Ronald Kalid visita o Senadinho no Café Pomar
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“A cada convidado ou cliente que chega, o cardápio é a política nacional, estadual e municipal, esta em alto escala. Alguns deles se apresentam como candidatos a candidato ao Executivo ou Legislativo e mostram uma prévia do plano de governo”.

Walmir Rosário

Confesso que me divirto bastante com os meandros da política de Itabuna. Diferente de outras cidades, ela é viva, presente nas esquinas, nos café, bares, becos, escritórios, repartições públicas, enfim, em todos os locais onde se juntam eleitores e pré-candidatos. Nesses locais são discutidos desde as ruas esburacadas, as constantes falta de água, o cumprimento ou não das promessas dos prefeitos e o comportamento dos vereadores.

Um desses lugares é o tradicional Café Pomar, por anos a fio sob o comando da família Mariano, que se aposentou, embora os clientes continuam fiéis aos novos proprietários. À disposição dos clientes, um chá mate especial, doces, salgados e um cafezinho de fazer inveja aos concorrentes. Não só pela qualidade do pó, da água, do modus operandi, ou de quem gentilmente o serve, e sim por uma turma que o bebe pela manhã e à tarde.

Na verdade, alguns deles nem mesmo têm o hábito de tomar café, e sim encontrar seus pares da tradicional conversa política. Não é de hoje que o Café Pomar é conhecido como o “Senadinho”. Esse nome foi dado há décadas, quando ainda a Câmara de Vereadores era localizada no centro da cidade (praças Olinto Leone e José Bastos) e frequentado por alguns vereadores e outros políticos.

Pelas minha lembranças, um outro bar e lanchonete era o local preferido do políticos: o Avenida, de Olímpio, ponto de encontro de prefeitos, vereadores, cacauicultores, profissionais liberais e quem mais gostasse de política e futebol. O prefeito José de Almeida Alcântara era um frequentador habitué e passava pelo Avenida várias vezes por dia, nem que seja para cumprimentar os amigos.

E José de Almeida Alcântara sempre foi um político nato, populista como só ele sabia ser para ganhar as eleições de prefeito ou deputado. Pois um dia Alcântara se encontrava engraxando os sapatos em frente ao Avenida, rodeado por amigos e correligionários, quando um popular se apresentou e pediu uma ajuda financeira. Imediatamente, Alcântara mostrou os bolsos vazios e disse que a única coisa que tinha eram os sapatos.

O popular retrucou que estava precisando e o político os tira dos seus pés, entrega ao pedinte, e vai embora calçado em meias brancas. Pois bem, Alcântara morreu em seu segundo mandato, mas elegeu seu parente Fernando Cordier. Ainda hoje é lembrado pelos antigos eleitores e colaboradores, um deles, seu chefe de Gabinete, Paulo Lima, ou Paulo Índio, jornalista, grande tribuno e um dos líderes das conversas políticas do Café Pomar.

Todos os dias, os jornalistas Paulo Lima e Joselito Reis, entre outros confrades, recebem no Senadinho candidatos a candidatos de todos os matizes para conversas sobre Itabuna e as influências políticas. Por ser um local eminentemente democrático, a frequência muda constantemente, que até temos que lembrar a frase da “raposa política” Magalhães Pinto: “A política é como as nuvens; você olha, está de um jeito. Olha de novo e já mudou”.

A cada convidado ou cliente que chega, o cardápio é a política nacional, estadual e municipal, esta em alto escala. Alguns deles se apresentam como candidatos a candidato ao Executivo ou Legislativo e mostram uma prévia do plano de governo. Encerrado o expediente, uma foto é feita num celular e imediatamente distribuída pelas redes sociais, dando visibilidade ao pretenso futuro prefeito ou vereador.

Um dia desse recebi a foto com uma pequena nota com a presença do empresário, cacauicultor e arquiteto Ronald Kalid, o médico Ronaldo Neto, o ex-prefeito de Barro Preto Sérgio Costa, o aposentado José Verdinho, o advogado Rui Correa, Paulo Lima, dentre outros. Me chamou a atenção Ronald Kalid, tido como o mais capaz secretário de Viação e Obras de Itabuna, um dos responsáveis pela modernização da cidade.

Em 1998, apesar dos esforços para ser o candidato do prefeito Ubaldo Dantas, Ronald declinou do convite, o que equivale a deixar passar o cavalo selado. Em outras eleições, encontrou dificuldades em homologar sua candidatura a prefeito pelo PSDB, partido que se perdeu no tempo e no espaço da política nacional, estadual e municipal. Em Itabuna, não conseguiu eleger um prefeito, só pouquíssimos vereadores.

Dentre as dificuldades encontradas por Ronald Kalid junto aos partidos, estava seu comportamento sisudo, sem a disposição de dialogar com eleitor por meio de artifícios como os tapinhas nas costas e as promessas feitas para não serem cumpridas. Ronald acreditava que o diálogo com o eleitor deveria ser diferente, baseadas na construção de plano de governo bem estruturado e com perfeitas condições de executá-lo.

E aí é que estava – e está – seu maior erro na velha e atual política de tirar vantagem em tudo, principalmente a econômica. Ainda consigo recordar as reclamações dos políticos do PSDB contra uma possível candidatura de Ronald Kalid a prefeito de Itabuna: “Ora, como é que vamos ganhar com um candidato que sequer cumprimenta um eleitor enquanto está caminhando no calçadão da Beira-Rio?”. O PSDB perdeu sem Ronald Kalid, que por sua vez não aceitou ser secretário de Obras de outro qualquer prefeito de Itabuna.

Acho muito simpático o modo do pessoal do Senadinho fazer política, que embora improdutiva, incentiva e promove candidatos a candidatos. E o motivo é somente um: hoje as candidaturas não são mais decididas em redutos como o Café Pomar, mas em Salvador e Brasília, nas reuniões sigilosas em gabinetes da Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e sedes de Executivos. Mas a política do Senadinho jamais perderá seu charme.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Bebeto e Jerônimo: vice-prefeito não esconde desejo de governar Ilhéus || Foto PMI
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“Assegurar o apoio de Marão é o que falta ao vice-prefeito para manter-se na pole position”. 

Thiago Dias

O comentário político popularizou a metáfora da eleição como corrida. A imagem retrata bem a correria de um processo cada vez mais caro e curto, feito prova rasa de atletismo, mas com dinheiro no lugar da explosão dos músculos.

Aliás, talvez a Fórmula 1 ofereça alegoria mais precisa às eleições. Nela, ao invés de juntos, os competidores largam em posições distintas. O pole position, quase sempre, dirige o melhor carro, que costuma pertencer a equipe das mais ricas.

Não dá para dizer que o vice-prefeito Bebeto Galvão guia uma Ferrari na corrida eleitoral de Ilhéus, porém, hoje, na base do Governo Jerônimo Rodrigues, é o melhor posicionado para a disputa do Executivo em 2024.

Ex-deputado federal e ainda na suplência do senador Jaques Wagner (PT-BA), Bebeto exerce liderança regional no PSB, foi importante para a reeleição do prefeito Mário Alexandre (PSD) e assegurou legenda viável para a eleição da primeira-dama Soane Galvão a deputada estadual – uma socialista improvável, mas eleita. O vice-prefeito também carrega o traquejo da luta sindical e tornou-se interlocutor privilegiado dos trabalhadores com o capital da indústria pesada. Essas não são credenciais vulgares.

Uma digressão. Certa vez, um quadro importante do PT ilheense disse a este comentarista que, ao questionar Wagner sobre a possibilidade de o partido ter candidatura a prefeito de Ilhéus, ouviu o ex-governador afirmar que essa discussão passava, necessariamente, por uma conversa com o ex-prefeito Jabes Ribeiro. Corria o ano de 2019. À época, o PP de Jabes era aliado importante da base do Governo Estadual. Hoje, parafraseando a resposta atribuída a Wagner, Mário Alexandre é o sujeito político incontornável desse debate.

Bebeto e Marão, em ocasiões diferentes, afirmaram a este PIMENTA que ainda não conversaram sobre as eleições de 2024 (relembre aqui e aqui). Como sequer estamos no ano do pleito, ambos parecem respeitar a diplomacia partidária, evitando precipitar o debate na esfera pública. De todo modo, é certo que o prefeito terá voz influente na escolha desse ou daquele nome como representante da base. Assegurar o apoio de Marão é o que falta ao vice-prefeito para manter-se na pole position.

