Walmir Rosário aborda a origem do "feriado" de Corpus Christi no Brasil
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Esse é um feriado – ou ponto facultativo – estranho, que ninguém sabe ao certo como aportou no Brasil com ânimo definitivo. Por ouvir dizer, me consta que iniciou como uma parada bancária e se perpetuou.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Lembro-me perfeitamente dos dias santos e feriados que eram respeitados no meu tempo de criança e adolescente. Nestas datas não precisávamos frequentar a escola, muito menos o trabalho, para os que já pegavam pesado no batente. Era uma festa. Embora soubéssemos pelo calendário, essas datas sempre eram acrescidas em função da tradição e legislação estadual ou municipal.

Além dos feriados corriqueiros, aqueles que se destacam na folhinha com letras vermelhas (acredito que para chamar mais a atenção), éramos avisados que dias tais não precisávamos vir às aulas, pois a cidade estaria em festa com sua micareta. Festejávamos os dias santos e o prefeito decretava feriado nas vitórias da seleção de Itabuna, sem contar os pontos facultativos no serviço público.

Vivíamos em constante estado de festa. E como hoje (08-06-2023), também chamado de quinta-feira, é dia de Corpus Christi, me encontro no perfeito gozo de um merecido descanso, apesar de não trabalhar formalmente. Esse é um feriado – ou ponto facultativo – estranho, que ninguém sabe ao certo como aportou no Brasil com ânimo definitivo. Por ouvir dizer, me consta que iniciou como uma parada bancária e se perpetuou.

Claro que esse feriado ou ponto facultativo (em algumas cidades) tem um pezinho na nossa ancestralidade portuguesa, com certeza, nas raízes da religiosidade e atendimento à bula papal editada por Urbano IV, lá pelos longínquos idos de 1264. Pelo que se sabe, o papa teria incumbido o grande filósofo São Tomás de Aquino para redigi-la, em comemoração a Corpus Christi.

Só que o papa Urbano IV não teve a felicidade de comemorar a data ou editar alguma indulgência, pois morreu logo após ter mandado instituir a homenagem, tanto é assim que a bula somente foi reafirmada pelo Concílio de Vienne, em 1311. No Brasil, pelas ordens do primeiro-ministro português Marquês de Pombal, as coisas políticas e religiosas não caminhariam mais juntas, portanto deveria acabar essas comemorações.

Mas ela – a data – resistiu bravamente e se encontra em nosso meio até os dias de hoje. O São João também sofreu as perseguições em nome do estado laico, e hoje não é comemorado em grande parte do Brasil. Em Itabuna, por exemplo, deixou de ser feriado há muitos anos e não tem mais a competência para fechar o comércio, indústria e serviços, embora os itabunenses se mandem para “forrozar” em Ibicuí e Jequié.

Lembro de certa feita em que os gerentes de bancos se sentiram atemorizados em funcionar em plena festa junina sem a devida segurança. É que grande parte da Polícia Militar teria sido transferida para os grandes sítios forrozeiros. E a solução encontrada foi sensibilizar o poder público municipal para decretar o competente decreto de ponto facultativo, extensivo à iniciativa privada, devido à possível insegurança. Fechou tudo.

Outro feriado tradicional de Itabuna era o dia do Caixeiro (comerciário), comemorado religiosamente em 30 de outubro, chovesse ou fizesse sol. De uns tempos pra cá, foi retirado do decreto e somente vale por acordo, através da negociação sindical, e em data móvel. Perdeu a graça, pois a maior comemoração era o Torneio Caixeiral, com a participação de cerca de 50 equipes formadas por comerciários. Nem lembram mais.

Duro mesmo eram as empresas e órgãos públicos que têm em seu quadro de pessoal itabunenses e ilheenses, independente do município onde está sediada, a exemplo da Ceplac e Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Elas fechavam nos feriados e dias santos das duas cidades. Com o passar dos anos, a Ceplac apertou a corda e a Uesc ainda manteve por muito tempo. Hoje não tenho informação de como é.

A Ceplac, na sua sede regional, passou a obedecer apenas os feriados e dias santos de Ilhéus, por estar em solo ilheense. À época foi um Deus nos acuda. Reclamações em todos os setores pelo antidemocrático gesto não comoveram os dirigentes. Daí, os inconformados servidores criaram uma comissão para tentar sensibilizar os diretores, reclamando do prejuízo de não poderem exercer suas religiosidades aos padroeiros.

Na Divisão de Comunicação éramos sempre escalados nos carnavais para noticiar a participação dos ceplaqueanos nos blocos e escolas de samba, sempre com muitas fotos publicadas no jornal interno Espelho Ceplaqueano. Então, um dos diretores, a título de brincadeira, sugeriu que poderiam até participar e que estenderiam as matérias jornalísticas do Espelho e, posteriormente da Agenda, para uma ampla cobertura nas missas e procissões, ressaltando a religiosidade dos servidores.

A partir daquela data não se soube mais de qualquer reivindicação dos fiéis religiosos. Até os dias de hoje não se sabe o motivo deles abandonarem seus santos padroeiros.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

O comandante Tedesco em sua cadeira de alumínio e titânio
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O que mais me chama a atenção é que esses generosos amigos sabem tudo a meu respeito, como o número do telefone (é claro, não a operadora), o endereço, o tal do CPF, carteira de identidade e até o banco por onde recebo minha parca aposentadoria. Pelo que me lembro, nunca repassei esse tipo de informação, nem mesmo numa boa farra. Mas, para nos ajudar, os verdadeiros amigos fazem de tudo.

Walmir Rosário

Já faz um bom tempo que venho matutando sobre a minha participação nas ditas redes sociais. Esse é um incômodo que vem me atormentando terrivelmente e, às vezes, me sinto devassado, a ponto de não saber mais se sou eu quem me domino ou os chamados amigos e seguidores. Volta e meia acredito que as pessoas sabem mais ao meu respeito do que eu mesmo.

De um certo tempo pra cá passei a ser mais seletivo ao atender ao telefone celular. Não sei como, todo o mundo sabe de cor e salteado o número do meu aparelho e tentam falar comigo. Não sou uma pessoa mal-educada, isso é fato, mas não tenho condições de atendê-los a qualquer hora do dia ou da noite. E o que é pior, atendo amigos que nem sei quem são e como os tornei do meu ciclo de amizades digitais.

Constrange-me viver a dizer não a essa legião de amigos, que entram em contato comigo com a finalidade de me servir. E bem, diga-se de passagem. Oferecem-me de tudo, desde dinheiro emprestado, cartões de crédito com recursos consideráveis liberados para que eu compre até o que não preciso. Sinto-me lisonjeado com a bondade de amigos que nem conheço e a confiança que em mim depositam.

Não raro me oferecem condições especiais para conhecer o mundo inteiro em moderno e maravilhosos transatlânticos, em viagens temáticas onde me sentiria um rei. Por vezes fico balançado em singrar os mares gozando do luxo disponível, mas nem sempre me sinto corajoso a ponto de me tornar um Pedro Álvares Cabral, um Américo Vespúcio, a descobrir terras desconhecidas. Minhas combalidas finanças não aguentam essas aventuras.

Bobagem, me dizem ao telefone. Você terá um prazo de parto de égua para pagar e em módicas prestações. Recebo uma aula das vantagens e do custo-benefício, das mordomias em terra e além-mar, do luxo das cabines, das quase 10 refeições diárias, da festa de gala com o comandante. E sem mais nem menos arrematam, basta apresentar seu cartão de crédito internacional que terá uma banda do mundo à disposição. Mas é aí que a porca torce o rabo.

Há algum tempo descobriram que sou uma pessoa religiosa e a partir de então minha caixa de Correios vive abarrotada. Recebo, regularmente, envelopes com terços, escapulários, fotos de santos, todas devidamente acompanhadas de um boleto com código de barras, onde descubro o preço dos mimos santificados a mim ofertados, desde que repasse uma contrapartida financeira.

O que mais me chama a atenção é que esses generosos amigos sabem tudo a meu respeito, como o número do telefone (é claro, não a operadora), o endereço, o tal do CPF, carteira de identidade e até o banco por onde recebo minha parca aposentadoria. Pelo que me lembro, nunca repassei esse tipo de informação, nem mesmo numa boa farra. Mas, para nos ajudar, os verdadeiros amigos fazem de tudo.

