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Jorge ressoava o amor ao sagrado ao som suave dos maracás, sentia através dos hinos o poder ilimitado de Deus e sorria feliz.

 

Juliana Soledade

Jorge Nobre de Carvalho seguiu entre Jagube, Rainha, Cacau e as Sete Estrelas no altar celestial, deixando um lastro extraordinário de amor, firmamento e disciplina. Levou o seu sobrenome como um dever a ser seguido em sua caminhada: carregado de Nobreza; fortalecido e gigante como um Carvalho.

Como advogado um colossal se formava diante do júri, mas em nenhum momento com fala, gestos ou ações prepotentes; ao avesso, um profissional gentil, certeiro e ético. Extremamente organizado, técnico e pontual.

Criou três filhos amorosos, zelosos e cheios de coragem – aqui deixo meu abraço apertado a Candinha e Moisés -, seis lindos netos que se orgulhava em apresentar; Nadir, seu grande encontro de amor nessa existência; e muitas centenas de amigos e admiradores.

Um mestre que nunca baixou a guarda. Nem nos momentos mais difíceis. Alegava que uma mente sã abrigava um corpo são, ainda que ele estivesse debilitado. Ensinou o poder da mente em não se permitir cair. Eu, pequena e frágil, nunca tive coragem de verbalizar a ele que estávamos travando batalhas semelhantes. E ainda assim, me fazia refletir sobre a vida para sair do centro e deixar a doença no lugar dela, nem maior nem menor, exatamente do tamanho que ela tem.

Jorge ressoava o amor ao sagrado ao som suave dos maracás, sentia através dos hinos o poder ilimitado de Deus e sorria feliz. Quem tinha olhos para ver, enxergava a sua luminosa áurea circundante pairando entre vozes que atingiam o reino astral.

Ouvi diversas vezes de sua voz incomparável: “Estimada e doce amiga, apesar da pouca idade, tem compreensão para entender o que vou dizer…”, e sempre estava a aprender, humildemente, sobre o amor divino, simplicidade e inquietações. Ouvi sobre Deus, sobre viagens astrais e do quanto era abençoado. Era um exímio leitor. Nunca deixou um único texto sem uma boa réplica rica em ensinamentos nas entrelinhas ou uma dica que me traria riqueza espiritual.

Fundador da Casa da Paz, um lugar de equilíbrio, sensatez e verdade. Ele conseguia ligar o céu e a terra na mais perfeita maestria. Percursor do Santo Daime no sul da Bahia, sempre diante boas condutas e honradez.

O comandante agora seguirá noutros planos espirituais, guiando uma nave repleta de luz, cristais e flores coloridas que plantou na floresta encantada. Vez e sempre a saudade vai inquietar. Vai incomodar, mas vou olhar para o céu e imaginar o lindo paraíso que me disse viveria.

“Um raio de luz, brilha e faz brilhar…!”.

Por aqui, a sua missão foi brilhantemente cumprida, Mestre. Sou feliz de ter coexistido no mesmo tempo e espaço que o seu. A luz é o teu caminho, padrinho. Segue nela!

Com carinho e respeito,

Juliana Soledade é escritora, advogada, empresária e teóloga.

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Em meio a tantas perdas humanas e materiais, Itabuna e sua gente tiveram força para se reerguer dos escombros. A grande lição grapiúna é a fé no renascimento em vida. Parabéns, Itabuna!

 

Valderico Junior

Itabuna viveu os dias mais difíceis das últimas décadas no Natal de 2021. Polo regional de comércio e serviços, a cidade viu o período de fim de ano, época de aquecimento dos negócios, ser tomado por uma tragédia humanitária.

Os planos festivos deram lugar à luta pela vida em sua dimensão imediata. Mas, quando faltou chão e as águas do Rio Cachoeira cobriram telhados, a resposta à catástrofe ganhou forma numa corrente de solidariedade.

Foi essa corrente que salvou vidas, confortou quem perdeu entes queridos, abrigou desabrigados e saciou a fome de multidões.

Como esquecer o destemor dos heróis que se arriscaram para salvar familiares, vizinhos e desconhecidos?

A Itabuna que saúdo hoje, nos seus 112 anos de emancipação política, é a dos irmãos Jean e Marcos Neves, os heróis da Mangabinha, que, na sua embarcação improvisada, resgataram mais de 100 pessoas.

Celebro a Itabuna das comunidades religiosas que se mobilizaram para fazer valer o mandamento do amor ao próximo.

Festejo a Itabuna das instituições do comércio, que, durante a tragédia, se converteram em elos fortes daquela corrente solidária.

Neste momento, também não poderia deixar de me solidarizar, mais uma vez, com os familiares, amigos e admiradores do ex-prefeito Fernando Gomes, que nos deixou no último domingo.

Em meio a tantas perdas humanas e materiais, Itabuna e sua gente tiveram força para se reerguer dos escombros. A grande lição grapiúna é a fé no renascimento em vida. Parabéns, Itabuna!

Valderico Junior é diretor da Gabriela FM, presidente do União Brasil em Ilhéus e pré-candidato a deputado federal.

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Faz tudo isso sem perder a embocadura, comemorando seus feitos nos muitos botecos da cidade. É vida que se segue. Portanto, se você conhece uma gente com esse perfil, pode botar fé, é grapiúna, com certeza!

Walmir Rosário

O grapiúna é um povo diferente! Baiano, sim, mas com suas especificidades, o seu jeito de ser! Um povo novo, que nestas terras do sul da Bahia começou a chegar no final do século 19. Não vieram em busca de riquezas, mas fizeram uma terra rica. Fugiam da seca e aqui encontraram água em abundância e trocaram a terra esturricada por um solo fértil para plantar os cultivos de subsistência. Foram além, formaram as roças de cacau.

Assim eram os sergipanos que trocaram seu torrão natal pelas terras inóspitas do sul da Bahia e aprenderam a conviver com outro tipo de dificuldade: a fechada Mata Atlântica, os bichos selvagens, os índios e as doenças insalubres. Quanto mais passavam por novas atribulações, mas crescia a vontade de vencer no novo eldorado, e para aqui trouxeram as famílias parentes e aderentes.

Em pouco tempo, todo o sacrifício foi sendo recompensado pela fartura de alimentos, pelos recursos auferidos com a venda das primeiras safras do cacau, que após colhido e seco era vendido a peso de ouro. Trabalhavam do nascer do sol ao aparecimento da lua, formando as cabrucas, plantando as sementes de cacaueiros com a ponta do facão. E os resultados eram vistos a olhos nus e repassados aos povoamentos civilizados.

Como nos mostra a história, a força do trabalho gera dinheiro e novas oportunidades que atraem outros povos. E eles vieram de todas as partes do mundo, criando uma “torre de babel”, nas quais as linguagens se misturavam e todos se entendiam. Eram gente de terras distantes, os alemães e suíços em busca do cacau; os árabes – aqui chamados de sírio-libaneses, numa união que deu certo – vendendo de porta em porta.

Também vieram levas de oportunistas para disputar as fartas notas de quinhentos que diziam serem usadas para acender os charutos dos novos-ricos do cacau nas noitadas das recém-inauguradas boates da próspera Tabocas, que gerava a magnífica Itabuna em seu ventre. Objeto de ficção e ideologia – ou não – a vila se tornou rica (perdoem o trocadilho) e recebia a todos com a mesma distinção.

E essa gentileza permanece nos dias de hoje, oferecendo mimos e oportunidades aos que aqui chegam, como se fossem nossos velhos e grandes amigos. Nem sempre dá certo, é verdade, mas, na maioria das vezes, o acolhimento resulta em mais um para a confraria. E essa diversidade de raças e credos ultrapassou a nascente Taboca, a grandiosa Itabuna e criou a gente Grapiúna, alcançando o status de nação.

Chegou o Estado para regular as atividades, cobrar os impostos e nem sempre retribuídos em custeio e investimento das riquezas que tomou. Em pleno crescimento, os novos-ricos precisavam satisfazer suas necessidades, a classe média e os mais carentes de serviços básicos. Sem representação política, o imposto do cacau era devorado na capital e outras regiões pela elite econômica e política, sem a menor cerimônia.

Elevados ao posto de Coronel da Guarda Nacional ou simplesmente por suas posses, os grandes comerciantes e cacauicultores contribuíam com seus próprios recursos para melhorar e desenvolver a cidade. Nos conta a história de reuniões noturnas nas casas de alguns deles, na qual decidiam qual rua calçar ou ampliar a iluminação elétrica, dividindo o custo da obra entre eles.

