Mural resume trajetória do professor Arléo Barbosa na entrada da nova escola || Foto Pimenta
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“Entregamos para a juventude uma obra ímpar, maravilhosa e queremos ver brilhar, nos olhos e sorrisos daqueles estudantes que ali estavam, a luz de um futuro melhor, mais digno, em uma sociedade mais justa e feliz”.

Julio Gomes e a ministra Ana Moser na inauguração do Colégio Arléo Barbosa

Julio Gomes

Quinta-feira, 23 de março de 2023. A agitação era grande e totalmente incomum na Barra do Itaípe, próximo ao local onde um dia já funcionou o antigo Centro Social Urbano (CSU), em Ilhéus. Havia muita polícia e bombeiros, mas não se tratava de crime nem acidente. É que, no início de uma tarde ensolarada, fazia-se a inauguração e entrega do Colégio Estadual de Tempo Integral Professor Carlos Roberto Arléo Barbosa.

Além de novo, grande, limpo, inovador e muito bonito, o Colégio também fazia uma justíssima e mais do que merecida homenagem ao educador Professor Arléo, mestre de várias gerações de ilheenses, professor brilhante e cuja vida se voltou para a Educação de forma exemplar. Tive a honra de ser seu aluno na Uesc e posso dar testemunho disto pessoalmente, sem medo de errar.

O Colégio surpreende porque, além da concepção moderna das salas de aula, dos laboratórios de química e de anatomia humana, da sala de informática, do teatro com toda a estrutura para quase 200 pessoas sentadas e de todos os demais espaços que se espera encontrar em uma escola de primeira qualidade, há também um notável aparelhamento para o desenvolvimento da cultura e do esporte, o que justificou a vinda para sua inauguração de ninguém menos do que a ministra dos Esportes, Ana Moser, ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira, que já representou nosso país em Olimpíadas e campeonatos mundiais, trazendo para nós inúmeras conquistas e medalhas.

Estudante observa piscina do Colégio Arléo Barbosa || Foto Pimenta

Dotado de piscina semiolímpica, quadras poliesportivas, espaços para dança e lutas, campo de futebol soçaite, minipista de atletismo e restaurante estudantil, o espaço surpreende pela grandeza e possibilidade de prática esportiva e de interação com a comunidade, apontando para um novo modelo de educação, que só pode existir com o amparo e presença do Estado subsidiando o alto custo de investimento e manutenção de todo aquele complexo voltado para a Educação.

Durante toda a inauguração festiva em que governador do Estado, Jerônimo Rodrigues (PT), ministra e toda a comitiva de deputados, prefeito e autoridades passearam exaustivamente pelo novo Colégio, não pude deixar de lembrar também de companheiros de lutas sociais e políticas já falecidos que, com absoluta certeza, sentiriam o maior júbilo se ali pudessem estar presentes.

Dr. José Carlos Ribeiro, Ruy Carlos de Carvalho, Adeilton “Tutuca”, Antônio Mendes e Jorge Luís do PSOL são alguns dos nomes que lembrei naquele momento, pensando no saudável orgulho que lhes traria presenciarem ver tudo aquilo ser entregue à juventude que mais precisa, aos filhos e filhas das periferias e dos morros, podendo perfeitamente incluir também os jovens de classes sociais mais bem situadas em nossa sociedade.

Pensei nos anos de luta como petista, nas reuniões sem fim, por vezes causticantes e até ácidas, em todas as dificuldades que enfrentamos e nos preconceitos que ainda são jogados cotidianamente sobre nós, por sermos democratas, progressistas, socialistas, de esquerda, e me vem à mente: que nada disso nos abata!

Campo e pista de atletismo da nova escola de Ilhéus || Foto Pimenta

Entregamos para a juventude uma obra ímpar, maravilhosa e queremos ver brilhar, nos olhos e sorrisos daqueles estudantes que ali estavam, a luz de um futuro melhor, mais digno, em uma sociedade mais justa e feliz, onde a instrução faça superar os preconceitos e onde a formação com amor vença o medo e o ódio. Viva a Educação!

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

Após ser campeão da Série B, Itabuna ficou em terceiro no Baianão de 2023, apesar da arbitragem
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Esperemos que a diretoria continue no esforço e consiga manter uma equipe aguerrida e preparada para derrotar as jogadas extracampo que, por certo, teimarão em dar o ar da graça (totalmente sem graça) nos próximos certames.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Bastou o “Meu time de fé”, agora chamado de “Dragão do Sul”, se soltar dentro das quatro linhas dos campos baianos para incomodar uma legião de personalidades, chamadas, por engano, de desportistas. Foi pinote pra tudo quanto é lado, principalmente pras bandas de Salvador, pois não gostaram do assanhamento dos meninos vestidos de azul e branco pra cima deles, como se fosse proibido dar um chute na hegemonia soteropolitana.

Em 2022, o Itabuna Esporte Clube volta aos campos baianos, dá uns dribles desconcertantes e se sagra campeão baiano da série B (reveja aqui). Até a disputa final foi parar na justiça, como se a vitória mais bonita não fosse em campo, com jogadas alegres, algumas delas convertidas em gol para o delírio da torcida vencedora. Contra tudo e contra (quase) todos, venceu e convenceu.

Relembrando 53 anos passados, a modesta equipe do Itabuna, porém compromissada com o bom futebol, tem o desplante de baixar, saravá, e incomodar, vencendo, seguidamente, os adversários. Foi como mexer num vespeiro. Sem quê nem pra quê, a surpresa dos adversários se transformou em ameaça, não de violência dentro e fora de campo, mas da soberania no futebol baiano.

Entra ano e sai ano, o Campeonato Baiano é aquela mesmice, com Bahia e Vitória disputando as finais, uma ou outra ganhando, às vezes, por anos seguidos, salvo algumas intromissões de pouquíssimos clubes do interior. Acredito, até, que o culpado foi o próprio time do Itabuna, empolgado com a vitória do campeonato da série B, resolveu “meter o ferro na boneca”, como dizia França Teixeira.

Foi só mexer nos brios dos velhos caciques que a maré começou a ficar “caroçuda” e elementos estranhos ao (bom) futebol passaram a interferir nos resultados. E isso já era esperado pelos mais antigos, ou experientes, como manda a regra do politicamente correto. Também foi muito atrevimento um time do interior, hibernando por longos anos, acordar para o futebol de vitórias.

Na realidade, se os meninos do Itabuna chegassem de mansinho, comendo o mingau pelas beiradas, não despertaria tamanha ira dos dominantes, e como na capoeira, ao final, aplicasse um asfixiante, uma ponteira, deixando o adversário estendido ao chão. Às vezes acredito que a culpa tenha sido do técnico que orientou “mal” os seus atletas incitando-os a ganhar todos os jogos.

O Itabuna pensava que era quem? A seleção amadora de Itabuna da década de 1960, que vencia e convencia, não se importando nem mesmo com os árbitros? Pois é, esse tempo já passou e hoje para se formar um time vencedor custa muito dinheiro, depende de investidores, que somente colocam seus recursos para colher os resultados, de forma imediata. É toma lá, dá cá.

Não sou um especialista em futebol, apesar de ter trabalhado na comunicação esportiva. Muito menos do Itabuna, do qual sou apenas fiel torcedor. Mesmo de fora, acompanhei como pude a formação do time, modesto mas aguerrido. Sempre estava atento aos jogos, acompanhando em canais no YouTube. A cada jogo analisava a coragem da diretoria em formar uma equipe após 12 anos fora do campeonato baiano da série A.