CORRENDO POR FORA

Adélia pode ameaçar posição de Bebeto na corrida ilheense || Redes Sociais/Reprodução

Contudo, há outro nome forte na base de Jerônimo que pode se tornar viável para a disputa da Prefeitura de Ilhéus. Trata-se da secretária estadual de Educação, Adélia Pinheiro. O presidente local do PT, Ednei Mendonça, em mais de uma ocasião, manifestou o desejo de ver Adélia candidata pelo partido.

Além disso, o nome da secretária é visto com bons olhos em diferentes segmentos sociais. Há quem diga que, na missão Ilhéus, ela teria apoio do governador Jerônimo Rodrigues e do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, braço direito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a Reitoria da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e três secretarias de Estado no currículo, Adélia também ostenta credenciais de peso e pode ameaçar a pole de Bebeto.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

Luiz Ferreira defende programa de recuperação da cacauicultura no sul da Bahia
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“A cacauicultora sul-baiana passa por maus momentos, mas ainda pode ser importante ao país e sobretudo à Natureza”.

Luiz Ferreira da Silva 

A Natureza proporcionou ao homem dos trópicos úmidos uma árvore frutífera, o cacaueiro, que pudesse ser utilizada sem causar danos ao seu ambiente florestal.

Ao facultar um produto nobre – o chocolate –, adicionou características fisiológicas inerentes ao complexo do seu habitat, quente, chuvoso e rico em espécies consortes e fauna agregada.

Teria que ser uma planta que reciclasse com eficiência, mantendo a capa orgânica do solo, fator importante para alimentar as raízes finas, que têm a função de arejar o solo, agregar as partículas e evitar a perda de nutrientes. Enfim, manter a vida do solo.

E para tanto, sob a mata, recebendo pouca luz, forma um “túnel folear”, com as copas se encontrando, evitando que a luz solar danifique o solo. A luz é para as folhas fazerem a sua “química carboidrática” de transformação – fotossíntese, para os puritanos.

A Natureza ainda deu uma colher de chá. Aumentou a sua “plasticidade fisiológica” – conviver em ambiente mais arejado, a exemplo de uma mata raleada – no limite que ainda mantém o cacaueiro na sua missão fitogeográfica de equilibrar o uso com a conservação.

Neste contexto interativo, o cacaueiro usufrui da fauna, notadamente dos insetos polinizadores, alimentados por frutas em decomposição, oriundos do andar de cima, as árvores tropicais.

A Natureza é sábia. Por um lado, criou o cacaueiro com o fenômeno da incompatibilidade sexuada, que se manifesta quando o pólen de uma flor em uma planta não consegue fecundar os óvulos das flores da mesma planta (autoincompatibilidade) ou de outras plantas (inter incompatibilidade). E até o cacaueiro “macho” ocorre, com raridade nas plantações, com floração e não produtores de frutos.

Pelo outro, resolveu a questão no próprio meio. Criou as mosquinhas chamadas “forcipomyas”, e não havendo polinização adequada, a lavoura não produz satisfatoriamente.

Por essa razão, alertou ao Homem sobre a importância delas, incumbindo-lhe de cuidar de seus criadouros, os seus locais naturais, a exemplo das bromélias.

Chegou o cacaueiro no Sul da Bahia. Uma floresta tal e qual a da sua origem, a Mata Atlântica. Encontrou aí condições favoráveis de clima, solo, topografia e rede hídrica, razões da sua expansão, chegando a ocupar 600 mil hectares, com a equivalência de uma fonte de divisas de quase 1 bilhão de dólares em determinado ano.

Os pioneiros souberam mesclar a lavoura com a floresta, sem macular o meio ambiente, satisfazendo com a produção auferida, com elevada liquidez, mantendo preservado o ecossistema e proporcionando um epicentro gerador de riquezas com o produto cacau, cujos reflexos se irradiaram pelas áreas circunvizinhas, criando uma estrutura de bens e de serviços que permitiu, com outras atividades agrícolas e congêneres, distribuir benefícios para todas as comunidades, o que infelizmente não foram aproveitados na magnitude dos bônus.

Sessenta anos atrás, um cacauicultor com pouco esforço, com seus 100 hectares de cacau, sem usar maquinaria e tudo no lombo do burro, gastando pouco, em sua área cabrocada, mesmo com uma produtividade não tão expressiva, colhia 4 mil arrobas, que o tornava um homem de classe média alta. Com maior presença e bom solo, muitos chegavam a 6 mil arrobas, tornando-se ricos.

Nessas circunstâncias, uma lavoura nota 10. Produtiva e conservacionista.

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A Igreja de N. S. da Conceição ficava superlotada na Páscoa
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“O que sei é que nas praias de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Una e Canavieiras os bares e restaurantes estão sempre cheios nessas datas religiosas.”

Walmir Rosário

Nos tempos atuais as datas religiosas não são mais guardadas ou festejadas pelos católicos com o mesmo fervor de tempos passados. Pelo que tenho observado, esses dias – transformados em feriados – são pequenas férias, nas quais as famílias se deslocam para as praias ou outros locais paradisíacos ou mesmo aprazíveis. Até a Semana Santa não parece gozar do mesmo prestígio de antes.

Nas minhas lembranças costumo rever os costumes dos tempos de infância e adolescência, nos quais muitas pessoas seguiam os ensinamentos da Igreja Católica, a começar desde o Domingo de Ramos, em que o peixe era a única “mistura” aceita e consumida por toda a família. Uns poucos católicos, mas nem tão praticantes, reservavam as quartas e sextas-feiras para comerem peixes.

E esse costume alimentar vinha agregado a outras tradições, a exemplo de se vestir de roupas escuras, predominante de cor preta, durante toda a semana. Em casa, as imagens de santos eram cobertas com um tecido roxo, como se faz até então na igreja. A partir da quarta-feira da Semana Santa se recolhiam cedo e baixavam a voz, evitando, ainda, outros tipos de diversões.

Às madrugadas a população das ruas mais próximas da igreja era despertada pelo som das matracas e hinos religiosos da Via Sacra. E ainda tínhamos a Procissão do Encontro, a linda música cantada pela Verônica, a Celebração da Santa Ceia e o Lava Pés dos Apóstolos. Na Sexta-Feira da Paixão, o silêncio era total com a celebração da paixão, julgamento e morte de Jesus Cristo, crucificado ao lado de dois ladrões.

Essas cerimônias religiosas ultrapassavam as paredes das igrejas e chegavam a todos os recantos, respeitadas inclusive pelos religiosos não católicos. Para se ter uma dimensão dos costumes, na maioria das fazendas as vacas não eram presas ao curral no dia anterior nem ordenhadas na Sexta-Feira da Paixão. Esse costume persiste até hoje na área rural em grande parte do mundo.

Na cidade, muitos ramos de negócios não abriam suas portas a partir da Quinta-Feira Santa, inclusive os bares e bordéis fechavam suas portas até o Sábado de Aleluia, após a leitura do Testamento e a queima do Judas. Nesses dois a três dias, aparecer num açougue para comprar carne ou nos bares para uma rodada de cachaça e cerveja, nem pensar, pois pesava o medo do castigo divino ao cometimento de tamanha heresia.

No bairro da Conceição, em Itabuna, a população seguia os costumes religiosos católicos por ser maioria praticante e pelo temor das cobranças feitas pelos frades capuchinhos Isaías, Justo e Apolônio. Além das promessas de arderem no fogo do inferno por tamanho pecado mortal, como pregavam nas missas, largamente irradiadas pelas bocas dos alto-falantes que circundavam a igreja.

Ao vivo e em cores, nossos zelosos homens de Deus também faziam as cobranças em domicílios, ocasião em que demonstravam total descontamento com os que infringiam os mandamentos divinos e a consequente perda da graça. E o único remédio para não continuar sob o domínio do demônio seria a iminente ida à igreja, socorrendo-se ao sacramento da confissão, cujas penitências passavam das intermináveis orações à contribuição financeira para manter viva a obra de Deus.

A partir da Quarta-Feira Santa o bairro da Conceição se recolhia ao silêncio. Músicas somente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e nas procissões. Pelo calendário de Afonso Fernandes, o proprietário do Bar O Guanabara, o conhecido Menino de Deus, eram calados o Serviço de Alto-falante Tabu, na quarta-feira, e no dia seguinte fechava as portas do Bar o Guanabara, com suas mesas de sinuque. Nem a sorveteria funcionava.