Num passado bem recente cheguei a receber – via e-mail – uma tentadora proposta de um corretor para adquirir uma linda e promissora fazenda no Mato Grosso, na qual poderia desfrutar de todos os prazeres da terra na casa mansão cercada de piscina, bares e churrasqueiras e áreas de esportes, enquanto administrava a propriedade. Aptidões não faltavam para plantar soja, algodão e criar milhares de bovinos. Esse, sim, realmente é um amigo que quer o meu bem.

De vez em quando me pego pensando não ser uma pessoa sociável, pois nada faço para retribuir a amizade e generosidade quem têm para comigo. Sou incapaz de convidá-los para um fim de semana em casa, um almoço ou até uma chegada num bar para desfrutarmos umas cervejas com um belo torresmo mineiro. Juro a mim mesmo que mudarei essa minha personalidade individualíssima.

Mas, confesso a vocês que nas redes sociais nem tudo são flores e já estou organizando uma lista para promover um corte na relação dos amigos de grupos de Whatsapp, que enchem nossa paciência e a memória do celular. Esses, sim, são mais individualistas que eu, pois chegam ao cúmulo de firmar uma série de obrigações e, além de não cumprirem, ainda exijam que eu faça por eles.

Todos os santos dias recebo mensagens e mais mensagens com cartões onde fazem promessas aos seus santos padroeiros e nos ameaçam caso não rezemos a quantidade de Pai Nosso e Ave Maria estipuladas. E é do tipo dá ou desce: se rezar sua conta no banco se encherá de dinheiro, mas, caso despreze as recomendações, todos os malefícios cairão sobre nossa descoberta cabeça. Fazem promessas e querem que eu pague. Porreta!

Prometo que deixarei as redes sociais e me aliarei ao capitão Miguel Fróes, ao comandante de longo curso Tedesco e ao artista plástico Eliomar Tesbita no estudo semanal das ilhas e barras canavieirenses. Singraremos da Barra Velha à Barra do Albino, com paradas para estudos e lazer, sem qualquer compromisso com redes sociais. Falta-me apenas adquirir uma cadeira reforçada como a de Tedesco, feita de alumínio e titânio, para instalar na lancha, um reforçado isopor para as cervejas e zarpar na próxima viagem.

Sem qualquer sinal de internet!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Rosivaldo diz que município poderá solicitar conferência, caso seja confirmada a redução populacional
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A cidadania precisa também alcançar a ponta dos nossos dedos no ambiente volátil das redes sociais. É preciso cada vez mais conexão entre cérebro, tecnologia e cidadania.

 

Rosivaldo Pinheiro || rpmvida@yahoo.com.br

Falar sobre qualquer tema é sempre um misto de satisfação e possibilidade de contraposição, principalmente nos tempos atuais, em que as redes sociais acabam sendo o ponto de encontro para embates ásperos, quase sempre abrindo espaço para a covardia se manifestar de maneira mais altiva. O que seria para uso de forma mais efetiva e produzir inclusão, possibilitando avanço acaba derivando para um ambiente onde a parte mais negativa do comportamento humano se revela.

Uma sociedade que vive sobre os pilares do ódio e da desinformação não pode falar de cidadania de forma mais aprofundada. É preciso que não se confunda liberdade de expressão com permissão para ofensa. Não é razoável que as fake news gerem riqueza para alguém enquanto impõem prejuízos para muitos, e, ainda assim, continuamos vendo a circulação em milhões dessas desinformações. As grandes plataformas precisam estabelecer regras e conter a prosperidade desses operadores.

Não dá para permitir a permanente prática de crimes, o incentivo ao ódio e a sensação de terra sem lei. Não parece algo difícil de ser controlado, vez que tudo e todos estão sob o controle dos algoritmos, sendo, portanto, perfeitamente possível que haja intervenção imediata por parte dessas empresas sobre os conteúdos postados e sinalização aos órgãos de justiça e a consequente punição para os que agem contra a cidadania.

Essa é uma reflexão que precisamos fazer de forma permanente, inclusive praticando a vigília diária dos nossos comportamentos e de tudo que compartilhamos nas redes e nos aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram.  Precisamos usar o mesmo conceito que conhecemos: só existe o roubo porque existe alguém se beneficiando do produto, então, só existirá o produtor de fake news se houver quem aceita, acredita e compartilha, quer seja por desconhecimento ou por má-fé. A cidadania precisa também alcançar a ponta dos nossos dedos no ambiente volátil das redes sociais. É preciso cada vez mais conexão entre cérebro, tecnologia e cidadania.

Rosivaldo Pinheiro é comunicador, economista e secretário de Governo de Itabuna.

Canavieiras em mais um registro de enchente na Capital do Caranguejo || Foto Walmir Rosário
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Apesar do rigor que o caso requeria, com pose de autoridade e boxeador, Valdemar Broxinha foi logo apresentando a solução: “A doutora tem que chamar o prefeito às falas, pois essa não é a maneira correta de tratar uma autoridade como Vossa Excelência, ainda mais não pagando as contas devidas”.

 

Walmir Rosário

Já diziam os mais antigos que é impossível lutar contra as coisas divinas, ou da natureza, como queiram. E a cada dia os sinais que recebemos ficam mais visíveis, reais. Somente não vê quem não quer. Mas, ousado como sempre fui, acrescento aqui que o tal do homem contribui bastante para acentuar as catástrofes que nos importunam a cada dia que passamos nesta terra.

Não podemos – nem devemos – desconhecer que usamos a ciência para desenvolver nossa vida, embora fechamos os olhos para em temas que não nos interessam, seja pelo alto custo financeiro, ou por puro descaso. O meio ambiente é o mais desprezado e nos atinge em cheio com as chuvas ou a falta delas. Se chove muito pedimos para parar, se a estiagem é prolongada rezamos para chover.

Desde a semana passada que os cientistas do tempo e clima nos alertavam para as fortes chuvas que se abateriam no sul da Bahia, recomendando cuidados especiais aos moradores ribeirinhos e praianos. E pergunto: fazer o quê? Não sair para pescar e evitar os fortes ventos e o mar revolto, ou não enfrentar as estradas para não dar de cara com as barreiras caídas, são simples precauções.

Mas não temos como evitar a força das águas enchendo e transbordando rios, derrubando casas nos morros, causando enormes prejuízos materiais, notadamente junto aos menos abastados financeiramente. Pior, ainda, são os danos morais sofridos por famílias inteiras ao ter que deixar suas casas e se abrigarem – coletivamente – em escolas, estádios de futebol, além de chorar a perda de seus familiares, mortos nos deslizamentos de terra.

Eu, pelo menos, não me sinto consolado com os anúncios dos governantes nas mídias, anunciando verbas a não acabar mais, para a reconstrução de estradas, moradias, construção de novas casas e tudo o mais que puderem prometer. Entra ano e sai ano, pasmem, os recursos não chegam, as obras não são construídas e aos moradores das encostas e baixios só restam rezar aos seus santos padroeiros para continuarem vivos.

Em Canavieiras não é diferente. Se não existem os morros e encostas, sobram rios e riachos em terras planas, muitas delas mais baixas que os cursos d’água e que formam grandes bacias. Quem mora nas redondezas não tem opção e só resta aguardar, pacientemente, as águas baixarem. Muitos deles, de forma inteligente, constroem suas casas no sistema palafita, para se livrarem de prejuízos maiores.

Não pensem os senhores que os prejudicados são apenas os ribeirinhos e moradores das encostas. Com o estrago feito pelas chuvas chega o desabastecimento de víveres, provocando o aumento nos preços, além do corte de outros serviços, a exemplo do fornecimento de energia elétrica, por conseguinte, de água. Pasmem! Quem mora ou morou em Canavieiras sabe muito bem os transtornos causados pela falta da eletricidade.

