Outdoor da Prefeitura de Ilhéus anuncia nova maternidade: mudança brusca na gestão do hospital, que passará ao Estado, expõe falta de planejamento do governo municipal
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Enquanto o Estado construiu e equipou o hospital, a Prefeitura demorou dois anos para descobrir que não tem condições de administrá-lo.

Thiago Dias

Há um descompasso no ritmo de trabalho dos governos estadual e municipal, que se expôs de modo indisfarçável nesta terça-feira (6), quando a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) confirmou que assumiu a gestão direta da nova maternidade de Ilhéus no lugar da Prefeitura. Como quem reclama pressa, a Sesab explicou que a decisão garante a abertura do hospital “com maior celeridade”, conforme trecho de nota publicada hoje.

No texto, a Sesab relembra que o acordo para que o município assumisse a gestão do Hospital Materno-infantil foi firmado em 2019. No entanto, segundo a nota, a análise do impacto dos custos de operação da maternidade sobre o orçamento municipal mostrou que a Prefeitura teria muita dificuldade para assumir a administração. Por isso, estado e município decidiram desfazer o acordo.

Porém, até a semana passada, quando foi frustrada a expectativa da população de receber o novo equipamento no aniversário da cidade, a reviravolta anunciada hoje ainda não estava no discurso dos gestores locais.

A Prefeitura chegou a destacar a maternidade num outdoor que omitiu o autor da obra, o governo estadual. No último dia 29, o secretário de Saúde Geraldo Magela disse a este PIMENTA que o município pretendia concluir neste mês o processo licitatório para terceirizar a administração da unidade. Tudo mudou numa semana.

Confirmada a mudança brusca de planos e diante do argumento financeiro suscitado pela Sesab, impõe-se a pergunta: a Prefeitura só descobriu agora (quase dois anos após o acordo) que os custos de operação da maternidade não cabem no seu orçamento? Se essa é mesmo uma descoberta tardia, faltou o mínimo de planejamento à gestão municipal.

A justificativa orçamentária, contudo, parece mais uma saída diplomática para atenuar o impacto político do anúncio da Sesab, que abala a credibilidade do governo municipal por contraste: enquanto o Estado construiu e equipou o hospital, a Prefeitura demorou dois anos para descobrir que não tem condições de administrá-lo. Descompasso desse tamanho não cabe num outdoor, e o governador Rui Costa(PT) tem a alcunha de correria a zelar.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA. Este comentário não representa, necessariamente, a opinião do blog.

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Sigamos sem culpa, com a certeza de que precisaremos plantar o maior jardim possível de girassóis. Sejamos cada um de nós um girassol!

Efson Lima

Quis o destino que as diversas circunstâncias impusessem desafios ao nosso tempo. Não bastava a Pandemia de Covid-19, temos as mazelas humanas da gestão no plano federal. O processo eleitoral de 2018 se mostrou turvo. Parecia que remava contra a ordem, tudo indicava para a escolha do gestor que está a (não) gerir a República Federativa do Brasil. Muito já se discutiu, inclusive a necessidade de se examiná-lo mentalmente. Deixemos de lado e sigamos, sem deixar de apurar as suas responsabilidades.

Salvo melhor juízo, não podemos tratar uma pessoa que desdenha do uso da máscara, que incentiva o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19 como se fosse uma pessoa que sofra de algum transtorno mental. Estaríamos sendo coniventes. Não obstante, o não-gestor faz questão de colaborar com algumas aglomerações. Peço licença para abusar da paciência de meu leitor, pois preciso informá-lo que estou a dizer de uma pessoa comum, visto que o nosso presidente faz tudo conforme recomenda a ciência…

Com o anunciar da pandemia e o nosso recolhimento em casa, comentou-se que as artes entrariam em um processo de profundo avivamento. Melhores livros seriam produzidos, os pesquisadores responderiam nossos anseios, as músicas seriam melhores. As telas seriam pintadas como nunca. A filosofia se encarregaria de nos oferecer um alento.  Novos talentos surgiriam.

Depois de algum tempo, temos um contingente jamais visto de desempregados; nunca fizemos tantas vaquinhas. A solidariedade foi testada e colocada à prova. Estamos resistindo, ajudando… Mas por outro lado, não conseguimos contabilizar todos os nossos mortos de forma fidedigna. Não temos tempo de enfrentar o luto. Não conseguimos ver o rosto daquele que partiu. Os protocolos são rígidos.

Mesmo assim, em que pese estarmos desgovernados, à deriva, sem liderança para enfrentar o inimigo invisível, não podemos deixar de semear esperança. Colocar a máscara no rosto, usar o álcool a 70% e contar com a vacina em cada ombro. Torcendo sempre para que nenhuma dose tenha a capacidade de nos transformar em jacaré.

O tempo pode estar sombrio, mas luzes não nos colocaram nas trevas. A sociedade brasileira depois de uma caminhada tem percebido que precisa ir em outra direção. A sociedade tem percebido que falas racistas, lgbtfóbicas, o não comprometimento com o meio ambiente, o estímulo à violência por meio da defesa pessoal e do porte de arma não colaboram com a democracia, pelo contrário, sinaliza o comportamento de pessoas descompromissadas com o humano.

Falta empatia em alguns, mas temos percebido que sobra empatia na maior parte dos brasileiros. Sigamos! Amanhã haverá de ser outro dia e esperamos que pessoas comuns, como eu, sejam responsáveis. Sigamos sem culpa, com a certeza de que precisaremos plantar o maior jardim possível de girassóis. Sejamos cada um de nós um girassol!

Efson Lima é professor universitário, advogado, professor e mestre e doutor em Direito/UFBA.

Neste recorte de foto do memorialista José Nazal, o Obelisco de Dois de Julho disputa atenção com a nova ponte de Ilhéus
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Alheio à história, o mato cresce aos pés do obelisco, e o monumento fálico, com sua indiferença de pedra, ignora tudo ao redor.