Mas nem tudo era bonança nesta terra grapiúna. O Estado não fazia garantir a segurança dos munícipes e eram comuns as invasões de terras, geralmente as mais férteis e plantadas com cacau e as desavenças entre os citadinos. E os culpados se abrigavam nos fartos guarda-chuvas dos líderes políticos, os quais nem sempre eram alvos dos rigores da lei, pelo contrário, muito bem apegados aos benefícios dela.

Mas o itabunense não se abate com miséria pouca, acostumado que está com os reveses desagradáveis sofridos, seja pela ação humana ou desastres naturais, e sabe como dar a volta por cima num pequeno espaço de tempo. Se o rio Cachoeira inunda, seu povo vê essa catástrofe como uma oportunidade de ajudar os desabrigados e reconstruir as áreas fortemente atingidas quantas as vezes for necessário.

Se a economia chega ao fundo do poço, vai em busca de novos parceiros, refunda o comércio, a indústria, os serviços e faz os recursos financeiros circularem com normalidade. Se o político não cumpre o que prometeu, sem cerimônia, coloca-o na “geladeira” per omnia saecula saeculorum. Tanto é assim que em 28 de Julho de 1910 Itabuna separa-se de Ilhéus, sem perder a amizade, e vive feliz por 112 anos.

E faz tudo isso sem perder a embocadura, comemorando seus feitos nos muitos botecos da cidade. É vida que se segue. Portanto, se você conhece uma gente com esse perfil, pode botar fé, é grapiúna, com certeza!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Gerenciar esse grande condomínio exige um ritmo de trabalho e arranjos de gestão cada vez maiores, mas é o único caminho para dotarmos a cidade de melhores condições e podermos atrair novos investimentos.

 

Rosivaldo Pinheiro || rpmvida@yahoo.com.br

Nossa Itabuna comemora, hoje, 112 anos e já pode, ainda que não haja unanimidade nessa afirmação, comemorar esse aniversário com os olhos na direção da esperança, diante das realizações que começam a ser vistas em diversas áreas.

Pensar as cidades exige compreensão sobre os múltiplos interesses que perpassam pelo tecido social que as compõe. As cidades são por característica genuína um “espaço de conflito” e o prefeito ou a prefeita é uma espécie de síndico (a) desse grande condomínio. Cada vez mais essa pessoa precisa exercer o seu poder com sabedoria, bom senso, equipe com visão técnica e compreensão política e pautada na legislação.

Esses espaços urbanos precisam ser pensados para atender a sua função social. O desenvolvimento das cidades passa por compreender as suas vocações e inserir de forma planejada as demais atividades que possam ser instaladas e que permitam ganhos para a coletividade local. No marco histórico atual, também é importante o entendimento do papel de cada cidade no território onde está inserida.

A discussão sobre as cidades precisa focar em três dimensões: a legal, a real e a ideal. A cidade legal é a contida no conjunto burocrático e nas diretrizes incluídas nos princípios da administração pública que os gestores precisam cumprir.

Os instrumentos de gestão e todo o arcabouço jurídico, contábil e as demais interfaces visam separar os entes público e privado, compatibilizando as expectativas e permitindo que todos possam usufruir dos recursos disponíveis e dentro das normas. Essa condição é essencial para garantir o bom funcionamento das cidades. Itabuna, em particular, precisa fazer o Plano de Mobilidade, além de avaliar e realizar ajustes no Plano de Saneamento e de Resíduos, além do Plano de Desenvolvimento Urbano.

A cidade real exige um hercúleo esforço cotidiano para gerenciá-la, e a superação dos passivos desafia a gestão pública a encurtar tempo de ação e multiplicar recursos, possibilitando mudanças na malha urbana e alteração da realidade socioeconômica.

A cidade ideal é o sonho de todos os munícipes, e exige participação da sociedade. Para atender à expectativa da cidade ideal, o poder público precisa envidar esforços para fazer entregas (obras) e contemplar a maioria dos cidadãos, vez que não se obterá unanimidade, por mais significativa que seja a realização inaugurada.

Embora seja difícil alcançar esse patamar, a gente vem experienciando investimentos na saúde, educação, requalificação de praças, infraestrutura urbana, água, saneamento e maior cobertura de políticas públicas aos mais vulneráveis. Para garantirmos melhor qualidade de vida para a nossa Itabuna, precisamos avançar no transporte público de passageiros, geração de emprego e renda, e esse alcance é possível a partir dos investimentos estruturantes em curso.

Como vemos, gerenciar esse grande condomínio exige um ritmo de trabalho e arranjos de gestão cada vez maiores, mas é o único caminho para dotarmos a cidade de melhores condições e podermos atrair novos investimentos.

Parabéns, Itabuna! Que cada um de nós possa fazer parte da mudança que exigimos no outro e que esperamos ser realizada pelos poderes públicos.

Rosivaldo Pinheiro é economista, especialista em Planejamento de Cidades (Uesc) e comunicador.

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Itabuna hoje mostra ao Brasil que, na política, existem, sim, diferenças ideológicas, diferenças partidárias, diferentes interesses, mas que o respeito às diferenças deve prevalecer.

 

Augusto Castro

Na próxima quinta-feira, dia 28, Itabuna completará 112 anos de emancipação político-administrativa. Ao longo de pouco mais de um século, o ex-prefeito Fernando Gomes teve 45 anos de sua vida diretamente ligada a esta cidade.

Itabuna e Fernando Gomes estão entrelaçados. O legado de Fernando está em cada canto do nosso município.

Entre nós, sempre prevaleceu o respeito. E reconheço em Fernando Gomes a figura de um grande líder político. Dono de uma personalidade única, despertava os mais diversos sentimentos entre aliados e adversários, mas, com um carisma genuíno, conquistava todas as pessoas que dele se aproximavam.

Soube cultivar a lealdade de seus aliados e eleitores. Itabuna e Fernando Gomes sempre serão inseparáveis. O povo desta cidade, por cinco eleições, confiou a Fernando o seu destino. Também lhe deu três mandatos de deputado federal, sendo um constituinte.

Todos nós políticos somos levados a diariamente tomar decisões importantes e complexas. Por vezes, erramos. Mas Fernando foi um político que nunca teve medo de tomar decisões e de assumir os bônus e os ônus de suas decisões.

Como político, nunca fugiu de uma boa briga em defesa de Itabuna. Principalmente, contra os poderosos. Sempre de cabeça erguida, conquistou parte da população da nossa cidade, com a imagem do político corajoso e determinado, mas aberto ao diálogo.

Com seu jeito simples, Fernando era um homem de grande visão política e administrativa. Conseguiu criar uma multidão de seguidores, que reconhecia nele o líder político.

Itabuna hoje mostra ao Brasil que, na política, existem, sim, diferenças ideológicas, diferenças partidárias, diferentes interesses, mas que o respeito às diferenças deve prevalecer. Itabuna mostra ao Brasil que essas diferenças, por maiores que sejam, tornam-se mínimas diante de um povo que reconhece os grandes nomes de sua história.

Parafraseando o saudoso presidente Getúlio Vargas, em sua carta testamento, eu digo: Fernando hoje deixa a vida para definitivamente entrar na história de Itabuna.

Nesse momento em que nos despedimos de Fernando Gomes, em meu nome, da minha esposa Andrea Castro, dos integrantes do nosso governo e, principalmente, da gente de nossa cidade, agradecemos a esse homem do povo por tudo que ele fez por Itabuna.

Solidarizo-me, mais uma vez, com seus familiares, amigos e aliados e peço a Deus que o receba em paz e com muita luz.

Augusto Castro é prefeito de Itabuna.

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Como deputado federal remou contra a maré, mexendo com os poderosos ao propor a criação do Estado de Santa Cruz, dividindo a Bahia em dois estados. Sofreu uma grande campanha contra nos meios de comunicação, mas não se abateu.

 

Walmir Rosário 

Amados por muitos, odiado por alguns, assim era o político Fernando Gomes. Em toda sua história acumulou um cabedal político invejável, se elegendo prefeito de Itabuna por cinco vezes, deputado federal por duas vezes, uma delas o mais votado. Neste domingo (24), em que nos deixou, li numa postagem da História de Itabuna: “Todo o itabunense já foi fernandista pelo menos uma vez na vida”. Concordo plenamente!

Político altivo, Fernando Gomes sabia como ninguém conquistar seus eleitores, pelo jeito simples e sincero de tratá-los como se fossem amigos de infância, apesar de conhecê-los recentemente. Entrava nas casas e só parava na cozinha, após destampar as panelas, comer um tira-gosto, perguntar pelo cafezinho e sentar-se no sofá para trocar uns dois dedos de prosa. Muitos o criticavam chamando-o de populista, oportunista, aproveitador.