Neste domingo (23 de abril) à noite, enquanto orava em casa para que São Pedro desse uma trégua, fechando as torneiras celestiais, fomos surpreendidos pela escuridão. Se tínhamos água à vontade, ficamos desprovidos de energia elétrica. Um apagão geral em toda a cidade, nos privando do uso dos avanços da tecnologia, como a internet, o telefone, a televisão e o ar-condicionado. Isso até o dia seguinte.

Situações como essa me remete há muitos anos, quando era bastante comum a falta de energia elétrica em toda a Canavieiras. Por aqui se festejou bastante e até foi decretado feriado quando a Companhia Elétrica Rio de Contas (Cerc) trocou o velho motor pela energia da barragem do Rio de Contas. Foi um avanço e tanto, embora os transtornos continuaram, em escala menor, a bem da verdade. Pelo menos os os dissabores eram levados na gozação.

Veio a Coelba e a energia não resistia a uma pequena chuva por anos a fio. Desde os tempos em que a Cerc imperava as constantes falta de energia elétrica eram creditadas ao humor do chefe local, Valdemar Broxinha, o que não concordo. Penso eu que como Valdemar era implacável com o consumidor inadimplente, todas as culpas pelos apagões recaiam sobre ele, haja vista sua severidade no trato administrativo.

Na Confraria d’O Berimbau, local em que Valdemar Broxinha gozava de largo prestígio, principalmente se chegasse com o violão, era sobejamente comentada as suas peripécias com um influente político mandatário baiano. Os comentários versavam que assim que chegava o avião com a autoridade, ele providenciava um apagão, somente para alimentar os pernilongos com o sangue “azul” do executivo.

De outra feita, ao ser transferido para a vizinha cidade de Itapebi, se encontrava em pleno lazer no clube social, quando foi procurado por um serventuário da justiça, com um chamado urgente. O motivo era simplesmente porque a juíza da comarca se encontrava às escuras, com a energia de sua residência cortada por falta de pagamento. E a culpa não era da magistrada, mas da prefeitura, dona do imóvel, que não pagou a conta da energia.

Apesar do rigor que o caso requeria, com pose de autoridade e boxeador, Valdemar Broxinha foi logo apresentando a solução: “A doutora tem que chamar o prefeito às falas, pois essa não é a maneira correta de tratar uma autoridade como Vossa Excelência, ainda mais não pagando as contas devidas”. E se despediu garantindo que, no dia seguinte, assim que a conta fosse paga,a ligação elétrica seria imediatamente restabelecida.

Valdemar Broxinha sempre foi um homem de palavra. Sofríamos, é verdade, mas era divertido.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Leonardo Léo faleceu nesta quinta (27), aos 49 anos || Foto Nadson Carvalho
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“Encantou milhares de ouvintes na região e cultivou amizades às centenas. Pena que não entreguei em tempo uma letra para que, de repente, ele a transformasse em melodia”.

Fábio Lopes 

O roteiro não podia ser diferente para um leônico sambista partir. Na madrugada de sexta-feira, ainda que não fosse na boemia; embora não bebesse, mesmo sendo um sujeito família.

O fim de semana não será igual depois que o silêncio o abraçou, na figura de Leonardo Silva de Jesus. A beira da piscina está mais triste, o clima do barraco está mais árido, o volume do som do carro está mais baixo. Tudo que ele, talvez, tenha lutado contra, durante 49 anos.

Por falar do verbo, que tal usar o substantivo luta, que acompanhou a vida de Leonardo Léo  desde a tenra idade? A perda precoce do seu genitor Élio, os filhos mais que especiais Nadine e Joatan, a saudosa sobrinha, o incansável trabalho cotidiano na Secretaria de Saúde, em Ilhéus. E o refúgio, a fortaleza, onde ele recarregava suas energias, era o samba, o colo da amada Bruna, o pagode, os braços da mainha Airam, as composições, o afago dos irmãos Hélio e Eliã, os shows, os abraços dos amigos.

Léo não matava um leão por dia, porque, além de semelhante não matar semelhante, ele resumia sua feição sempre num sorriso contido e tímido, ou mesmo largo e fácil. Gentil e sereno, firme para agradecer e fiel ao cantar para Deus. (Rugido de leão pode ser ouvido até nove quilômetros de distância).

Encantou milhares de ouvintes na região e cultivou amizades às centenas. Pena que não entreguei em tempo uma letra para que, de repente, ele a transformasse em melodia. Entretanto, nada fez falta ao vasto repertório deste ser iluminado, que irradiava alegria por onde sua música percorria. Gigante, ele abrigava tanto amor no peito que o seu coração – que entregara a Bruna e a Léo Elio, e a todos – não resistiu a tamanha emoção. Por sinal, o nome científico do leão é Panthera leo.

Agora, “leônicamente”, ele segue na luz, ao encontro do pai e do Pai Celestial. A configuração é essa.

Fábio Lopes é publicitário.

Manuela Berbert escreve sobre a importância da vocalização de sentimentos
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Por ser um canal de diálogo para milhares de pessoas, através das minhas redes sociais e tantos veículos de comunicação, posso também ser ponte de transformação e ajuda para muitos. Não esqueçam: aquilo que você cala, o corpo vai lá e fala!

Manu Berbert

A vida é mesmo uma pecinha de teatro que não permite ensaios, e quando as coisas saem literalmente dos trilhos a nossa ficha cai com mais força. Por aí também é assim?!

Uma das minhas novas manias é escutar podcasts. Seja nas caminhadas, dentro de casa, no carro, tô sempre lá, escutando algo ou alguém que me faça pensar, refletir, analisar a vida. Pois bem: ontem estava escutando uma edição interessantíssima com Ana Clara, apresentadora da Rede Globo, figura carismática descoberta por Boninho em um desses BBBs da vida. Nele, ela conta que recentemente foi internada por conta de um surto emocional. Uma coisa pra resolver, duas, três, uma notícia boa aqui, uma ruim ali, muitas informações de vez para lidar e, ploft, a mente não suportou. Acontece com mais facilidade do que se sabe, e que bom que essas pautas hoje têm sido faladas sem rodeios.

Estamos em uma era de muita informação. Todas de vez! Na palma da nossa mão! E para piorar, os acontecimentos parecem se desenvolver na velocidade da luz. A maioria das profissões atuais pede habilidade emocional, agilidade, perspicácia e bom senso, mas nem sempre o nosso corpo e a nossa mente conseguem acompanhar, lidar e dar conta disso tudo de vez, e cada vez mais pessoas têm uma espécie de exaustão mental. Aconteceu comigo recentemente, e a clareza de se perceber fora de si é uma das sensações mais conflitantes que existem. E o mais interessante: nem sempre o gatilho é algo ruim. Às vezes, são boas notícias também. Novas fases, novos projetos, como a moça narrou no programa: “são tanta coisa de vez, que você não sabe o que fazer com tudo!”.

Por outro lado, e meu texto é sobre isso, o acesso a tratamentos, técnicas, informações, segue na mesma proporção. Se antigamente os casos isolados amedrontavam famílias, hoje é bem comum a ajuda coletiva. Basta abrir a boca, contar sua experiência, e aparecem inúmeros amigos contando casos parecidos, enumerando recursos, indicando profissionais. E a decisão de escrever sobre isso, hoje, vai por esse caminho. Por ser um canal de diálogo para milhares de pessoas, através das minhas redes sociais e tantos veículos de comunicação, posso também ser ponte de transformação e ajuda para muitos. Não esqueçam: aquilo que você cala, o corpo vai lá e fala!

Manu Berbert é publicitária.

Dirigentes e jogadores do Botafogo do Conceição, na década de 1950
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“Até hoje o jornalista e escritor Antônio Lopes lembra com tristeza e nostalgia do clima fúnebre que tomou conta da cidade. Deste dia em diante, ficou terminantemente proibido a qualquer torcedor relembrar essa data”.

Walmir Rosário 

No dia 17 de julho do ano da graça de 1952, o Botafogo do bairro da Conceição aplicou uma derrota histórica na equipe do Brasil de Buerarema. O homérico feito foi comemorado em toda a cidade com muita festa, especialmente no bairro da Conceição, sede do Glorioso Alvinegro. Foram três dias de festejos, não só pelo futebol jogado, mas, sobretudo, por não se intimidar com a violência do adversário.

