internet e pelas mulheres. E o grupo da direita sabia disso quando sugeriu Ana Paula para vice de Bruno Reis nas eleições de Salvador em 2020. E Rui Costa sabia disso quando sugeriu Major Denice como candidata, mesmo entendendo a pequena chance. Como sabia quando ligou para o então prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, em 2020, e disse “a sua vice está dentro de casa”. Numa tentativa de reverter a situação, ele teria sugerido Elaine Carletto, sua vizinha, que sequer sabia da jogada. Rui insistiu, de outra forma: “Fernando, a sua candidata está dentro de casa!”. Sandra Neilma, que aparecia discretamente nas pesquisas, foi apagada pelo grupo, em um gesto de machismo que já não cabe mais.

E o restante da história a gente já conhece…

Manuela Berbert é publicitária.

Segundo articulista, livro do ex-comandante das Forças Armadas, Eduardo Villas Bôas, é obra de "delírio absoluto"
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O general quer o silêncio, uma sociedade sem debate, sem consciência dos seus problemas. Uma sociedade de ordem unida e sem democracia.

Carlos Pereira Neto Siuffo

Segunda-feira, 19 de abril, terminei de ler o livro “Conversa com o comandante”, do General Villas Bôas. Cada página lida me estarrecia com o despreparo do comandante. Lembrava do general-ditador Figueiredo dizendo ser um intelectual em razão de ter sido o primeiro em matemática na Academia. O general é um boçal.

Sempre leio muitos livros ao mesmo tempo, sendo constante, raramente não ocorre, leituras diárias da Bíblia (sou agnóstico), de Machado de Assis e dois ou três poemas. No dia em que findei a leitura do “Conversa com o comandante”, tinha terminado a releitura de “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar, e o conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis.

No clássico de Raduan Nassar, André, o protagonista, narra o avesso de si próprio e da família; no conto de Machado, um pai ensina a um filho como deve proceder para se dar bem na vida. Os dois livros calharam bem com o do General (mesmo achando que o militar nunca leu Nassar nem o Bruxo do Cosme Velho).

O livro do oficial é uma fantasia de propaganda política e ideológica, evidentemente escrito para o público interno: é inventada uma família militar e apresentado um roteiro de como deve se fazer para que tudo dê certo. É um avesso do real. “Toma cuidado para não te deixares seduzir e não seres humilhado por sua insensatez”(Eclo 13).

Terminada a leitura, liguei para um grande amigo, filho de general, que passou grande parte sua vida em colégios e vilas militares. Não foi para a Aman porque desistiu da carreira. Ainda hoje frequenta os clubes militares para praticar exercícios e fazer sauna. Conhece como poucos a vida e o que pensa a tal família. Inclusive, tem um irmão Coronel.

Esse amigo também leu o livro de Villas Bôas e, quando fiz alguns comentários debochados, ouvi uma boa risada, acompanhada da seguinte frase: “Toda mulher de oficial é santa e não existe oficial corno nem homossexual”. Pois é.

Vou passar ao largo do tuíte golpista para pressionar o STF a retirar Lula das eleições de 2018, segundo o autor, articulado com o Alto Comando do Exército. Um recado para que todos estejam comprometidos com o desgoverno Bolsonaro.

Todo mundo no Exército é perfeito. Sobre a desastrada intervenção militar no Rio, quando foi assassinada a vereadora Marielle Franco, cuja opinião dos especialistas foi um retumbante fracasso, o comandante diz “que se mostrou impecável” e, em razão disso e da “maneira de ser do Braga Netto, levou o presidente Bolsonaro a nomeá-lo para a chefia da Casa Civil onde, tenho certeza, vai se haver muito bem.” Hoje, Braga Netto é Ministro da Defesa e fez, há poucos dias, discurso golpista publicado nas páginas secundárias da grande mídia.

Sobre Pazzuello, o especialista em logística, que entregou o Ministério da Saúde com 300 mil brasileiros mortos (pegou com 14 mil), ele ressalta o seu papel numa suposta acolhida humanitária de refugiados venezuelanos – conforme Celso Amorim, uma submissão aos Estados Unidos – graças à criatividade do general Pazuello.