Thiago Dias

Foi no seu primeiro governo (1924-1927) que o intendente Mário Pessoa construiu o Obelisco Dois de Julho. Erguido diante do mar, quando o porto de Ilhéus ainda era na foz do rio Cachoeira, o monumento homenageia a luta pela independência do Brasil no território baiano, cujo marco histórico é o dia 2 de julho de 1823. Dois sítios históricos próximos, os morros de Pernambuco e do Outeiro, de onde canhões miravam a boca da barra, reforçam no obelisco o sentido de homenagem a uma conquista bélica.

Quase cem anos nos separam da época da sua construção. A paisagem em volta mudou muito. Encravado num mirante, cujas fundações ainda eram açoitadas por ondas fortes no início do século 20, o obelisco, por não ter olhos, não viu a areia se acumulando à sua frente, de forma incessante, após a construção do Porto do Malhado, concluída em 1971.

Também não viu o surgimento da nova ponte. Faz um ano que os carros cruzam as pistas ali perto, mas o monumento não sabe – talvez por causa do limo dos anos encobrindo os olhos que ele não tem.

O limo, no entanto, foi notado em artigo da professora Janille da Costa Pinto, publicado em 2020 na Revista Estudos, do Instituto Anísio Teixeira (IAT), sob o título A Princesinha do Sul da Bahia: Ilhéus e sua relação com o 02 de Julho.

Uma das conclusões da autora, mestre em Educação, é a de que a participação de Ilhéus na luta pela independência do país deve ser divulgada ao mundo, inclusive nas escolas da cidade, fazendo valer a Lei Orgânica do Município, que determina a inclusão da história local no nosso currículo escolar. A conclusão parte da premissa de que conhecer os episódios históricos e símbolos da cidade é um meio de aprofundamento dos vínculos das pessoas com seu território, algo evidenciado em cada ato político do povo tupinambá, por exemplo, que faz da luta pela demarcação da terra seu Dois de Julho diário.

Por fim, destaco uma das questões apresentadas no artigo de Janille, objeto de informações controversas, que trata do envio de homens recrutados nas roças ilheenses para a luta da independência em Cachoeira, fato sobre o qual não se tem registro no Arquivo Público do Estado, conforme atesta João da Silva Campos no livro Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Eis um bom tema a ser investigado para um novo capítulo sobre a contribuição ilheense para a libertação do país.

Enquanto isso, alheio à história, o mato cresce aos pés do obelisco, e o monumento fálico, com sua indiferença de pedra, ignora tudo ao redor.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

Ciro Gomes | Fonte Flow Podcast
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O pedetista denuncia a perversidade do nosso sistema tributário. No Brasil, mais de 50% do dinheiro que o Estado recolhe vem dos impostos que incidem sobre o consumo, a chamada tributação indireta e regressiva.

Thiago Dias

O presidenciável Ciro Gomes (PDT) sabe que precisa ser visto e ouvido pelo maior número possível de eleitores para ter chances de chegar ao segundo turno nas eleições do próximo ano. Por isso, intensificou o ritmo das aparições na internet. Neste mês, participou do programa do humorista Rafinha Bastos e do Flow Podcast. As duas entrevistas somam mais de 6 horas  e 2,5 milhões de visualizações.

Na tentativa de disputar votos do antipetismo com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ele investe boa parte das suas falas em críticas aos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma. Ciro bate forte na tecla da corrupção de próceres petistas, mas sua maior contribuição ao debate político vai além da necessária defesa da moralidade republicana. Gosta de suscitar a discussão de temas praticamente ignorados pelas principais lideranças do PT na gestão federal, a exemplo da reforma tributária.

O pedetista denuncia a perversidade do nosso sistema tributário. No Brasil, mais de 50% do dinheiro que o Estado recolhe vem dos impostos que incidem sobre o consumo, a chamada tributação indireta e regressiva.

Indireta é a tributação que não discrimina o contribuinte, ou seja, o valor do tributo não leva em consideração o poder aquisitivo de quem o consome. Já o imposto direto incide sobre o patrimônio e a renda, alcançando os contribuintes de forma específica e na medida da sua capacidade contributiva.

Por arrecadar 50% dos impostos com a tributação de bens consumíveis e serviços, o fisco brasileiro impõe gasto proporcional maior a quem tem menos dinheiro. Daí seu caráter regressivo.

Dito de outro modo, proporcionalmente, o custo do imposto na composição do preço da comida, por exemplo, é maior para as famílias pobres do que para as classes sociais abastadas. Essa lógica vale para tudo o que se consome nos diferentes estratos da sociedade, do feijão à gasolina, passando pela cerveja e a energia elétrica.

O Brasil pleiteia assento na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Pois bem, os países da OCDE têm 2/3 da sua receita advinda da tributação direta, sobre o patrimônio e a renda.

Nesta sexta-feira (25), o ministro da Economia Paulo Guedes formalizou o anúncio de que o governo vai aumentar de R$ 1.900,00 para R$ 2.500,00 o piso de isenção do imposto de renda para pessoas físicas. Foi Ciro Gomes quem lembrou que, em 2018, Guedes prometeu elevar a isenção para rendas mensais de até R$ 5.000,00. Se continuar no cargo de Posto Ipiranga da República até outubro de 2022, o economista que leu John Maynard Keynes “três vezes no original” vai ter a oportunidade de repetir a promessa.

Enquanto isso, cabe a Ciro aumentar o alcance das propostas que reuniu no seu livro mais recente, Projeto Nacional: o dever da esperança, que não poderia ter subtítulo mais preciso nesta “página infeliz da nossa história”.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

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Ninguém sabe melhor do seu negócio, produto ou trabalho do que você mesmo, e é por isso que precisa estar muito ciente do que produz e do trabalho empregado para elaborá-lo antes de sentar à mesa de negociação.

Mariana Ferreira | marianaferreirajornalista@gmail.com

Você já se sentou com um investidor ou cliente que tentou reduzir a credibilidade do seu produto para controlar a mesa de negociação? Provavelmente, sim. Embora muitas vezes não percebida, essa é uma tática muito comum, de se construir a sensação de “desagrado” com o objetivo de baixar o preço que você está cobrando ou melhorar a margem de ganho de quem está investindo. Vale ressaltar que essa estratégia pode acontecer em todo espaço de negociação em que se disputa algum tipo de poder e influência.