Acostumado a demolir as equipes que jogavam contra ele em seus domínios, como narravam os cronistas da época, o Brasil de Buerarema não resistiu ao sistema tático implantado pelo técnico Caticure. A estratégia foi preparada após 15 dias de muitos treinamentos, todos realizados a sete chaves, portanto, fora dos olhos dos espiões contratados a peso de ouro por Paulo Portela, cartola do time da vizinha cidade, ex-distrito de Itabuna.

Considerado imbatível em seus domínios, o Brasil de Buerarema, possuidor de uma equipe com jogadores famosos, não só pela competência futebolística, mas, sobretudo, com a catimba e vigor físico. Bem mandados, os atletas bueraremenses não levavam dribles tomados para casa (achavam o pior dos desaforos) e resolviam a parada dentro de campo mesmo. “Do pescoço para baixo era tudo canela”, costumavam dizer repetindo a recomendação dos cartolas.

Para enfrentar o Brasil, os cartolas botafoguenses montaram uma verdadeira operação de guerra, da qual não faltaram cuidados com o físico dos jogadores, sistema tático caprichado, principalmente no meio de campo, responsável por desmanchar as jogadas do Brasil, ainda no campo adversário.

Uma das recomendações expressas do médico João Monteiro – um grande pediatra – foi fiscalizar os jogadores dia e noite para evitar os excessos etílicos. Pedrinha ainda se recorda de ter sido proibido de frequentar os bares, passando 15 dias em jejum etílico e amoroso, tudo pelo bem do resultado positivo.

Chegado o dia, o Botafogo e a torcida embarcam em três ônibus da Companhia de Viação Sul Baiano (Sulba) e entram triunfalmente na vizinha cidade de Buerarema. A responsabilidade era grande, pois, até aquela data, pouquíssimos times de Itabuna se atreviam a jogar contra o Brasil em Buerarema, o que aumentava o desafio.

Início da partida, os dois times se estudam até os 10 minutos, quando é desmontada uma jogada no meio de campo, e o Botafogo marca o primeiro gol, para o desespero dos bueraremenses, que não acreditavam na petulância dos adversários em abrir o marcador.

A torcida não se conforma e passa a pedir mais energia nas jogadas, querendo o corte das cabeças dos alvinegros. Aliás, pedir é pouco, exigiam, aos berros, que seus vigorosos zagueiros se redimissem da honra ferida. Queriam, é verdade, que, além de derrubarem os alvinegros, ainda chutassem os “traseiros” para matar as jogadas no nascedouro.

Sem conseguir atender à torcida, ao pressentirem que os jogadores botafoguenses não se incomodavam com as tentativas de constrangimentos físicos e morais, isso deixava os atletas da casa ainda mais nervosos. Como não conseguiam conter o ímpeto dos itabunenses na bola, passaram a apelar para as faltas, o que facilitou ainda mais as investidas a gol do adversário, com o placar marcando 3X1 para os visitantes no primeiro tempo.

No intervalo, uma comissão de convencimento formada pelos cartolas de Buerarema, auxiliados por dois jagunços (nome dado à época aos seguranças) com facões à mostra, foram fazer uma reclamação ao árbitro, com relação ao número de faltas. Para eles, o que o juiz da partida estava fazendo era um absurdo para com um time tão disciplinado. “No máximo, existiram apenas duas ou três faltas, mesmo assim, sem qualquer violência”, disseram.

Os jogadores, torcida e cartolas não se conformavam com a ousadia do Botafogo do bairro da Conceição em chegar em Buerarema, não tomar conhecimento do adversário e, ainda por cima, marcar três gols no primeiro tempo. A vingança chegaria a cavalo no segundo tempo, prometiam. Eram uns desaforados esses jogadores itabunenses.

Assim que iniciaram o segundo tempo, os jogadores do Brasil partiram pra o ataque e, aproveitando um descuido da zaga, marcaram o segundo gol, para delírio da torcida local. Aí, então, começou a catimba, as faltas mais perigosas que o árbitro fingia não ver, até que o Brasil empatou e, cinco minutos depois, marcou o quarto gol.

Aos 40 minutos do segundo tempo, o técnico Caticure chamou a atenção dos jogadores do Botafogo para aplicar uma das estratégias e, finalmente, aos 42 minutos, o Botafogo marca o quarto gol. Quando o Brasil pensava que estava de alma lavada para garantir o empate, eis que, como num passe de mágica, o time itabunense surpreende o adversário e surge o quinto gol, para o desespero da torcida local.

Se bem que o árbitro ainda tentou dar mais umas duas oportunidades de ataque para o Brasil de Buerarema, porém sem qualquer chance. Ao apitar o término da partida, o árbitro e os bandeirinhas trataram de se refugiar, e a torcida revoltada deixou o campo xingando o seu próprio time.

Até hoje o jornalista e escritor Antônio Lopes lembra com tristeza e nostalgia do clima fúnebre que tomou conta da cidade. Deste dia em diante, ficou terminantemente proibido a qualquer torcedor relembrar essa data e o dia 17 de julho de 1952. Ela foi considerada maldita e riscada da história das partidas do Brasil Esporte Clube, o famoso BEC, humilhado em seu próprio domínio pelo Botafogo do bairro da Conceição.

Essa história foi contada por um participante ativo dos fatos, o jogador Macaquito, ao seu filho, o professor e advogado Cosme Reis, que também brilhou no Botafogo do bairro da Conceição, não este da história, mas o Botafogo juvenil, treinado pelo também advogado José Oliveira, o Zito Baú.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Hoje vivemos a velocidade alucinada da contemporaneidade. Não enxergamos nada, não absorvemos nada. Apenas vivemos de forma líquida, sem nos determos às essências da existência.

 

André Curvello

Há alguns dias tive a chance de rever o mais famoso discurso do reverendo pacifista Martin Luther King Jr. Em 1963, ele falou para 250 mil pessoas no Lincoln Memorial, em Washington, Estados Unidos. Foi a primeira vez que assisti à versão colorizada daquele que considero como um dos melhores falas já proclamadas.

Graças à generosidade dos meus pais, consegui estudar nos Estados Unidos e tive a oportunidade de conhecer um pouco da história norte-americana. Digo generosidade porque sei do imenso sacrifício que eles fizerem para me proporcionar aquela experiência inesquecível. Faço questão de sempre, sempre mesmo, agradecer a ambos, sem os quais eu não seria nada. Eles acreditaram em mim e até hoje tenho minhas dúvidas se consegui corresponder. Sigo tentando.

Aquele discurso do pastor batista King Júnior continua atual e fantástico. Era um líder negro que defendia o fim da segregação racial de forma pacífica e ordeira, enfrentando um câncer chamado preconceito, enraizado em instituições como a Ku Klux Klan, braço de um preconceito estúpido e desumano. Não era apenas a KKK o símbolo da imbecilidade racista e, sim, a sociedade americana da época, com sua estrutura legal, organizada e opressora.

No passado, a abolição da escravidão terminou sendo fator preponderante para a eclosão de uma página triste e sangrenta na história americana, a Guerra de Secessão, em que irmão levantou armas contra irmão. E nem assim aquele país aprendeu a ser tolerante.

Voltemos ao discurso de Luther King, justíssimo vencedor do Nobel da Paz de 1964. Intitulado “Eu Tenho Um Sonho”, prega a igualdade, a fraternidade entre brancos e negros, entre pessoas que deveriam ser qualificadas pelo seu comportamento e caráter e não pela cor da sua pele.

Recentemente, também tive a oportunidade de assistir, talvez pela milésima vez (estou exagerando!), ao filme O Poderoso Chefão, obra magnífica de Francis Ford Copolla. São espetaculares as interpretações de Marlon Brando e de Al Pacino, pai e filho, líderes do clã mafioso Corleone. Em uma das passagens, percebi, pela primeira vez, um diálogo que sempre me passou despercebido.

Naquela Nova Iorque de Mario Puzzo, ainda inocente diante das drogas e seus efeitos que tanto males provocam à sociedade, um dos chefões, ávido pelo lucro fácil da venda de entorpecentes, defende o comércio dessas substâncias desde que seja distante das escolas e das crianças. E ressalta: que a droga seja consumida pelos negros porque, de acordo com a fala da personagem, eles não eram gente. Sim, o racismo estava lá, indelével!