Barreiras por toda parte, a começar pela falta de estádio para treinar e mandar seus jogos junto de sua torcida, sem falar na contratação da comissão técnica e jogadores e a manutenção de toda a estrutura. Pensando nisso, vinha à memória o Itabuna Esporte Clube mantido pelos cacauicultores, pecuaristas, industriais e comerciantes, isso há cinco décadas. Os tempos são outros.

Em cada jogo que assistia me vinha à mente os jogadores do passado e os atuais, cuja comparação não pode mais ser feita, haja vista – também – a qualidade dos adversários. E me perguntava se não seriam válidas nos treinos as presenças de jogadores como Carlos Riela, para mostrar como desarmava o adversário e construía uma jogada; e de Bel (Abelardo Moreira), que posicionado frente a nossa defesa dava um passe certeiro na cabeça do centroavante, posicionado na área adversária, para finalizar com um gol.

Mas tudo tem seu tempo, os mais experientes param pela ação dos anos e aos novos ficam a obrigação de fazer um futebol melhor, dar a alegria aos torcedores sempre que colocar a bola no fundo das redes adversárias. Se pensamos assim para os que se posicionam dentro de campo, esperamos que comportamento igual seja destinado aos que mandam no futebol. Ou será uma simples utopia?

Parabéns ao Itabuna que continua no campeonato baiano da série A, disputará o campeonato brasileiro da série D e ainda participará da Copa Brasil. Mas como o calendário cheio é em 2024, esperemos que a diretoria continue no esforço e consiga manter uma equipe aguerrida e preparada para derrotar as jogadas extracampo que, por certo, teimarão em dar o ar da graça (totalmente sem graça) nos próximos certames.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Americano perfilado com os demais jogadores do grande Itabuna de 1970
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“No Itabuna Esporte Clube, Americano foi um jogador preponderante dentro e fora de campo, tanto nas boas fases financeiras do clube, como nas piores”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

O itajuipense Arnaldo Santos de Carvalho detestava futebol. Ele gostava mesmo era de basquetebol e voleibol. O problema era que todos os seus amigos ilheenses viviam o futebol e Arnaldo teve que tomar uma decisão: Ou se isolaria dos amigos ou aderiria ao famoso esporte bretão, que encantou e encanta os brasileiros. Resultado, optou pelo futebol, ao qual se dedicou por longos 30 anos, como jogador e treinador.

Você não se lembra do Arnaldo? Claro que conhece! Arnaldo era quando detestava o esporte querido dos brasileiros. Mas, com certeza, quando falamos de futebol em Ilhéus, Itabuna e até Salvador, todos lembrarão de Americano, zagueiro e meio-campista. Fora das quatro linhas foi treinador do Ilhéus Esporte Clube, já num período conturbado do futebol profissional do sul da Bahia.

Um craque que reunia todas as boas qualidades técnicas e físicas. Esse era o Americano, que realizava seu trabalho com bastante seriedade, daí ser considerado um líder nato nos clubes pelos quais passou. Desde cedo não gostava muito de treinar, o que passou a fazer com afinco para melhorar seu rendimento dentro de campo e demostrar aos colegas a necessidade de se tornar um profissional exemplar.

Americano começou a jogar pelo Flamengo de Ilhéus em 1961, considerado o período mais florescente do futebol, época em que o Brasil se tornou bicampeão mundial, o que não era diferente na região, principalmente em Itabuna e Ilhéus. Também passou pelo Colo-Colo de Ilhéus, Itabuna Esporte Clube e Vitória de Salvador. Como jogador profissional, Americano foi pretendido por clubes do Rio de Janeiro e São Paulo, porém nunca se interessou em ter o futebol profissional como primeira atividade.

Em suas frequentes análises, Americano comentava que, com a recessão no futebol nacional, houve um desgaste muito grande dos dirigentes, agravada, ainda mais, com a crise financeira, impedindo a descoberta de novos valores. Ele citava como exemplo o futebol de Ilhéus, que, apesar de possuir times, era um mercado pequeno para a garantir a sobrevivência de três equipes profissionais.

Em suas críticas, creditava essa derrocada à insistência do presidente da Federação Bahiana de Futebol, Carlos Alberto Andrade, que encantava com sua poderosa lábia os dirigentes do sul da Bahia. E assim os cartolas de Ilhéus e Itabuna resolveram remar contra a maré. Ele mesmo era contra, porém foi voto vencido, pois defendia um único clube, e que poderia se estabelecer como uma força da cidade praiana.

Americano sempre defendeu a profissionalização do futebol do interior, mas era contra a realizada sem critérios ou infraestrutura e que provocou uma verdadeira “chacina de valores”, impedindo o aparecimento de novos craques. Ele dizia que a partir do profissionalismo, ninguém mais se interessava pelo futebol amador. E era justamente o futebol amador quem formava e alimentava as equipes profissionais.

E Americano lembra que, ainda garoto, todos de sua idade se espelhavam em craques como Pelé, Garrincha ou Didi, em nível nacional, ao mesmo tempo em que tinham como ídolos os jogadores de sua cidade. Ele mesmo citava os seus, a exemplo de ‘Pelé Cotó’, Esquerdinha (Eduardo) ou Bebeto, que foi seu grande professor. “E hoje os garotos vão se espelhar em quem?”, perguntava.

No Itabuna Esporte Clube, Americano foi um jogador preponderante dentro e fora de campo, tanto nas boas fases financeiras do clube, como nas piores. Sempre exercia sua liderança e encontravam o caminho para seguir em frente. Nos tempos das “vacas magras” de 1970, era um verdadeiro paredão do Itabuna Esporte Clube, que apesar das situações adversas se tornou vice-campeão baiano.

Como treinador, Americano defendeu o Ilhéus Atlético Clube, nos anos de 1990 e 91, época em que revelou uma série de craques que ele considera uma nova geração de valores, como Cenildo, Nazaré, Cocada, Bico de Pato, Solteiro, José Alberto, dentre outros. E esses jogadores vieram da escolinha do professor Manoel Renato, um obstinado profissional que mudou a realidade social e esportiva em Ilhéus.

Americano nunca deixou de comentar que sua passagem como treinador do Ilhéus Atlético Clube trouxe recordações boas e amargas. As boas, ele destaca a geração de novos valores e, as amargas, a atitude dos dirigentes da Federação Bahiana de Futebol, que ludibriou os ilheenses, acabando com todos os estímulos aos amantes dos jogadores e do bom futebol.

E Americano ressalta o nível de dirigentes daquela época, a exemplo de Francisco Rebouças, do Itabuna; e Gutemberg Cruz, do Ilhéus. Ele ainda sonhava que poderiam ser revelados craques como Ivo Babá, Vilson Longo, Manequinha, Deco ou Bebeto. Arnaldo Santos de Carvalho, Americano, craque de bola, violonista clássico, funcionário do Detran e advogado, nasceu em 18 de julho de 1934, em Itajuípe e morreu em 03 de outubro de 2010, em Itabuna.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Ônibus lotado, no desenho de Marina R. Machado, de 12 anos
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“Um milagroso projeto de lei pretende implantar a obrigatoriedade do cinto de segurança, mesmo nos ônibus que permitem passageiros em pé”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

O que deveria ser um tema sério é tratado como vulgaridade, futilidade, desrespeito à segurança e à dignidade humana. E o palco é a Câmara Federal, em Brasília. Pasmem, o projeto mistura alhos com bugalhos e tentaria dar segurança a uma parte dos milhares de passageiros de ônibus urbanos, relegando outra parte ao Deus dará, ao infortúnio que lhes cabe no latifúndio do injusto transporte público brasileiro.

Se por um lado, a lei diz que é obrigatório o uso de cintos de segurança em veículos, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, uma exceção foi colocada para salvar a legislação e diz: onde se é permitido viajar em pé, ou seja, nos malfadados ônibus urbanos, pode, está tudo liberado. E a questão segurança desce esgoto abaixo, num confronto à norma constitucional que declara igualdade entre os seres humanos em toda a nossa pátria.