O bom mesmo era o resultado nas urnas, elevando Fernando Gomes um fenômeno político. Destemido, nos comícios encarava os adversários políticos, chamando-os para a briga, até mesmo com armas, se necessário. Nunca precisou chegar às vias de fato, limitando-se ao bate-boca através do microfone, como fazia com o todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães.

Prefeito de Itabuna, sempre era convidado por Calixtinho Midlej para jantar com Antônio Carlos Magalhães, de forma civilizada, quando o assunto a ser tratado era o desenvolvimento de sua cidade. Um exemplo foi a vinda da Nestlé quando ainda secretário da Administração do prefeito José Oduque, inaugurada na gestão Fernando Gomes como prefeito.

Mas qual foi a escola política do menino nascido em Itamirim – hoje Firmino Alves – outrora município de Itabuna? O velho Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), acompanhando seu irmão, o ex-deputado estadual Daniel Gomes. Àquela época o PTB era chefiado pelo deputado Aziz Maron, que foi líder do governo Getúlio Vargas na Câmara dos Deputados, portanto, político graduado e de muitas regalias.

E o próprio Fernando Gomes foi beneficiário da experiência e poder de Aziz Maron, que o indicou para cargo na Estrada de Ferro Ilhéus-Conquista e, posteriormente para o Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Comerciários (IAPC). Pessoa capaz de fazer novos amigos, Fernando vai trabalhar por conta própria, agora na comercialização de gado em toda a região.

Com a reorganização partidária, se muda com o irmão Daniel para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e se torna o braço-direito do prefeito José Oduque, que o indica como sucessor. Daí pra frente passou a caminhar com passos largos, deu continuidade à modernização de Itabuna, asfaltando a cidade, construindo obras importantes como escolas, ginásio de esportes e outros equipamentos urbanos.

Já na primeira campanha como candidato a prefeito, Fernando Gomes sofreu todo o tipo de difamação, na qual os adversários tentavam apresentá-lo como um homem que sequer sabia falar e sem competência para o cargo. Ouvindo o professor Flávio Simões, deu o troco aos adversários usando como marketing o apelido de Fernando Cuma, aproximando-o ainda mais das pessoas mais carentes.

Técnico em contabilidade e acadêmico em direito, deixou a faculdade para cuidar melhor dos interesses de Itabuna, como gostava de explicar sua saída da Fespi. Conhecia como ninguém o orçamento do município e as prioridades do investimento e custeio, tinha na memória todos os números, sem a necessidade de recorrer a fichas e computadores, o que deixava seus colaboradores assustados nas reuniões.

Por ser amado e odiado, era o político mais discutido de Itabuna e região, muitas das vezes mal interpretado pelo tom de voz alto e frases ininteligíveis, o que dava munição aos adversários. Como bom político que era, não guardava mágoas e tratava a oposição simplesmente como adversária, nunca como inimiga, tanto assim que fazia acordos com o centro, a direita e a esquerda, cumprindo-os, todos.

Em sua penúltima administração, resolveu, de uma tacada só, eliminar mais de mil cargos de confiança da estrutura do município, o que não foi bem recebido pelos eternos seguidores. Em seguida, promoveu um concurso público para diversos cargos, agora criticado pela oposição, de que seria um simples conchavo para colocar os amigos na prefeitura. Um grande engano. Como primeira medida indeferiu a participação de um secretário no concurso.

O político Fernando Gomes nunca ficou em “cima do muro” nas questões sobre Itabuna, às vezes aumentando a tensão em alguns temas. Na sua penúltima administração resolveu organizar a cidade, devolvendo as praças públicas ao povo, retirando ambulantes de todos os tipos e até moradores. Não se importou com as ferrenhas críticas e foi elogiado ao concluir as obras. O mesmo aconteceu no Centro Comercial.

Em 1992 deixou os petistas atônitos, assim que seu candidato, José Oduque, perdeu a eleição para Geraldo Simões. Enquanto eles reclamavam que recorreriam à justiça para conhecer as contas do município, no dia seguinte Fernando publica decreto formalizando a transição (a primeira democrática de Itabuna), colocando secretários e documentos à disposição do futuro governo.

Como deputado federal remou contra a maré, mexendo com os poderosos ao propor a criação do Estado de Santa Cruz, dividindo a Bahia em dois estados. Sofreu uma grande campanha contra nos meios de comunicação, mas não se abateu. A cada final de gestão prometia se aposentar, cuidar de suas fazendas, mas sempre voltava à prefeitura revelando que tinha sido chamado pelo povo.

O mesmo povo que agora o reverencia na sua partida. Morto, sim, mas sempre lembrado!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Será que já tivemos em Ilhéus 254.970 habitantes, como indica a estimativa de 1999? Será que temos 157.639 habitantes, como publicado em 2021?

José Nazal

A história do recenseamento no Brasil remonta a um século e meio atrás, com a realização da primeira contagem populacional em 1872, cujo nome recebido foi “Recenseamento da População do Império do Brasil”. Adoraria saber quantas “almas” e quantos “fogos” foram contados na então “Vila dos Ilhéos”, legenda que servia para exemplificar o número de habitantes e domicílios à época.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a criação desse Órgão inaugurou a modernização dos censos, passando a contagem a ter a periodicidade de dez anos, conforme informações contidas na história reportada em seu sítio oficial da rede web. Pessoalmente, reafirmo aqui minha admiração pelo trabalho realizado durante essas quase nove décadas, além de meu respeito e minha confiança, mesmo sabendo que, como humanos que compõem as instituições, todos podemos errar. De forma involuntária, errar é de nossa vulnerabilidade humana, mas erros também podem ocorrer de forma voluntária, envolvendo vários fatores, tanto de caráter individual como coletivo e institucional.

Por que falar em erro? Ora, no próximo dia 1º do mês de agosto deste ano de 2022, iniciaremos um novo Censo, com dois anos de adiamento, um causado pela pandemia da Covid-19 e outro pela ineficiência governamental no âmbito federal, que não garantiu os recursos necessários para a sua realização. Isso impactou diretamente as ações do IBGE, resultando ainda em procrastinação no planejamento de prefeituras e atraso na distribuição das transferências constitucionais da União aos Municípios de maneira correlata às suas abrangências populacionais, empobrecendo as administrações públicas nesse último âmbito.

Nos últimos três censos, nos anos 1991, 2000 e 2010, foram anotados no município de Ilhéus os respectivos números de habitantes: 223.750, 222.127 e 184.236. Tamanha redução faz crescer a expectativa e esperar a “Prova dos Nove”. No decênio subsequente à realização de cada Censo, por força de dispositivo legal, o IBGE publica todos os anos, no mês de agosto, a estimativa populacional de cada município. Assim, segundo consta nas informações fornecidas pelo Instituto, a tabela a seguir indica as estimativas oficiais do município de Ilhéus.

Estimativas dos últimos censos em Ilhéus

Analisando friamente os dados acima anotados e considerando a amplitude dos resultados dos censos e estimativas populacionais subsequentes, fica a pergunta: Quais são os reais, os verdadeiros? Qual censo foi mais fidedigno?

Será que já tivemos em Ilhéus 254.970 habitantes, como indica a estimativa de 1999? Será que temos 157.639 habitantes, como publicado em 2021? Na minha opinião (que a priori só vale para mim), Ilhéus nunca chegou a 254.970 habitantes, como afirma o IBGE em 1999, muito embora temos muito mais do que 157.639, como oficializado em 2021. Minha opinião se baseia no estudo comparativo entre os setores censitários dos Censos, aliada à leitura das imagens de nosso território hoje disponíveis, precisas e límpidas, disponíveis em diversas fontes.

Para que essas dúvidas pudessem ser dirimidas, especialmente no período do vertiginoso crescimento negativo ocorrido na década passada, o município de Ilhéus deveria ter contestado os números do IBGE, administrativa ou judicialmente, fato que nunca ocorreu por parte dos gestores que governaram de 1989 até hoje. A próxima estimativa deverá ser publicada no mês de agosto vindouro e, se Ilhéus estiver com população abaixo de 156.216 habitantes, mudaremos a faixa de índice do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para menor. Isso implicará menos repasses financeiros da União, podendo afetar significativamente a receita municipal vinda dessa fonte na administração pública de seus recursos.

Para realizar a contagem e, posteriormente disponibilizar os dados, o território brasileiro é dividido em setores censitários, que juntos formam bairros, distritos, municípios, estados e, na sua totalidade, o Estado brasileiro. Em Ilhéus, no Censo de 1991, tivemos 196 setores; em 2000, 237 setores; em 2010, 287 setores. Para este ano de 2022, temos 414 setores.