Do Eu Tive um Sonho do doutor King Jr. até os dias de hoje lá se vão 60 anos. Deixamos de ser hipócritas e preconceituosos durante esse período? Temo que não. É verdade, adquirimos muita tecnologia e com ela a possibilidade da democratização da informação, da disseminação do conhecimento, da convivência pacífica e da tolerância entre os seres humanos.

Porém, o que fizemos foi solenemente desperdiçar esse ouro comportamental, e passamos a mobilizar a internet e as redes sociais para propagar o ódio e o preconceito. A tecnologia deveria ser um instrumento de fortalecimento do respeito, pois sem ele a sociedade não evolui de forma saudável.

Hoje vivemos a velocidade alucinada da contemporaneidade. Não enxergamos nada, não absorvemos nada. Apenas vivemos de forma líquida, sem nos determos às essências da existência.

É preciso acordar para a reflexão urgente sobre a velocidade atroz e a lenta destruição que ela provoca em nosso humanismo. Sem respeito e sem Deus no coração, nos transformamos apenas em negação, em nada, em ninguém.

Quando me refiro a Deus, me sinto muito a vontade para falar em amor e respeito. Não tenho conhecimento sobre qualquer religião, o que defendo é respeito, é gentileza e solidariedade. A indiferença não constrói. Ela nos afasta e nos esvazia.

Martin Luther King foi um grande homem com inúmeros serviços prestados à humanidade. Sua obra nos convoca a um exercício contra a omissão, para escaparmos da sina de sermos nada e ninguém. Eu continuo tendo um sonho.

André Curvello é secretário de Comunicação da Bahia.

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Quem vive como se tudo soubesse ou possuísse perde uma grande oportunidade de ser mais. De viver mais!

 

Manu Berbert 

Tenho resgatado uma das coisas que as responsabilidades do empreendedorismo me furtou, que é o prazer pela leitura e pela escrita. Devagarinho, porque não é todo dia que a gente acorda muito inspirado e talvez seja o excesso de informações (muitas desnecessárias) que as redes sociais nos trazem logo cedo, mas essa pauta eu vou deixar para outro texto…

Tenho seguido sem estabelecer dia, tema ou qualquer outra dinâmica para a escrita, mas, às vezes, já acordo com vontade de abrir o computador e soltar umas palavrinhas ao vento. Experiências, observações sobre o cotidiano e, por vezes, contos enriquecidos com a imaginação fértil desta escritora adormecida são as minhas prioridades. Hoje, por exemplo, abri o computador disposta. Na sequência, como que num chamado sobrenatural, apitou o meu whatsapp e fui dar uma olhadinha. Era um amigo, enviando uma foto de um caminhão de mudança à sua frente, desabafando: “Minha gente, olha como a gente não é nada: minha vida em um caminhão-baú! Depois o corpo vai em outra caixa! E a vida é assim, né?!” Fantástico! Vou escrever sobre isso!

O medo que as mudanças acarreta é altamente proporcional à imprevisibilidade da vida, e a gente nem se dá conta. Não sabemos se estaremos sequer vivos amanhã, mas vivemos como se tudo fosse eterno, apegados a coisas, pessoas e situações por vezes desesperadamente. Lembrei, automaticamente, da minha saída da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna. Foram oito longos anos no Marketing da instituição até me perceber não mais lá, embora estivesse presente todos os dias. Queria realizar eventos, ser livre para ousar em outras áreas, mas o medo do novo me impedia de avançar. O famoso medo da troca do “certo pelo duvidoso”, que a gente aprende bem pequenininho sem nem saber quem criou!

Um dia acordei cheia de coragem, sentei de frente para o então diretor, André Wermann, e pedi o meu desligamento. Ele pediu que retornasse à minha sala e encaminhasse o pedido via e-mail, com os demais em cópia. Assim o fiz, abri as minhas gavetas e, atônita, decidi não levar nada. Saí, cheguei em casa e chorei muito com uma sensação de “aquilo ali vai funcionar sem mim!”. Um vazio devastador que durou até o anoitecer. No outro dia, quando acordei, sorri do meu próprio sofrimento e segui. Alguns anos se passaram e até hoje tento lembrar quais foram os objetos pessoais que abandonei naquelas gavetas. Mas, claramente, nunca me fizeram falta!

A vida não permite ensaios e o destino não erra de endereço. Quando ele quer que algo aconteça na sua vida, ele vai te encontrar esteja você onde estiver. Porém, ele não entra em portas emocionais fechadas! As mudanças nos trazem novas oportunidades, experiências, pessoas e, claro, lembranças. Quem vive como se tudo soubesse ou possuísse perde uma grande oportunidade de ser mais. De viver mais! E escrevo esse texto para que eu mesma também me recorde disso tudo nos momentos de apego excessivo ao que de fato carece de ir. O que a vida quer da gente, sem sombra de dúvidas, é sempre coragem para seguir!

Manu Berbert é publicitária!
Ronald Kalid visita o Senadinho no Café Pomar
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“A cada convidado ou cliente que chega, o cardápio é a política nacional, estadual e municipal, esta em alto escala. Alguns deles se apresentam como candidatos a candidato ao Executivo ou Legislativo e mostram uma prévia do plano de governo”.

Walmir Rosário

Confesso que me divirto bastante com os meandros da política de Itabuna. Diferente de outras cidades, ela é viva, presente nas esquinas, nos café, bares, becos, escritórios, repartições públicas, enfim, em todos os locais onde se juntam eleitores e pré-candidatos. Nesses locais são discutidos desde as ruas esburacadas, as constantes falta de água, o cumprimento ou não das promessas dos prefeitos e o comportamento dos vereadores.

Um desses lugares é o tradicional Café Pomar, por anos a fio sob o comando da família Mariano, que se aposentou, embora os clientes continuam fiéis aos novos proprietários. À disposição dos clientes, um chá mate especial, doces, salgados e um cafezinho de fazer inveja aos concorrentes. Não só pela qualidade do pó, da água, do modus operandi, ou de quem gentilmente o serve, e sim por uma turma que o bebe pela manhã e à tarde.

Na verdade, alguns deles nem mesmo têm o hábito de tomar café, e sim encontrar seus pares da tradicional conversa política. Não é de hoje que o Café Pomar é conhecido como o “Senadinho”. Esse nome foi dado há décadas, quando ainda a Câmara de Vereadores era localizada no centro da cidade (praças Olinto Leone e José Bastos) e frequentado por alguns vereadores e outros políticos.

Pelas minha lembranças, um outro bar e lanchonete era o local preferido do políticos: o Avenida, de Olímpio, ponto de encontro de prefeitos, vereadores, cacauicultores, profissionais liberais e quem mais gostasse de política e futebol. O prefeito José de Almeida Alcântara era um frequentador habitué e passava pelo Avenida várias vezes por dia, nem que seja para cumprimentar os amigos.

E José de Almeida Alcântara sempre foi um político nato, populista como só ele sabia ser para ganhar as eleições de prefeito ou deputado. Pois um dia Alcântara se encontrava engraxando os sapatos em frente ao Avenida, rodeado por amigos e correligionários, quando um popular se apresentou e pediu uma ajuda financeira. Imediatamente, Alcântara mostrou os bolsos vazios e disse que a única coisa que tinha eram os sapatos.

O popular retrucou que estava precisando e o político os tira dos seus pés, entrega ao pedinte, e vai embora calçado em meias brancas. Pois bem, Alcântara morreu em seu segundo mandato, mas elegeu seu parente Fernando Cordier. Ainda hoje é lembrado pelos antigos eleitores e colaboradores, um deles, seu chefe de Gabinete, Paulo Lima, ou Paulo Índio, jornalista, grande tribuno e um dos líderes das conversas políticas do Café Pomar.

Todos os dias, os jornalistas Paulo Lima e Joselito Reis, entre outros confrades, recebem no Senadinho candidatos a candidatos de todos os matizes para conversas sobre Itabuna e as influências políticas. Por ser um local eminentemente democrático, a frequência muda constantemente, que até temos que lembrar a frase da “raposa política” Magalhães Pinto: “A política é como as nuvens; você olha, está de um jeito. Olha de novo e já mudou”.