O Serviço de Alto-falante Tabu era o maior veículo de informação de que dispúnhamos – depois dos rádios do Rio de Janeiro e São Paulo. As duas locutoras, Jacira e Jandira, trabalhavam nos períodos matutino e vespertino, informando e animando os moradores com as músicas de sucesso do momento, que por um módico pagamento podiam ser dedicadas com muito amor e carinho a alguém que sabe, mas não posso dizer o nome.

Bom mesmo era assistir – ao vivo – a música e o jingle de abertura e encerramento do Tabu, astuciado pelo proprietário Afonso Fernandes, o Menino de Deus, para alegar os ouvintes: “Não sei se vou ou se fico, não sei se fico ou se vou, eu indo não fico aqui, mas ficando não vou lá, mas se for para ir ao Bar O Guanabara, eu aqui não fico, eu vou já, já”. E essa mensagem publicitária não sai da lembrança de Sandoval Oliveira de Santana.

Como se deduz, as distâncias de comportamento e cultura entre as duas épocas são abissais. Recuso-me a comentar qual das duas teria sido melhor, ou se no meio teria aparecido uma intermediária de bom jeito. O que sei é que nas praias de Ilhéus, Uruçuca, Itacaré, Una e Canavieiras os bares e restaurantes estão sempre cheios nessas datas religiosas, recomendadas a serem guardadas com muitas orações.

Não sei se são mudanças Canônicas ou culturais, mas elas existem.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Funcionários do Banco do Brasil de Canavieiras em registro de 1964 || Acervo de Walmir Rosário
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“Entram no avião e um deles volta para o esperado discurso de despedida, que Boinha Cavaquinho lembra até hoje: ‘Canavieiras, Canavieiras, /Terra dos coqueirais,/Vai pra puta que pariu, /Que aqui não volto mais’”.

Walmir Rosário

O Banco do Brasil sempre foi considerado uma instituição singular, de prestígio em todo o país. Queiram ou não, era bem diferente dos demais estabelecimentos bancários, de acesso mais restrito a correntistas e funcionários. Estes somente ingressavam no corpo de funcionários pelo sistema de meritocracia, por meio de um concurso nacional, após anos de estudo. Valia a pena, por ser um emprego pra vida toda, até a sonhada aposentadoria.

Assinada a carteira e vencido o estágio probatório, o funcionário do BB era considerado um ser diferente, quem sabe superior, na hierarquia social, pelo prestígio que gozava na sociedade. A começar pelo contracheque, apelidado de espelho, recheado de cruzeiros, cruzados ou reais, em comparação aos salários pagos pelos bancos privados, também considerados bons pelos empregados.

E somente ingressavam no quadro de funcionários rapazes e moças cujo desempenho no concurso fosse bem acima da média. Uma prova considerada “pau a pau” com os temidos vestibulares. Língua portuguesa, com questões difíceis de gramática; história, e a mais temida: a matemática. Mas, não bastava, quem não fosse ágil e com um pedigree de ouro na datilografia nem se habilitasse, seria reprovado na hora.

Lembro dos meus tempos de menino, em que ficava deslumbrado ao entrar na agência Itabuna do BB e apreciar – com emoção – os lépidos funcionários datilografando contratos ou outros serviços. Mas, além de “bater a máquina”, ficávamos embevecidos com o cálculo feitos na máquina Facit manual, com as teclas numéricas e manivelas girando para frente e para trás, era um espetáculo para nós garotos.

Nem precisaria comentar, mas os funcionários do BB chamavam a atenção por serem considerados moços de alto partido pelas donzelas casadoiras, que se postavam nas janelas de suas casas no horário em que eles encerravam o expediente. Era um festival de suspiros quando eles passavam, muitas das vezes marcados por troca de olhares e algumas frases galanteadoras. Melhores partidos não haviam nas cidades.

Mas, para ostentar esse pesado status, os funcionários do BB foram obrigados a abrir mão de certos comportamentos e enfrentarem algumas mudanças na vida. Como o Concurso era nacional, na maioria das vezes tomavam posse no cargo em cidades e estados longe de onde moravam. Tinham que enfrentar as famosas repúblicas (morada coletiva) até que constituíssem família ou uma transferência para a cidade de origem.

Lembro que, em minha vida profissional, que me obrigava a “morar” em várias cidades e estados ao mesmo tempo, sempre encontrava um membro da Família Satélite (como são conhecidos os funcionários do BB). Era uma festa quando encontrávamos esses “conterrâneos”, que, muitas das vezes, até davam um jeito de facilitar nossa saída das intermináveis filas de atendimento nos caixas.

Por volta de 1977, saí da empresa em São Paulo com destino a Angra dos Reis para receber o pagamento de uma medição na Petrobras (oleoduto de Angra a Caxias). A Petrobras liberava o cheque três dias antes, com a recomendação de ser sacado no dia tal. Com o atraso na viagem, ao chegar na agência do BB, enquanto estacionava o carro, o relógio marcou as fatídicas 16h e os vigilantes fecharam as portas.

Eu não acreditava no que via, depois de horas viajando, consegui pegar o cheque na Petrobras e enquanto estacionava o carro encerrava o expediente. Enquanto eu olhava, sem acreditar, as portas fechadas, vejo um amigo de Paraty, Paulinho Polaco, gerente da casa lotérica em frente, que me pergunta: “O que foi?” E eu, desolado, conto o meu triste contratempo.

Paulinho me pede para esperar e entra por um corredor ao lado do prédio, conversa com o vigilante e entra na agência. Acena-me e entramos na agência. Quando me dirijo ao caixa indicado, dou de cara com um velho conhecido de Itabuna, Luiz Magaldi, que dá um grito: “Menino, o que você está fazendo aqui?”. Após o cumprimentos, agradeço a Paulinho e aos funcionários do BB, guardo a grande soma de dinheiro e vou embora.

Canavieiras é outro local onde guardo boas recordações do BB, muitos velhos e bons amigos. A agência do BB era uma potência e atendia a vários municípios da região, nas transações de impostos federais ou empréstimos da então pujante cacauicultura. Como àquela época dispunha de linhas regulares de aviação, era considerada uma cidade de grande porte.

Nos anos 1950, num desses concursos, uma turma da zona sul do Rio de Janeiro é aprovada e escolhe Canavieiras, cidade praiana e com voos diários para tomar posse. Quando aqui chegam, descobrem que a cidade não dispõe de energia elétrica, ruas calçadas, boates refinadas, enfim, a vida carioca. Com o prestígio, conseguem transferência para a cidade Maravilhosa e resolvem prestar uma homenagem.

Entram no avião e um deles volta para o esperado discurso de despedida, que Boinha Cavaquinho lembra até hoje: “Canavieiras, Canavieiras, /Terra dos coqueirais,/Vai pra puta que pariu, /Que aqui não volto mais”. Temendo reações, imediatamente fecharam a porta do avião, que partiu com direção do Rio de Janeiro. Como toda a família, a Satélite também tem sua pluralidade.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Julio Gomes escreve sobre as marteladas histéricas de Tarcísio de Freitas || Imagens Redes Sociais/Reprodução
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“Há muito tempo se confunde masculinidade com grosseria, virilidade com estupidez, exercício da autoridade com truculência e autoritarismo, e a forma de agir adotada pelo Governador reforça todos estes equivocados estereótipos”.

Julio Cezar de Oliveira Gomes

Viralizou nas redes sociais a imagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, batendo o martelo no leilão da disputa pela arrematação das obras de um trecho Rodoanel paulista, uma importante obra de infraestrutura situada na região metropolitana de São Paulo que definiu, recentemente, a empresa ganhadora da licitação que irá administrar parte deste anel viário pelos próximos 31 anos.

Embora seja uma obra de grande importância, envolvendo bilhões, não é sobre a obra nem sobre a política implementada pelo governador que desejamos falar, mas sobre a simbologia de determinados atos e gestos no imaginário popular.

É muito fácil encontrar na internet e assistir ao vídeo das marteladas do governador Tarcísio, que podem ser vistas, entre diversos outros, neste link: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/governador-de-sp-quase-quebra-martelo-da-b3-apos-leilao-de-trecho-do-rodoanel-e-video-viraliza-veja/

Quando assistimos à violência das seis marretadas desferidas com toda a força pelo governador, seguidas do ato de atirar para fora da mesa o martelo utilizado, temos de imediato a sensação de um ato forte, viril, masculino, cheio de energia e imparável na sua ação. Sem dúvida, uma excelente imagem para o marketing político.

Mas, como isso funciona no imaginário da população, para além da política?