Segundo Villas Bôas, quando Pazuello foi designado para comandar a Operação Acolhida, “garantiu o êxito da recepção, triagem, abrigo, saúde, alimentação e interiorização de milhares de venezuelanos. Sem falsa modéstia, fez com que nos tornássemos referência mundial”. Delírio absoluto!

Pazuello, infelizmente, não teve tal competência para salvar vidas de brasileiros. Certamente, um dia, será responsabilizado pelo que fez e não fez no combate à Covid.

Bolsonaro, na Cúpula do Clima, pronunciou, mais uma vez, um discurso mentiroso, distorcendo toda a realidade. O mundo desaprova o governo brasileiro. O ministro Ricardo Salles é persona non grata para o Brasil e o mundo todo. A política ambiental do desgoverno Bolsonaro é um desastre. O Brasil está na berlinda do malfeito.

Sobre Ricardo Salles, Villas Bôas escreve duas vezes. Aqui vai a primeira: “Cito como exemplo expressivo o que vem sendo feito com nosso destacado e eficiente ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que corajosamente, desde que assumiu sua pasta, vem lutando para desmontar estruturas aparelhadas, ineficientes e corrompidas, que criaram um ambiente favorável à dissipação de recursos financeiros, sem que se produzam os efeitos pretendidos”.

Na visão do general, o ministro resiste a verdadeiro massacre. “Um personagem que, por vezes, é alvo de um massacre de acusações, até mesmo com origem no exterior, é o já citado ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que “ousa” denunciar o que está por trás do indigianismo e do ambientalismo internacionais. A virulência das críticas é um indicativo da fragilidade dos argumentos. Usam então o expediente de, diante da incapacidade de refutar os argumentos, desqualificar a fonte”.

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Presidente conseguiu emplacar medo de vacina num país onde o vírus contra o qual ela protege chegou a matar 4 mil pessoas num dia
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Do ponto de vista de quem sabotou a compra de vacinas e discursou contra as medidas restritivas (e impopulares) de combate ao vírus, faz sentido convencer as pessoas de que não há justificativa para pressa em se proteger contra uma doença que matou mais de 3 milhões de semelhantes em 18 meses.

Thiago Dias

No segundo semestre de 2020, enquanto o mundo corria atrás de farmacêuticas para garantir a compra de vacinas entregues a tempo de salvar vidas,  o presidente da República não aceitou os termos do contrato da Pfizer, que ofereceu sua vacina contra covid-19 ao Brasil.

Feita em agosto, a oferta previa a entrega de 500 mil doses em dezembro, 3 milhões em fevereiro e 70 milhões até junho de 2021. No sábado (24), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que o Brasil vai receber 1 milhão de doses da Pfizer até esta quinta-feira (29).

Dessa vez, o governo aceitou todas as cláusulas da fabricante, inclusive a que a isenta de responsabilização por eventuais efeitos colaterais da vacina. Essa cláusula está presente nos contratos de todos os países com a Pfizer. Um mês depois de negar a oferta, Bolsonaro não se insurgiu contra o acordo da Fiocruz com a Astrazeneca, que tem a mesma cláusula.

Segundo as associações farmacêuticas, essa isenção é regra comum há décadas, mesmo porque os países têm instituições que controlam a qualidade de vacinas e medicamentos disponibilizados à população, a exemplo da nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Portanto, são as nações e seus governantes, orientados por agências especializadas, que assumem a responsabilidade inerente ao exercício do mandado político.

“E DAÍ?”

Bolsonaro age como se fosse inimputável, pois zomba da responsabilidade do cargo mais poderoso do sistema de governo presidencialista. Na sua versão distorcida sobre a competência concorrente entre os entes federativos na gestão da crise, ele não tem culpa pelo descontrole da pandemia, porque o STF teria esvaziado o poder do Executivo Federal nessa matéria. Mentira. O Supremo apenas reconheceu a autonomia de estados e municípios, sem afastar a competência da União, para legislar sobre as medidas de saúde pública. A verdade é que Bolsonaro não quis assumir a parte que lhe cabe desse latifúndio macabro.

