Lula acertou ao não entregar o Ministério da Saúde a Lira. Foi uma decisão importante, porque esta é uma área fundamental para um governo que se proponha a recuperar os serviços públicos fundamentais e que foi dilapidada a partir do governo Michel Temer e, principalmente, nos quatro anos de Bolsonaro.
Cid Benjamin
Em países como o Brasil, as grandes questões políticas quase sempre só entram em debate nas eleições para presidente. Aí, todo o país – dos seringueiros da Amazônia aos peões gaúchos – tomam conhecimento dos temas nacionais, como gosta de lembrar Milton Temer.
Já quando se trata da escolha dos parlamentares em geral, o eleitor é movido por questões locais e pelo fisiologismo. Não por acaso, a adoção do parlamentarismo tem sido proposta pelos conservadores, mais interessados em manter a disputa naquilo que o pensador italiano Antonio Gramsci chamava de pequena política, marcada por clientelismo e questões menores, para assim impedir mudanças mais de fundo.
Esse quadro aparece agora nas tentativas de emparedamento do governo Lula pela maioria do Congresso, encabeçada por parte do Centrão e seu capo maior – o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, sucessor do gângster Eduardo Cunha.
Pois bem, diante das chantagens a que Lula vem sendo submetido, existem essencialmente dois caminhos (ainda que não inteiramente excludentes).
Um primeiro é ceder e entregar mais e mais nacos do Poder Executivo e de dinheiro, por meio de emendas ao Orçamento, a gente que usa os cargos no parlamento para fazer “negócios” nada republicanos. As ameaças são explícitas: se as exigências não forem atendidas, o Congresso vai paralisar o governo. Às reivindicações fisiológicas se soma a defesa de uma política econômica neoliberal, que atenda aos interesses do sistema financeiro e não se atreva a enfrentar as obscenas desigualdades sociais.
O outro caminho é – sem prejuízo de eventuais acordos aqui e ali – levar o debate para a sociedade, não deixando que o enfrentamento político se dê principalmente dentro de quatro paredes. Foi o caminho adotado recentemente, até agora com sucesso, por Gustavo Petro, presidente da Colômbia, vítima de chantagens semelhantes. Mas, que ninguém se iluda: esse caminho exige um esforço de mobilização dos trabalhadores e significa conflitos, porque não faltarão acusações de “populismo” por parte da mídia conservadora e do poder econômico.
O presidente brasileiro tem procurado se equilibrar. Faz concessões – seja na entrega de espaços e recursos do aparelho de Estado, seja na política econômica -, mas sem uma rendição absoluta, como a que parece ter feito o presidente do Chile, Gabriel Boric. Recentemente, aliás, Lula acertou ao não entregar o Ministério da Saúde a Lira. Foi uma decisão importante, porque esta é uma área fundamental para um governo que se proponha a recuperar os serviços públicos fundamentais e que foi dilapidada a partir do governo Michel Temer e, principalmente, nos quatro anos de Bolsonaro.
Há, claro, mediações, mas estes são os dois caminhos básicos.