E a justificativa é a mais estapafúrdia, explicando que se não for permitido passageiros em pé, o serviço seria caríssimo e impraticável, pois o número de veículos passaria para mais que o dobro. Pior, ainda, é que o motorista não poderia dar partida no veículo antes que o passageiro estivesse devidamente sentado. Também, o passageiro, ao pedir para descer no ponto, somente poderia sair do assento após a parada e a consequente retirada do cinto de segurança. Uma pérola, beira ao caos organizado.

Mas, agora, um milagroso projeto de lei pretende implantar a obrigatoriedade do cinto de segurança, mesmo nos ônibus que permitem passageiros em pé. Se lhes parece estranho, vejam a justificativa do parlamentar José Nelto (PP/GO), no Projeto de Lei 2515/2022, para alterar o Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo o cinto de segurança como equipamento obrigatório nos assentos preferenciais, de passageiros, do motorista e cobrador dos veículos de transporte coletivo.

A justificativa do deputado goiano é que, quando houver assentos disponíveis dentro desse meio de locomoção, é de suma importância que haja cinto de segurança, já os demais que não obtiverem uma cadeira dentro do transporte coletivo, finalizarão o percurso em pé, como já é de costume. Vale salientar que não há motivo para que o cobrador e o motorista não usem cinto de segurança, tendo em vista que tal medida assegurará um possível acidente de trabalho.

Em razão do já exposto, continua a justificativa: “tal medida beneficiará idosos que já não possuem tanto preparo e força física necessária para utilizar esse tipo de meio de locomoção, como também auxiliará mães e suas respectivas crianças que dependem desse tipo de transporte para se locomover”. Aos que costumeiramente utilizam o transporte público de passageiros, resta uma pergunta: o deputado já andou em um desses ônibus?

Acredito que não, do contrário não continuaria a justificativa com outras baboseiras, tais como a que se segue: “dessa forma, a presente proposição tem como finalidade instituir tal acessório de enorme e comprovada importância, sem nenhum prejuízo aos passageiros, levando em consideração que aqueles que não conseguirem se assentar, finalizarem a corrida em pé como já feito cotidianamente”. Melhor seria que o desconhecido parlamentar tivesse permanecido calado. Ganharíamos muito com o silêncio do deputado.

Pelo exposto no absurdo projeto, realmente, o parlamentar não tem ou teve, bem como seus assessores, a menor intimidade com um ônibus urbano, notadamente nos horários de maior movimento. Nunca pegou uma fila num ponto ou terminal, jamais viu passageiros viajando pendurados nas portas (abertas, por sinal), muito menos o que acontece quando o motorista aplica um freio de arrumação.

Nem por sonho sabe, ou por ouvir dizer, que os assentos preferenciais foram selecionados nos ônibus para o uso dos mais espertos, dos que chegam mais cedo e se abancam sem qualquer respeito ao que diz a lei, e muito menos aos idosos, gestantes e outros que deveriam ser beneficiados. Mesmo que reclamem, por direito, seus lugares, os infratores não dão a mínima, pois fingem sono profundo, embora não seja o dos justos.

Não creio que o minúsculo e inexpressivo projeto consiga chegar ao plenário, mas será incluído no currículo do inusitado parlamentar e divulgado pela imprensa e campanhas políticas, como prova de seu suado trabalho. Já os que sacolejam diariamente nos ônibus terão melhor sorte, pois se já estão excluídos sem o projeto de lei do deputado José Nelto, continuarão sem causar nenhuma dó ou piedade aos nossos ilustres parlamentares.

Pegando uma carona nesse inexpressivo projeto, relato aqui o acontecido comigo dias recuados, ao embarcar num ônibus da Rota em Feira de Santana com destino a Senhor do Bonfim. Para comprar a passagem, tive que apresentar uma série de documentos e cartão de crédito. No embarque, só faltaram me exigir a certidão de batismo e de óbito, mas, enfim viajei.

Tratamento igual não foi dado aos que paravam o ônibus no meio da rodovia e embarcavam apenas pagando, em reais, moeda nacional, sem as outras exigências a mim cobradas. Lotação esgotada nas poltronas, os viajantes em pé não era alertados pelo motorista – ao contrário de nós – pela falta de uso do cinto de segurança e ainda se recostavam em nossos assentos, alguns sentando-se nos braços das poltronas.

Faltavam educação e fiscalização. E ninguém, sequer, cobrou a segurança. Fineza quem conhecer o deputado José Nelto, autor de diversos projetos, aconselhá-lo a desistir desse infrutífera empreitada. Quem sabe, mudar o foco para que o brasileiro possa ter um transporte digno pode até ter sido uma boa intenção, seria uma proposição relevante, o que não é o caso em questão.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Jorge e Bernadete em ato no Dia da Mulher em Ilhéus, em 2020
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“Ao longo de toda a sua trajetória, Jorge manteve a inquietude política e a busca permanente por melhores condições de vida para o povo ilheense”.

Bernadete Souza

Faleceu na madrugada de hoje (9), em Ilhéus, o companheiro Jorge Luiz, presidente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no município. Perdemos um companheiro dedicado à luta dos trabalhadores e trabalhadoras por uma vida digna e livre da exploração capitalista.

Dirigente sindical da categoria dos funcionários públicos federais, iniciou a militância partidária no Partido dos Trabalhadores, antes de trabalhar pela construção do PSOL em Ilhéus.

Ao longo de toda a sua trajetória, Jorge manteve a inquietude política e a busca permanente por melhores condições de vida para o povo ilheense. Socialista combativo, também fez da vida testemunho de solidariedade e cuidado com todos e todas.

Fez a passagem depois de uma vida de lealdade e amor. Camarada bom de diálogo, concluiu sua jornada nessa existência e segue seu caminho de luz. Que Oyá Iansã cuide de seus novos caminhos, e Oxalá te proteja e a sua descendência. Obrigado, irmão, por ter estado entre nós.

Jorge Luiz, presente, presente, presente!

Bernadete Souza é ialorixá, especialista em Agroecologia pela USP e dirigente do PSOL na Bahia.

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Hoje, o melhor presente que a sociedade pode oferecer a nós, mulheres, é reconhecer nossos corpos e vidas como territórios políticos, fazer ecoar nossas vozes e se unir às nossas lutas.

Aline Setenta

Ao contrário do que foi difundido durante muito tempo, o Dia Internacional da Mulher comemorado hoje (8) não tem vinculação apenas com um incêndio numa fábrica norte-americana. A data teve alguns eventos relacionados à sua origem até ser oficialmente reconhecida pela comunidade internacional. Sua origem mais remota está relacionada a uma manifestação de trabalhadoras ocorrida em 1910 na cidade de São Petersburgo, na Rússia, por melhores condições de vida.

De acordo com a socióloga Eva Alterman Blay, a proposta para marcar um dia de mobilização nasceu no âmbito do Partido Comunista da Alemanha, com as operárias comunistas sufragistas, como consolidação das lutas que se iniciaram na virada do século 19 para o século 20, na Europa e nos Estados Unidos. A ideia de um dia de mobilização foi proposta inicialmente por Clara Zetkin, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em 1910, em Copenhague, capital da Dinamarca. Nesse momento ainda não havia a definição de uma data específica.

Em 25 de março de 1911, um incêndio na fábrica da Companhia de Blusas Triângulo, em Nova York, vitimou 125 mulheres e 21 homens que estavam submetidos a condições degradantes de trabalho. Apesar desse evento específico ter sido identificado como a origem do Dia da Mulher, não foi o único, segundo a pesquisadora.