Quem esqueceu o questionamento lapidar do ex-ministro Pazuello, feito em dezembro de 2020, quando o país beirava a marca de 200 mil mortes pela Covid-19, e jornalistas, estes idiotas, pediam o cronograma da campanha nacional de vacinação? “Pra que essa ansiedade, essa angústia?”, perguntou o auxiliar do capitão. Talvez não imaginasse que o dobro de vidas seriam perdidas quatro meses depois. Apesar do flagrante descolamento da realidade, pode ter faltado imaginação ao general de 3 estrelas.

Do ponto de vista de quem sabotou a compra de vacinas e discursou contra as medidas restritivas (e impopulares) de combate ao vírus, faz sentido convencer as pessoas de que não há justificativa para pressa em se proteger contra uma doença que matou mais de 3 milhões de semelhantes em 18 meses.

No meio desse terror, o presidente conseguiu emplacar o medo de vacina. Alguém, neste exato momento, está sendo surpreendido por outro alguém dizendo-lhe que não quer ser vacinado, e o mérito desse grande feito de convencimento contra a razão é, em grande parte, de Jair. Um grande feito, como se sabe, não é necessariamente bom. O adjetivo dimensiona o substantivo, mas seu produto pode ser uma catástrofe. É esse o caso da obra de Bolsonaro, o protagonista de uma tragédia nacional.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

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No fundo do palanque os marqueteiros Valdomiro Júnior e Vander Prata comemoravam a vitória da campanha. Não deu outra, Valderico Reis ganhou a eleição disparado. Quanto às promessas… deixa pra depois…

 

Walmir Rosário

A campanha eleitoral de Ilhéus corria a solta em 2004, com as candidaturas de Valderico Reis, Soane Nazaré de Andrade, Ruy Carvalho, Ângela Sousa, Roland Lavigne, Correia e Magno Lavigne à prefeitura ilheense. Com base eleitoral mais privilegiada junto aos bairros carentes, onde costumava frequentar bares e botecos famosos pela cerveja gelada e comida pesada (sarapatel, mocotó, dentre outras iguarias), Valderico Reis se sentia nas nuvens e não admitia perder da campanha.

Além de ser bem recebido nesses locais, nos quais era frequentador assíduo – ao contrário dos outros candidatos –, se sentia em casa e era tratado pelos moradores como um membro da família. Bebia cerveja, pagava cachaça para todo mundo, e provava de verdadeiros banquetes durante as caminhadas e nos comícios esses bairros viviam uma verdadeira apoteose.

Valderico Reis era empresário do setor de transportes urbanos e interestaduais e se tornou inimigo figadal do prefeito Jabes Ribeiro, por motivos que aqui não merece uma avaliação mais abalizada. E foram justamente as discussões entre os dois que fizeram Valderico lançar sua candidatura a prefeito, com a finalidade de derrotar o candidato apoiado pelo prefeito Jabes Ribeiro.

Mas para Valderico isso só não bastava, era preciso falar mal de seu inimigo – o prefeito Jabes Ribeiro – e garantir o voto com as promessas de campanha, que jurava ser o primeiro prefeito a cumpri-las, na íntegra, pois era um empresário de sucesso. No discurso, se apresentava como o único candidato que não precisava do dinheiro da Prefeitura, e todo o salário (subsídio) recebido seria doado para a construção de creches, escolas e instituições sociais.

E quando falava que era um empresário de sucesso e não dependia do dinheiro da prefeitura, os eleitores iam ao delírio. Finalmente Ilhéus teria um prefeito que governaria com o povo. E a cada caminhada pelos bairros periféricos e morros Valderico desfiava seu corolário de realizações, que daqui pra frente beneficiaria, sobretudo os mais pobres, gente simples, assim como ele, que falava a língua do povo.

A educação seria tratada como nunca e não ficaria um só aluno fora da sala de aula, recebendo merenda de qualidade e ensino durante todo o dia, com matérias profissionalizantes, para que o jovem aprendesse uma ocupação de verdade. A partir do início do seu governo construiria creches para que os pais pudessem trabalhar o dia inteiro, enquanto os filhos ficariam sob os cuidados da prefeitura.