O fato é que ninguém sabe melhor do seu negócio, produto ou trabalho do que você mesmo, e é por isso que precisa estar muito ciente do que produz e do trabalho empregado para elaborá-lo antes de sentar à mesa de negociação. Suas potencialidades, qualidades e tudo mais embutido, as competências e capacidades, suas conquistas e ajustes de rotas. Enfim, todo o know how alcançado nesse processo. Tudo isso está agregado no valor do seu produto, mesmo que no nosso país acabe sendo uma regra desvalorizar esse capital agregado para maximização do lucro, o que afeta diretamente a autoestima do brasileiro.

Você pode estar negociando com o presidente da República – não necessariamente Bolsonaro, pois sabemos que ele não tem lá essas vontades ou capacidade de dialogar (eu sei, não perco a oportunidade, mas é que é impossível você ser razoável e se sentir confortável com as atitudes ignóbeis dele). Continuando… Você pode estar dialogando com a autoridade máxima do país ou com alguém que você admira, mas se você estiver indo encontrá-lo para uma negociação, você não pode aceitar as afirmações construídas como tática de barganha e, por causa disso, dizer amém a tudo por medo de desagradá-lo (temos disso também, é aquela história da autoestima). Se a sua mente não estiver preparada, é isso o que acontecerá e você verá seu valor ser depreciado. Você não será visto em pé de igualdade, mas como inferior. Será subestimado juntamente com o seu produto, já que você tem potencial, tem um produto diferenciado, mas não soube defendê-lo.

É sua obrigação saber seus pontos fortes e também possíveis debilidades, demonstrando objetivamente o quanto você conhece sobre seu produto/projeto, o quanto do seu esforço e suor estão empregados e impregnados nele, bem como a sua utilidade e diferenciação dos demais concorrentes. Não deixe esses pontos sem respostas. Lembre-se que temos um país com ambiente hostil para empreender, que estamos vivendo um recorde de desempregados – 14,4 milhões – e temos um salário mínimo que não acompanha a alta dos preços nos supermercados, nas contas, na moradia e no combustível. Esse conjunto faz do Brasil o segundo país no ranking do índice de mal-estar entre 38 países (levantamento divulgado no sábado, 19, pelo pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

Então, informe, argumente, proponha, estude, aprenda, ouça, esclareça, mas não se cale diante do que não está completamente calçado na verdade, diante do pensamento e do argumento simplistas, desprovidos do conhecimento prático. Tenha humildade, mas não seja omisso. Não vale a pena. Defenda o que é unicamente seu, fale o que é preciso ser dito e da melhor forma possível, afinal, boa parte do que compreendemos de uma mensagem se baseia no tom de voz e na linguagem corporal, para além das palavras que são ditas. Tenha identidade e terá autoridade. Tenha autoridade e terá muito mais poder de negociação, sem ser presa fácil nessa prática predatória.

Mariana Ferreira é comunicóloga.

"Longe do Cerrado onde Lázaro se esconde da polícia, a imagem do "maníaco baiano" é a do espetáculo que furou o tédio asfaltado das mortes silenciosas da pandemia"
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Talvez o ódio seja o único sentimento capaz de dar dimensão coletiva à tragédia brasileira, ao menos, enquanto durar a caçada.

Thiago Dias

Acordei com a imagem de Lázaro na cabeça. Ela estava na tevê também, em memes nas redes e numa mensagem viral defendendo o porte de arma para todo mundo.

Aqui, no litoral do Brasil, longe do Cerrado onde Lázaro se esconde da polícia, a imagem do “maníaco baiano” – expressão usada num telejornal matutino – é a do espetáculo que furou o tédio asfaltado das mortes silenciosas da pandemia, que só comovem o círculo mais próximo de quem partiu. E são tantas as partidas que nos falta tempo para chorar todas.

Somos um país de maricas com lágrimas secas, mas um homem perigoso e armado, que mata pessoas a sangue frio e talvez seja louco, finalmente nos comove. Peguem-no! Deem ao Lázaro da Pátria o fim que até a poesia fatalista dos anjos desconhece.

Afinal, parafraseando Rogerinho do Ingá, talvez o ódio seja o único sentimento capaz de dar dimensão coletiva à tragédia brasileira, ao menos, enquanto durar a caçada.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

O sentido estrito de campanha expande-se no moto-contínuo da busca pela atenção do eleitor sempre que possível
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 A tentativa de captar a atenção dispersa do público – para apresentar ideias, desmontar discursos adversários e angariar apoio – desafia o político a se movimentar continuamente para dar o maior alcance possível ao seu movimento.

Thiago Dias

O jornalista José Roberto de Toledo, editor do site da revista Piauí, descreve o comportamento do presidente Bolsonaro (sem partido) como o de moto-contínuo em campanha. O filósofo Marcos Nobre tem a mesma opinião, para citar dois exemplos do consenso em torno do assunto.

Nobre disse, em abril de 2019, que o método de Bolsonaro e do seu movimento de campanha eterna é a disseminação do caos. Para mobilizar suas bases de forma contínua e manter o controle da pauta do debate público, Bolsonaro recorre ao seu método: semeia caos. Uma pandemia depois, a constatação do filósofo é irrefutável. Neste sentido, nada é mais emblemático do que a inviabilização do Censo. O caos não precisa de números confiáveis e atuais para os seus planos.

Deu-se pouca atenção a um trecho do depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Covid. Quando tentava convencer o auditório de que aquele seu “um manda e outro obedece”, proferido ao lado do presidente, não tinha nada a ver com veto de Bolsonaro contra a CoronaVac, o general da ativa argumentou que a frase era para movimentar as redes da internet, o campo que o bolsonarismo domina e onde sua atuação eficiente foi decisiva para a vitória de 2018.

Sim, enquanto queríamos saber por que diabos o governo demorou tanto para comprar vacinas, o general da ativa admite que gravou um vídeo com o presidente e adotaram um discurso feito para causar no WhatsApp. O duro é saber que, ao menos em parte – do ponto de vista político-eleitoral – eles estão certos.