É assim que deve ser quem nos governa? Uma pessoa do sexo masculino que, com força física, impõe sua decisão sobre tudo e todos, batendo arrogantemente com o objeto que possui nas mãos? É assim que nós também devemos ser?

Um Presidente, um Governador ou mesmo o prefeito de nossa cidade, assim como os astros do esporte ou do mundo das artes, são modelo de conduta, paradigma a ser copiado pelas demais pessoas, sobretudo de forma inconsciente.

Vendo um governador agir daquela forma em uma cerimônia pública, fico a me perguntar: como agirá o chefe de um setor no trato com seus subordinados? Como será o tratamento do gerente da empresa com um funcionário humilde? Como se comportará um diretor em face de uma funcionária mulher que lhe é subordinada, sobretudo se estiverem a sós?

Saindo do mundo do trabalho e adotando como modelo a forma de agir do governador Tarcísio, como será a atitude do homem ao retornar para casa e encontrar sua mulher que não trabalha fora do ambiente doméstico? Como será a abordagem da polícia, à noite e em local ermo, em face de um jovem da periferia? Em resumo, como se comportará qualquer pessoa que, por determinada contingência social, econômica ou política, esteja em condição de dar ordens e impor-se a seus subordinados?

Há muito tempo se confunde masculinidade com grosseria, virilidade com estupidez, exercício da autoridade com truculência e autoritarismo, e a forma de agir adotada pelo Governador reforça todos estes equivocados estereótipos.

Entretanto, ser homem de verdade está muito além disso, deste senso comum infeliz e infelicitante. Na verdade, cabe ao homem buscar na moderação, na educação, a maneira mais adequada de ser firme, positivo, sem precisar ser um troglodita das cavernas.

Quem é homem de verdade compreende que já temos testosterona o suficiente no sangue e que tendemos a ser, por nossa natureza masculina, mais impulsivos, lascivos e violentos do que seria desejável em uma sociedade civilizada. Nosso esforço deve ser para moderar nossa natureza animal, sem abrir mão de sermos do sexo masculino.

Para além disso, o que sobra são palhaçadas feitas para “agradar à torcida” e atrair a atenção dos incautos, tais como aquela protagonizada pelo Governador de São Paulo.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

Mural resume trajetória do professor Arléo Barbosa na entrada da nova escola || Foto Pimenta
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“Entregamos para a juventude uma obra ímpar, maravilhosa e queremos ver brilhar, nos olhos e sorrisos daqueles estudantes que ali estavam, a luz de um futuro melhor, mais digno, em uma sociedade mais justa e feliz”.

Julio Gomes e a ministra Ana Moser na inauguração do Colégio Arléo Barbosa

Julio Gomes

Quinta-feira, 23 de março de 2023. A agitação era grande e totalmente incomum na Barra do Itaípe, próximo ao local onde um dia já funcionou o antigo Centro Social Urbano (CSU), em Ilhéus. Havia muita polícia e bombeiros, mas não se tratava de crime nem acidente. É que, no início de uma tarde ensolarada, fazia-se a inauguração e entrega do Colégio Estadual de Tempo Integral Professor Carlos Roberto Arléo Barbosa.

Além de novo, grande, limpo, inovador e muito bonito, o Colégio também fazia uma justíssima e mais do que merecida homenagem ao educador Professor Arléo, mestre de várias gerações de ilheenses, professor brilhante e cuja vida se voltou para a Educação de forma exemplar. Tive a honra de ser seu aluno na Uesc e posso dar testemunho disto pessoalmente, sem medo de errar.

O Colégio surpreende porque, além da concepção moderna das salas de aula, dos laboratórios de química e de anatomia humana, da sala de informática, do teatro com toda a estrutura para quase 200 pessoas sentadas e de todos os demais espaços que se espera encontrar em uma escola de primeira qualidade, há também um notável aparelhamento para o desenvolvimento da cultura e do esporte, o que justificou a vinda para sua inauguração de ninguém menos do que a ministra dos Esportes, Ana Moser, ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira, que já representou nosso país em Olimpíadas e campeonatos mundiais, trazendo para nós inúmeras conquistas e medalhas.

Estudante observa piscina do Colégio Arléo Barbosa || Foto Pimenta

Dotado de piscina semiolímpica, quadras poliesportivas, espaços para dança e lutas, campo de futebol soçaite, minipista de atletismo e restaurante estudantil, o espaço surpreende pela grandeza e possibilidade de prática esportiva e de interação com a comunidade, apontando para um novo modelo de educação, que só pode existir com o amparo e presença do Estado subsidiando o alto custo de investimento e manutenção de todo aquele complexo voltado para a Educação.

Durante toda a inauguração festiva em que governador do Estado, Jerônimo Rodrigues (PT), ministra e toda a comitiva de deputados, prefeito e autoridades passearam exaustivamente pelo novo Colégio, não pude deixar de lembrar também de companheiros de lutas sociais e políticas já falecidos que, com absoluta certeza, sentiriam o maior júbilo se ali pudessem estar presentes.

Dr. José Carlos Ribeiro, Ruy Carlos de Carvalho, Adeilton “Tutuca”, Antônio Mendes e Jorge Luís do PSOL são alguns dos nomes que lembrei naquele momento, pensando no saudável orgulho que lhes traria presenciarem ver tudo aquilo ser entregue à juventude que mais precisa, aos filhos e filhas das periferias e dos morros, podendo perfeitamente incluir também os jovens de classes sociais mais bem situadas em nossa sociedade.

Pensei nos anos de luta como petista, nas reuniões sem fim, por vezes causticantes e até ácidas, em todas as dificuldades que enfrentamos e nos preconceitos que ainda são jogados cotidianamente sobre nós, por sermos democratas, progressistas, socialistas, de esquerda, e me vem à mente: que nada disso nos abata!

Campo e pista de atletismo da nova escola de Ilhéus || Foto Pimenta

Entregamos para a juventude uma obra ímpar, maravilhosa e queremos ver brilhar, nos olhos e sorrisos daqueles estudantes que ali estavam, a luz de um futuro melhor, mais digno, em uma sociedade mais justa e feliz, onde a instrução faça superar os preconceitos e onde a formação com amor vença o medo e o ódio. Viva a Educação!

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

Após ser campeão da Série B, Itabuna ficou em terceiro no Baianão de 2023, apesar da arbitragem
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Esperemos que a diretoria continue no esforço e consiga manter uma equipe aguerrida e preparada para derrotar as jogadas extracampo que, por certo, teimarão em dar o ar da graça (totalmente sem graça) nos próximos certames.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Bastou o “Meu time de fé”, agora chamado de “Dragão do Sul”, se soltar dentro das quatro linhas dos campos baianos para incomodar uma legião de personalidades, chamadas, por engano, de desportistas. Foi pinote pra tudo quanto é lado, principalmente pras bandas de Salvador, pois não gostaram do assanhamento dos meninos vestidos de azul e branco pra cima deles, como se fosse proibido dar um chute na hegemonia soteropolitana.

Em 2022, o Itabuna Esporte Clube volta aos campos baianos, dá uns dribles desconcertantes e se sagra campeão baiano da série B (reveja aqui). Até a disputa final foi parar na justiça, como se a vitória mais bonita não fosse em campo, com jogadas alegres, algumas delas convertidas em gol para o delírio da torcida vencedora. Contra tudo e contra (quase) todos, venceu e convenceu.

Relembrando 53 anos passados, a modesta equipe do Itabuna, porém compromissada com o bom futebol, tem o desplante de baixar, saravá, e incomodar, vencendo, seguidamente, os adversários. Foi como mexer num vespeiro. Sem quê nem pra quê, a surpresa dos adversários se transformou em ameaça, não de violência dentro e fora de campo, mas da soberania no futebol baiano.

Entra ano e sai ano, o Campeonato Baiano é aquela mesmice, com Bahia e Vitória disputando as finais, uma ou outra ganhando, às vezes, por anos seguidos, salvo algumas intromissões de pouquíssimos clubes do interior. Acredito, até, que o culpado foi o próprio time do Itabuna, empolgado com a vitória do campeonato da série B, resolveu “meter o ferro na boneca”, como dizia França Teixeira.

Foi só mexer nos brios dos velhos caciques que a maré começou a ficar “caroçuda” e elementos estranhos ao (bom) futebol passaram a interferir nos resultados. E isso já era esperado pelos mais antigos, ou experientes, como manda a regra do politicamente correto. Também foi muito atrevimento um time do interior, hibernando por longos anos, acordar para o futebol de vitórias.