A cada convidado ou cliente que chega, o cardápio é a política nacional, estadual e municipal, esta em alto escala. Alguns deles se apresentam como candidatos a candidato ao Executivo ou Legislativo e mostram uma prévia do plano de governo. Encerrado o expediente, uma foto é feita num celular e imediatamente distribuída pelas redes sociais, dando visibilidade ao pretenso futuro prefeito ou vereador.

Um dia desse recebi a foto com uma pequena nota com a presença do empresário, cacauicultor e arquiteto Ronald Kalid, o médico Ronaldo Neto, o ex-prefeito de Barro Preto Sérgio Costa, o aposentado José Verdinho, o advogado Rui Correa, Paulo Lima, dentre outros. Me chamou a atenção Ronald Kalid, tido como o mais capaz secretário de Viação e Obras de Itabuna, um dos responsáveis pela modernização da cidade.

Em 1998, apesar dos esforços para ser o candidato do prefeito Ubaldo Dantas, Ronald declinou do convite, o que equivale a deixar passar o cavalo selado. Em outras eleições, encontrou dificuldades em homologar sua candidatura a prefeito pelo PSDB, partido que se perdeu no tempo e no espaço da política nacional, estadual e municipal. Em Itabuna, não conseguiu eleger um prefeito, só pouquíssimos vereadores.

Dentre as dificuldades encontradas por Ronald Kalid junto aos partidos, estava seu comportamento sisudo, sem a disposição de dialogar com eleitor por meio de artifícios como os tapinhas nas costas e as promessas feitas para não serem cumpridas. Ronald acreditava que o diálogo com o eleitor deveria ser diferente, baseadas na construção de plano de governo bem estruturado e com perfeitas condições de executá-lo.

E aí é que estava – e está – seu maior erro na velha e atual política de tirar vantagem em tudo, principalmente a econômica. Ainda consigo recordar as reclamações dos políticos do PSDB contra uma possível candidatura de Ronald Kalid a prefeito de Itabuna: “Ora, como é que vamos ganhar com um candidato que sequer cumprimenta um eleitor enquanto está caminhando no calçadão da Beira-Rio?”. O PSDB perdeu sem Ronald Kalid, que por sua vez não aceitou ser secretário de Obras de outro qualquer prefeito de Itabuna.

Acho muito simpático o modo do pessoal do Senadinho fazer política, que embora improdutiva, incentiva e promove candidatos a candidatos. E o motivo é somente um: hoje as candidaturas não são mais decididas em redutos como o Café Pomar, mas em Salvador e Brasília, nas reuniões sigilosas em gabinetes da Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e sedes de Executivos. Mas a política do Senadinho jamais perderá seu charme.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Bebeto e Jerônimo: vice-prefeito não esconde desejo de governar Ilhéus || Foto PMI
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“Assegurar o apoio de Marão é o que falta ao vice-prefeito para manter-se na pole position”. 

Thiago Dias

O comentário político popularizou a metáfora da eleição como corrida. A imagem retrata bem a correria de um processo cada vez mais caro e curto, feito prova rasa de atletismo, mas com dinheiro no lugar da explosão dos músculos.

Aliás, talvez a Fórmula 1 ofereça alegoria mais precisa às eleições. Nela, ao invés de juntos, os competidores largam em posições distintas. O pole position, quase sempre, dirige o melhor carro, que costuma pertencer a equipe das mais ricas.

Não dá para dizer que o vice-prefeito Bebeto Galvão guia uma Ferrari na corrida eleitoral de Ilhéus, porém, hoje, na base do Governo Jerônimo Rodrigues, é o melhor posicionado para a disputa do Executivo em 2024.

Ex-deputado federal e ainda na suplência do senador Jaques Wagner (PT-BA), Bebeto exerce liderança regional no PSB, foi importante para a reeleição do prefeito Mário Alexandre (PSD) e assegurou legenda viável para a eleição da primeira-dama Soane Galvão a deputada estadual – uma socialista improvável, mas eleita. O vice-prefeito também carrega o traquejo da luta sindical e tornou-se interlocutor privilegiado dos trabalhadores com o capital da indústria pesada. Essas não são credenciais vulgares.

Uma digressão. Certa vez, um quadro importante do PT ilheense disse a este comentarista que, ao questionar Wagner sobre a possibilidade de o partido ter candidatura a prefeito de Ilhéus, ouviu o ex-governador afirmar que essa discussão passava, necessariamente, por uma conversa com o ex-prefeito Jabes Ribeiro. Corria o ano de 2019. À época, o PP de Jabes era aliado importante da base do Governo Estadual. Hoje, parafraseando a resposta atribuída a Wagner, Mário Alexandre é o sujeito político incontornável desse debate.

Bebeto e Marão, em ocasiões diferentes, afirmaram a este PIMENTA que ainda não conversaram sobre as eleições de 2024 (relembre aqui e aqui). Como sequer estamos no ano do pleito, ambos parecem respeitar a diplomacia partidária, evitando precipitar o debate na esfera pública. De todo modo, é certo que o prefeito terá voz influente na escolha desse ou daquele nome como representante da base. Assegurar o apoio de Marão é o que falta ao vice-prefeito para manter-se na pole position.

CORRENDO POR FORA

Adélia pode ameaçar posição de Bebeto na corrida ilheense || Redes Sociais/Reprodução

Contudo, há outro nome forte na base de Jerônimo que pode se tornar viável para a disputa da Prefeitura de Ilhéus. Trata-se da secretária estadual de Educação, Adélia Pinheiro. O presidente local do PT, Ednei Mendonça, em mais de uma ocasião, manifestou o desejo de ver Adélia candidata pelo partido.

Além disso, o nome da secretária é visto com bons olhos em diferentes segmentos sociais. Há quem diga que, na missão Ilhéus, ela teria apoio do governador Jerônimo Rodrigues e do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, braço direito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a Reitoria da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e três secretarias de Estado no currículo, Adélia também ostenta credenciais de peso e pode ameaçar a pole de Bebeto.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

Luiz Ferreira defende programa de recuperação da cacauicultura no sul da Bahia
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“A cacauicultora sul-baiana passa por maus momentos, mas ainda pode ser importante ao país e sobretudo à Natureza”.

Luiz Ferreira da Silva 

A Natureza proporcionou ao homem dos trópicos úmidos uma árvore frutífera, o cacaueiro, que pudesse ser utilizada sem causar danos ao seu ambiente florestal.

Ao facultar um produto nobre – o chocolate –, adicionou características fisiológicas inerentes ao complexo do seu habitat, quente, chuvoso e rico em espécies consortes e fauna agregada.

Teria que ser uma planta que reciclasse com eficiência, mantendo a capa orgânica do solo, fator importante para alimentar as raízes finas, que têm a função de arejar o solo, agregar as partículas e evitar a perda de nutrientes. Enfim, manter a vida do solo.

E para tanto, sob a mata, recebendo pouca luz, forma um “túnel folear”, com as copas se encontrando, evitando que a luz solar danifique o solo. A luz é para as folhas fazerem a sua “química carboidrática” de transformação – fotossíntese, para os puritanos.

A Natureza ainda deu uma colher de chá. Aumentou a sua “plasticidade fisiológica” – conviver em ambiente mais arejado, a exemplo de uma mata raleada – no limite que ainda mantém o cacaueiro na sua missão fitogeográfica de equilibrar o uso com a conservação.

Neste contexto interativo, o cacaueiro usufrui da fauna, notadamente dos insetos polinizadores, alimentados por frutas em decomposição, oriundos do andar de cima, as árvores tropicais.

A Natureza é sábia. Por um lado, criou o cacaueiro com o fenômeno da incompatibilidade sexuada, que se manifesta quando o pólen de uma flor em uma planta não consegue fecundar os óvulos das flores da mesma planta (autoincompatibilidade) ou de outras plantas (inter incompatibilidade). E até o cacaueiro “macho” ocorre, com raridade nas plantações, com floração e não produtores de frutos.