Na corrida pelo domínio das redes, Bolsonaro está à frente de Lula, que lidera as pesquisas eleitorais. Ciro corre por fora. Com o marqueteiro João Santana, tido por muitos como gênio da comunicação, o pedetista precisa correr muito para ter o alcance que seus adversários mais fortes hoje ostentam. Ficando no exemplo do Twitter, Bolsonaro tem 6,7 milhões de seguidores, Lula, 2,5 milhões e Ciro, 1,2 milhão.

De toda forma, os três e tantos outros agem conforme a premissa de que, no tempo da internet, com a comunicação cada vez mais dinâmica entre candidatos e eleitores, a campanha nunca para. A tentativa de captar a atenção dispersa do público – para apresentar ideias, desmontar discursos adversários e angariar apoio – desafia o político a se movimentar continuamente e, no mesmo embalo, dar o maior alcance possível ao seu movimento.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

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Você se sente preparado ou preparada para identificar falácias nos discursos? E para se defender delas? Compartilhe seu pensamento crítico para que possamos fomentar debates e evoluir enquanto sociedade.

Mariana Ferreira

É curioso como estamos vivendo um período que mais parece um looping eterno de falta de nexo e falsos dilemas, alimentado por uma sequência de narrativas generalistas e irracionais que, de tempos em tempos, somem e “de repente” voltam em forma de discursos teimosos e aleatórios, numa clara tentativa de mudar de assunto. Cloroquina, desobrigação de máscara, fraude eleitoral, voto impresso, pandemia acabou… Você se lembra de mais alguma?

A mim, esse looping sempre cansa, e vejo muita gente se contorcer também, mesmo de dentro do grupo daqueles que inicialmente apoiavam tais teorias. Mas as estórias se repetem tanto, sem lógica e comprovações, que eles mesmos já as abandonaram. E aí eu te pergunto: essa espiral não te faz se sentir um tanto manipulado ou manipulada? Não te dá a sensação de estar sendo enganado ou enganada a todo tempo, subestimado ou subestimada em sua capacidade de discernimento e construção da sua própria opinião?

Se há fraude eleitoral em função da urna eletrônica, por exemplo, por que o maior expoente dessa acusação venceu cinco eleições de sete para deputado e conseguiu chegar ao Palácio do Planalto por meio desse mesmo sistema? E por que ele ainda não provou sua tese? Você já deve ter percebido que ele inverte o ônus da prova, ou seja, ele joga para quem discorda dele a obrigação de provar que ele está errado, quando, na realidade, a verdade já estava posta desde o princípio e quem precisa provar algo é ele. Mas você sabe por que essa inversão acontece? Porque, nesse caso, quem acusa é a parte mais fraca da argumentação.

Pelo bem da nossa própria existência nesse mundo cada vez mais beligerante, devemos exercitar mais a nossa capacidade crítica sobre o que nos é apresentado, e não aceitar qualquer teoria que chegue aos nossos ouvidos, mesmo que aparentemente não mirabolante, sem buscar saber se aquilo tem consistência e provas, afinal, é assim que nos protegemos de fake news e manipulações.

Em homenagem ao tema de hoje, indico o livro Persuasão, onde a comunicóloga e professora Maytê Carvalho habilmente compilou uma série de conceitos sobre o assunto, desde Aristóteles, e montou uma espécie de guia. Agora, para encerrar, te faço somente mais duas perguntas: você se sente preparado ou preparada para identificar falácias nos discursos? E para se defender delas? Compartilhe seu pensamento crítico para que possamos fomentar debates e evoluir enquanto sociedade.

Mariana Ferreira é comunicóloga.

Pedetista e democrata têm o desafio de aglutinar votos do antipetismo que também rejeita Bolsonaro
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Se a parceria render novos frutos, Ciro e Neto terão superado o desafio de expandir o alcance das suas candidaturas no campo democrático, aquele dominado pelo PT de Lula e Rui Costa nos cenários nacional e estadual.

Thiago Dias

Paira no imaginário político a possibilidade de uma aliança nacional entre o PDT de Ciro Gomes e o DEM de ACM Neto.

Foi o próprio Ciro quem defendeu novas dobradinhas DEM-PDT, em entrevista concedida em maio ao Valor Econômico, lembrando que a vice-prefeita de Salvador, Ana Paula Matos, é sua correligionária.

Para Ciro, o sucesso da candidatura liderada pelo hoje prefeito Bruno Reis pode se repedir no ano que vem, com o PDT indicando o(a) vice de ACM Neto na disputa pelo Governo da Bahia. Em contrapartida, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta poderia ser o nome de alcance nacional do DEM na chapa do pedetista.

O implacável João Santana, que comandou a propaganda eleitoral do PT em três das quatros campanhas presidenciais vitoriosas do partido, já começou a emoldurar os vídeos do PDT com o azul antipetista.

Se a parceria render novos frutos, Ciro e Neto terão superado o desafio de expandir o alcance das suas candidaturas no campo democrático, aquele dominado pelo PT de Lula e Rui Costa nos cenários nacional e estadual.

Com Mandetta, do inesquecível “Tchau, querida!” para a então presidente Dilma Rousseff (PT) na véspera do impeachment, Ciro pode alcançar a grande fatia do antipetismo que também não tolera Jair Bolsonaro – o presidente sem partido.

Para Neto, estar ao lado de um pedetista o distanciaria da impopularidade da extrema-direita na Boa Terra. Essa tarefa será dificultada, é claro, se o prefeito Bruno Reis e os deputados federais do DEM baiano continuarem a aparecer em fotos com o presidente. Afinal, ACM Neto não precisa de Bolsonaro para aglutinar os votos antipetistas.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

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Lamentavelmente, a profissão de advogado vem se tornando a cada dia inviável, frustrante e humilhante e sem qualquer perspectiva de melhora, acabando com sonhos acalentados desde a infância e dos familiares.

 

Andirlei Nascimento || andirleiadvogado@hotmail.com

Com o nítido e inquestionável enfraquecimento da representatividade, a Advocacia vem sendo ferida de morte e vivenciando uma das mais graves crises da sua história, agravada nesse período de pandemia do novo coronavírus. O que observamos é que inexistem ações com o objetivo de estruturar o Poder Judiciário para que possa atender as demandas judiciais em tempo razoável para que os profissionais do Direito possam sobreviver da profissão.