O crescimento do número de setores a cada década é resultado da divisão de setores grandes ou de onde há um crescimento de domicílios, ocorrendo com maior incidência na zona urbana da cidade. A maioria dos setores permanecem inalterados, principalmente os da zona rural.

Para ilustrar minha assertiva de que os números dos Censos de 1991 e 2000 contêm um número considerável de erros, apresentarei os dados do setor 291360610000009, que integra o distrito de Aritaguá, classificados nos censos como: “Situação 05 – Aglomerado rural isolado – povoado”. A leitura do número do setor corresponde a:

Dados de setor que integra o distrito de Aritaguá

Nos Censos de 1991 e 2000, os setores eram formados a partir do trabalho de campo realizado pelos técnicos do quadro do IBGE, com perímetro descrito de forma narrativa, identificados por limites naturais ou antrópicos, tornando mais difícil o controle e aferição dos dados anotados pelos recenseadores. E esses recenseadores eram remunerados por valor de remuneração base fixada no edital de convocação, acrescido da produtividade alcançada. A partir de 2010, os setores passaram a ter, além do descritivo do perímetro, informações geodésicas mais definidas; ademais, a coleta foi realizada por Dispositivo Móvel de Coleta (DMC), trazendo maior fidelidade das informações colhidas, com melhor eficácia e maior eficiência no controle e fiscalização.

Na tabela a seguir, apresento o caso que considero mais emblemático, dentre os enganos que foram encontrados no estudo comparativo dos censos.

Setor: 291360610000009

Ponto inicial e final: Cerca da “Fazenda Cajueiro” com “Oceano Atlântico”

Descrição do Setor: Cerca da “Fazenda Cajueiro” com “Oceano Atlântico” do ponto inicial segue pela orla até cerca da “Fazenda do Edmilson” segue por esta até cerca da “Fazenda de Chico Quirino” segue por esta até cerca da “Fazenda Cajueiro ” segue por esta até seu ponto inicial.

O mesmo setor em três edições do Censo

Na imagem abaixo está o local classificado como “Aglomerado rural isolado – povoado”, que fica localizado no lugar Ponta do Ramo, no distrito de Aritaguá.

Poligonal de área em Ponta do Ramo || Google Earth (22/07/2022)

Pela imagem e por visita ao local nos dias de hoje, pode ser constatado que não existe nenhum resquício dos 268 domicílios anotados a maior nos censos mais antigos. De forma análoga, outros enganos foram encontrados em outros setores rurais do município.

Ao final da coleta que se iniciará no primeiro dia de agosto vindouro, quando forem divulgados os dados preliminares e posteriormente os definitivos, teremos a “prova dos nove”. Saberemos, então, qual a real população de Ilhéus, de seus distritos e bairros, suas vilas e seus povoados, hoje todos ajustados em lei e em consonância com a base censitária.

Reafirmo minha crença no IBGE e justifico a exposição da minha opinião face à intenção de esclarecer a disparidade dos números, não havendo aqui a intenção de buscar culpa ou responsabilidade, apenas de constatar que houve erro ou engano, inclusive já prescritos pelo tempo.

Finalizo este artigo exortando o governo municipal, na pessoa do prefeito Mário Alexandre e do vice-prefeito Bebeto Galvão, para que todo apoio possa ser dado ao IBGE e seus recenseadores, visando uma coleta que cubra todo o nosso território de maneira fidedigna, pelo bem de Ilhéus e seu povo.

José Nazal é fotógrafo, memorialista e ex-vice-prefeito de Ilhéus (2017-2020); publicou Minha Ilhéus pela Via Litterarum.

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É preciso pensarmos as potencialidades locais e fazermos um amplo programa de diversificação econômica, levando em conta, inclusive, as oportunidades geradas pelo Porto Sul e FIOL, além de incentivo a atividades tecnológicas.

 

Rosivaldo Pinheiro || rpmvida@yahoo.com.br

Hoje, trago à discussão algumas observações em relação ao município de Itabuna, que completará, neste mês, 112 anos de emancipação político-administrativa. Nossa cidade tem como carro-chefe da sua economia o comércio e os serviços, sendo, inclusive, polo regional de saúde e educação. O setor industrial é incipiente, mesmo tendo gás natural, poliduto e sendo cortada por duas importantes rodovias, a BR-101 e a BR-415.

Ao longo desse pouco mais de um século, por aqui também tivemos importantes iniciativas de turismo de negócios e entretenimento, mas sem continuidade. Esse registro aponta a necessidade de trabalharmos essas atividades. A cidade precisa melhor entender os impactos positivos gerados por esses segmentos sobre as demais atividades econômicas, inclusive para buscar a implantação de um centro de convenções, num modelo que melhor atenda às demandas locais – a área do Parque de Exposições pode ser uma opção –, além de reabrir o aeroporto para o pouso de aeronaves particulares de pequeno porte, serviços de saúde, serviços de valores, serviços de segurança (Base do Graer) e voos comerciais em trechos alternativos para aeronaves com menor número de passageiros.

Ainda no campo do entretenimento, o último São Pedro realizado pela gestão municipal, por meio da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), é prova inequívoca da atração do público local e regional e traz de volta ao centro do debate esse importante setor econômico, colocando a cidade no calendário turístico.

É preciso pensarmos as potencialidades locais e fazermos um amplo programa de diversificação econômica, levando em conta, inclusive, as oportunidades geradas pelo Porto Sul e FIOL, além de incentivo a atividades tecnológicas a partir de parcerias com a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Como podemos observar, temos um longo caminho a percorrer e grandes desafios no percurso, e só através dessa configuração faremos Itabuna melhorar os indicadores socioeconômicos. Esse desafio é da sociedade local: dos poderes públicos à iniciativa privada, passando pela academia. Só assim continuaremos avançando na qualidade de vida da nossa cidade.

Rosivaldo Pinheiro é economista, especialista em Planejamento e Gestão de Cidades (Uesc) e comunicador.

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Numa análise aprofundada, o retorno das duas instituições líteras, etílicas e mundanas foi por demais proveitoso, com a aprovação da filiação do debutante Miron à Confraria d’O Berimbau, enquanto aguarda a decisão do Clube dos Rolas Murchas. A próxima assembleia promete assanhar os velhinhos.

Walmir Rosário

Finalmente! Agora, sim, comecei a levar fé que o mundo está voltando a ser o mundo de antes, modificado que foi nestes tempos em que a tal da Covid-19 esfacelou tudo de bom que existia neste Brasil de meu Deus e por aí afora. Uma simples convocação feita pelo whatsapp foi prontamente atendida por boa parte dos membros da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas.

É certo que não se tratava de uma simples reunião, mas da comemoração do confrade Antônio Alves (que também atende como Tonhão ou Tonhe Elefoa), o que envolve um substancial prato da mais forte culinária. E desta vez foi servido um lauto mocofato, prato de sustança para os que se reúnem para tratar de coisas bastantes sérias numa mesa de bar, sem horário para o fim do encontro.

Como sempre alguns recalcitrantes teimaram em não aparecer, dando como escusas compromissos assumidos anteriormente, hoje em dia uma desculpa indelicada e não levada a sério. Entre os faltosos, o Almirante Nélson, que amarelou, seguido por Valdemar Broxinha, que agora somente comparece aos encontros caso tenha sido anunciado pelo comunicador Mário Tito pelas ondas da Rádio Sociedade da Bahia e mais uns três.

O aniversário – com os tradicionais parabéns pra você –, na verdade, era apenas um pretexto motivador para a presença dos confrades. Dois temas da maior relevância constavam da pauta: o retorno das reuniões semanais às quintas-feiras (Clube dos Rolas Cansadas), de forma itinerante, e aos sábados, no bar Mac Vita, ambiente aberto e ventilado, longe dos perigos dos vírus que circulam por aí.

Mas nem tudo seguiu conforme o planejado, haja vista o comportamento desajustado dos velhinhos após a ingestão de alguns copos de cerveja, tratando de alguns temas extrapauta. A começar pela data do aniversário, que seria no dia 4 de julho, transferido para o dia 5 por Tonhão, por conta da coincidência da independência americana, ficando longe do capitalismo do Tio Sam.

Já a segunda discussão animou os confrades, pelo pagamento de uma dívida. Calma, eu explico. É que no dia 24 de março de 2018, o conceituado Grupo RM, como se intitula (embora maldosos digam que representa Rolas Murchas) veio a Canavieiras exclusivamente para se encontrar com as coirmãs e estabelecer laços de amizade e troca de informações institucionais.

Em Canavieiras, a representação de alto nível, capitaneada pelo presidente Cal e os membros Zé Leite, o saudoso Gileno Alves, Coronel Jamil e Zé Nílton, isso em veículo próprio conduzidos pelo motorista abstêmio Paulo Taquari. Por aqui fizeram uma tournée pelo centro histórico, praia, Igreja de São Boaventura, Bar Laranjeiras, finalizando na Confraria d’O Berimbau.