Pelo outro, resolveu a questão no próprio meio. Criou as mosquinhas chamadas “forcipomyas”, e não havendo polinização adequada, a lavoura não produz satisfatoriamente.

Por essa razão, alertou ao Homem sobre a importância delas, incumbindo-lhe de cuidar de seus criadouros, os seus locais naturais, a exemplo das bromélias.

Chegou o cacaueiro no Sul da Bahia. Uma floresta tal e qual a da sua origem, a Mata Atlântica. Encontrou aí condições favoráveis de clima, solo, topografia e rede hídrica, razões da sua expansão, chegando a ocupar 600 mil hectares, com a equivalência de uma fonte de divisas de quase 1 bilhão de dólares em determinado ano.

Os pioneiros souberam mesclar a lavoura com a floresta, sem macular o meio ambiente, satisfazendo com a produção auferida, com elevada liquidez, mantendo preservado o ecossistema e proporcionando um epicentro gerador de riquezas com o produto cacau, cujos reflexos se irradiaram pelas áreas circunvizinhas, criando uma estrutura de bens e de serviços que permitiu, com outras atividades agrícolas e congêneres, distribuir benefícios para todas as comunidades, o que infelizmente não foram aproveitados na magnitude dos bônus.

Sessenta anos atrás, um cacauicultor com pouco esforço, com seus 100 hectares de cacau, sem usar maquinaria e tudo no lombo do burro, gastando pouco, em sua área cabrocada, mesmo com uma produtividade não tão expressiva, colhia 4 mil arrobas, que o tornava um homem de classe média alta. Com maior presença e bom solo, muitos chegavam a 6 mil arrobas, tornando-se ricos.

Nessas circunstâncias, uma lavoura nota 10. Produtiva e conservacionista.

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A Igreja de N. S. da Conceição ficava superlotada na Páscoa
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“O que sei é que nas praias de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Una e Canavieiras os bares e restaurantes estão sempre cheios nessas datas religiosas.”

Walmir Rosário

Nos tempos atuais as datas religiosas não são mais guardadas ou festejadas pelos católicos com o mesmo fervor de tempos passados. Pelo que tenho observado, esses dias – transformados em feriados – são pequenas férias, nas quais as famílias se deslocam para as praias ou outros locais paradisíacos ou mesmo aprazíveis. Até a Semana Santa não parece gozar do mesmo prestígio de antes.

Nas minhas lembranças costumo rever os costumes dos tempos de infância e adolescência, nos quais muitas pessoas seguiam os ensinamentos da Igreja Católica, a começar desde o Domingo de Ramos, em que o peixe era a única “mistura” aceita e consumida por toda a família. Uns poucos católicos, mas nem tão praticantes, reservavam as quartas e sextas-feiras para comerem peixes.

E esse costume alimentar vinha agregado a outras tradições, a exemplo de se vestir de roupas escuras, predominante de cor preta, durante toda a semana. Em casa, as imagens de santos eram cobertas com um tecido roxo, como se faz até então na igreja. A partir da quarta-feira da Semana Santa se recolhiam cedo e baixavam a voz, evitando, ainda, outros tipos de diversões.

Às madrugadas a população das ruas mais próximas da igreja era despertada pelo som das matracas e hinos religiosos da Via Sacra. E ainda tínhamos a Procissão do Encontro, a linda música cantada pela Verônica, a Celebração da Santa Ceia e o Lava Pés dos Apóstolos. Na Sexta-Feira da Paixão, o silêncio era total com a celebração da paixão, julgamento e morte de Jesus Cristo, crucificado ao lado de dois ladrões.

Essas cerimônias religiosas ultrapassavam as paredes das igrejas e chegavam a todos os recantos, respeitadas inclusive pelos religiosos não católicos. Para se ter uma dimensão dos costumes, na maioria das fazendas as vacas não eram presas ao curral no dia anterior nem ordenhadas na Sexta-Feira da Paixão. Esse costume persiste até hoje na área rural em grande parte do mundo.

Na cidade, muitos ramos de negócios não abriam suas portas a partir da Quinta-Feira Santa, inclusive os bares e bordéis fechavam suas portas até o Sábado de Aleluia, após a leitura do Testamento e a queima do Judas. Nesses dois a três dias, aparecer num açougue para comprar carne ou nos bares para uma rodada de cachaça e cerveja, nem pensar, pois pesava o medo do castigo divino ao cometimento de tamanha heresia.

No bairro da Conceição, em Itabuna, a população seguia os costumes religiosos católicos por ser maioria praticante e pelo temor das cobranças feitas pelos frades capuchinhos Isaías, Justo e Apolônio. Além das promessas de arderem no fogo do inferno por tamanho pecado mortal, como pregavam nas missas, largamente irradiadas pelas bocas dos alto-falantes que circundavam a igreja.

Ao vivo e em cores, nossos zelosos homens de Deus também faziam as cobranças em domicílios, ocasião em que demonstravam total descontamento com os que infringiam os mandamentos divinos e a consequente perda da graça. E o único remédio para não continuar sob o domínio do demônio seria a iminente ida à igreja, socorrendo-se ao sacramento da confissão, cujas penitências passavam das intermináveis orações à contribuição financeira para manter viva a obra de Deus.

A partir da Quarta-Feira Santa o bairro da Conceição se recolhia ao silêncio. Músicas somente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e nas procissões. Pelo calendário de Afonso Fernandes, o proprietário do Bar O Guanabara, o conhecido Menino de Deus, eram calados o Serviço de Alto-falante Tabu, na quarta-feira, e no dia seguinte fechava as portas do Bar o Guanabara, com suas mesas de sinuque. Nem a sorveteria funcionava.

O Serviço de Alto-falante Tabu era o maior veículo de informação de que dispúnhamos – depois dos rádios do Rio de Janeiro e São Paulo. As duas locutoras, Jacira e Jandira, trabalhavam nos períodos matutino e vespertino, informando e animando os moradores com as músicas de sucesso do momento, que por um módico pagamento podiam ser dedicadas com muito amor e carinho a alguém que sabe, mas não posso dizer o nome.

Bom mesmo era assistir – ao vivo – a música e o jingle de abertura e encerramento do Tabu, astuciado pelo proprietário Afonso Fernandes, o Menino de Deus, para alegar os ouvintes: “Não sei se vou ou se fico, não sei se fico ou se vou, eu indo não fico aqui, mas ficando não vou lá, mas se for para ir ao Bar O Guanabara, eu aqui não fico, eu vou já, já”. E essa mensagem publicitária não sai da lembrança de Sandoval Oliveira de Santana.

Como se deduz, as distâncias de comportamento e cultura entre as duas épocas são abissais. Recuso-me a comentar qual das duas teria sido melhor, ou se no meio teria aparecido uma intermediária de bom jeito. O que sei é que nas praias de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Una e Canavieiras os bares e restaurantes estão sempre cheios nessas datas religiosas, recomendadas a serem guardadas com muitas orações.

Não sei se são mudanças Canônicas ou culturais, mas elas existem.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Funcionários do Banco do Brasil de Canavieiras em registro de 1964 || Acervo de Walmir Rosário
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“Entram no avião e um deles volta para o esperado discurso de despedida, que Boinha Cavaquinho lembra até hoje: ‘Canavieiras, Canavieiras, /Terra dos coqueirais,/Vai pra puta que pariu, /Que aqui não volto mais’”.

Walmir Rosário

O Banco do Brasil sempre foi considerado uma instituição singular, de prestígio em todo o país. Queiram ou não, era bem diferente dos demais estabelecimentos bancários, de acesso mais restrito a correntistas e funcionários. Estes somente ingressavam no corpo de funcionários pelo sistema de meritocracia, por meio de um concurso nacional, após anos de estudo. Valia a pena, por ser um emprego pra vida toda, até a sonhada aposentadoria.

Assinada a carteira e vencido o estágio probatório, o funcionário do BB era considerado um ser diferente, quem sabe superior, na hierarquia social, pelo prestígio que gozava na sociedade. A começar pelo contracheque, apelidado de espelho, recheado de cruzeiros, cruzados ou reais, em comparação aos salários pagos pelos bancos privados, também considerados bons pelos empregados.