Hoje no Brasil, grande parte dos advogados, em razão do empobrecimento da classe, vem enfrentando dificuldades econômico-financeiras e sobrevivendo de forma humilhante.

A dignidade está alanceada porque as atividades forenses se encontram com mais dificuldades na prestação jurisdicional.  E mais: as prerrogativas da Advocacia a todo o momento vêm sofrendo profundos golpes sem a resposta necessária e adequada.

Na Bahia, nestes mais de um ano da pandemia, alguns advogados receberam, por duas vezes, de forma indigna uma mini cesta básica, ao contrário de outras seccionais que têm procurado contribuir para a superação desse momento difícil, estabelecendo valores descentes e respeitosos. Sem dúvida, uma situação que causou a cada um desses profissionais, constrangimento.

Enquanto os profissionais do Direito cobram o retorno normal das atividades forenses, os atuais dirigentes da Seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil buscam a dilação dos prazos processuais, um verdadeiro dilema e contradição de interesses.

Lamentavelmente, a profissão de advogado vem se tornando a cada dia inviável, frustrante e humilhante e sem qualquer perspectiva de melhora, acabando com sonhos acalentados desde a infância e dos familiares. Muitos bons profissionais, iniciantes ou não, em decorrência das intransponíveis dificuldades, têm desistido de segui-la. Um verdadeiro descalabro.

O advogado, como nenhuma outra profissão, ao receber a autorização da OAB para advogar, prometeu exercer a Advocacia “com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.  E o fez em juramento.

No entanto, diante do grave quadro que nós, advogados, estamos vivendo, difícil está cumprir esse juramento.

A Advocacia está sem voz, sem rumo e sem vez. Assim sendo, dessa forma realmente está cada vez mais difícil advogar na Bahia.

Andirlei Nascimento é advogado, especialista em Direito do Trabalho, pós-graduado em Direito Material e Processo do Trabalho e ex-presidente da Subseção da OAB Itabuna.

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Esses cérebros estão fugindo para lugares que de fato demonstram precisar e valorizar seus conhecimentos específicos.

Mariana Ferreira || marianaferreirajornalista@gmail.com

Tenho especial interesse por assuntos relacionados à saúde mental, pois acredito que é o que nos faz superar os obstáculos em direção à realização dos nossos sonhos sem perdermos o brilho no olhar, nos impulsionando a sempre evoluir. Como está relacionado a outro tema do qual sou curiosa, economia, essa notícia do Estadão me fez querer conversar um pouco sobre: “Brasileiros de 15 a 29 anos estão mais tristes, mais preocupados e mais pobres, aponta pesquisa”.

Na era das transformações tecnológicas e do despertar para uma economia voltada a soluções para o mundo por parte de gerações cada vez mais conscientes em diversas áreas de demanda social, é de tamanha preocupação constatar o que apontou essa pesquisa do Centro de Políticas Públicas da FGV Social. Trata-se do mais baixo nível da série brasileira de satisfação com a vida. A autoavaliação da juventude sobre felicidade teve a terceira maior queda entre 132 países – caiu dos 7,2 pontos registrados em 2013-2014 (numa escala de 0 a 10), para 6,4 no ano passado, após quedas sequenciais.

Esses jovens estão preocupados com a miséria, com a falta de oportunidades de trabalho, com a sua formação educacional… Enfim: em sobreviver. Sabemos que a falta de expectativa em cabeças tão jovens é algo extremamente danoso para eles, e precisamos ir mais a fundo e ter a consciência de que é igualmente prejudicial para o próprio país. Afinal, se uma nação não investe em seu capital humano, ela não terá como se desenvolver social, econômica, científica, tecnológica e humanamente. E, se ela não se desenvolve, o destino é a miséria do seu povo.

Não à toa o Brasil caiu mais uma vez no ranking da competitividade global de talentos da Insead, uma das principais escolas de administração do mundo, ficando em 80º lugar entre as 132 nações este ano. Demonstração clara de que já ficamos para trás. Para aqueles que já chegaram aos mais altos graus de especialização, tem sido custoso justamente viver nesse tipo de país, onde não há perspectiva de prosperidade. Nesse aspecto, outra violenta perda: esses cérebros estão fugindo para lugares que de fato demonstram precisar e valorizar seus conhecimentos específicos. E essa perda tem impacto profundo nesse Brasil cada vez mais com “b” minúsculo.

O governo brasileiro precisa encarar a realidade, parar de se perder em embates carentes de debate e entender que tirar o brilho no olhar do seu povo custará um rastro de danos que por muito tempo será sentido por todos. Nossa autonomia enquanto nação, nossa soberania perante o mundo e nosso verdadeiro patriotismo passam pela valorização da juventude, da ciência, da tecnologia, da filosofia, da comunicação, da educação e de tantas outras nobres e imprescindíveis áreas do conhecimento.

A conta fechará quando o governo entender que, fazendo a parte dele, deixa que nós fazemos a nossa. O que não dá mais para continuar é o brasileiro acordar todos os dias em um novo pesadelo, preocupado se vai ter casa, comida, dinheiro para pagar as contas ou se vai terminar o dia vivo, se terá leito caso pegue a Covid e quando conseguirá ser vacinado. São tantas as urgências do nosso povo, que dar atenção à saúde mental ainda não é uma prioridade. Assim, encerro minha reflexão parafraseando Euclides da Cunha: o povo brasileiro é, antes de tudo, um forte.

Mariana Ferreira é comunicóloga.

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Não há futuro seguro para o meio ambiente enquanto não mudarmos radicalmente o governo, substituindo-o por outro que internalize essa agenda e se comprometa com a sustentabilidade.

Wenceslau Junior

O mundo experimenta um dos piores momentos da sua história. Não bastasse a crise do sistema capitalista e do estado burguês em sua forma de representação da sociedade, vivemos uma pandemia de grande envergadura.