Recebidos pelos confrades das duas instituições líteras, etílicas e mundanas, trocaram juras de amizade e juraram solenemente manter contatos recíprocos entre as duas sedes: Ilhéus e Canavieiras. Na sede d’O Berimbau a conversa rolou solta até quase o fim da tarde e sessão de fotos, devidamente acompanhadas das melhores cachaças, cerveja bem gelada e comida de sustança.

Como disse que existe a dívida, conto também os motivos que até hoje o motivo da inadimplência, o que tem deixado alguns confrades avexados. E todas as culpas recaem no planejamento (ou falta dele) da viagem a Ilhéus, por conta de Tyrone Perrucho e Demostinho. Os 110 quilômetros que separam as duas cidades não recomendam viagem dirigindo os próprios carros, por questões de absoluta segurança.

A solução foi contratar uma van ou micro-ônibus para a viagem. Aí foi que apareceram os insolúveis problemas: As vans de sete lugares não comportavam os poucos confrades, já os micro-ônibus eram grande demais para fazer a viagem com tão poucos passageiros. Até nos dispusemos a avaliar a proposta do confrade Tedesco, de que nos deslocássemos a Ilhéus de num barco de pesca, ideia abortada pelos frágeis estômagos dos confrades.

Sem encontrar solução, não conseguimos aportar na Barrakitika, sede dos encontros de sábado do Grupo RM. Para que não seja considerada incompetência, já recorremos ao adjutório do Secretário Plenipotenciário d’O Berimbau, Gilbertão, que virá de Santa Cruz Cabrália para definir o compromisso de tal monta. A viagem urge e pelo emocional dos confrades, desse ano não passa.

Numa análise aprofundada, o retorno das duas instituições líteras, etílicas e mundanas foi por demais proveitoso, com a aprovação da filiação do debutante Miron à Confraria d’O Berimbau, enquanto aguarda a decisão do Clube dos Rolas Murchas. A próxima assembleia promete assanhar os velhinhos.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Sentindo o cheiro de maracutaia, Gabriel Nunes se dirige a Salvador com Gérson Souza e descobre o plano de colocar o Itabuna na geladeira por vários meses, enquanto o Bahia disputaria o Brasileirão.

Walmir Rosário

Em 1970, tudo indicava que o Itabuna Esporte Clube pretendia se tornar tema de peça teatral do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, com direito ao personagem Sobrenatural de Almeida mandando na trama. Pois é, disso não duvidem, jamais. Neste ano, o Azulão, o Meu Time de Fé, esteve no inferno, passou pelo purgatório, aterrissou no céu e novamente desceu ao fogo do inferno.

E não era pra menos. No início do ano era um time insolvente, falido, sem diretoria, largado ao Deus Dará, quando em fevereiro de 1970 o advogado Gabriel Nunes reúne uma diretoria para assumir o clube. Mesmo sem experiência alguma na administração de clubes de futebol, a diretoria arregaça as mangas e inicia um trabalho para tirar o Itabuna do enorme atoleiro em que se encontrava.

O único saldo positivo eram 22 jogadores, na grande maioria amadores, e alguns profissionais remanescentes do time de craques que contratara. E assim começaram a disputar o Campeonato Baiano de 1970. O que a diretoria não contava era a concorrência da Copa do Mundo, na qual o Brasil se sagrou tricampeão no México, e  do inverno rigoroso, que afastavam a torcida dos estádios.

Neste ano, o certame baiano era visto pela Federação Bahiana de Futebol, além de Bahia e Vitória, apenas como compromisso de segundo plano, pois esses dois times pretendiam mesmo era jogar o Campeonato Brasileiro. Em Itabuna, os planos de Gabriel Nunes eram bem mais modestos, como recolocar o Itabuna no cenário futebolístico que pertencia. O grande entrave era a falta de dinheiro para honrar as dívidas e formar um bom time.

Grande parte dos atletas do Itabuna exercia outra profissão, como Carlão, taxista em Ilhéus; os goleiros Luiz Carlos, bancário; Galalau, segurança bancário; e por aí afora. Diante do caos reinante, o presidente Gabriel Nunes encontrava dificuldades em contratar ônibus para o transporte dos atletas e da torcida, além de honrar com o pagamento de salários e bichos nas vitórias.

A cada jogo era um sufoco e era preciso fazer campanhas para arrecadar dinheiro junto à torcida. Como não haviam recursos para pagar os jogadores, a diretoria recorre à parceria. Os atletas abririam mão dos salários e bichos e receberiam 70% da renda que o Itabuna faria jus e os outros 30% ficariam para as despesas. Àquela época, o vencedor ficava com 60% e o perdedor com 40%, tiradas as outras despesas.

Imediatamente todos toparam. E o presidente Gabriel Nunes fez um alerta: temos que ganhar os jogos para levarmos 60%, o que mexeu com o brio dos atletas. Logo no segundo jogo, o Itabuna perde para o Galícia, no campo da Graça, por 1X0, gol de Élcio, ex-Itabuna. No próximo jogo, contra o Vitória, os guerreiros de Itabuna conseguiram virar o jogo e aplicar 2X1 no rubro-negro baiano, ganhando a confiança da fanática torcida.

Outra prova importante foi contra o timaço do Feira Tênis Clube. O jogo foi realizado em Itabuna debaixo de uma forte chuva. Quando o zagueiro Americano atrasou a bola para o goleiro Betinho, ela parou numa poça d’água, e o Feira marcou 1X0. No intervalo, Gabriel vai ao vestiário e conversa com os jogadores. Americano pediu que a diretoria ficasse tranquila, pois ganhariam o jogo. Ao final, 2X1, conforme prometido.

Outra partida hercúlea foi contra o Jequié, outra sensação do interior. Só que o Itabuna não tinha dinheiro para contratar os ônibus e tampouco se hospedar num hotel. A proposta era viajarem no dia do jogo, em carros dos diretores, fazerem uma parada para o lanche na estrada, jogar a partida e fazer nova parada para outro lanche reforçado na volta, o que foi prontamente aceito por todos.

Só que a imprensa divulgou essa notícia, mexendo com os brios dos torcedores, que logo se movimentaram com as famosas vaquinhas. Um torcedor itabunense que morava em Jequié reuniu outros conterrâneos e pagaram o hotel; os de Itabuna pagaram as despesas com as refeições, e Frederico Midlej conseguiu os ônibus para o transporte. O resultado do jogo foi 1X1.

Mais pra frente, o Itabuna empata com o Bahia no campo da Graça. E esta viagem foi mais uma epopeia, com a entrada de Gabriel em campo, para fazer uma campanha na Rádio Difusora e conseguir as 28 passagens de avião junto a José Laurindo, representante da Aviação Sadia. O sucesso foi tão grande que foram doadas 30 passagens. Novamente, Frederico Midlej consegue mais dois ônibus para a torcida e a charanga.

Das 16 partidas do segundo turno, o Itabuna vence 13 e se torna o time a ser batido pelo Bahia e pelo Vitória. Faltava apenas um jogo para o Itabuna Esporte Clube ganhar o segundo turno e se tornar um dos finalistas, indo para a disputa do título com o Bahia. Em 13 de setembro de 1970, o Itabuna enfrenta o Ideal de Santo Amaro, bastando um empate para se tornar campeão do segundo turno. E assim foi feito.

No dia seguinte, o presidente Gabriel Nunes liga para o interventor da Federação Bahiana, Cícero Bahia Dantas (do departamento jurídico do Bahia), para marcar os jogos, que seriam disputados numa melhor de três (um jogo em cada sede e outro em campo neutro). Sem mais delongas, o interventor pede que Gabriel ligue na próxima semana, pois existia um recurso impetrado pelo Bahia.

Sentindo o cheiro de maracutaia, Gabriel Nunes se dirige a Salvador com Gérson Souza e descobre o plano de colocar o Itabuna na geladeira por vários meses, enquanto o Bahia disputaria o Brasileirão. E assim foi feito. Jogaram no lixo o regulamento do campeonato, e o Itabuna amargou mais uma derrota no tapetão baiano, prejudicando uma equipe módica e vencedora.

De início, a diretoria imaginou dar o troco, convidando o Fluminense de Feira, último campeão, para jogar em Itabuna e colocar as faixas no verdadeiro campeão, o que não foi aceito pela Assembleia Geral. Vencido o mandato, a diretoria liderada por Gabriel Nunes entrega o Itabuna Esporte Clube saneado, já vice-campeão, enquanto a nova diretoria teria o compromisso de jogar as partidas finais três meses depois.

