Arthur Lira e Lula no 1º encontro após a eleição de 2022 || Foto José Cruz/Agência Brasil
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Lula acertou ao não entregar o Ministério da Saúde a Lira. Foi uma decisão importante, porque esta é uma área fundamental para um governo que se proponha a recuperar os serviços públicos fundamentais e que foi dilapidada a partir do governo Michel Temer e, principalmente, nos quatro anos de Bolsonaro.

Cid Benjamin

Em países como o Brasil, as grandes questões políticas quase sempre só entram em debate nas eleições para presidente. Aí, todo o país – dos seringueiros da Amazônia aos peões gaúchos – tomam conhecimento dos temas nacionais, como gosta de lembrar Milton Temer.

Já quando se trata da escolha dos parlamentares em geral, o eleitor é movido por questões locais e pelo fisiologismo. Não por acaso, a adoção do parlamentarismo tem sido proposta pelos conservadores, mais interessados em manter a disputa naquilo que o pensador italiano Antonio Gramsci chamava de pequena política, marcada por clientelismo e questões menores, para assim impedir mudanças mais de fundo.

Esse quadro aparece agora nas tentativas de emparedamento do governo Lula pela maioria do Congresso, encabeçada por parte do Centrão e seu capo maior – o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, sucessor do gângster Eduardo Cunha.

Pois bem, diante das chantagens a que Lula vem sendo submetido, existem essencialmente dois caminhos (ainda que não inteiramente excludentes).

Um primeiro é ceder e entregar mais e mais nacos do Poder Executivo e de dinheiro, por meio de emendas ao Orçamento, a gente que usa os cargos no parlamento para fazer “negócios” nada republicanos. As ameaças são explícitas: se as exigências não forem atendidas, o Congresso vai paralisar o governo. Às reivindicações fisiológicas se soma a defesa de uma política econômica neoliberal, que atenda aos interesses do sistema financeiro e não se atreva a enfrentar as obscenas desigualdades sociais.

O outro caminho é – sem prejuízo de eventuais acordos aqui e ali – levar o debate para a sociedade, não deixando que o enfrentamento político se dê principalmente dentro de quatro paredes. Foi o caminho adotado recentemente, até agora com sucesso, por Gustavo Petro, presidente da Colômbia, vítima de chantagens semelhantes. Mas, que ninguém se iluda: esse caminho exige um esforço de mobilização dos trabalhadores e significa conflitos, porque não faltarão acusações de “populismo” por parte da mídia conservadora e do poder econômico.

O presidente brasileiro tem procurado se equilibrar. Faz concessões – seja na entrega de espaços e recursos do aparelho de Estado, seja na política econômica -, mas sem uma rendição absoluta, como a que parece ter feito o presidente do Chile, Gabriel Boric. Recentemente, aliás, Lula acertou ao não entregar o Ministério da Saúde a Lira. Foi uma decisão importante, porque esta é uma área fundamental para um governo que se proponha a recuperar os serviços públicos fundamentais e que foi dilapidada a partir do governo Michel Temer e, principalmente, nos quatro anos de Bolsonaro.

Há, claro, mediações, mas estes são os dois caminhos básicos.

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Ronald Kalid afirma que não disputará eleição em Itabuna || Foto Laele
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Aposto que não mudarão os partidos, os candidatos, com ou sem pré, e tampouco Ronald Kalid, que deve continuar pensando igualzinho. E tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes e adjacências.

Walmir Rosário 

Em Itabuna, o arquiteto Ronald Kalid afirma que não será candidato a cargo eletivo em 2024. Sequer está filiado a um partido político, situação esta que poderá ser mudada, embora jure de pés juntos ter o tempo passado e, com ele, o tal do cavalo selado. Mas o que teria feito Ronald mudar de ideia? Acredito eu, que pela tal da coerência, que ele sempre fez questão de manter ativa e altiva.