Outro evento histórico, considerado por Blay como mais importante, foi a greve organizada por trabalhadoras russas do setor de tecelagem, no dia 8 de março de 1917, quando cerca de 90 mil operárias protestavam contra as más condições de trabalho, a fome e a participação do país na Primeira Guerra Mundial.

Mulheres reivindicam pão e paz na São Petersburgo revolucionária de 1917 || Foto Domínio Público

Oficialmente, o 8M somente surgiu em 1975, quando a ONU estabeleceu o Ano Internacional da Mulher para lembrar suas conquistas políticas e sociais. Apenas em 2010 foi criada a ONU Mulheres e sua agenda se destacou no âmbito institucional, do Direito Internacional e dos Direitos Humanos.

Nos seus 48 anos de existência, o “Dia da Mulher” vem sentindo os efeitos do avanço dos movimentos feministas ao redor do mundo. Assim como algumas pautas feministas, o 8M ganhou espaço no mainstream e foi apropriado pela mídia hegemônica, provocando um esvaziamento de seu sentido original. Certamente, a popularização da data não tem apenas efeitos negativos, entretanto, a recuperação de seu sentido é fundamental para o avanço da garantia dos direitos das mulheres – e há muito por onde avançar.

O 8M não tem em sua gênese a celebração, não é uma data comemorativa, é um dia de mobilização e reinvindicação política das mulheres por igualdade de direitos. Certamente, as pautas das feministas europeias da primeira onda ganharam espaço na agenda internacional ao longo do tempo, houve avanços na positivação dos direitos, entretanto, há muitas lutas a serem reconhecidas. Será que dá pra comemorar “ser mulher” num mundo e num país tão injusto para elas? Será que é coerente parabenizar as mulheres brasileiras num dos países mais violentos do mundo para as mulheres e meninas?

Por certo, as mulheres que nos antecederam nas lutas que deram origem ao 8M não representam mais a diversidade das mulheres do mundo nem o cruzamento das opressões e dos esquemas de exclusão que interferem nas estratégias de luta e na garantia de direitos, especificamente no caso do Brasil.

Se há algo a ser celebrado, é a ampliação e os desdobramentos dessas lutas e o protagonismo das mulheres historicamente excluídas dos espaços políticos, como é o caso das mulheres negras e indígenas brasileiras. Audre Lorde, feminista negra, nos alerta: “não serei livre enquanto outra mulher for prisioneira, ainda que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.

Ser uma mulher no Brasil, olhando para os últimos dados da violência doméstica, para a realidade socioeconômica das mulheres negras e periféricas, para a divisão sexual do trabalho, para a LGBTQIA+ fobia, para o abuso sexual infantil, a cultura do estupro, a misoginia em avanço nas redes sociais, nos convoca ao retorno ao sentido político desse dia.

8M é dia de reconhecer a importância política dos movimentos feministas, ouvir as vozes das mulheres historicamente silenciadas, consolidar, legitimar e garantir o lugar das mulheres na política e combater todas as formas de preconceito e discriminação em razão de gênero, classe, raça e diversidade sexual.

À todas as mulheres e meninas na linha de frente, nas trincheiras das lutas políticas, em todos os cantos desse país, assim como àquelas que deram origem a esse dia, que resistem duplamente às opressões e aos desafios da construção e permanência nos espaços políticos, que têm seus corpos violentados e violados por serem mulheres, minha homenagem, meu reconhecimento e minha solidariedade.

Hoje, o melhor presente que a sociedade pode oferecer a nós, mulheres, é reconhecer nossos corpos e vidas como territórios políticos, fazer ecoar nossas vozes e se unir às nossas lutas.

Aline Setenta é professora de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).

Jogadores de Canavieiras no registro do duelo contra Belmonte, em 1960 ||
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“Foram quinze dias de treinamento tático e físico. Seria agora ou nunca quebrar o tabu de uma década de maus resultados. E os canavieirenses partiriam pro tudo ou nada”.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Imaginem o clima de rivalidade no futebol entre duas cidades-irmãs (ou mãe e filha, como queiram), a exemplo de Itabuna e Ilhéus, ou entre dois países “hermanos”, do tipo Brasil e Argentina…não queiram nem pensar! Pois aqui, no Sul da Bahia, tem jogos mais acirrados quando os contendores são os selecionados de Canavieiras e Belmonte, cidades que têm muitas afinidades, digo mais, parentescos.

Se a partida for disputada em Belmonte, no estádio Orlando Paternostro, então, o buraco é mais embaixo, como dizem na gíria. E as dificuldades para esse jogo envolvem um planejamento diferente, como se os dois times fossem se enfrentar numa guerra. E era! A começar pelos preparativos, que requeriam muito estudo sobre a maré que permitiria viajar tranquilamente pelos canais que cortam o imenso manguezal.

E essa etapa a ser cumprida era por demais importante, pois a maré baixa era uma ameaça de interrupção da viagem e qualquer dos dois poderiam tomar um WO, mesmo que não fosse um jogo valendo pelo campeonato intermunicipal. E explico: caso a maré permitisse, viajariam no mesmo dia do jogo, para evitar as manifestações contrárias da torcida belmontense, conhecida pelo fanatismo. Do contrário, teriam de ir no dia anterior.

Em 1960, como conta o ex-jogador João Xavier, a Seleção de Canavieiras estava há 10 anos sem conseguir vencer o selecionado belmontense. Já era considerado um tabu difícil de ser batido, dito e conhecido como freguês de carteirinha. E nessa condição, os dirigentes de Belmonte convidaram os canavieirenses para disputar uma partida superimportante, que marcaria a reinauguração do Estádio Orlando “Setentão” Paternostro.

Desafio aceito, a Seleção de Canavieiras se prepara para o jogo do século, prometendo quebrar o tabu de uma década de derrotas e empates. E aqui, vale a pena salientar, que belmontenses e canavieirenses são grandes amigos, parentes, desde a fundação das duas cidades, quando por aqui chegaram os portugueses, franceses, italianos e escolheram em qual foz dos rios Pardo ou Jequitinhonha fincariam moradia.

Fora do futebol, os moradores das duas cidades se completavam, mas ao anunciarem uma partida entre eles, o clima esquentava. E uma partida para reinaugurar o importante estádio ficaria na história da cidade. E não era pra menos, seriam lembrados eternamente, com placa de bronze com os nomes de dirigentes, jogadores e o placar vencedor em letras garrafais na placa inauguratória.

E pela qualidade dos seus jogadores, Belmonte tinha direito a sonhar alto. Quem ousaria desafiar uma seleção com os goleiros Padre, Edmílson e Urbano, além de Carlos Gama, Carioca, Arcanjo Cara de Osso, que depois jogou no Vitória da Bahia, Sandoval, Herculano, Totônio, Porto Seguro, Diniz, Cabo Jorge, que jogou no Galícia e Ypiranga, Edílson e Lubião? Todos presididos pelo aviador Nena Lapa.

A Seleção de Canavieiras não ficava atrás, pois era formada por craques de primeira, agora reforçada pelo bancário e craque João Xavier, e Bené, um garoto que viria a fazer muito sucesso no Botafogo Carioca com o nome de Canavieira. Foram quinze dias de treinamento tático e físico. Seria agora ou nunca quebrar o tabu de uma década de maus resultados. E os canavieirenses partiriam pro tudo ou nada.

No dia da viagem apareceram no porto grande para pegar a lancha os jogadores Gilvan, Nondas, Leto, Chico, Talminho, Natal, Teotônio, Xavier, Super Coelho, Jorge, Bené (Canavieira), Duzinho, Pequeno, Cavaquinho, Miruca, dentre outros que a memória falha. A primeira baixa apareceu logo no porto, com o goleiro reserva incapacitado para viajar, tudo por conta da farra na noite anterior.