O Itabuna vencedor foi desfeito e tomou duas goleadas. Na primeira, 3X0, no dia 13 de dezembro, e na segunda, 6X0, em 16 de dezembro. Era assim o futebol baiano.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

* Na foto do time, em pé: Gabriel Nunes (presidente), Ailton, Betinho, Americano, Caxinguelê, Chuvisco, Reizinho, Ivo Hoffmann (técnico), Zé Rodrigues (roupeiro) e Ramirez Silvane (representante em Salvador); e agachados: Miltinho, Luizinho, Carlão, Ronaldo, Romualdo, Tombinho (massagista) e Antônio da Silva Júnior (gerente da Casa do Atleta). O mascote é o ex-jogador Gilberto (filho do lendário Santinho).

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Se o costume persistir, será preciso uma força-tarefa para realizar a exorcização dessas pessoas que pretendem ser mais reais do que o rei. E viva São Boaventura.

 

Walmir Rosário 

Só Deus nessa causa para que tudo volte à normalidade! Estou falando do cortejo que sai da praça Maçônica todo o último domingo antes do dia 14 de julho, data dedicada a São Boaventura. Assim que chegam à praça São Boaventura, um grupo de baianas estilizadas lava as escadarias da igreja matriz e, por extensão, os políticos, turistas e fiéis que participam do evento profano.

A cada ano a tradição é ultrajada, e neste ano da graça de 2022 o esculacho foi geral, com o fim da lavagem da escadaria da igreja, embora as baianas carregassem, durante todo o cortejo, cântaros e pequenos vasos com a água de cheiro destinada à limpeza. Pelo menos já sabemos que não foi falta de água, para que não se culpe a Embasa ou rio Pardo pela escassez do precioso líquido.

Pouco importa a tradição, definhada ao longo dos anos e ao sabor dos políticos. Sim, porque a festa é coordenada pelo prefeito desde que iniciou lá pelo ano 1978 – século passado –, criada pelo prefeito da época, Almir Melo. Coordenada por Trajano Barbosa, era realizada nos mínimos detalhes, inclusive com a lavagem do interior da igreja, suprimida anos depois, mantendo a tradição apenas na área externa.

A quebra da tradição também é verificada quanto ao cortejo, que sempre contou com peças e alegorias sobre a vida do Santo. À frente, o mandatário e seus representantes políticos nas diversas instituições do legislativo, seguido por grupos de diferentes ideologias, cada qual coeso no seu bloco, como manda a democracia. Os políticos, é bom que se diga, sempre se revezavam, conforme o mandatário municipal.

Em 2020, com a pandemia da Covid-19, poucos se incomodaram com a tradição e a fé no santo padroeiro São Boaventura. Por pouco passaria em branco, não fosse o fervor dos vizinhos da igreja, capitaneados por Antônio Tolentino, sua filha Fafá, e mais dois ou três vizinhos. Só e somente só, essa meia dúzia de fervorosos chegaram com latas d’água, mangueiras e vassouras para cumprir a devoção.

E o ex-bancário e ex-secretário Antônio Amorim Tolentino (Tolé), se queixa até hoje das mudanças feitas pela direção da Igreja Católica, em Salvador, em relação aos festejos profanos da lavagem da Igreja do Bonfim, que se refletiu também Canavieiras. “Apesar disso, não conseguiram diminuiu a devoção e o brilho da festa”, opina. Mas esse não foi o primeiro gol contra São Boaventura.

Os católicos mais tradicionais também se queixam da mudança da data em que São Boaventura era comemorado. Antes festejado no dia 15, foi retroagido para o dia 14 de julho, simplesmente porque o vigário da época pretendia participar da festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da vizinha cidade de Belmonte. Essa transferência criou uma polêmica na comunidade católica, resolvida posteriormente com um armistício.

E Tolé era um dos inconformados com a quebra das tradições, tanto que, junto com o jornalista Tyrone Perrucho, Raimundo Tedesco e outros fiéis desocupados organizavam a comemoração no dia 15, em frente a igreja. Durante todo o dia espocavam fogos, bebiam, comiam e debatiam a vida do Seráfico Doutor da Igreja Católica até o sol se pôr ou a bebida acabar.

Conversava eu com uns amigos durante a passagem do cortejo sobre a mudança dos convidados dos mandatários municipais. Eu simplesmente não conseguia entender o motivo. Foi quando um professor que nos assistia teve a gentileza em nos explicar que seria devido à teoria da satisfação das necessidades. Se os primeiros convidados já satisfizeram as reivindicações anteriores, nada como os novos para as seguintes.

E o professor ainda teve a gentiliza de anotar o nome de um cientista social, um tal de Maslow, que explicava direitinho que a cada necessidade satisfeita imediatamente surgiria uma nova, que também deveria ser satisfeita, até completar a pirâmide. Como não conheço bem dessas artes, acreditava piamente que eram traições políticas, no que fui repreendido por não ter estudado o suficiente.

Estou bastante receoso com o cortejo de São Boaventura no ano que vem, pois posso ser surpreendido com a falta de outro elemento importante do importante festejo, além da lavagem da escadaria, já consumada. Conta a história, que por essas e outras heresias, a imagem de São Boaventura teria sumido da igreja matriz de Canavieiras, sendo encontrada no distrito do Poxim da Praia, onde apareceu após um naufrágio.

Há poucos anos, outro santo também se rebelou em Canavieiras. Foi o poderoso e reverenciado São Sebastião, que teimou em não fazer subir seu mastro na festa da Capelinha, após mudanças e quebras de tradição. Se o costume persistir, será preciso uma força-tarefa para realizar a exorcização dessas pessoas que pretendem ser mais reais do que o rei. E viva São Boaventura.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Dedé do Amendoim é, ao lado do Caboco Alencar, um dos personagens mais fascinantes da boemia itabunense, com histórias que dariam um livro.

 

Daniel Thame

Após 46 anos percorrendo os bares de Itabuna com sua inseparável bicicleta, vendendo amendoim e ovo de codorna, Dorival Higino da Silva, também conhecido como Dedé do Amendoim ou, por motivos óbvios, Tesão, pendurou as chuteiras e os pedais em 2016.

Com oito filhos criados graças à sua labuta incansável, ele decidiu que era hora de parar, curtir a família e torcer/sofrer com o Vasco da Gama, seu time de coração.

Como Pelé, deixou sucessores na labuta para ganhar honestamente o suado pão de cada dia, mas não substitutos, porque Dedé é dessas figuras que merecem o adjetivo “insubstituível”.

Dedé do Amendoim é, ao lado do Caboco Alencar, que teve que fechar o ABC da Noite por conta da pandemia, mas ensaia uma reabertura gradual e segura, um dos personagens mais fascinantes da boemia itabunense, com histórias que dariam um livro.

Uma delas, ocorrida em meados dos anos 90, dá bem a dimensão do estilo Dedé. Vendia ele seus amendoins e seus ovos de codorna no Katiquero, vestindo com orgulho uma camisa do PT, quando um desses babacas que infelizmente poluem os bares perpetrou:

-Tira a essa camisa horrível que eu compro tudo…

Ao que Dedé respondeu na lata:

-Pois pra gente como você eu prefiro não vender nada…

E seguiu em frente, com sua bicicleta e sua dignidade.

Em tempo 1: Dedé recolheu-se em sua residência no bairro de Fátima, vitimado por grave enfermidade. Com as complicações clínicas agravadas, Dedé do Amendoim, faleceu na madrugada deste sábado.

Dedé foi vender seus ovos de codorna e seus amendoins lá no céu (fico aqui imaginando uma orgia angelical dados os efeitos propagados do amendoim).

Tomara que tenha deixado seu exemplo de dignidade aqui na Terra mesmo. Estamos precisando muito.

Em tempo 2: O Katiquero reabriu com outro nome e outro proprietário . Ou seja, não reabriu…

Em tempo 3: O corpo de Dedé do Amendoim está sendo velado na Funerária Paulo Preto, na Rua Antônio Muniz, em Itabuna. O enterro está marcado para as 10h deste domingo (10), no Cemitério Campo Santo, em Itabuna.

Daniel Thame é jornalista e amigo de Dedé do Amendoim.

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Igreja ao lado de bar é concorrência desleal e sempre poderá passar por sérios dissabores e insolúveis problemas.

Walmir Rosário

Calma, eu explico: nem morreu nem morrerá tão cedo, pois ouvi dizer que está imortalizado no álcool. Também não confundam o título com matéria que ele mesmo escreveu – há anos, no saudoso Tabu –, descrevendo sua morte. Não, o cabra – Tyrone Perrucho – está e continuará vivinho da Silva por muitos e muitos anos, pelo menos em nossa memória. O problema é outro e muito sério, como passarei a descrever.