E as camadas mais pobres da população poderiam ter certeza que Valderico Reis iria a Brasília buscar recursos para construir casas populares, livrando-os dos pesados alugueis. Para isso já teria conversado com deputados e senadores para tirar Ilhéus do atraso, das ruas esburacadas e cheia de lama. Até o final do seu mandato Ilhéus inteira teria asfalto de primeira em todas as ruas.

A saúde era outro segmento que Valderico Reis prometia privilegiar, pois sabia dar valor, por ter origem humilde. Num desses comícios, mais exatamente no bairro Nossa Senhora das Vitórias, iniciou falando do descaso do governo municipal com os moradores, relegados ao abandono, mostrando que não existia esgoto no local, o lixo não era recolhido e nem posto de saúde existia.

Por si só, o bairro carecia de tudo que Valderico prometia fazer para o bem-estar da população. A cada promessa, gritos de apoiado, salva de palmas, o povo entrava em delírio. Não restavam dúvidas de que era o candidato ideal para governar Ilhéus. Lá pras tantas, empolgado com a atenção dos moradores, ao ver umas senhoras de idade, resolveu fazer ampliar as promessas, e disse:

– Quando eu for prefeito vou implantar cirurgia plástica nos postos de saúde e todas as mulheres vão ter direito a ficar com os peitos durinhos – exclamou.

E para demonstrar que estava falando a verdade, pegou nos seios de uma mocinha que estava ao seu lado e se saiu com mais essa:

– Não estou mentindo não, todas vocês vão ficar como essa menina aqui, ó! – e continuou com o discurso, embora não tirasse a mão do corpo da mocinha, para delírio da plateia.

No fundo do palanque os marqueteiros Valdomiro Júnior e Vander Prata comemoravam a vitória da campanha. Não deu outra, Valderico Reis ganhou a eleição disparado. Quanto às promessas… deixa pra depois…

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Eu não sei de quem foi a nobre ideia de garantir o vice-prefeito Enderson Guinho na Secretaria de Esportes, mas foi, de longe, uma das grandes decisões do governo de Augusto Castro, atual prefeito de Itabuna.

Manuela Berbert

Se a educação convencional e presencial já demonstrava falência especialmente nas comunidades carentes, a pandemia veio para fragilizá-la ainda mais. Sem a presença obrigatória na sala de aula e a falta de recursos para uma condição mínima de conhecimento, não quero nem imaginar o resultado disso tudo a médio e longo prazo. Sabemos que a preocupação é e deve estar voltada para a fome e a sobrevivência de todos, mas não precisamos ter bola de cristal para imaginarmos que a pandemia vai passar, mas muitas consequências dela serão irreversíveis.

Trago para a discussão, neste momento, a importância da valorização do esporte como alternativa não somente como qualidade de vida, mas também como entretenimento. Uma tentativa, sendo bem direta nas palavras, de salvar os jovens e as crianças do ócio, desocupação que proporciona o contato com as drogas, que empodera a criminalidade, e segue num círculo destrutivo que a gente já conhece. É triste, é lamentável e é a degradação do ser humano tanto quanto uma doença, porque também destrói famílias direta e indiretamente.

Eu não sei de quem foi a nobre ideia de garantir o vice-prefeito Enderson Guinho na Secretaria de Esportes, mas foi, de longe, uma das grandes decisões do governo de Augusto Castro, atual prefeito de Itabuna. Guinho, que passou o último mandato como vereador, foi um ferrenho combatente do governo inexpressivo de Fernando Gomes. Com muita responsabilidade, ele é perspicaz e circula muitíssimo bem em todas as classes, o que lhe garante o título de liderança de muitos e diferentes times, mas, especialmente, dos jovens.