Na realidade, se os meninos do Itabuna chegassem de mansinho, comendo o mingau pelas beiradas, não despertaria tamanha ira dos dominantes, e como na capoeira, ao final, aplicasse um asfixiante, uma ponteira, deixando o adversário estendido ao chão. Às vezes acredito que a culpa tenha sido do técnico que orientou “mal” os seus atletas incitando-os a ganhar todos os jogos.

O Itabuna pensava que era quem? A seleção amadora de Itabuna da década de 1960, que vencia e convencia, não se importando nem mesmo com os árbitros? Pois é, esse tempo já passou e hoje para se formar um time vencedor custa muito dinheiro, depende de investidores, que somente colocam seus recursos para colher os resultados, de forma imediata. É toma lá, dá cá.

Não sou um especialista em futebol, apesar de ter trabalhado na comunicação esportiva. Muito menos do Itabuna, do qual sou apenas fiel torcedor. Mesmo de fora, acompanhei como pude a formação do time, modesto mas aguerrido. Sempre estava atento aos jogos, acompanhando em canais no YouTube. A cada jogo analisava a coragem da diretoria em formar uma equipe após 12 anos fora do campeonato baiano da série A.

Barreiras por toda parte, a começar pela falta de estádio para treinar e mandar seus jogos junto de sua torcida, sem falar na contratação da comissão técnica e jogadores e a manutenção de toda a estrutura. Pensando nisso, vinha à memória o Itabuna Esporte Clube mantido pelos cacauicultores, pecuaristas, industriais e comerciantes, isso há cinco décadas. Os tempos são outros.

Em cada jogo que assistia me vinha à mente os jogadores do passado e os atuais, cuja comparação não pode mais ser feita, haja vista – também – a qualidade dos adversários. E me perguntava se não seriam válidas nos treinos as presenças de jogadores como Carlos Riela, para mostrar como desarmava o adversário e construía uma jogada; e de Bel (Abelardo Moreira), que posicionado frente a nossa defesa dava um passe certeiro na cabeça do centroavante, posicionado na área adversária, para finalizar com um gol.

Mas tudo tem seu tempo, os mais experientes param pela ação dos anos e aos novos ficam a obrigação de fazer um futebol melhor, dar a alegria aos torcedores sempre que colocar a bola no fundo das redes adversárias. Se pensamos assim para os que se posicionam dentro de campo, esperamos que comportamento igual seja destinado aos que mandam no futebol. Ou será uma simples utopia?

Parabéns ao Itabuna que continua no campeonato baiano da série A, disputará o campeonato brasileiro da série D e ainda participará da Copa Brasil. Mas como o calendário cheio é em 2024, esperemos que a diretoria continue no esforço e consiga manter uma equipe aguerrida e preparada para derrotar as jogadas extracampo que, por certo, teimarão em dar o ar da graça (totalmente sem graça) nos próximos certames.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Americano perfilado com os demais jogadores do grande Itabuna de 1970
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“No Itabuna Esporte Clube, Americano foi um jogador preponderante dentro e fora de campo, tanto nas boas fases financeiras do clube, como nas piores”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

O itajuipense Arnaldo Santos de Carvalho detestava futebol. Ele gostava mesmo era de basquetebol e voleibol. O problema era que todos os seus amigos ilheenses viviam o futebol e Arnaldo teve que tomar uma decisão: Ou se isolaria dos amigos ou aderiria ao famoso esporte bretão, que encantou e encanta os brasileiros. Resultado, optou pelo futebol, ao qual se dedicou por longos 30 anos, como jogador e treinador.

Você não se lembra do Arnaldo? Claro que conhece! Arnaldo era quando detestava o esporte querido dos brasileiros. Mas, com certeza, quando falamos de futebol em Ilhéus, Itabuna e até Salvador, todos lembrarão de Americano, zagueiro e meio-campista. Fora das quatro linhas foi treinador do Ilhéus Esporte Clube, já num período conturbado do futebol profissional do sul da Bahia.

Um craque que reunia todas as boas qualidades técnicas e físicas. Esse era o Americano, que realizava seu trabalho com bastante seriedade, daí ser considerado um líder nato nos clubes pelos quais passou. Desde cedo não gostava muito de treinar, o que passou a fazer com afinco para melhorar seu rendimento dentro de campo e demostrar aos colegas a necessidade de se tornar um profissional exemplar.

Americano começou a jogar pelo Flamengo de Ilhéus em 1961, considerado o período mais florescente do futebol, época em que o Brasil se tornou bicampeão mundial, o que não era diferente na região, principalmente em Itabuna e Ilhéus. Também passou pelo Colo-Colo de Ilhéus, Itabuna Esporte Clube e Vitória de Salvador. Como jogador profissional, Americano foi pretendido por clubes do Rio de Janeiro e São Paulo, porém nunca se interessou em ter o futebol profissional como primeira atividade.

Em suas frequentes análises, Americano comentava que, com a recessão no futebol nacional, houve um desgaste muito grande dos dirigentes, agravada, ainda mais, com a crise financeira, impedindo a descoberta de novos valores. Ele citava como exemplo o futebol de Ilhéus, que, apesar de possuir times, era um mercado pequeno para a garantir a sobrevivência de três equipes profissionais.

Em suas críticas, creditava essa derrocada à insistência do presidente da Federação Bahiana de Futebol, Carlos Alberto Andrade, que encantava com sua poderosa lábia os dirigentes do sul da Bahia. E assim os cartolas de Ilhéus e Itabuna resolveram remar contra a maré. Ele mesmo era contra, porém foi voto vencido, pois defendia um único clube, e que poderia se estabelecer como uma força da cidade praiana.

Americano sempre defendeu a profissionalização do futebol do interior, mas era contra a realizada sem critérios ou infraestrutura e que provocou uma verdadeira “chacina de valores”, impedindo o aparecimento de novos craques. Ele dizia que a partir do profissionalismo, ninguém mais se interessava pelo futebol amador. E era justamente o futebol amador quem formava e alimentava as equipes profissionais.

E Americano lembra que, ainda garoto, todos de sua idade se espelhavam em craques como Pelé, Garrincha ou Didi, em nível nacional, ao mesmo tempo em que tinham como ídolos os jogadores de sua cidade. Ele mesmo citava os seus, a exemplo de ‘Pelé Cotó’, Esquerdinha (Eduardo) ou Bebeto, que foi seu grande professor. “E hoje os garotos vão se espelhar em quem?”, perguntava.

No Itabuna Esporte Clube, Americano foi um jogador preponderante dentro e fora de campo, tanto nas boas fases financeiras do clube, como nas piores. Sempre exercia sua liderança e encontravam o caminho para seguir em frente. Nos tempos das “vacas magras” de 1970, era um verdadeiro paredão do Itabuna Esporte Clube, que apesar das situações adversas se tornou vice-campeão baiano.

Como treinador, Americano defendeu o Ilhéus Atlético Clube, nos anos de 1990 e 91, época em que revelou uma série de craques que ele considera uma nova geração de valores, como Cenildo, Nazaré, Cocada, Bico de Pato, Solteiro, José Alberto, dentre outros. E esses jogadores vieram da escolinha do professor Manoel Renato, um obstinado profissional que mudou a realidade social e esportiva em Ilhéus.

Americano nunca deixou de comentar que sua passagem como treinador do Ilhéus Atlético Clube trouxe recordações boas e amargas. As boas, ele destaca a geração de novos valores e, as amargas, a atitude dos dirigentes da Federação Bahiana de Futebol, que ludibriou os ilheenses, acabando com todos os estímulos aos amantes dos jogadores e do bom futebol.

E Americano ressalta o nível de dirigentes daquela época, a exemplo de Francisco Rebouças, do Itabuna; e Gutemberg Cruz, do Ilhéus. Ele ainda sonhava que poderiam ser revelados craques como Ivo Babá, Vilson Longo, Manequinha, Deco ou Bebeto. Arnaldo Santos de Carvalho, Americano, craque de bola, violonista clássico, funcionário do Detran e advogado, nasceu em 18 de julho de 1934, em Itajuípe e morreu em 03 de outubro de 2010, em Itabuna.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Ônibus lotado, no desenho de Marina R. Machado, de 12 anos
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“Um milagroso projeto de lei pretende implantar a obrigatoriedade do cinto de segurança, mesmo nos ônibus que permitem passageiros em pé”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

O que deveria ser um tema sério é tratado como vulgaridade, futilidade, desrespeito à segurança e à dignidade humana. E o palco é a Câmara Federal, em Brasília. Pasmem, o projeto mistura alhos com bugalhos e tentaria dar segurança a uma parte dos milhares de passageiros de ônibus urbanos, relegando outra parte ao Deus dará, ao infortúnio que lhes cabe no latifúndio do injusto transporte público brasileiro.