Como não tinham tempo para convocar outro goleiro, tentaram a sorte levando apenas Chico. Sabedores do ponto fraco de Canavieiras, os jogadores de Belmonte não contaram conversa até tirar o goleiro Chico de campo, com uma grande pancada na perna, após marcarem um gol. E agora, quem substituiria Chico? E a escolha recaiu sobre o centroavante Cavaquinho, um craque que atuava em qualquer posição, e goleador nato.

Conta João Xavier que, na hora, os canavieirenses lembraram do tabu que tanto queriam quebrar, e o desespero tomou conta da turma. Mas, os jogadores foram se refazendo e, aos poucos, começaram a dominar o jogo. Os belmontenses ainda não conheciam o garoto Bené, que logo marcou um gol, seguido de Miruca. E o placar do estádio Orlando Paternostro marcava 2X1, a primeira derrota em 10 anos. Justamente para Canavieiras.

E os torcedores e jogadores de Belmonte pressionaram os adversários até quando o árbitro, finalmente, deu o espetáculo por encerrado, para o desespero dos belmontenses, desacostumados a perder uma partida para Canavieiras há longos 10 anos. Na volta, uma festa e tanta na lancha, em que até o garoto Bené entrou na comemoração, bebendo e fumando pela primeira vez.

Pelo serviço de rádio do aeroporto, o resultado do jogo já era conhecido em Canavieiras, e sua torcida foi ao porto grande recepcionar os jogadores. E a festa entrou noite adentro e somente terminou com os primeiros raios do sol. O tabu foi quebrado na casa do adversário e justamente em tarde de gala na reinauguração do estádio, orgulho dos belmontenses. E em Belmonte nunca mais se falou desse jogo.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Elenco da novela Renascer em 1993 em Ilhéus || Arquivo Luiz Fernando Carvalho
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O território ilheense desde a sua condição de capitânia hereditária tem tradição em ter gestores omissos, com as raras exceções. Jorge de Figueredo Correia, donatário da Capitania, deu a senha de como não gerenciar os encargos assumidos.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

A notícia veiculada pelo site Pimenta anunciando o início de pesquisa pela Rede Globo de Televisão para a realização do remake da novela Renascer em 2024, cujo folhetim foi sucesso em 1993, reabre as esperanças de reposicionar Ilhéus novamente no cenário turístico nacional.

Mas, a cidade guarda uma série de desafios. A consulta feita ao Conselho de Cultura de Ilhéus para conceder o espaço para a implantação de uma companhia de polícia militar deixa um desconforto na sociedade ilheense e também no estado da Bahia.

A eterna cidade do cacau, berço da civilização regional, teve a oportunidade de ser universalizada pelas obras do escritor Jorge Amado. Outa figura pouco citada, mas que colaborou para inserir a cidade definitivamente no contexto jurídico nacional foi João Mangabeira.

A novela Gabriela, inclusive, o remake, atualizou os brasileiros de uma cidade à beira mar com uma beleza extraordinária de seu mar, rios e mata no sul da Bahia. A própria Itacaré, nos finais dos anos 90, ajudou a promover o turismo de Ilhéus. Milhares são as pessoas que chegam pelo Aeroporto de Ilhéus. Mas, o que tem para os turistas? Se eu posso ser turista na minha terra, recorrendo à turismóloga Anna Lívia, eu posso dizer que é muito pouco.

Ilhéus foi abençoada pela natureza, pelo patrimônio histórico  e por sua gente simples, mas tem muito a implorar por lideranças comprometidas com a cidade. As atuais lideranças são responsabilizadas diretamente em razão da contemporaneidade com o nosso tempo, mas o território ilheense desde a sua condição de capitânia hereditária tem tradição em ter gestores omissos, com as raras exceções. Jorge de Figueredo Correia, donatário da Capitania, deu a senha de como não gerenciar os encargos assumidos.

A Princesa do Sul, que sempre recebeu anualmente milhares de turistas e é um constante lazer para a população sul-baiana, sofre com a depredação de seu patrimônio. As praças que são reformadas na cidade padecem de um gosto duvidoso. A Praça Pedro Mattos, em frente ao teatro, é um exemplo do que não se deve fazer em uma cidade histórica e turística. Se não temos a capacidade de inovar, copiamos e damos os devidos créditos.

A polêmica levantada pelo cacauicultor e fabricante de chocolate Gerson Marques, cujo vídeo foi publicado também no Pimenta,  cuja informação desde o final do ano passado já circulava  nos bastidores ilheenses,  sinaliza qual o nosso compromisso com a educação, com a cultura e com o turismo da cidade. Particularmente, não tenho nada contra que os equipamentos de segurança pública tenham o melhor conforto para que os seus servidores e, inclusive, os usuários dos serviços que para lá precisam se dirigir, possam ser acolhidos com a melhor dignidade.

Entretanto, substituir o espaço do antigo Colégio General Osório, que foi desmobilizado para ser a Biblioteca Adonias Filho e o Arquivo Público Municipal, que atualmente, encontram-se fechados, para sediar uma Companhia da Polícia Militar é um soco simbólico no estômago da sociedade baiana. E, no caso de Ilhéus, é colocar no porão da história toda busca pela valorização de seu patrimônio histórico-cultural.

Então, com a provável nova versão da novela Renascer, renascem as esperanças, mas os desafios permanecem. Os problemas de Ilhéus só poderão ser minimizados se os diversos setores se unirem e debaterem seus desafios e  na caminhada irem superando os boicotes individuais e coletivos. Pensar cultura e turismo em Ilhéus de forma separada é jogar recurso público fora de forma ineficiente e meio-ambiente e educação têm suas parcelas de responsabilidade.

Efson Lima é doutor e mestre em Direito (UFBA), advogado e professor universitário.

Ezequias Souza e Edgar Ricardo mataram sete pessoas por aposta em jogo de sinuca
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No Exército, várias vezes escutei que não se dá armas a idiotas. Vejo, tristemente, que esta máxima de outrora não vigora mais, e que o acesso a todo tipo de armamento torna muito mais mortal e trágica a ação criminosa de muitos brasileiros.

Julio Gomes 

Ingressei no exército em 1984, como simples soldado, para prestar o serviço militar obrigatório em um quartel situado no Rio de Janeiro. Inicialmente, passamos quase três semanas inteiras aquartelados, saindo somente na sexta-feira, às 18h, para estarmos de volta na segunda-feira, prontos e em forma, às 6h30.

Neste período de adaptação à vida militar, marchávamos, fazíamos exercícios físicos, recebíamos instrução básica, tínhamos todas as refeições e dormíamos nos beliches da companhia de infantaria, sem sair do quartel para nada, sem acesso a visitas e a telefone. Antes de colocarmos as mãos pela primeira fez no fuzil automático calibre 7.62, arma padrão dos soldados brasileiros, passamos por mais de um mês submetidos à disciplina, adaptação e doutrinação para desenvolver o mínimo de responsabilidade necessária para ter aquele tipo de armamento nas mãos.

Estamos agora em 2023 e constato, com extremo desgosto e preocupação, que hoje qualquer pessoa que tenha dinheiro e preencha as frouxas formalidades burocráticas existentes pode comprar armas que, naquela época, eram de uso absolutamente restrito, proibidas para civis, incluindo fuzis automáticos, que são armas de guerra.

Não pude deixar de pensar em todos os fatos acima ao assistir, pelo YouTube, repetidas vezes e com olhos de quem entende o que é o manuseio de um armamento, a destreza, habilidade e extrema desenvoltura com que os assassinos de Sinop, Goiás, liquidaram, em apenas exatos dez segundos, sete vidas humanas, incluindo a de uma criança de 12 anos, morta com um tiro pelas costas.