Parece uma blasfêmia, ou idiotice, sei lá, falarmos – pior ainda escrever – que um vivente com o juízo em perfeito estado agir nesses moldes, hoje tão em desacordo com os costumes desses tempos tecnológicos. Mas existem, poucos, é verdade, vivos e são, ouvindo e analisando tudo que vê à sua volta, discordando, em dissintonia, ou desacordando dos moldes atuais de fazer política.

Melhor seria dizer – para parecer mais claro – em campanha eleitoral permanente, embora a legislação não permita o uso dessa afirmação. Mas como nesse Brasil varonil sempre conseguimos um jeitinho pra tudo, podemos dizer, sem medo de errar, pré-campanha. Não sei se por soar mais bonito, ou simplesmente como uma figura de linguagem, recurso estilístico produzido para ficar bem na fita.

Pior, ainda, aos olhos dos aplicadores da lei, atentos aos deslizes dos políticos, mais ainda às denúncias dos adversários por infringir às nuances das leis e regulamentos eleitorais. Melhor dizer, pré-candidato, que está tudo bem. Atende muito bem nesses tempos em que o politicamente correto não admite esses cochilos e desce a marreta nos candidatos, “ops”, pré-candidatos.

Mas não acredito que somente essas questiúnculas tenham atemorizado Ronald Kalid, um frequentador assíduo do senadinho do Café Pomar e do Beco do Fuxico, com assento aos sábados na Fuxicaria itabunense. Com certeza, não. Me arrisco a dizer, sem ter perguntado o porquê da desistência, que os motivos são outros. Pra muito gente, quem sabe, o nosso político em questão preferiria manter sua fama de mau.

Não que Ronald trate alguém com descortesia, pelo contrário, mas por ser visto como possuidor inveterado de três atributos considerados terríveis numa campanha eleitoral, ou pré, como queiram. Ser sisudo, não cumprimentar desconhecidos no meio da rua, principalmente com as famosas risadinhas. Com esse péssimo costume (?) não passará, jamais, no difícil vestibular para trono do executivo.

É essencial que para o pretendente ao Centro Administrativo de Itabuna esteja sempre pronto para os tapinhas nas costas dos futuros eleitores, melhor seria acompanhados dos beijinhos nos rostos das eleitoras, sempre acompanhadas das “incumpríveis” (será que existe essa palavra?) promessas em liberar rios de leite e ribanceiras de cuscuz, bem ao estilo costumeiro, pois é assim que a banda toca.

Basta um de nós perguntar a qualquer marqueteiro ou aos amigos da imprensa sobre esse terrível costume. Eles não deveriam concordar, mas quem iria contrariar uma tese vencedora a cada dois anos nas campanhas eleitorais brasileiras? Melhor ficar com a grande maioria, até porque fica mais fácil afirmar que a “voz do povo é a voz de Deus”, e estamos devidamente conversados.

Maus exemplos como esse deveriam ficar escanteados nesses tempos tão modernosos, que poderiam servir de baliza, mergulhando na consciência eleitoral de cada um. Mas que nada, melhor criar nossos mitos, de preferência santos com pés de barro, que podem ser quebrados depois com certa facilidade. Quem sabe ficaremos com mais poder de barganha caso haja qualquer necessidade de manutenção da governabilidade.

Não sei se por isso o Brasil seja o campeão da enorme população flutuante nos partidos políticos, que muda das agremiações de acordo com seus interesses e não com os estatutos partidários. Eles aprenderam que pouco importa para o povão a ideologia, o que vale é o agora, qual benefício poderá auferir. Políticos não são anjos e sequer têm vocação para santos, mas têm que ser vivos, sabidos ao extremo, pois os simplórios estão de fora.

E assim pouco importa o ontem, administrações passadas, capacidade de trabalho, conhecimento da administração pública. Bom mesmo é o agora, com os interesses pessoais antes dos coletivos. É o salve-se quem puder, com o aval partidário, pois não participam do grande banquete os que não foram amplamente sufragados nas urnas eleitorais eletrônicas.