Não precisa ser expert em política para entender que a composição de vices é, muitas vezes, jogada para tempo de TV e apoio de partidos e que muitos, após eleitos, seguem à sombra e não se destacam. Guinho, que é vice-prefeito e acumula o cargo de secretário de Esportes e Lazer, desde o primeiro momento vem circulando nos bairros almejando a reforma de quadras esportivas e, na última semana, apareceu resgatando time e estádio, num pontapé inicial que já marca espaço e avança na pontuação do seu novo mandato. Avante, capitão!

Manuela Berbert é publicitária.

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A visita representa alvíssaras de que em um breve período nenhum dos alunos do ABC da Noite estará fora da sala de aula. Quem garante é o professor Caboclo Alencar.

 

Walmir Rosário

Nunca, em tempo algum neste Brasil, uma visita foi tão comemorada pelos boêmios do Beco do Fuxico e adjacências. Entrando o mês de abril, justamente no dia 1º, em que se costuma a contar mentiras, uma verdade merece ser contada em alto e bom tom: o Caboclo Alencar, nos seus 90 anos, deu as caras no Beco do Fuxico, o endereço do mais conceituado boteco de Itabuna.

Sem alarde ou notícias enviadas aos colunistas sociais que emolduram e abrilhantam nossa imprensa, a visita do Caboclo Alencar teve a simples finalidade de realizar uma vistoria nas instalações do majestoso ABC da Noite, fechado desde que apareceu a pandemia. No chamado grupo de risco, o Caboclo preferiu encerrar as atividades – temporariamente – no seu estabelecimento.

Como faz parte do costume do Caboclo, nesses quase 59 anos de atividades do ABC da Noite, a simplicidade é a marca registrada deste boteco que se transformou numa instituição itabunense. E esse mérito pode ser creditado às divinas batidas que são manipuladas na linha de produção, onde são associadas frutas e raízes às cachaças e vodcas, transformando-as no néctar dos deuses, e aos seus clientes.

Pois é, mas como com a pandemia da Covid-19 ninguém brinca, o Caboclo Alencar resolveu fechar o boteco por algum tempo e se refugiar em casa, longe dos vírus indiscretos que atacam a qualquer hora do dia ou da noite. Mas como os clientes – alunos, melhor dizendo – não se conformavam sem as aulas diárias, enriquecidas com as batidas de limão, maracujá, gengibre, pitanga, o Caboclo resolveu trabalhar em casa.

Mas foi logo avisando que não queria nenhum “piseiro” em casa e que os pedidos seriam feitos pela internet, através do e-mail ou pelo telefone – fixo e celular –, com hora marcada para retirá-lo. Aos poucos, via whatsapp, as batidas do ABC da Noite eram exibidas nas redes sociais como se fossem troféus arduamente conquistados em campeonatos internacionais, como a copa do mundo.

Mas como diz o ditado que gato escaldado tem medo de água fria, o Caboclo Alencar resolveu sair da toca – o recesso do lar – para dar uma olhadinha no prédio sede do ABC da Noite, uma simples vistoria de rotina. Sem alardes, saiu pela manhã com o intuito de fazer umas compras e aproveitou para dar uma passadinha no Beco do Fuxico e vistoriar se estava tudo em ordem.

E tinha razão o Caboclo, pois assim que o prédio do ABC da Noite ganhou status de tombado pelo patrimônio histórico como patrimônio material imaterial de Itabuna, com direito a discursos e muita bebedeira, aconteceu o impossível. No fim de semana, um inimigo – ou melhor, um amigo do alheio – subiu pela parede de frente, arrombou o telhado do prédio e surrupiou os R$ 300,00 deixados na gaveta.

É bom que fique registrado que o tal larápio não tocou nos poucos litros de batidas acondicionados no freezer, talvez por desconhecer a riqueza do conteúdo engarrafado, que foi disputado pelos clientes. Do alto de sua sabedoria, o Caboclo Alencar analisou o malfazejo em entrevistas para os programas policiais como sendo arte de um reles vagabundo chegado ao uso de crack e cachaça vagabunda.

Como dizem que um raio não costuma cair duas vezes no mesmo lugar, o interior do ABC da Noite se encontrava intacto, sem sofrer qualquer invasão dos larápios, que preferiram arrombar lojas vizinhas, aquelas que comercializam aparelhos eletrônicos, celulares e joias. Após uma rápida conferida no estoque, os litros de cachaça de Itarantim e de vodca estavam intactos, sem qualquer violação.