Se por um lado, a lei diz que é obrigatório o uso de cintos de segurança em veículos, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, uma exceção foi colocada para salvar a legislação e diz: onde se é permitido viajar em pé, ou seja, nos malfadados ônibus urbanos, pode, está tudo liberado. E a questão segurança desce esgoto abaixo, num confronto à norma constitucional que declara igualdade entre os seres humanos em toda a nossa pátria.

E a justificativa é a mais estapafúrdia, explicando que se não for permitido passageiros em pé, o serviço seria caríssimo e impraticável, pois o número de veículos passaria para mais que o dobro. Pior, ainda, é que o motorista não poderia dar partida no veículo antes que o passageiro estivesse devidamente sentado. Também, o passageiro, ao pedir para descer no ponto, somente poderia sair do assento após a parada e a consequente retirada do cinto de segurança. Uma pérola, beira ao caos organizado.

Mas, agora, um milagroso projeto de lei pretende implantar a obrigatoriedade do cinto de segurança, mesmo nos ônibus que permitem passageiros em pé. Se lhes parece estranho, vejam a justificativa do parlamentar José Nelto (PP/GO), no Projeto de Lei 2515/2022, para alterar o Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo o cinto de segurança como equipamento obrigatório nos assentos preferenciais, de passageiros, do motorista e cobrador dos veículos de transporte coletivo.

A justificativa do deputado goiano é que, quando houver assentos disponíveis dentro desse meio de locomoção, é de suma importância que haja cinto de segurança, já os demais que não obtiverem uma cadeira dentro do transporte coletivo, finalizarão o percurso em pé, como já é de costume. Vale salientar que não há motivo para que o cobrador e o motorista não usem cinto de segurança, tendo em vista que tal medida assegurará um possível acidente de trabalho.

Em razão do já exposto, continua a justificativa: “tal medida beneficiará idosos que já não possuem tanto preparo e força física necessária para utilizar esse tipo de meio de locomoção, como também auxiliará mães e suas respectivas crianças que dependem desse tipo de transporte para se locomover”. Aos que costumeiramente utilizam o transporte público de passageiros, resta uma pergunta: o deputado já andou em um desses ônibus?

Acredito que não, do contrário não continuaria a justificativa com outras baboseiras, tais como a que se segue: “dessa forma, a presente proposição tem como finalidade instituir tal acessório de enorme e comprovada importância, sem nenhum prejuízo aos passageiros, levando em consideração que aqueles que não conseguirem se assentar, finalizarem a corrida em pé como já feito cotidianamente”. Melhor seria que o desconhecido parlamentar tivesse permanecido calado. Ganharíamos muito com o silêncio do deputado.

Pelo exposto no absurdo projeto, realmente, o parlamentar não tem ou teve, bem como seus assessores, a menor intimidade com um ônibus urbano, notadamente nos horários de maior movimento. Nunca pegou uma fila num ponto ou terminal, jamais viu passageiros viajando pendurados nas portas (abertas, por sinal), muito menos o que acontece quando o motorista aplica um freio de arrumação.

Nem por sonho sabe, ou por ouvir dizer, que os assentos preferenciais foram selecionados nos ônibus para o uso dos mais espertos, dos que chegam mais cedo e se abancam sem qualquer respeito ao que diz a lei, e muito menos aos idosos, gestantes e outros que deveriam ser beneficiados. Mesmo que reclamem, por direito, seus lugares, os infratores não dão a mínima, pois fingem sono profundo, embora não seja o dos justos.

Não creio que o minúsculo e inexpressivo projeto consiga chegar ao plenário, mas será incluído no currículo do inusitado parlamentar e divulgado pela imprensa e campanhas políticas, como prova de seu suado trabalho. Já os que sacolejam diariamente nos ônibus terão melhor sorte, pois se já estão excluídos sem o projeto de lei do deputado José Nelto, continuarão sem causar nenhuma dó ou piedade aos nossos ilustres parlamentares.

Pegando uma carona nesse inexpressivo projeto, relato aqui o acontecido comigo dias recuados, ao embarcar num ônibus da Rota em Feira de Santana com destino a Senhor do Bonfim. Para comprar a passagem, tive que apresentar uma série de documentos e cartão de crédito. No embarque, só faltaram me exigir a certidão de batismo e de óbito, mas, enfim viajei.

Tratamento igual não foi dado aos que paravam o ônibus no meio da rodovia e embarcavam apenas pagando, em reais, moeda nacional, sem as outras exigências a mim cobradas. Lotação esgotada nas poltronas, os viajantes em pé não era alertados pelo motorista – ao contrário de nós – pela falta de uso do cinto de segurança e ainda se recostavam em nossos assentos, alguns sentando-se nos braços das poltronas.

Faltavam educação e fiscalização. E ninguém, sequer, cobrou a segurança. Fineza quem conhecer o deputado José Nelto, autor de diversos projetos, aconselhá-lo a desistir desse infrutífera empreitada. Quem sabe, mudar o foco para que o brasileiro possa ter um transporte digno pode até ter sido uma boa intenção, seria uma proposição relevante, o que não é o caso em questão.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Jorge e Bernadete em ato no Dia da Mulher em Ilhéus, em 2020
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“Ao longo de toda a sua trajetória, Jorge manteve a inquietude política e a busca permanente por melhores condições de vida para o povo ilheense”.

Bernadete Souza

Faleceu na madrugada de hoje (9), em Ilhéus, o companheiro Jorge Luiz, presidente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no município. Perdemos um companheiro dedicado à luta dos trabalhadores e trabalhadoras por uma vida digna e livre da exploração capitalista.

Dirigente sindical da categoria dos funcionários públicos federais, iniciou a militância partidária no Partido dos Trabalhadores, antes de trabalhar pela construção do PSOL em Ilhéus.

Ao longo de toda a sua trajetória, Jorge manteve a inquietude política e a busca permanente por melhores condições de vida para o povo ilheense. Socialista combativo, também fez da vida testemunho de solidariedade e cuidado com todos e todas.

Fez a passagem depois de uma vida de lealdade e amor. Camarada bom de diálogo, concluiu sua jornada nessa existência e segue seu caminho de luz. Que Oyá Iansã cuide de seus novos caminhos, e Oxalá te proteja e a sua descendência. Obrigado, irmão, por ter estado entre nós.

Jorge Luiz, presente, presente, presente!

Bernadete Souza é ialorixá, especialista em Agroecologia pela USP e dirigente do PSOL na Bahia.

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Hoje, o melhor presente que a sociedade pode oferecer a nós, mulheres, é reconhecer nossos corpos e vidas como territórios políticos, fazer ecoar nossas vozes e se unir às nossas lutas.

Aline Setenta

Ao contrário do que foi difundido durante muito tempo, o Dia Internacional da Mulher comemorado hoje (8) não tem vinculação apenas com um incêndio numa fábrica norte-americana. A data teve alguns eventos relacionados à sua origem até ser oficialmente reconhecida pela comunidade internacional. Sua origem mais remota está relacionada a uma manifestação de trabalhadoras ocorrida em 1910 na cidade de São Petersburgo, na Rússia, por melhores condições de vida.

De acordo com a socióloga Eva Alterman Blay, a proposta para marcar um dia de mobilização nasceu no âmbito do Partido Comunista da Alemanha, com as operárias comunistas sufragistas, como consolidação das lutas que se iniciaram na virada do século 19 para o século 20, na Europa e nos Estados Unidos. A ideia de um dia de mobilização foi proposta inicialmente por Clara Zetkin, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em 1910, em Copenhague, capital da Dinamarca. Nesse momento ainda não havia a definição de uma data específica.

Em 25 de março de 1911, um incêndio na fábrica da Companhia de Blusas Triângulo, em Nova York, vitimou 125 mulheres e 21 homens que estavam submetidos a condições degradantes de trabalho. Apesar desse evento específico ter sido identificado como a origem do Dia da Mulher, não foi o único, segundo a pesquisadora.

Outro evento histórico, considerado por Blay como mais importante, foi a greve organizada por trabalhadoras russas do setor de tecelagem, no dia 8 de março de 1917, quando cerca de 90 mil operárias protestavam contra as más condições de trabalho, a fome e a participação do país na Primeira Guerra Mundial.