A mudança sempre é necessária, desde que para melhor. E aqui no nosso minúsculo debate, quem deveria mudar: os partidos, cumprido sua ideologia e seus princípios elencados nos estatutos, entregando aos eleitores a mercadoria vendida; Ronald Kalid, cuja promessa é das mais simplórias, simplesmente garantindo um relacionamento saudável entre os poderes públicos e a iniciativa privada.

Pelo pouco que conheço das artes políticas, numa campanha se gasta muita saliva, sola de sapato e dinheiro, este precioso e doado pelos partidos coligados e alguns amigos, hoje de acordo com o processo legal. Mas aposto que não mudarão os partidos, os candidatos, com ou sem pré, e tampouco Ronald Kalid, que deve continuar pensando igualzinho. E tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes e adjacências.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Marão e Soane prestigiam evento organizado por Pancadinha || Reprodução/Instagram
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Por que Marão estaria se envolvendo no pleito de Itabuna, reforçando um pré-candidato de oposição ao Governo do Estado contra seu colega de partido, pré-candidato à reeleição?

Rodrigo Cardoso

Surpreendeu a todos a animada presença do prefeito de Ilhéus, Mario Alexandre (PSD), na festa do deputado estadual Fabricio Pancadinha (SD), na vizinha cidade de Itabuna. O que poderia ser visto como mera cortesia entre autoridades públicas, ainda mais pelo fato da esposa de Marão, Soane Galvão (PSB), ser colega de Assembleia Legislativa do deputado, ganhou contornos políticos que geraram diversas especulações.

Num dia em que o prefeito de Itabuna, Augusto Castro, colega de partido de Marão, também fazia festa, essa presença significaria uma aproximação política com Pancadinha, que se revelou a principal representação eleitoral da oposição ao Governo do Estado no Litoral Sul e é pré-candidato a prefeito com o apoio do candidato a governador derrotado ACM Neto (UB). Lembrando-se que, dentre as dez maiores cidades do estado, apenas quatro são governadas por partidos da base e, em quase todas, a oposição foi vitoriosa na eleição para governador, inclusive em Ilhéus e Itabuna.

Segundo alguns, essa aproximação teria como objetivo a construção de relações políticas com vistas a projetos futuros do prefeito Marão, de candidatura a deputado federal, ou até sonhos maiores.

Acordos políticos e eleitorais entre candidatos a deputado da base do Governo e da oposição são mais comuns do que gostariam os militantes e dirigentes com compromisso mais perene com o projeto político democrático e popular liderado pelo Partido dos Trabalhadores na Bahia. No entanto, geralmente, movem-se nos municípios menores, onde bandas A, B, C, D buscam conciliar projetos políticos locais com o fortalecimento que a relação com deputados de Governo ou oposição, republicanas ou não, oferecem.

Nas cidades maiores, é de se esperar que os partidos que compõem a base de sustentação do governador e que, portanto, têm maior interesse em fortalecer esse campo e reverter o cenário adverso das últimas eleições, se esforcem para a construção do máximo de unidade possível, enxergando, também, que a eleição de prefeitos da base facilita para que o Governo do Estado implemente políticas públicas para o desenvolvimento das cidades e a melhoria das condições de vida das pessoas.

O prefeito Marão é exemplo disso. Após uma metade de primeiro mandato extremamente contestada, com alta rejeição – que se refletiu no resultado eleitoral negativo de sua mãe, a ex-deputada Ângela Sousa, que não conseguiu a reeleição -, o prefeito conseguiu dar a volta por cima, se reelegendo e elegendo a esposa deputada estadual com grande votação. Tudo isso impulsionado pelas diversas ações e obras do Governo do Estado em Ilhéus, que ele soube muito bem capitalizar e reforçar com suas ótimas relações com o então governador e hoje ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT).