A situação brasileira se mostra, indubitavelmente, mais agravada em razão da postura do principal líder da nação, que nega a ciência, tripudia da morte de quase meio milhão de brasileiros, criando falsos dilemas entre salvar vidas e garantir empregos; entre direito de ir e vir e direito à saúde e integridade física.

Vivemos uma crise de caráter político (a democracia ameaça pela postura fascista), econômico (desaquecimento da economia global, agravada pelo neoconservadorismo em curso), social (ante à insensibilidade do governo central de socorrer as pessoas impossibilitadas de prover o sustento da sua família em razão das necessárias restrições) e ambiental (em razão do completo descompromisso do Ministro do Meio Ambiente com essa agenda e seu posicionamento em defesa daqueles que atuam ilegalmente no garimpo e na exploração de madeira, inclusive em terras indígenas).

Em 25 de janeiro de 2019, menos de um mês da posse do atual presidente, ocorreu um dos maiores desastres ambientais do país. As vítimas do rompimento da Barragem de Brumadinho até hoje agonizam com a perda de parentes, destruição da cidade e poluição ambiental. Mas até o presente momento não vislumbramos uma ação enérgica por parte do Governo Federal para evitar novas tragédias semelhantes.

Em agosto de 2019 o Brasil assistiu de forma estarrecida a um dos maiores acidentes ambientais com derramamento de petróleo bruto na costa do Nordeste. O vazamento de cinco mil toneladas de óleo foi um dos maiores desastres ambientais do litoral brasileiro. Atingiu mais de 1.000 localidades em 130 municípios de 11 estados, sendo nove do Nordeste e dois no Sudeste. O desastre também atingiu aproximadamente 300 mil trabalhadores do mar. Até a presente data não se tem um desfecho sobre as investigações e a situação estaria pior se não fosse o trabalho voluntário de limpeza das praias pelas comunidades atingidas.

Nos dois primeiros anos da gestão do atual presidente, o Brasil ardeu em chamas. Houve aumento de 30% de incêndios na Amazônia em comparação com o ano anterior. A maior floresta tropical do mundo teve 89.178 focos de fogo em 2019. Fato que rendeu fortes críticas no mundo inteiro.

Em 2020 foi a vez do Pantanal. A área queimada na região somente em 2020 supera em 10 vezes a área de vegetação natural perdida em 18 anos. Entre 2000 e 2018, o IBGE estimou em 2,1 mil km² a área devastada no Pantanal, que era o bioma mais preservado do país. Já em 2020, pesquisadores estimam a perda de pelo menos 23 mil km² consumidos pelo fogo.

O bioma do Cerrado também sofreu duro golpe no ano passado. Em 2020, somente entre janeiro e agosto, foram registrados 21.460 focos de queimadas no Cerrado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Apenas no DF, segundo o Corpo de Bombeiros, foram incendiados mais de 6,9 mil hectares de Cerrado e registradas 3.912 ocorrências de incêndios florestais.

A ameaça de retirar o Brasil do Acordo de Paris, associado ao desmantelamento das estruturas governamentais de fiscalização ambiental, sinaliza o descompromisso do Governo Federal com a agenda ambiental.

O ano de 2020 bateu recorde em desmatamento. Ao invés de adotar medidas de contingenciamento e repressão à extração ilegal de madeira e ao desmatamento, o presidente sacou Ricardo Galvão da diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, justamente pelo mesmo ter cumprido seu dever e alertado às autoridades sobre os índices.

Enquanto isso o ministro da Destruição Ambiental, Ricardo Salles, sugere ao presidente que se aproveite da situação na qual todos os holofotes estão voltados para a pandemia, para “passar a boiada”.  Quer dizer: acelerar a extração ilegal de madeira; legalizar a grilagem e o garimpo em terras indígenas; expandir a fronteira agropecuária à custa da devastação das florestas. O comportamento do ministro lhe rendeu operações da Polícia Federal e abertura de investigação autorizada pelo STF.

Infelizmente não há nada a comemorar nesta data. Mas ela deve simbolizar a necessidade dos segmentos e instituições comprometidos com a agenda ambiental a se integrarem ao esforço pela construção de uma ampla frente política, heterogenia, interinstitucional, suprapartidária, comprometida com a defesa da democracia e pelo fim desse governo. Assim como não existe futuro seguro e promissor para a classe trabalhadora, as mulheres, a juventude, as minorias em geral. Não há futuro seguro para o meio ambiente enquanto não mudarmos radicalmente o governo, substituindo-o por outro que internalize essa agenda e se comprometa com a sustentabilidade.

Wenceslau Junior é advogado, professor da Uesc e mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Unifacs, além de membro da Comissão Política Estadual do PCdoB, ex-vereador e ex-vice-prefeito e ex-secretário de Planejamento e Tecnologia de Itabuna.

Com seu estilo que desencobre belezas e dramas da cotidianidade, o escritor Rodrigo Melo nos transporta para um fim de tarde qualquer em 1976, em pleno 2021
Tempo de leitura: 5 minutos

Um dia, de frente pro espelho, do nada dei de procurar o sujeito que eu achava que era. Meia hora ali, em uma extenuante busca, e ele não estava lá. Em seu lugar, um quase estranho, feio e esquisito, desses que a gente sempre vê de relance e que nunca chega a saber verdadeiramente quem é.

Rodrigo Melo

Uruçuca é um remanso. Não há turistas com camisas floridas e protetores solar andando por suas ruas, muito menos hipsters com tatuagens e barbas cultivadas, nem surfistas, skatistas ou alpinistas, e acho que também nunca vi um policial em patrulha. Na verdade, lembro desse único que frequentava o dominó dos velhotes na praça, mas ele não usava arma nem colete e passava os dias por ali, fechando uma partida após a outra. Outro fato curioso é que uma boa parte da população, feito em várias outras cidades, não usa máscaras: os pontos cheios, o carrinho do pastel rodeado de gente, e todo mundo naquele esquema de conversar e soltar perdigotos sem parar. É como se a cidade tivesse parado em algum dia em 1976 e ainda continuasse lá, preservada em um tipo de inocência que não serve pra muita coisa, a não ser que o sujeito seja um enviado de Deus, tenha desistido ou esteja prestes a desistir. E era justamente desse jeito que eu andava, não como um enviado de Deus, mas parecido com um quase desistente, e até continuaria assim, não fosse essa ventura que veio através do que lá fora chamam de wake up cool ever – acho que é isso -, que significa, basicamente, uma chamada de consciência absoluta. Um dia, de frente pro espelho, do nada dei de procurar o sujeito que eu achava que era. Meia hora ali, em uma extenuante busca, e ele não estava lá. Em seu lugar, um quase estranho, feio e esquisito, desses que a gente sempre vê de relance e que nunca chega a saber verdadeiramente quem é.