Mulheres reivindicam pão e paz na São Petersburgo revolucionária de 1917 || Foto Domínio Público

Oficialmente, o 8M somente surgiu em 1975, quando a ONU estabeleceu o Ano Internacional da Mulher para lembrar suas conquistas políticas e sociais. Apenas em 2010 foi criada a ONU Mulheres e sua agenda se destacou no âmbito institucional, do Direito Internacional e dos Direitos Humanos.

Nos seus 48 anos de existência, o “Dia da Mulher” vem sentindo os efeitos do avanço dos movimentos feministas ao redor do mundo. Assim como algumas pautas feministas, o 8M ganhou espaço no mainstream e foi apropriado pela mídia hegemônica, provocando um esvaziamento de seu sentido original. Certamente, a popularização da data não tem apenas efeitos negativos, entretanto, a recuperação de seu sentido é fundamental para o avanço da garantia dos direitos das mulheres – e há muito por onde avançar.

O 8M não tem em sua gênese a celebração, não é uma data comemorativa, é um dia de mobilização e reinvindicação política das mulheres por igualdade de direitos. Certamente, as pautas das feministas europeias da primeira onda ganharam espaço na agenda internacional ao longo do tempo, houve avanços na positivação dos direitos, entretanto, há muitas lutas a serem reconhecidas. Será que dá pra comemorar “ser mulher” num mundo e num país tão injusto para elas? Será que é coerente parabenizar as mulheres brasileiras num dos países mais violentos do mundo para as mulheres e meninas?

Por certo, as mulheres que nos antecederam nas lutas que deram origem ao 8M não representam mais a diversidade das mulheres do mundo nem o cruzamento das opressões e dos esquemas de exclusão que interferem nas estratégias de luta e na garantia de direitos, especificamente no caso do Brasil.

Se há algo a ser celebrado, é a ampliação e os desdobramentos dessas lutas e o protagonismo das mulheres historicamente excluídas dos espaços políticos, como é o caso das mulheres negras e indígenas brasileiras. Audre Lorde, feminista negra, nos alerta: “não serei livre enquanto outra mulher for prisioneira, ainda que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.

Ser uma mulher no Brasil, olhando para os últimos dados da violência doméstica, para a realidade socioeconômica das mulheres negras e periféricas, para a divisão sexual do trabalho, para a LGBTQIA+ fobia, para o abuso sexual infantil, a cultura do estupro, a misoginia em avanço nas redes sociais, nos convoca ao retorno ao sentido político desse dia.

8M é dia de reconhecer a importância política dos movimentos feministas, ouvir as vozes das mulheres historicamente silenciadas, consolidar, legitimar e garantir o lugar das mulheres na política e combater todas as formas de preconceito e discriminação em razão de gênero, classe, raça e diversidade sexual.

À todas as mulheres e meninas na linha de frente, nas trincheiras das lutas políticas, em todos os cantos desse país, assim como àquelas que deram origem a esse dia, que resistem duplamente às opressões e aos desafios da construção e permanência nos espaços políticos, que têm seus corpos violentados e violados por serem mulheres, minha homenagem, meu reconhecimento e minha solidariedade.

Hoje, o melhor presente que a sociedade pode oferecer a nós, mulheres, é reconhecer nossos corpos e vidas como territórios políticos, fazer ecoar nossas vozes e se unir às nossas lutas.

Aline Setenta é professora de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).

Jogadores de Canavieiras no registro do duelo contra Belmonte, em 1960 ||
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“Foram quinze dias de treinamento tático e físico. Seria agora ou nunca quebrar o tabu de uma década de maus resultados. E os canavieirenses partiriam pro tudo ou nada”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Imaginem o clima de rivalidade no futebol entre duas cidades-irmãs (ou mãe e filha, como queiram), a exemplo de Itabuna e Ilhéus, ou entre dois países “hermanos”, do tipo Brasil e Argentina…não queiram nem pensar! Pois aqui, no Sul da Bahia, tem jogos mais acirrados quando os contendores são os selecionados de Canavieiras e Belmonte, cidades que têm muitas afinidades, digo mais, parentescos.

Se a partida for disputada em Belmonte, no estádio Orlando Paternostro, então, o buraco é mais embaixo, como dizem na gíria. E as dificuldades para esse jogo envolvem um planejamento diferente, como se os dois times fossem se enfrentar numa guerra. E era! A começar pelos preparativos, que requeriam muito estudo sobre a maré que permitiria viajar tranquilamente pelos canais que cortam o imenso manguezal.

E essa etapa a ser cumprida era por demais importante, pois a maré baixa era uma ameaça de interrupção da viagem e qualquer dos dois poderiam tomar um WO, mesmo que não fosse um jogo valendo pelo campeonato intermunicipal. E explico: caso a maré permitisse, viajariam no mesmo dia do jogo, para evitar as manifestações contrárias da torcida belmontense, conhecida pelo fanatismo. Do contrário, teriam de ir no dia anterior.

Em 1960, como conta o ex-jogador João Xavier, a Seleção de Canavieiras estava há 10 anos sem conseguir vencer o selecionado belmontense. Já era considerado um tabu difícil de ser batido, dito e conhecido como freguês de carteirinha. E nessa condição, os dirigentes de Belmonte convidaram os canavieirenses para disputar uma partida superimportante, que marcaria a reinauguração do Estádio Orlando “Setentão” Paternostro.

Desafio aceito, a Seleção de Canavieiras se prepara para o jogo do século, prometendo quebrar o tabu de uma década de derrotas e empates. E aqui, vale a pena salientar, que belmontenses e canavieirenses são grandes amigos, parentes, desde a fundação das duas cidades, quando por aqui chegaram os portugueses, franceses, italianos e escolheram em qual foz dos rios Pardo ou Jequitinhonha fincariam moradia.

Fora do futebol, os moradores das duas cidades se completavam, mas ao anunciarem uma partida entre eles, o clima esquentava. E uma partida para reinaugurar o importante estádio ficaria na história da cidade. E não era pra menos, seriam lembrados eternamente, com placa de bronze com os nomes de dirigentes, jogadores e o placar vencedor em letras garrafais na placa inauguratória.

E pela qualidade dos seus jogadores, Belmonte tinha direito a sonhar alto. Quem ousaria desafiar uma seleção com os goleiros Padre, Edmílson e Urbano, além de Carlos Gama, Carioca, Arcanjo Cara de Osso, que depois jogou no Vitória da Bahia, Sandoval, Herculano, Totônio, Porto Seguro, Diniz, Cabo Jorge, que jogou no Galícia e Ypiranga, Edílson e Lubião? Todos presididos pelo aviador Nena Lapa.

A Seleção de Canavieiras não ficava atrás, pois era formada por craques de primeira, agora reforçada pelo bancário e craque João Xavier, e Bené, um garoto que viria a fazer muito sucesso no Botafogo Carioca com o nome de Canavieira. Foram quinze dias de treinamento tático e físico. Seria agora ou nunca quebrar o tabu de uma década de maus resultados. E os canavieirenses partiriam pro tudo ou nada.

No dia da viagem apareceram no porto grande para pegar a lancha os jogadores Gilvan, Nondas, Leto, Chico, Talminho, Natal, Teotônio, Xavier, Super Coelho, Jorge, Bené (Canavieira), Duzinho, Pequeno, Cavaquinho, Miruca, dentre outros que a memória falha. A primeira baixa apareceu logo no porto, com o goleiro reserva incapacitado para viajar, tudo por conta da farra na noite anterior.

Como não tinham tempo para convocar outro goleiro, tentaram a sorte levando apenas Chico. Sabedores do ponto fraco de Canavieiras, os jogadores de Belmonte não contaram conversa até tirar o goleiro Chico de campo, com uma grande pancada na perna, após marcarem um gol. E agora, quem substituiria Chico? E a escolha recaiu sobre o centroavante Cavaquinho, um craque que atuava em qualquer posição, e goleador nato.

Conta João Xavier que, na hora, os canavieirenses lembraram do tabu que tanto queriam quebrar, e o desespero tomou conta da turma. Mas, os jogadores foram se refazendo e, aos poucos, começaram a dominar o jogo. Os belmontenses ainda não conheciam o garoto Bené, que logo marcou um gol, seguido de Miruca. E o placar do estádio Orlando Paternostro marcava 2X1, a primeira derrota em 10 anos. Justamente para Canavieiras.