Armas como a espingarda calibre 12 usada na chacina – e outras, como fuzis automáticos – não deveriam estar disponíveis para venda, sobretudo com a facilidade que ocorre hoje no Brasil, colocando-se ao acesso de qualquer imbecil, desde que tenha dinheiro e cumpra, repito, os frouxos requisitos legais estabelecidos.

No Exército, várias vezes escutei que não se dá armas a idiotas. Vejo, tristemente, que esta máxima de outrora não vigora mais, e que o acesso a todo tipo de armamento torna muito mais mortal e trágica a ação criminosa de muitos brasileiros.

Vejo também com certa preocupação a proliferação dos clubes de tiro e dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), pois, mesmo sendo estritamente legais, é de extrema ingenuidade pensar que a habilidade com o uso do armamento ali adquirida possa ser utilizada por todos unicamente para fins lícitos. Obviamente que quem os frequenta e os CACs, até que se prove o contrário, são pessoas responsáveis e inteiramente idôneas, não são bandidos nem assassinos.

Mas, o hábil manuseio de armas pode se prestar a inúmeros fins, e ingenuidade só é bonitinha em crianças; nos adultos, torna-se um grave defeito.

Por fim, entendo que acesso, porte e uso de armas deveriam permanecer o mais restrito possível aos profissionais de segurança, de preferência àqueles que trabalham a serviço do Estado: militares, policiais, guardas municipais e mais um restrito grupo de funções afins. E só.

Guardo a convicção de que se um cidadão comum precisa andar armado e pronto para atirar, como em um antigo filme de faroeste, algo está profundamente errado. Armamento deve ser, sobretudo, instrumento de trabalho institucional e não objeto potencializador da estupidez humana, algo tristemente tão presente no Brasil de hoje.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

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O “cavalo selado” está novamente diante de nós. Mais vale o certo que o duvidoso. Chega de aventuras.

 

Andreyver Lima

Circulou nas redes sociais e em grupos de WhatsApp, hoje, dia 25, um vídeo em que o recém-empossado deputado estadual Fabrício Dias Nunes da Silva, o Pancadinha (Solidariedade), aparece abraçado ao ex-prefeito de Itabuna Azevedo (PDT). Na imagem o deputado afirma que tem que “aprender muito com o homem, o homem é diferenciado”.

Em sua fala o ex-prefeito responde que é uma honra estar com o deputado, “um amigo de fé, irmão camarada”. Plagiando uma parte da música Amigo, da dupla Roberto e Erasmo, como foi declarado no passado para o ex-prefeito Fernando Gomes, aliado com quem Azevedo rompeu logo que assumiu a Prefeitura em 2009.

Fico a me questionar. O deputado, enquanto vereador de Itabuna, qual projeto de relevância apresentou para a cidade? Já o ex-prefeito, que tem no currículo o título de um dos piores gestores, com as quatro contas rejeitadas pelos órgãos de fiscalização TCM (Tribunal de Contas dos Municípios) e TCU (Tribunas de Constas da União), além de um arco de denúncias de corrupção, o que pode nos oferecer de bom conhecimento?

Volto a me questionar. Será que ainda temos tempo para políticos aventureiros? Sem o devido preparo para lidar com uma cidade tão complexa como Itabuna?

Outro ponto que chama a atenção. Depois que Azevedo deixou o comando do município, todas as tentativas de retornar ao cargo de prefeito ou a busca do cargo de deputado foram rejeitadas pela população.

Itabuna já pagou um alto custo por dar oportunidade a políticos aventureiros, é hora de aproveitar a oportunidade do “cavalo selado”, que proporciona uma forte parceria com os governos Estadual e Federal.

O “cavalo selado” está novamente diante de nós. Mais vale o certo que o duvidoso. Chega de aventuras.

Andreyver Lima é jornalista e comentarista político.

Estrutura montada para folia que não tomou conta da Soares Lopes || Foto Julio Gomes
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Penso que em um município litorâneo, com destaque cultural e onde o turismo tenta ser atividade econômica relevante, a Prefeitura não tem o direito de deixar de fazer Carnaval.

Julio Gomes

2023 ficará marcado, para Ilhéus, como o ano do Carnaval que existiu sem nunca ter existido.

Explico o aparente paradoxo: não houve anúncio prévio de que haveria Carnaval em Ilhéus. Quando me refiro a divulgação prévia, não falo da publicação das atrações poucos dias antes do evento, mas de assegurar, meses antes, para a iniciativa privada, para as agências de turismo, para os órgãos oficiais de promoção ao turismo e para o Governo do Estado que haverá Carnaval e, quanto aos dois últimos, pedir com a devida antecedência o apoio para sua realização.

Porém, mesmo sem prévio aviso, vimos, às vésperas da festa, algumas alusões a algo que os gestores de nosso município chamaram de Carnaval Cultural, ressuscitando um nome que foi utilizado pelo ex-prefeito Jabes Ribeiro em suas gestões, com algum sucesso naquela ocasião, já que se fazia vários palcos temáticos e se contratava artistas regionais para animar a festa. Mas, desta vez, só o nome foi copiado, e tristemente mal copiado.

A chama do Carnaval, sem dúvida, continua viva no coração do povo de Ilhéus, e os diversos blocos que, valentemente, desfilaram deram prova disso. Porém, o Poder Público municipal, mais uma vez, não fez sua parte: não contratou atrações, não divulgou a festa, não manteve nenhum outro atrativo (como feira de turismo, parque de diversões ou outro qualquer) e deu continuidade à precária limpeza urbana que há muitos anos caracteriza nossa cidade até mesmo em suas áreas centrais.

É certo que alguns setores do serviço público municipal, como Sutram, Limpeza Urbana e Guarda Municipal, estiveram presentes nos eventos de rua, porém isso é o apoio para que o Carnaval ocorra, mas isso não realiza a festa, não faz o Carnaval em si.

Enquanto as poucas atividades carnavalescas começavam em Ilhéus em torno das 19h para se encerrar no máximo às 22h30, assistíamos pela TV e demais meios de imprensa o Carnaval – este, sim, com letra maiúscula – acontecendo de verdade em Itacaré e em Porto Seguro. E se estes dois municípios fazem, por que Ilhéus não faz?

Penso que em um município litorâneo, com destaque cultural e onde o turismo tenta ser atividade econômica relevante, a Prefeitura não tem o direito de deixar de fazer Carnaval, e um Carnaval que preste, com boas atrações, estrutura, segurança e bons resultados econômicos e sociais para todos.

Mas o que vimos? Blocos populares desfilando no peito e na raça enquanto o Poder Municipal dava de si o mínimo e sempre de forma desorganizada, algo simbolizado na estrutura montada para absolutamente nada em frente ao Cine Santa Clara, na Avenida Soares Lopes.

Se há redenção, ela é dos pouquíssimos servidores da limpeza urbana que, munidos apenas com vassouras e carros de mão, tentavam heroicamente retirar da Praça Castro Alves (da Irene), nesta Terça-Feira (21), a sujeira, as garrafas e o lixo ali acumulados desde domingo à noite, último dia em que houve festividades, pateticamente suspensa pelos gestores municipais sob a alegação de que fortes chuvas poderiam ocorrer. Mas, quem conhece mais a vida sabe que é apenas uma forma de fugir ao vexame público.

São tristes retratos do retumbante fracasso de nosso Carnaval, que pôde ser visto também ontem (20) à noite, quando milhares de pessoas vieram para a Avenida Soares Lopes e, decepcionadas, encontraram o que o atual governo municipal lhes preparou: nada, absolutamente nada!