Se desta vez não houve prejuízo material, o Caboclo Alencar não contava com a quantidade de espiões de prontidão para fotografar sua chegada triunfal ao Beco do Fuxico. Tudo coordenado por Alex Alves (Português) que, de celular em punho, registrou todos os passos do Caboclo, e ainda por cima ligou para outros alunos do ABC da Noite anunciando que as aulas teriam sido iniciadas.

Mais do que de repente, pelo menos uma dúzia de alunos repetentes se postaram em frente ao ABC da Noite à espera que as portas se abrissem e pudessem se deliciar com as festejadas batidas. Nem mesmo nas ausências furtivas do Caboclo, quando ainda apreciava e fazia uso de uma boa cachaça e cerveja, ou de suas viagens de férias pelo Brasil afora, seus alunos foram acometidos de tanta carência etílica.

Mas, para o desespero da distinta clientela, a esperada festa durou apenas poucos minutos. Após o Caboclo Alencar fechar a porta com os cadeados e deixar os clientes com água na boca, anunciou que seria por pouco tempo. A visita representa alvíssaras de que em um breve período nenhum dos alunos do ABC da Noite estará fora da sala de aula. Quem garante é o professor Caboclo Alencar.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Não sou rico, meus familiares e amigos também não dispõem de grandes recursos. Porém, em sua maioria, tem algo, em comum, o gosto pela leitura, gosto esse que o inominável quer nos tirar..

Cláudio Rodrigues

Membro da bancada do Partido Comunista e eleito para a Assembleia Constituinte de 1946, o então deputado baiano Jorge Amado, eleito por São Paulo, foi autor da Emenda 2.850, aprovada naquele ano e 42 anos depois ratificada e ampliada na Constituição Cidadã de 1988. A Emenda do parlamentar e escritor grapiúna proibia a União, Estados, Distrito Federal e Municípios de criar impostos sobre livros.

Eis que o desgoverno de extrema-direita de Jair Bolsonaro em seu projeto de reforma fiscal prevê taxação sobre a aquisição de livros em 12%, com o argumento pífio de que “pobre não lê”, somente os ricos. O mesmo desgoverno que não tributa bancos, grandes fortunas e zera alíquotas para importação de armas quer dificultar o acesso aos livros, inclusive os didáticos.

O escritor Monteiro Lobato disse que um país se faz de homens e livros. Já o atual mandatário brasileiro acredita que uma arma tem mais valor que o exemplar de um livro. Não sou rico, meus familiares e amigos também não dispõem de grandes recursos. Porém, em sua maioria, tem algo, em comum, o gosto pela leitura, gosto esse que o inominável quer nos tirar.

Como pode um presidente que já assumiu que a única “obra” que leu, se é que leu, foi Verdade Sufocada, autobiografia do torturador Brilhante Ustra, e que nem bula de cloroquina, que ele receita a 3×4 para combater a Covid-19, chegou a ler. Quer dificultar o acesso dos brasileiros aos livros? Coisa que nem mesmo os militares – com seu regime de pouco mais de duas décadas de exceção – foram capazes de fazer.

Com o intuito de bajular o chefe, o “Posto Ipiranga”, cada vez com menos combustível, Paulo Guedes e os burocratas da Receita Federal criaram um argumento desprezível para dificultar que os brasileiros obtenção conhecimento e cultura literária.

Como disse Nelson Cavaquinho e Elson Soares, na letra da canção Juízo Final, “quero ter olhos pra ver a maldade desaparecer…”. Cabe aos escritores, editores, deputados, senadores e – principalmente – ao povo se unir para barrar essa proposta que extrapola o absurdo. O legado do amado Jorge irá prevalecer.

Cláudio Rodrigues é consultor.