Mas então eu estava com algumas sacolas de mercado nas mãos, caminhando até a banca de cigarros, quando, ao passar pela porta de um estabelecimento, alguém me chamou.

– ei – a mulher disse. – vem beber um copo comigo.

Devia ter uns trinta e poucos anos, cabelos castanhos escorridos, unhas pintadas, o vestido florido com uma das alças caindo. Tinha o rosto bonito. Estava sentada em uma das mesas, com um copo de cerveja à sua frente. Na fachada do bar, em cimento, o nome do supermercado Iguatemi.

– agora não posso – respondi. – Preciso resolver umas coisas.
– resolve depois.
– são urgentes.
– vou esperar você voltar – ela falou, dando um gole.

Não encontrei Hollywood na banquinha. Comprei um Broadway, que me deixa com um pigarro do caralho, e esperei o homem trocar o dinheiro. Depois fui até o carro, guardei as sacolas cheias de verduras, peguei a sanduicheira que quebrou com uma semana de uso e segui até a loja em que a havia comprado. O atendente disse que a garantia deles tinha expirado, mas que a empresa talvez trocasse por uma nova. Deixei a sanduicheira com ele e voltei para o carro. Bastava ligar o motor e voltar pra casa. Era simples, meia hora de estrada. Eu colocaria uma música boa e a viagem seria ainda mais rápida. Antes de ligar, no entanto, pensei na mulher. Era bonita. Estava mal cuidada, como muita gente, inclusive eu, mas manteve o sorriso largo e um brilho diferente nos olhos, feito esperança, embora também houvesse um tanto de desespero e de solidão. É isso o que os dias fazem com a gente, imaginei ela dizendo para alguém, ajeitando o cabelo castanho que caía sobre os olhos. Veio alguma coisa naquele momento, mas eu não sabia o que era. Nem tesão, nem simpatia. Acho que curiosidade. Saltei do carro, tranquei a porta e voltei.

Ela estava na mesma mesa, agora acompanhada de uma amiga, uma morena grande e larga que falava sem parar. As duas colocaram as máscaras, que estavam no queixo, quando entrei.
– sabia que ia voltar – ela disse.

Fui até a mesa ao lado da delas e me sentei.

– fiquei pensando na cerveja.
– Daiane, pega uma cerveja – ela disse pra amiga. – o homem aqui está com sede.
– isso aqui era um supermercado antes? – perguntei.
– parece que sim.
– e, agora, é um bar.
– um puteiro também.
– não tinha imaginado.
– tá na cara. quer ir lá atrás? Tenho um quarto.
– hoje não. vou ficar só com a cerveja.
– tá com medo de morrer…
– se estivesse, não me sentaria aqui.
– eu já me vacinei. Tenho pressão alta.
– não é isso. só quero beber a cerveja e ir pra casa.

Daiane voltou e colocou a cerveja nos copos, primeiro no delas e depois no meu. E nós começamos a conversar: sobre o calor da tarde, sobre uma amiga delas que estava intubada, sobre uma das músicas que tocavam na caixa de som. Eu às vezes fechava os olhos e me imaginava cantando a música, o efeito da segunda e terceira cervejas já batendo na porta, um náufrago se deixando levar pela corrente em busca de algo pra se segurar. Uma hora Daiane me encarou e disse:

– parece que você tá com a cabeça longe.
– Passei por um Wake up cool ever – disse -, e estava pensando no que tenho que fazer.
– que merda é isso?
– é quando a gente leva um susto, Daiane. E, depois desse susto, volta a se achar.
– levou susto, foi?
– alguns. Mas com todo mundo é assim.
– com todo mundo é assim – ela respondeu.

Daiane fez um brinde, vindo até a minha mesa e levantando o copo no ar. A outra, que se chamava Rosália, fez o mesmo e eu automaticamente fiquei de pé e levantei o meu. Todos com a porra da máscara no queixo. E, naquele momento, um pouco porque eu já estava meio bêbado, aqueles copos passaram a ser a extensão dos nossos corpos e eles se encontraram e permaneceram por alguns segundos juntos, o barulho do vidro a tilintar naquela comunhão, em plena pandemia, em um puteiro com o nome de supermercado iguatemi. Olhei para a rua e, de onde estava, pude ver o sol começar a se pôr, o sol de Uruçuca, uma panela de ouro a reluzir sobre o teto das casas, e permaneci por um instante em silêncio, observando o céu mudar de cor, ficando abóbora e cor de rosa, depois roxo e azul, até que enfim o sol se transformou em uma pequena curva branca no horizonte e o céu ficou escuro e a noite chegou. Eu nunca as tinha visto, mas não importava. Era como se estivesse entre amigos, gente que se entendia porque se conhecia há muito tempo, mesmo sem lembrar, e eu só precisasse ficar mais um pouco ali. Ou, foi o que pensei na hora, era também como se nós três, eu, Rosália e Daiane, tivéssemos de alguma forma burlado o tempo e de repente voltado a qualquer fim de tarde em 1976.

Rodrigo Melo é escritor; publicou Jogando dardos sem mirar no alvo (Mondrongo, 2016), O sangue que corre nas veias (Mondrongo, 2013), Enquanto o mundo dorme (Penalux, 2016) e Riviera (Mondrongo, 2020). 

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Há 14 meses, deixamos de lado nossas famílias, enfrentamos o vírus com todas as nossas forças, abrimos mão de nossa vida, e quantos colegas já vimos nos deixar enquanto lutavam pela vida do próximo… Mas, temos vacina. E, se temos, vamos vacinar!!!