O Carnaval 2023 só não foi pior do que aqueles que não foram feitos, como tantas vezes aconteceu devido ao descompromisso com o turismo e a renda de nossos gestores anteriores. Mas, entre os que aconteceram, foi, sem dúvida, o pior da história de Ilhéus.

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

Neném, primeiro agachado à esquerda, com demais jogadores do Janízaros de 1961
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Dono de uma saúde invejável, Neném costumava, nos dias de jogos, sair correndo de sua casa, no bairro da Conceição, até o campo da Desportiva. Dizia ser o preaquecimento.

Walmir Rosário

Jesuíno José da Conceição era o seu nome de batismo, mas todos o conheciam como Neném. Em campo, não escolhia a posição: ponta-direita, lateral-direita ou quarto zagueiro, pouco importava, ele apenas atendia à determinação do técnico. Atleta de fôlego, corria no campo os 90 minutos e a prorrogação, se fosse necessário. No fim do jogo ainda apresentava muita disposição.

Neném passou por vários times amadores, como o Botafogo do bairro da Conceição, onde foi vice-campeão em 1958, bicampeão pelo Janízaros, Flamengo e Seleção de Itabuna nos anos de 1964, 65 e 66. Como profissional, passou pelo Itabuna Esporte Clube, Vitória da Conquista, Confiança de Aracaju e Fluminense de Feira. Em todos eles, colecionou amigos entre os jogadores, torcedores e dirigentes.

Neném era daqueles que gostavam do futebol alegre e jogado com amor. Como profissional, aceitou ganhar apenas um salário mínimo no Itabuna, apesar de receber muito mais nos times amadores. E fez isso para atender ao apelo de dirigentes como Zelito Brandão Fontes, que considerava um dos baluartes do Itabuna Esporte Clube, ao lado de outros, a exemplo de Charles Henri.

Jogava bola porque gostava, principalmente ao lado de craques da qualidade de Fernando Riela, Santinho, Mágua, Wilson Longo, Armandinho, Luizinho, Betinho e outros jogadores espetaculares de sua geração. Encarava o futebol como coisa séria, tanto que se empenhava com muita seriedade nos treinamentos e nos jogos, para a alegria de dirigentes e treinadores.

Dono de uma saúde invejável, Neném costumava, nos dias de jogos, sair correndo de sua casa, no bairro da Conceição, até o campo da Desportiva. Dizia ser o preaquecimento. Nos treinos físicos fazia o mesmo e era sempre o escolhido para puxar a fila, o que causava certo desespero em outros atletas nem tão corajosos ou que não gostavam muito da educação física.

Esse empenho nas partidas e o fato de não se “mascarar” lhe valiam o apoio da torcida, o que considerava fundamental nos jogos na Desportiva, principalmente na hora de encarar times grandes. Com a mesma determinação com que jogava contra um adversário do campeonato de amadores, enfrentava times do Rio de Janeiro ou Salvador, a exemplo do Flamengo, Bonsucesso, América, Madureira, ou Bahia e Vitória.

Apesar de ter trabalhado com técnicos experientes como Paulo Emílio, Ivo Hoffmann, dentre outros, admitia que naquela época os próprios jogadores discutiam entre eles a forma de jogar. Geralmente, os técnicos apenas davam as camisas e os incentivavam. Na seleção amadora de Itabuna, dentro de campo, eram eles quem resolviam, sob a liderança de Tombinho.

Na avaliação de Neném, jogar no interior exigia bem mais do que atuar na capital, onde os times eram protegidos da Federação Bahiana de Futebol. Para vencer um jogo, não só era preciso jogar bem, precisavam se defender da marcação dos jogadores adversários, bem como dos árbitros, que já vinham determinados a fazer valer a decisão dos dirigentes da capital.

Neném ressaltava a péssima qualidade dos campos do interior, onde prevaleciam buracos de até 30 centímetros e gramados imprestáveis. Ele dizia gostar dos gramados que pareciam uma mesa de sinuca, onde a bola rolava macia. Disse-me certa vez que se antes houvesse televisão, onde os atletas do interior pudessem ver os jogos de grandes equipes, eles teriam aprimorado técnicas e jogado muito mais.

Mas nem sempre tudo são flores na carreira de um jogador, seja ele amador ou profissional. Neném jogou como ponteiro-direito, lateral-direito e encerrou a carreira como zagueiro. Em 17 de julho de 1968, jogando pelo Itabuna Esporte Clube contra o Bahia, Neném teve a infelicidade de marcar dois gols contra, e o Itabuna perdeu pelo placar de 3X2. De início a torcida pega no seu pé, mas, como ele tinha um grande saldo positivo, logo esquece e Neném joga outras partidas brilhantes.

Apesar de todas essas facilidades tecnológicas, ele critica a falta de campos de futebol nos bairros, responsáveis pela revelação de inúmeros craques. Outro problema citado por Neném é a falta de visão dos dirigentes de Itabuna, que poderiam arregimentar bons jogadores em toda a região e treiná-los, colocando-os para disputar posição, em vez de contratá-los fora.

Neném admite não ter ganhado muito dinheiro com o futebol, mesmo com as oportunidades que teve. E não foi por falta de chances, já que foi convidado para jogar em equipes do Rio de Janeiro e da Venezuela, onde abundavam os petrodólares. Um exemplo é que o empresário Mituca permaneceu nove dias em Itabuna aguardando sua resposta, negativa, por sinal.

E Neném era uma pessoa querida por todos por onde passou. Era uma presença obrigatória no Bar Avenida, onde se falava muito de futebol e política, e no Beco do Fuxico. Além do futebol, Neném foi comerciante de gado, fazendas e açougues, e deixou muitas saudades no meio desportivo baiano.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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É aconselhável que a utilização da rede mundial (Internet) seja feita de forma adequada, cautelosa, evitando ofensas e ataques pessoais.

Francisco Valdece

Considerando que a Constituição Federal, em seu artigo 5º., inciso X, protege expressamente o Direito à Honra, à Imagem e à Intimidade das pessoas;

Considerando que os artigos 186 e 187 do Código Civil asseguram ao ofendido o direito à indenização pelos danos materiais ou morais decorrentes da ofensa;

Considerando que, em relação à internet e às redes sociais, a Lei 12.965/2014, que instituiu o chamado Marco Civil da Internet, dispõe expressamente que ao usuário da rede mundial de computadores no país é assegurada “a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 7º, inciso I);

Considerando que todo conteúdo que, por algum motivo, for compartilhado de maneira ilícita, ameaçadora, difamatória ou que seja assediante ou ofensiva, além de qualquer conteúdo que incite a violência, é proibido e fere as diretrizes de uso do mensageiro;

Considerando que toda e qualquer ataque pessoal ou inverdade veiculada por qualquer meio, inclusive a internet, capaz de causar algum tipo de dano moral ou material no ofendido configura ilícito apreciável e punível pelo Direito, podendo a conduta do agressor configurar até mesmo o crime de calúnia (art. 138 do Código Penal – imputar a outrem, falsamente, conduta criminosa), difamação (art. 139 do Código Penal – atribuir a outrem fato ofensivo à sua reputação) ou injúria (art. 140 do Código Penal – propagar ofensa a outrem que lhe diminua a autoestima ou a dignidade);

É aconselhável que a utilização da rede mundial (Internet) seja feita de forma adequada, cautelosa, evitando ofensas e ataques pessoais.

Francisco Valdece é advogado e provedor da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna.

Brown lança novo álbum e fala das atenções do mundo voltadas para o Carnaval da Bahia
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“As raízes fortes colocam os maiores nos seus devidos lugares nas avenidas, na condição inclusive de receber os novos, abrir caminhos para os ainda anônimos, e por aí vai”.