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É extremamente grave o fato de termos atingido, no dia de ontem, a triste marca recorde de 4.195 mortes por Covid-19 em 24 horas

Paulinho Silva

Hoje, Sete de Abril, é Dia Mundial da Saúde. A nós, militantes sociais, cabe continuarmos no caminho da construção de um mundo mais justo e saudável. Esse é o tema da campanha da OMS/OPAS – Organização Mundial da Saúde representada, aqui na região das Américas, pela Organização Panamericana de Saúde.

Não podemos continuar na situação em que algumas pessoas tenham melhor “acesso aos serviços de saúde do que outras – devido às desigualdades em sua posição, status e voz na sociedade e as condições em que nascem, crescem, vivem, trabalho e idade”. (OMS, 2021)

No Brasil, nosso SUS, cujos princípios de universalidade, equidade e integralidade, é a garantia dos brasileiros, especialmente os mais vulnerabilizados, para o acesso a serviços e ações de saúde, como agora na pandemia, onde todos, indistintamente, tem no SUS em grande parte a assistência e a imunização nesse grave momento de pandemia.

Por isso, devemos reforçar a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como política pública inclusiva e de qualidade. Que o Conselho Nacional de Saúde traz em debate hoje.

Segundo o CNS, “em 2021, a regra do orçamento emergencial para enfrentamento à pandemia não existirá mais. Ou seja, voltamos ao sufocamento da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou investimentos em saúde e demais áreas sociais até 2036. O CNS já demonstrou que houve perda de R$ 22,5 bilhões a partir de 2018 até 2020, quando as novas regras de cálculo do piso da EC 95/2016 passaram a valer”.

O SUS é conquista do povo brasileiro forjado na histórica Conferência Nacional de Saúde de 1986 que fomentou o capítulo de saúde e tornou possível a materialização do direito à saúde descrito e garantido pela Constituição de 1988 como um direito de todos e dever do Estado.

Então, mais do que nunca, precisamos reforçar a campanha de defesa do SUS e recomposição do seu orçamento, que passa pela revogação da EC 95/2016. Além disso, pasmem, na proposta de orçamento apresentada semana passada pelo governo federal e aprovada pela bancada de apoio, a saúde do Brasil sofre um corte de 22% em relação ao empenhado no ano passado, segundo a bancada de oposição no Congresso Nacional.

Outro ponto importante é defender a estrutura de gestão pactuada que garante o controle social a nível nacional, estadual e municipal. Em Itabuna o Conselho Municipal de Saúde exerce seu papel fundamental de defesa do SUS, de fiscalizador e propositor das ações de saúde pública e se estabeleceu como fórum importante de debates, especialmente na reestruturação do nosso sistema a partir da atenção básica, além de estar desde o princípio da pandemia participando ativamente dos comitês de combate a covid-19.

Este dia também é dedicado, com muita justiça, aos Trabalhadores da Saúde, nossos heróis e heroínas, que têm demonstrado coragem, profissionalismo e, acima de tudo, lealdade à profissão e amor pelo que fazem, mais evidenciado ainda nesta pandemia. A todos vocês minha gratidão, respeito e minhas mais sinceras homenagens.

Deixo meu repúdio ao comportamento absolutamente condenável do Presidente da República na condução da crise sanitária. É extremamente grave o fato de termos atingido, no dia de ontem, a triste marca recorde de 4.195 mortes por Covid-19 em 24 horas, de acordo com levantamento do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde) e, ao todo, 336.947 brasileiros que perderam a vida. Mais triste ainda saber que essa situação poderia ser evitada se as autoridades sanitárias e médicas fossem ouvidas, se a ciência não fosse negada e o apreço pela vida fosse o imperativo.

Meu apoio e admiração a coragem e determinação de governadores, prefeitos, gestores, universidades, institutos de pesquisa, cientistas e professores que estão nos comitês universitários, que, com base em evidências, em verdades factuais, estatísticas, científicas e imbuídos da firmeza necessária não cedem a pressões de extremistas e exercem o verdadeiro combate a este mal.

Por fim, minha mais profunda solidariedade as famílias enlutadas. Meu sentimento de profundo pesar, mas sobretudo, minha participação e luta por um mundo mais justo e saudável.

Paulinho Silva é conselheiro municipal de Saúde.