Domilene Borges

Começo meu apelo hoje com essa frase, recebida por um amigo também Coordenador de Núcleo, em um dos nossos vários momentos de desabafo e consolo frente a todas as dores das perdas e dificuldades enfrentadas nessa batalha.

Vivemos um cenário cada dia mais preocupante. Dias difíceis, duros, tristes.

Hoje, temos na Bahia 1.025.987 casos confirmados de COVID 19, 4.620 nas últimas 24 horas.

Assistimos uma mudança no cenário da dinâmica do vírus.

Analisando os dados apresentados pela DIVEP/SESAB na última reunião da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) no último dia 02/06/2021, podemos observar claramente que entre os meses de janeiro a maio, o número de casos confirmados tem aumentado nas faixas etárias compreendidas entre 20 a 59 anos. Da mesma forma, comparando-se o número de óbitos no mesmo período, constatamos que os mesmos aumentaram principalmente entre as pessoas com idade entre 30 a 59 anos.

Isso reflete de certa forma o impacto da vacinação na população idosa, mas também nos mostra a necessidade de continuar a nos cuidar. O vírus está acometendo as pessoas mais jovens, a classe economicamente ativa e que precisa, na maioria das vezes, se deslocar para garantir o sustento da família.

Diante dessa nova dinâmica, ainda que com pequenas quantidades de doses disponíveis, os Secretários Municipais de Saúde, juntamente com os representantes do Governo do Estado que participaram da reunião extraordinária da última CIB, decidiram estender a vacinação para a população de 18 a 59 anos sem comorbidades, paralelamente à vacinação dos grupos prioritários. Decisão essa que demonstra a preocupação de todos aqueles que estão na linha de frente há 14 meses e que luta incansavelmente pela vida.

Falando um pouco da nossa região, Sul, cursamos hoje com 74% de ocupação nos leitos clínicos COVID adulto e 81% nos leitos de UTI COVID adulto. Em relação aos leitos COVID pediátricos, hoje, tanto os clínicos quanto os de UTI cursam com uma ocupação de 100%.

Temos 144.806 casos confirmados e 3 municípios da nossa região que cursam entre os 10 do Estado com maior número de óbitos por residência – Itabuna (595), Ilhéus (483) e Jequié (320).

Em relação à vacina, contamos hoje com 91,8% das doses recebidas e destinadas à primeira dose já aplicadas, e 85,5% das segundas doses também já administradas. Acompanhamos o empenho dos municípios em imunizar a população, mas precisamos intensificar ainda mais as ações. Não podemos perder oportunidades, não podemos abrir mão de fazer chegar doses à população tão sofrida, ainda que, para isso, tenhamos que abrir mão de datas como feriados ou finais de semana. Estamos numa guerra, somos soldados e protagonistas nela e não podemos baixar guarda. Sei que não é fácil, não está sendo para ninguém. Há 14 meses, deixamos de lado nossas famílias, enfrentamos o vírus com todas as nossas forças, abrimos mão de nossa vida, e quantos colegas já vimos nos deixar enquanto lutavam pela vida do próximo… Mas, temos vacina. E, se temos, vamos vacinar!!!

Todas as perdas importam, e doem! Hoje já são 21.512 baianos que não estão mais entre nós.
É momento de reflexão, de amor ao próximo, compartilhamento de responsabilidades e proação. Precisamos proteger quem amamos.

Os cuidados continuam sendo fundamentais. Usem máscara, evitem festas e aglomerações. Estamos fazendo a nossa parte, mas precisamos de VOCÊ!

Que nunca nos falta fé. Vamos resistir e nunca desistir! Vamos vencer!

Domilene Borges é coordenadora do Núcleo Regional de Saúde Sul da Sesab.

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Em Resposta, Nando escreveu “ainda lembro o que eu estava lendo / só pra saber o que você achou/  dos versos que eu fiz / e ainda espero resposta”. Ele queria um perdão. Ela nunca respondeu. E sei lá, hoje eu resolvi que iria falar de AMOR…

Manuela Berbert 

Estava refletindo sobre a velocidade das redes sociais e da notícia, a quantidade de fake news gerada incessantemente e tentando, no meio dessa atribulação mental toda, esquematizar a linha de trabalho da equipe de comunicação que está me acompanhando em uma nova fase à qual estou embarcando. É que é tudo tão rasteiro que se a gente não se percebe, embarca em um efeito dominó de sentimentos dúbios e chega lá no final do dia exaurido, se perguntando. “Eu tive um dia ruim por qual razão, mesmo?”, sem se dar conta que foi lá naquele Bom Dia lotado de desaforos morais e políticos na palma das mãos.

Sei lá se estou certa ou errada, mas quero falar do que é bom! Mostrar o que vale à pena da vida e da Bahia! Perpetuar no espaço o que vale o nosso tempo de verdade! “Talvez seja a hora de tirar de cena os textos mais pessoais, que me afastam da Manu jornalista e me conectam diretamente com uma mulher mais sensível que nem sempre gosto de mostrar ao mundo”, pensei, naquela caminhadinha matinal marota no país Itabuna, ao redor do Rio Cachoeira. Mas sei lá, numa pandemia, onde nada faz muito sentido, tudo anda fazendo mais sentido ainda.

Cheguei em casa, abri as redes sociais e me deparei com uma pessoa contando que Nando Reis teria escrito a música Resposta após o termino de seu relacionamento com Marisa Monte, meio inconformado com o fim do romance e das suas ligações profissionais. Eles eram, além de namorados, parceiros musicais, e Nando enviava suas letras para que ela desse sempre uma olhadinha. Várias partes da canção fazem menção à artista e ao que viveram, como a citação de Ainda Lembro, que é um dos grandes sucessos de Marisa. Em Resposta, Nando escreveu “ainda lembro o que eu estava lendo / só pra saber o que você achou/  dos versos que eu fiz / e ainda espero resposta”. Ele queria um perdão. Ela nunca respondeu. E sei lá, hoje eu resolvi que iria falar de AMOR…

Manuela Berbert é publicitária e edita o manuelaberbert.com.br