E somente ingressavam no quadro de funcionários rapazes e moças cujo desempenho no concurso fosse bem acima da média. Uma prova considerada “pau a pau” com os temidos vestibulares. Língua portuguesa, com questões difíceis de gramática; história, e a mais temida: a matemática. Mas, não bastava, quem não fosse ágil e com um pedigree de ouro na datilografia nem se habilitasse, seria reprovado na hora.

Lembro dos meus tempos de menino, em que ficava deslumbrado ao entrar na agência Itabuna do BB e apreciar – com emoção – os lépidos funcionários datilografando contratos ou outros serviços. Mas, além de “bater a máquina”, ficávamos embevecidos com o cálculo feitos na máquina Facit manual, com as teclas numéricas e manivelas girando para frente e para trás, era um espetáculo para nós garotos.

Nem precisaria comentar, mas os funcionários do BB chamavam a atenção por serem considerados moços de alto partido pelas donzelas casadoiras, que se postavam nas janelas de suas casas no horário em que eles encerravam o expediente. Era um festival de suspiros quando eles passavam, muitas das vezes marcados por troca de olhares e algumas frases galanteadoras. Melhores partidos não haviam nas cidades.

Mas, para ostentar esse pesado status, os funcionários do BB foram obrigados a abrir mão de certos comportamentos e enfrentarem algumas mudanças na vida. Como o Concurso era nacional, na maioria das vezes tomavam posse no cargo em cidades e estados longe de onde moravam. Tinham que enfrentar as famosas repúblicas (morada coletiva) até que constituíssem família ou uma transferência para a cidade de origem.

Lembro que, em minha vida profissional, que me obrigava a “morar” em várias cidades e estados ao mesmo tempo, sempre encontrava um membro da Família Satélite (como são conhecidos os funcionários do BB). Era uma festa quando encontrávamos esses “conterrâneos”, que, muitas das vezes, até davam um jeito de facilitar nossa saída das intermináveis filas de atendimento nos caixas.

Por volta de 1977, saí da empresa em São Paulo com destino a Angra dos Reis para receber o pagamento de uma medição na Petrobras (oleoduto de Angra a Caxias). A Petrobras liberava o cheque três dias antes, com a recomendação de ser sacado no dia tal. Com o atraso na viagem, ao chegar na agência do BB, enquanto estacionava o carro, o relógio marcou as fatídicas 16h e os vigilantes fecharam as portas.

Eu não acreditava no que via, depois de horas viajando, consegui pegar o cheque na Petrobras e enquanto estacionava o carro encerrava o expediente. Enquanto eu olhava, sem acreditar, as portas fechadas, vejo um amigo de Paraty, Paulinho Polaco, gerente da casa lotérica em frente, que me pergunta: “O que foi?” E eu, desolado, conto o meu triste contratempo.

Paulinho me pede para esperar e entra por um corredor ao lado do prédio, conversa com o vigilante e entra na agência. Acena-me e entramos na agência. Quando me dirijo ao caixa indicado, dou de cara com um velho conhecido de Itabuna, Luiz Magaldi, que dá um grito: “Menino, o que você está fazendo aqui?”. Após o cumprimentos, agradeço a Paulinho e aos funcionários do BB, guardo a grande soma de dinheiro e vou embora.

Canavieiras é outro local onde guardo boas recordações do BB, muitos velhos e bons amigos. A agência do BB era uma potência e atendia a vários municípios da região, nas transações de impostos federais ou empréstimos da então pujante cacauicultura. Como àquela época dispunha de linhas regulares de aviação, era considerada uma cidade de grande porte.

Nos anos 1950, num desses concursos, uma turma da zona sul do Rio de Janeiro é aprovada e escolhe Canavieiras, cidade praiana e com voos diários para tomar posse. Quando aqui chegam, descobrem que a cidade não dispõe de energia elétrica, ruas calçadas, boates refinadas, enfim, a vida carioca. Com o prestígio, conseguem transferência para a cidade Maravilhosa e resolvem prestar uma homenagem.

Entram no avião e um deles volta para o esperado discurso de despedida, que Boinha Cavaquinho lembra até hoje: “Canavieiras, Canavieiras, /Terra dos coqueirais,/Vai pra puta que pariu, /Que aqui não volto mais”. Temendo reações, imediatamente fecharam a porta do avião, que partiu com direção do Rio de Janeiro. Como toda a família, a Satélite também tem sua pluralidade.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Julio Gomes escreve sobre as marteladas histéricas de Tarcísio de Freitas || Imagens Redes Sociais/Reprodução
Tempo de leitura: 3 minutos

“Há muito tempo se confunde masculinidade com grosseria, virilidade com estupidez, exercício da autoridade com truculência e autoritarismo, e a forma de agir adotada pelo Governador reforça todos estes equivocados estereótipos”.

Julio Cezar de Oliveira Gomes

Viralizou nas redes sociais a imagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, batendo o martelo no leilão da disputa pela arrematação das obras de um trecho Rodoanel paulista, uma importante obra de infraestrutura situada na região metropolitana de São Paulo que definiu, recentemente, a empresa ganhadora da licitação que irá administrar parte deste anel viário pelos próximos 31 anos.

Embora seja uma obra de grande importância, envolvendo bilhões, não é sobre a obra nem sobre a política implementada pelo governador que desejamos falar, mas sobre a simbologia de determinados atos e gestos no imaginário popular.

É muito fácil encontrar na internet e assistir ao vídeo das marteladas do governador Tarcísio, que podem ser vistas, entre diversos outros, neste link: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/governador-de-sp-quase-quebra-martelo-da-b3-apos-leilao-de-trecho-do-rodoanel-e-video-viraliza-veja/

Quando assistimos à violência das seis marretadas desferidas com toda a força pelo governador, seguidas do ato de atirar para fora da mesa o martelo utilizado, temos de imediato a sensação de um ato forte, viril, masculino, cheio de energia e imparável na sua ação. Sem dúvida, uma excelente imagem para o marketing político.

Mas, como isso funciona no imaginário da população, para além da política?

É assim que deve ser quem nos governa? Uma pessoa do sexo masculino que, com força física, impõe sua decisão sobre tudo e todos, batendo arrogantemente com o objeto que possui nas mãos? É assim que nós também devemos ser?

Um Presidente, um Governador ou mesmo o prefeito de nossa cidade, assim como os astros do esporte ou do mundo das artes, são modelo de conduta, paradigma a ser copiado pelas demais pessoas, sobretudo de forma inconsciente.

Vendo um governador agir daquela forma em uma cerimônia pública, fico a me perguntar: como agirá o chefe de um setor no trato com seus subordinados? Como será o tratamento do gerente da empresa com um funcionário humilde? Como se comportará um diretor em face de uma funcionária mulher que lhe é subordinada, sobretudo se estiverem a sós?

Saindo do mundo do trabalho e adotando como modelo a forma de agir do governador Tarcísio, como será a atitude do homem ao retornar para casa e encontrar sua mulher que não trabalha fora do ambiente doméstico? Como será a abordagem da polícia, à noite e em local ermo, em face de um jovem da periferia? Em resumo, como se comportará qualquer pessoa que, por determinada contingência social, econômica ou política, esteja em condição de dar ordens e impor-se a seus subordinados?

Há muito tempo se confunde masculinidade com grosseria, virilidade com estupidez, exercício da autoridade com truculência e autoritarismo, e a forma de agir adotada pelo Governador reforça todos estes equivocados estereótipos.

Entretanto, ser homem de verdade está muito além disso, deste senso comum infeliz e infelicitante. Na verdade, cabe ao homem buscar na moderação, na educação, a maneira mais adequada de ser firme, positivo, sem precisar ser um troglodita das cavernas.

Quem é homem de verdade compreende que já temos testosterona o suficiente no sangue e que tendemos a ser, por nossa natureza masculina, mais impulsivos, lascivos e violentos do que seria desejável em uma sociedade civilizada. Nosso esforço deve ser para moderar nossa natureza animal, sem abrir mão de sermos do sexo masculino.

Para além disso, o que sobra são palhaçadas feitas para “agradar à torcida” e atrair a atenção dos incautos, tais como aquela protagonizada pelo Governador de São Paulo.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.