 

Manuela Berbert

“Vai faltar chão pra tanta gente em Salvador este ano” é a frase que mais tenho escutado nos últimos dias, sobre o carnaval. Em um bate-papo descontraído com um dos diretores de uma das maiores cervejarias do país, escutei também que a Bahia veio batendo recorde de público e consumo nos grandes eventos desde o final de novembro, e isso chegou a acender um sinal vermelho sobre o abastecimento na capital.

Depois de uma pandemia devastadora, de um tempo sombrio de isolamento social e um caos no mercado do turismo e do entretenimento, a verdade é que a gente merece isso tudo! E quem falou sobre o assunto na tarde de ontem, quarta-feira, reunindo imprensa local, nacional e mundial, foi o Cacique Carlinhos Brown, na sua casa, o famoso Candeal Guetto Square. Cantor, criador da Timbalada e compositor de grandes sucessos do Axé, ele lançou álbum novo e comemorou o fato do mundo estar com os olhos voltados para cá mais uma vez, por um excelente motivo, claro!

O tempo passa e as culturas seguem se adaptando ao eco das ruas. Se moldando à crescente da tecnologia e das novas formas de se fazer e entregar entretenimento. Mas, as raízes fortes colocam os maiores nos seus devidos lugares nas avenidas, na condição inclusive de receber os novos, abrir caminhos para os ainda anônimos, e por aí vai. Brown, por exemplo, está com a agenda lotada até o tradicional Arrastão da Quarta-Feira de Cinzas.

“Tudo isso aos 60 anos, né, Brown?! Tá preparado?”, brincou uma repórter.

“Oxe, e Bel que tem 70?!”, respondeu ele, na lata, levando a galera à gargalhada.

Vida longa ao carnaval da Bahia! Vida longa ao Axé!

Manuela Berbert é publicitária.

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Personagem melhor não representaria Arembepe, tanto assim que se tornou, via eleição direta, honestíssima, Rainha da Rua da Flores, empunhando o cetro real por três carnavais consecutivos. Estava no tempo e local certos.

 

Walmir Rosário 

Há cerca de um mês (não me lembro bem) me encontrava em casa astuciando uma forma de reunir os velhinhos da Confraria d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas para um vesperal no bar e restaurante Mac Vita, em Canavieiras, quando recebo uma mensagem de Trajano Filho, pelo WhatsApp: “Se preparem, neste sábado, Nélson Barbosa faz questão de comemorar seus 76 anos com uma deliciosa rabada, no Mac Vita”.

De imediato, pensei: Todos os meus problemas acabaram. Mas foi aí que minha cabeça rodou e pensamentos dos mais diversos atordoaram minha mente. Pelos meus cálculos, já participei de pelo menos umas quatro comemorações dos 76 anos de Nélson, ou estaria enganado? Pelo sim, pelo não, achei uma questão irrelevante, por terem as festas dignas do aniversariante, mesmo que repetidas.

Para quem não sabe, o conhecido e nomeado Almirante Nélson, pessoa pacata que voltou a Canavieiras para gozar da sua merecida aposentadoria no Derba, não tem ideia das artes e manhas deste sossegado senhor. Basta uma volta ao tempo, e na história de Arembepe, para conhecermos do que é capaz nosso ínclito personagem. No final da década de 1960 e início dos anos 1970, Nélson Barbosa, ou Nélson Amarelão, como era conhecido, ouviu falar do “paraíso dos hippies” e resolveu mudar-se de mala e cuia para o pedaço, mesmo sem ter qualquer ligação com a dita filosofia.

Pra início de conversa, comprou um terreno em Arembepe, sem se preocupar com a localização, descoberta feita cerca de um mês depois, quando resolveu levar a esposa e as duas filhas para a exploração do local. Com a ajuda de alguns moradores, descobriu a pretensa área e empreitou a construção da casa. O resto era bem mais simples, como descobrir a “passarela do álcool”, ou melhor a Rua da Flores.

Por ali Nélson sentou praça, conheceu os hippies da aldeia, os malucos locais e de Salvador que se homiziavam nos fins de semana ou férias. Foi um casamento perfeito e ele se tornou um deles, ou o deles. Personagem melhor não representaria Arembepe, tanto assim que se tornou, via eleição direta, honestíssima, Rainha da Rua da Flores, empunhando o cetro real por três carnavais consecutivos. Estava no tempo e local certos.

A década de 1960 foi marcada por uma série de tentativas de mudança no mundo, e de lá pra cá nunca mais foi o mesmo. E a vontade de mudar o mundo aconteceu na política, economia, na música e na cultura. A chamada contracultura foi a que chamou mais a atenção pela pregação do slogan paz e amor. A guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã sofreu os maiores protestos, com músicas e passeatas pelos próprios norte-americanos.

Em 1969 foi realizado numa fazenda de pecuária no estado de Nova York o Woodstock Music & Art Fair, festival que bombou com a presença de mais 400 mil participantes e o que tinha de mais marcante no rock’n’roll pesado, mais ligado ao movimento hippie. O evento que foi criado por alguns jovens para ganhar um bom dinheiro ultrapassou todos os limites comerciais e de comportamento.

De lá pra cá, o mundo já não era mais o mesmo. Os adeptos da contracultura deixaram Woodstock e se espalharam por todos os recantos do planeta terra. As estradas ganharam hordas de mochileiros em busca do sonho de paz e amor. Cabelos e barbas grandes, roupas coloridas, instrumentos musicais e muita disposição para andar. A pé, de carona, dormindo ao relento, corriam estradas pregando a paz e o amor, a liberdade.

Algumas cidades brasileiras foram eleitas como a “Meca” do movimento hippie. Salvador, na Bahia e Paraty, no estado do Rio de Janeiro foram duas delas e que vivi de perto nessa ocasião. A maioria proveniente das cidades de São Paulo e Guanabara (com o grande Rio de Janeiro). Muitos deles, pessoas de origem abastada que resolveram mudar o mundo, inconformadas com qualquer questão, inclusive a família que continuava a mantê-los.

A aprazível e bucólica Arembepe abrigou os hippies por anos afio. Com o passar dos anos, muitos deles resolveram mudar de filosofia e de vida, trocando as vastas barbas e cabeleiras pelos melhores barbeiros, as multicoloridas roupas por ternos bem cortados, os simplórios chinelos por sapatos sociais lustrosos. Agora ocupavam cargos executivos em empresas multinacionais, preferencialmente ligadas ao polo petroquímico de Camaçari.

Uma mudança e tanto que deu certo. O jornalismo, a publicidade e o mercado baiano ganharam sangue novo e, por consequência, o Brasil e o mundo. Embora alguns ainda teimassem em persistir ouvindo Janis Joplin, Jimi Hendirx, outros passaram a seguir Raul Seixas e outros mais comportados. Já o Nélson Barbosa, ou Amarelão, continuou sua vida sonhando com sua aposentadoria e o retorno à querida Canavieiras.

Volta e meia encontramos um verdadeiro hippie por aí, professando sua filosofia. E não poderia deixar de finalizar com uma cena presenciada pelo saudoso jornalista Marcos Correia. Enquanto aguardava, pacientemente no ponto de ônibus da avenida Proclamação, no Savoia, em Ilhéus, o transporte para ir ao trabalho, foi testemunha ocular da autoanálise de um dos muitos malucos belezas que habitam este planeta.

Andando de um lado pro outro do passeio, nosso estranho personagem filosofava:

– Tem gente que acha que é fácil ser maluco! Tá pensando o quê? Venha ser pra ver? – filosofava para o deleite de passantes e outros observadores.

Realmente, essa é uma cena rara de se presenciar nos dias de hoje, o que demonstra que cada um escolhe o caminho a seguir.

Já o almirante Nélson, do seu ponto de vista filosófico, resolveu preservar sua jovialidade.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.