É que anos passados o jornalista desocupado Tyrone Perrucho deixou sorrateiramente Canavieiras por duas vezes em direção a Barra Grande, município de Maraú, uma delas na companhia de Alberto Fiscal, lá conhecido como Alberto Coletor. Nesta primeira viagem, de cunho eminentemente turístico, se divertiu a valer e até provou da cerveja Heineken pelo alvissareiro preço de R$ 10,00.

Já na segunda turnê, saiu à francesa, sem se despedir ou dar um simples até logo a nenhum dos amigos e criou uma comoção nos diversos estabelecimentos do ramo etílico devido ao seu sumiço. Num belo dia, quando ainda estagiava nas artes do WhatsApp, disparou dezenas de postagens em que registravam visitas suas às igrejas chamadas popularmente de evangélicas.

Se por um lado despreocupou os confrades d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas, deixou as cabeças de outros totalmente baratinadas, dado a esse interesse mais que repentino em frequentar as chamadas “Casas de Deus”. Assim que chegou à Confraria d’O Berimbau, no sábado seguinte, o confrade Raimundo Tedesco decifrou o enigma, informando ser uma ideia fixa dele, ainda dos tempos de rapazote.

E discorreu sobre sua primeira incursão numa igreja evangélica, prontificando-se a congregar com os irmãos, chegando a receber o sacramento do batismo em um sábado solene. Toda essa religiosidade – segundo o amigo Tedesco – estaria fundamentada no interesse numa das irmãs em Cristo, a quem prometera casamento, desde que a conhecesse mais intimamente, proposta tida como indecorosa pela quase futura noiva.

O “Batizado do Irmão Tyrone” deu o que falar naquela Canavieiras de ontem e rendeu uma poesia, distribuída fartamente (e ainda guardada até hoje) em todos os recantos da cidade, com a foto do inusitado acontecimento. Desfeita a quase união, Tyrone Perrucho não deixou o hábito – há quem diga que é tara – de se bandear para igrejas, com segundas intenções.

Alguns dos seus amigos sempre disseram que esse comportamento não era normal, haja vista que volta e meia arrumava uns arranca-rabo com os padres, o que lhe rendeu uma promessa de excomunhão. Para uns confessava ser ateu, aquele coitado que não crê em Deus ou outro ser superior; para outros seria apenas um agnóstico, daqueles que não dizem que sim nem que não, muito pelo contrário.

Entretanto, as fotos chamavam a atenção, pois as igrejas estavam todas fechadas, no que mais uma vez Tedesco revelou a questão: “É que um sujeito pernicioso daquele chama a atenção, e os pastores mandam fechar as portas com medo que venha junto o satanás”. Mas a pergunta que não quis calar foi: o que Tyrone Perrucho queria nessas igrejas, de forma tão insistente?

O tempo passou, mas a questão ficou no ar, até que, mais algum tempo, confabulavam Tyrone e Alberto sobre a possibilidade de um retorno a Barra Grande logo após a folia momesca. Flagrados por Panela de Barro, a conversa se encaminhava sobre a possibilidade de abrir uma franquia de uma dessas igrejas em Canavieiras, que funcionaria justamente ao lado do bar Mac Vita.

Pelo que Panela de Barro ouviu – e contou aos confrades –, o local escolhido já se encontrava pronto para funcionamento de uma dessas igrejas, faltando apenas o investimento no mobiliário, num grande e chamativo letreiro em frente e no serviço de som. De mais, bastaria formar alguns obreiros para atrair os fiéis, ao encarnarem as figurações de fé e recolher os óbolos pelas curas e milagres.

Não sei se Tyrone Perrucho sabe o motivo do fechamento da igreja no local em que ele pretende abrir o seu estabelecimento religioso. Caso não saiba nem lembre, conto aqui. Numa dessas noites chuvosas, a Coelba se esmerava em transformar as luzes da cidade em pisca-pisca, deixando às escuras os clientes do Mac Vita e da igreja ao lado, numa tentativa de fazer com que todos retornassem às suas casas.

Foi então que o pastor desceu do seu púlpito e se dirigiu ao bar Mac Vita para o espanto da seleta freguesia, que, entre uma cerveja e outra, acompanhava as promessas de milagres. Educado, saudou a todos com um empolgante boa noite e perguntou se alguém da seleta clientela dispunha de um isqueiro ou fósforo para que ele pudesse acender as velas e continuar operando os milagres em seu culto.

Sem pestanejar, um dos clientes, Batista Gama Neves, emendou de primeira:

– Por que mesmo o senhor quer isqueiro ou fósforo?

No que o pastor respondeu:

– Para acender as velas e continuar o culto.

Foi aí então que Batista não deixou por menos:

– Pastor, nós estamos aqui ouvindo o senhor operando milagres, fazendo aleijado andar, surdo ouvir e expulsar satanás. Com todo esse poder o senhor não sabe fazer um milagre mixuruco de acender uma vela? Pode ir embora, aqui não tem não –.

Para surpresa dos clientes do Mac Vita, no raiar do dia seguinte, parou um caminhão em frente à igreja e retirou todo o mobiliário, encerrando os cultos até hoje.

E apenas contei essa história com a finalidade de alertar o quase-pastor Tyrone Perrucho de que Batista continua sendo um dos clientes mais assíduos do Mac Vita, e para que ele não se poupe na sua vida mundana, brinque outros carnavais e não corra esse tipo de risco. Igreja ao lado de bar é concorrência desleal e sempre poderá passar por sérios dissabores e insolúveis problemas.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Vivemos tempos de falso moralismo e obscurantismo. Falso, porque nenhuma lei tem o direito de legislar sobre o corpo das mulheres, e muito menos do de meninas. E nenhuma lei jamais impediu a existência de abortos, ainda que clandestinos.

 

Marcos Bandeira Júnior

Nos últimos dias, o Brasil ficou estarrecido com duas notícias chocantes: uma juíza catarinense impediu que uma menina de 11 anos fizesse um aborto, um direito concedido a toda grávida vítima de estupro. Felizmente, depois da repercussão do caso, a criança conseguiu fazer o aborto. No domingo, a atriz Klara Castanho, de 21 anos, teve que vir a público expor suas dores, depois de ser enxovalhada por dois abutres – uma apresentadora e um “jornalista” – que ganham a vida espalhando fofocas de celebridades.

Klara foi estuprada, só percebeu que estava grávida dias antes do parto (já que não engordou e continuou a menstruar) e entregou o bebê para a adoção, prática legal e a qual pode recorrer qualquer mulher, de qualquer idade, vítima ou não de estupro, que não queira ficar com o filho.

Estupro, gravidez na adolescência e aborto são temas delicados, mas que precisam ser discutidos por essa sociedade machista, que teima em não exercitar o humanismo e a empatia pelas mulheres vítimas de violência. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2021, uma mulher foi estuprada, a cada 10 minutos em média, no Brasil. Dos 56,1 mil casos, mais de 35,7 mil eram crianças e adolescentes de até 13 anos. A esmagadora maioria, meninas: 85,5% das vítimas. 40% dos crimes foram cometidos por pais ou padrastos; 37% por primos, irmãos ou tios e quase 9% por avós.

Como resultado desse cenário de horror, mais de 21.600 meninas ficaram grávidas antes dos 14 anos de idade. E, a cada 30 minutos, uma menina de 10 a 14 anos torna-se mãe! Quantas delas, por falta de informação e apoio familiar e jurídico, foram obrigadas a se tornar mães, numa fase da vida em que tinham de estar estudando, brincando, pensando em planejar um futuro melhor? Segundo especialistas, a desinformação sobre sexualidade e sobre direitos sexuais e reprodutivos é o principal motivo para que a adolescente fique grávida: 7, de cada 10 adolescentes grávidas, dizem que engravidaram “sem querer”.

Os riscos à saúde da mãe e do bebê vão de transtornos psiquiátricos à disputa entre mãe e feto por nutrientes disponíveis no corpo da gestante e, em muitos casos, necessidade de UTI neonatal para o recém-nascido. Há também o aspecto social: a adolescente tem, por exemplo, sua vida escolar interrompida e, no caso de famílias de baixa renda (que abrigam a maioria das adolescentes grávidas), a tendência é que a pobreza aumente. É uma espécie de círculo vicioso da miséria, pois nem sempre a adolescente tem condições financeiras para cuidar da criança.