E os torcedores e jogadores de Belmonte pressionaram os adversários até quando o árbitro, finalmente, deu o espetáculo por encerrado, para o desespero dos belmontenses, desacostumados a perder uma partida para Canavieiras há longos 10 anos. Na volta, uma festa e tanta na lancha, em que até o garoto Bené entrou na comemoração, bebendo e fumando pela primeira vez.

Pelo serviço de rádio do aeroporto, o resultado do jogo já era conhecido em Canavieiras, e sua torcida foi ao porto grande recepcionar os jogadores. E a festa entrou noite adentro e somente terminou com os primeiros raios do sol. O tabu foi quebrado na casa do adversário e justamente em tarde de gala na reinauguração do estádio, orgulho dos belmontenses. E em Belmonte nunca mais se falou desse jogo.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Elenco da novela Renascer em 1993 em Ilhéus || Arquivo Luiz Fernando Carvalho
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O território ilheense desde a sua condição de capitânia hereditária tem tradição em ter gestores omissos, com as raras exceções. Jorge de Figueredo Correia, donatário da Capitania, deu a senha de como não gerenciar os encargos assumidos.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

A notícia veiculada pelo site Pimenta anunciando o início de pesquisa pela Rede Globo de Televisão para a realização do remake da novela Renascer em 2024, cujo folhetim foi sucesso em 1993, reabre as esperanças de reposicionar Ilhéus novamente no cenário turístico nacional.

Mas, a cidade guarda uma série de desafios. A consulta feita ao Conselho de Cultura de Ilhéus para conceder o espaço para a implantação de uma companhia de polícia militar deixa um desconforto na sociedade ilheense e também no estado da Bahia.

A eterna cidade do cacau, berço da civilização regional, teve a oportunidade de ser universalizada pelas obras do escritor Jorge Amado. Outa figura pouco citada, mas que colaborou para inserir a cidade definitivamente no contexto jurídico nacional foi João Mangabeira.

A novela Gabriela, inclusive, o remake, atualizou os brasileiros de uma cidade à beira mar com uma beleza extraordinária de seu mar, rios e mata no sul da Bahia. A própria Itacaré, nos finais dos anos 90, ajudou a promover o turismo de Ilhéus. Milhares são as pessoas que chegam pelo Aeroporto de Ilhéus. Mas, o que tem para os turistas? Se eu posso ser turista na minha terra, recorrendo à turismóloga Anna Lívia, eu posso dizer que é muito pouco.

Ilhéus foi abençoada pela natureza, pelo patrimônio histórico  e por sua gente simples, mas tem muito a implorar por lideranças comprometidas com a cidade. As atuais lideranças são responsabilizadas diretamente em razão da contemporaneidade com o nosso tempo, mas o território ilheense desde a sua condição de capitânia hereditária tem tradição em ter gestores omissos, com as raras exceções. Jorge de Figueredo Correia, donatário da Capitania, deu a senha de como não gerenciar os encargos assumidos.

A Princesa do Sul, que sempre recebeu anualmente milhares de turistas e é um constante lazer para a população sul-baiana, sofre com a depredação de seu patrimônio. As praças que são reformadas na cidade padecem de um gosto duvidoso. A Praça Pedro Mattos, em frente ao teatro, é um exemplo do que não se deve fazer em uma cidade histórica e turística. Se não temos a capacidade de inovar, copiamos e damos os devidos créditos.

A polêmica levantada pelo cacauicultor e fabricante de chocolate Gerson Marques, cujo vídeo foi publicado também no Pimenta,  cuja informação desde o final do ano passado já circulava  nos bastidores ilheenses,  sinaliza qual o nosso compromisso com a educação, com a cultura e com o turismo da cidade. Particularmente, não tenho nada contra que os equipamentos de segurança pública tenham o melhor conforto para que os seus servidores e, inclusive, os usuários dos serviços que para lá precisam se dirigir, possam ser acolhidos com a melhor dignidade.

Entretanto, substituir o espaço do antigo Colégio General Osório, que foi desmobilizado para ser a Biblioteca Adonias Filho e o Arquivo Público Municipal, que atualmente, encontram-se fechados, para sediar uma Companhia da Polícia Militar é um soco simbólico no estômago da sociedade baiana. E, no caso de Ilhéus, é colocar no porão da história toda busca pela valorização de seu patrimônio histórico-cultural.

Então, com a provável nova versão da novela Renascer, renascem as esperanças, mas os desafios permanecem. Os problemas de Ilhéus só poderão ser minimizados se os diversos setores se unirem e debaterem seus desafios e  na caminhada irem superando os boicotes individuais e coletivos. Pensar cultura e turismo em Ilhéus de forma separada é jogar recurso público fora de forma ineficiente e meio-ambiente e educação têm suas parcelas de responsabilidade.

Efson Lima é doutor e mestre em Direito (UFBA), advogado e professor universitário.

Ezequias Souza e Edgar Ricardo mataram sete pessoas por aposta em jogo de sinuca
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No Exército, várias vezes escutei que não se dá armas a idiotas. Vejo, tristemente, que esta máxima de outrora não vigora mais, e que o acesso a todo tipo de armamento torna muito mais mortal e trágica a ação criminosa de muitos brasileiros.

Julio Gomes 

Ingressei no exército em 1984, como simples soldado, para prestar o serviço militar obrigatório em um quartel situado no Rio de Janeiro. Inicialmente, passamos quase três semanas inteiras aquartelados, saindo somente na sexta-feira, às 18h, para estarmos de volta na segunda-feira, prontos e em forma, às 6h30.

Neste período de adaptação à vida militar, marchávamos, fazíamos exercícios físicos, recebíamos instrução básica, tínhamos todas as refeições e dormíamos nos beliches da companhia de infantaria, sem sair do quartel para nada, sem acesso a visitas e a telefone. Antes de colocarmos as mãos pela primeira fez no fuzil automático calibre 7.62, arma padrão dos soldados brasileiros, passamos por mais de um mês submetidos à disciplina, adaptação e doutrinação para desenvolver o mínimo de responsabilidade necessária para ter aquele tipo de armamento nas mãos.

Estamos agora em 2023 e constato, com extremo desgosto e preocupação, que hoje qualquer pessoa que tenha dinheiro e preencha as frouxas formalidades burocráticas existentes pode comprar armas que, naquela época, eram de uso absolutamente restrito, proibidas para civis, incluindo fuzis automáticos, que são armas de guerra.

Não pude deixar de pensar em todos os fatos acima ao assistir, pelo YouTube, repetidas vezes e com olhos de quem entende o que é o manuseio de um armamento, a destreza, habilidade e extrema desenvoltura com que os assassinos de Sinop, Goiás, liquidaram, em apenas exatos dez segundos, sete vidas humanas, incluindo a de uma criança de 12 anos, morta com um tiro pelas costas.

Armas como a espingarda calibre 12 usada na chacina – e outras, como fuzis automáticos – não deveriam estar disponíveis para venda, sobretudo com a facilidade que ocorre hoje no Brasil, colocando-se ao acesso de qualquer imbecil, desde que tenha dinheiro e cumpra, repito, os frouxos requisitos legais estabelecidos.

No Exército, várias vezes escutei que não se dá armas a idiotas. Vejo, tristemente, que esta máxima de outrora não vigora mais, e que o acesso a todo tipo de armamento torna muito mais mortal e trágica a ação criminosa de muitos brasileiros.

Vejo também com certa preocupação a proliferação dos clubes de tiro e dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), pois, mesmo sendo estritamente legais, é de extrema ingenuidade pensar que a habilidade com o uso do armamento ali adquirida possa ser utilizada por todos unicamente para fins lícitos. Obviamente que quem os frequenta e os CACs, até que se prove o contrário, são pessoas responsáveis e inteiramente idôneas, não são bandidos nem assassinos.

Mas, o hábil manuseio de armas pode se prestar a inúmeros fins, e ingenuidade só é bonitinha em crianças; nos adultos, torna-se um grave defeito.

Por fim, entendo que acesso, porte e uso de armas deveriam permanecer o mais restrito possível aos profissionais de segurança, de preferência àqueles que trabalham a serviço do Estado: militares, policiais, guardas municipais e mais um restrito grupo de funções afins. E só.

Guardo a convicção de que se um cidadão comum precisa andar armado e pronto para atirar, como em um antigo filme de faroeste, algo está profundamente errado. Armamento deve ser, sobretudo, instrumento de trabalho institucional e não objeto potencializador da estupidez humana, algo tristemente tão presente no Brasil de hoje.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.