É preciso que a sociedade tenha um olhar mais amoroso e acolhedor para as nossas meninas. Nossas adolescentes têm o direito de experimentar cada fase da vida de maneira natural, sem a obrigação de ser mãe por obra do acaso, o que lhes rouba o direito de amadurecer em toda a sua plenitude. Também precisamos, como sociedade, deixar claro que criminoso é o estuprador que a engravidou e não ela. As vítimas precisam saber que têm direito a abortar e não devem se envergonhar por terem sido estupradas. Elas não podem sofrer constrangimento de ninguém: sejam médicos, enfermeiras, juízes ou promotoras.

O poder público precisa se posicionar, em vez de se encastelar atrás de convicções que mudam de acordo com a ideologia do ocupante eventual do Palácio do Planalto. Vivemos tempos de falso moralismo e obscurantismo. Falso, porque nenhuma lei tem o direito de legislar sobre o corpo das mulheres, e muito menos do de meninas. E nenhuma lei jamais impediu a existência de abortos, ainda que clandestinos. A proibição prejudica apenas as mulheres pobres, que morrem em locais insalubres, quando deveriam contar com a segurança e os cuidados de um serviço público de saúde.

Também causou polêmica nesta semana, o novo Manual do Aborto, criado pelo Ministério da Saúde. Artistas, influenciadores e organizações sociais criticam a nova versão do documento. Eles avaliam que seu conteúdo pode criar margem para condicionar vítimas de estupro a uma investigação policial, antes de realizar o aborto. Ou seja: o ciclo da violência parece infindável, pois obrigar a vítima a narrar o horror que passou numa delegacia é mais uma forma de violência.

Por que, ao invés de apoiar ações de efetividade duvidosa, o Ministério da Saúde não investe em campanhas de conscientização sobre uso efetivo de contraceptivos e de esclarecimento sobre os riscos da gravidez na adolescência?

Em função dessa polêmica, foi lançada uma campanha nacional pela revogação do manual. Sua hashtag #CuidemDeNossasMeninas viralizou na internet e já reuniu mais de 400 mil apoiadores. Eu sou um deles. E você?

Marcos Bandeira Júnior é advogado.

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Era capaz de passar o dia inteiro pelos campos, jogando seguidos babas ou nas rodas de bobo. Nem via o tempo passar. Só saía mesmo quando tinha um mandado para fazer e ganhar um troco.

 

Walmir Rosário

Por volta de 1963 apareceu no bairro da Conceição, em Itabuna, um jovem, ainda adolescente, que começou chamar a atenção pela sua intimidade com a bola. Em poucos dias, já estava aclimatado com os desportistas e era um dos primeiros a ser escolhido para os babas em todos os campinhos que chegava. Não tinha medo de zagueiros e zombava das pancadas que eles davam com dribles desconcertantes, deixando-os caídos ao chão enquanto partia para cruzar a bola ou entrar na área e fazer o gol.

Garoto acanhado no meio social – talvez pela sua pequena condição social – se transformava num gigante quando o assunto era futebol. Seu nome: João Calça Frouxa, apelido que trouxe de sua terra natal, Buerarema, ou Macuco, como ainda chamávamos – por força de hábito – o recém-emancipado distrito de Itabuna. Passou a ser convidado para os babas e as partidas dos times mais importantes do bairro da Conceição.

Fora de campo, fazia bicos para comerciantes, fazendo a entrega de mercadorias e das compras na feira para as donas de casa. Se especializou em mandados. Quando não estava nos afazeres ou nos campos de pelada, era visto tomando banho no rio Cachoeira e pescando. Devidamente ambientado, não queria saber de outra vida, já que conseguia todas as regalias que sua vida de menino pobre em Buerarema não podia lhe oferecer.

Enquanto ganhava desenvoltura junto à população, principalmente às pessoas ligadas ao futebol, pouca intimidade tinha com as letras, pois nunca foi afeito a livros, cadernos e lápis. Gostava mesmo era de driblar os adversários, desmoralizá-los – no bom sentido. Nos dias em que estava inspirado, mandava fazer fila e saía costurando a torto e a direito, não poupando nem mesmo o goleiro adversário, aplicando meias-luas, banhos de cuias (chapéus), até jogar a bola no gol.

Desde Buerarema que não frequentava a escola. “Era ‘rude’ pra essas coisas da cabeça”, diziam frequentemente, enquanto o elogiavam na arte do futebol. Era capaz de passar o dia inteiro pelos campos, jogando seguidos babas ou nas rodas de bobo. Nem via o tempo passar. Só saía mesmo quando tinha um mandado para fazer e ganhar um troco. Seu traje, invariavelmente, era uma camisa de algodão cru e um calção de estopa ou mesclinha, que ia até o joelho.

No bairro da Conceição, João Calça Frouxa morava com uma irmã no alto da rua Bela Vista, até que despertou a curiosidade de um parceiro de “baba”, Carlos Guimarães, o Caroba, que descobriu a condição de analfabeto do amigo. Com muita paciência, Caroba pegava na mão de Calça Frouxa para ensiná-lo a escrever, após um trecho de leitura. Até que ele conseguiu “desenhar” o seu nome: João Cantídio dos Santos, até então desconhecido de todos.

Quem lembra bem de João Calça Frouxa nas peladas é Raul Vilas Boas, goleiro estiloso que gostava de imitar as “pontes” praticadas pelo goleiro do Flamengo, Marcial. “João Calça Frouxa era um ponta-direita habilidoso, que driblava bem, jogava em direção ao gol, jogava muito. Era considerado um novo Garrincha, pois driblava bem e ia pra cima, com velocidade. Dava um tapa na bola pela direita e quando o lateral virava ele já estava na cara do gol.

Quem o levou para a equipe do Botafogo juvenil do bairro da Conceição foi o técnico Zito Baú, que o considerava como um dos melhores ponteiros do Botafogo, em toda a sua história. A exemplo de outro ponta-direita, o consagrado Mané Garrincha, João Calça Frouxa pouca importância dava aos bens materiais. Afinal, se sentia o máximo ao fazer os adversários de “gato e sapato” e ainda tinha sua fonte de renda garantida para as farras com mandados que fazia no bairro.

No livro “A bela assustada”, o jornalista e escritor Antônio Lopes dedica uma crônica – O anjo com a calça frouxa – ao ilustre personagem. Lá pelas tantas, ele cita o entusiasmo do médico Vilfredo dos Santos Lessa ao ver as diabruras do jovem futebolista:

– Digam-me! Digam-me! De que planeta evadiu-se aquele menino endemoniado e com a calça frouxa? Foi o suficiente. O chiste do médico teve o poder de batizar Joãozinho, que por ser Joãozinho sem nome, passou a chamar-se Joãozinho Calça Frouxa. E nem precisou de certidão lavrada no cartório de Raymundo Santana Fontes, ou água benta de batismo em missa do Padre Granja, para essa escolha cair no gosto da população –.

Na mesma crônica, João Calça Frouxa – ainda menino – é chamado por Abel, zagueiro direito do lendário Bahia de Itajuípe, que não gostava de marcá-lo: “Era o Capeta”. E Antônio Lopes lamenta que o craque não teve a oportunidade de transportar sua arte de Buerarema para o Maracanã, dali até os grandes estádios (hoje, sei lá os motivos, chamados “arena”) do Japão, Inglaterra, Oropa, França e Bahia, de onde, para virar o jogador do século, era apenas um passo (ou um passe).

Não deu tempo! O delírio das torcidas com as firulas e o assanhamento de João Calça Frouxa nos campos de futebol teve vida curta. Enlouqueceu cedo. Lembro que, mesmo nessa condição, continuou a trabalhar nos mandados, conversando sozinho, xingando a mãe da garotada que mexia com ele. Certa feita, tomou uma queda e passou meses com um aparelho de aço espetado no braço, sem os devidos cuidados higiênicos. Uma lástima!

Uma das estórias contadas sobre os motivos que o deixaram abilolado (como chamavam à época) era a de um amor não correspondido por uma bonita moça normalista, filha de um pequeno cacauicultor, que preferiu continuar os estudos a se dedicar ao namoro. Teria sido a gota d’água na cabeça do ponta-direita do Botafogo de Rodrigo Antônio Figueiredo, que nunca mais driblou seus adversários e, ainda por cima, tomou um elástico no amor.

Anos depois, esquecido por estar sumido da torcida e amigos, morre num asilo João Cantídio dos Santos. João Calça Frouxa torna-se apenas uma lembrança dos amantes do futebol atrevido, endiabrado, moleque, do menino habilidoso de Buerarema, que poderia ter encantado o mundo. O tinhoso ponta-direita que prometia ser um segundo Garricha teve seus últimos dias no estilo de Heleno de Freitas, outro grande craque do Botafogo carioca.

Feliz no jogo, infeliz no amor!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.