Desse modo, cabe a pergunta: por que Marão estaria se envolvendo no pleito de Itabuna, reforçando um pré-candidato de oposição ao Governo do Estado contra seu colega de partido, pré-candidato à reeleição?

Esse questionamento se reforça porque, em Ilhéus, onde sua responsabilidade de liderar o processo sucessório é óbvia e onde a Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), do presidente Lula e do governador Jerônimo Rodrigues, não faz parte de sua base, mas tem demonstrado total boa vontade em contribuir com as ações que beneficiam o povo, ele tem dito que só falará de sucessão no ano que vem, apesar de várias lideranças do arco político da base já se movimentarem, com ou sem seu aval.

Poderia responder que seria um movimento ousado para trazer o deputado Pancadinha para a base, deslocando-o do campo de ACM. Aí alguns poderiam considerar que seria apenas uma briga entre caciques do PSD no sul da Bahia, sem maiores consequências para a grande coalizão que governa o estado. Porém, as conversas de bastidores estão longe de referendar essa visão mais otimista.
Seguimos observando.

Rodrigo Cardoso é dirigente do PCdoB em Ilhéus e membro da direção estadual do Partido.

Presidente Gustavo Petro cercado por apoiadores na Colômbia || Reprodução/Instagram
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O exemplo colombiano é uma clara demonstração de que concessões nem sempre são a melhor forma de construir a governabilidade. E que é preciso informar o povo e convocá-lo para a luta política. As duas coisas estão em falta no Brasil.

Cid Benjamin

No dia 29 de maio de 1983, Flamengo e Santos se enfrentaram no Maracanã no segundo jogo pelas finais do Campeonato Brasileiro. Depois de uma derrota por 2 a 1 na primeira partida, no Morumbi, no Rio o Flamengo venceu por 3 a 0 e se sagrou campeão. A partida – realizada antes de que, por motivos inconfessáveis, Sérgio Cabral Filho tivesse desfigurado o Maracanã, transformando-o numa “arena” moderninha – teve o maior público da história em campeonatos brasileiros. Estiveram presentes 155.253 torcedores. Eu estava entre eles.

O Flamengo tinha um timaço e sua vitória foi incontestável. Mas houve uma voz dissonante: a do técnico Formiga, do Santos. Ele preferiu não ver o estádio pelo lado do lindo espetáculo proporcionado pela torcida. Em entrevistas depois do jogo, choramingou: “um jogo com tanta gente no estádio é antiesportivo. Deveria ser proibido, porque a pressão é muito grande e a disputa fica desequilibrada.” As palavras podem não ter sido estas, mas o sentido foi.

Claro que torcida nem sempre ganha jogo, como provou o valente time uruguaio na final da Copa de 50, no mesmo Maracanã. Na ocasião, diante de 199.854 espectadores, o Uruguai venceu o Brasil. Mas, é claro, se sozinha não ganha jogo, torcida ajuda. Isso não se discute. Ainda mais quando está ao lado de um belo time, como era aquele de Zico, Júnior, Leandro e outros mais.

Isso vale para o futebol e, ainda mais, vale para a política. Determinadas iniciativas de interesse popular, se apoiadas massivamente, ganham enorme força. Mas é preciso que os líderes convoquem o povo e se disponham a encabeçar o movimento.

Exemplo disso ocorreu semana passada na Colômbia, com a intensa mobilização em sustentação a medidas promovidas pelo presidente Gustavo Petro, um líder que está se tornando a principal figura contemporânea da esquerda latino-americana.

Lá, como ocorre no Brasil, o governo estava sendo pressionado a fazer concessões e mais concessões a uma maioria de políticos conservadores, corruptos e fisiológicos, sob pena de o Congresso travar suas ações e paralisá-lo.

Petro não aceitou a chantagem nem que a disputa se limitasse ao interior das quatro paredes. Logo ao tomar posse, em agosto de 2022, já tinha dado mostras de disposição de luta e de coragem, ao remover parte expressiva do alto comando das Forças Armadas, passando para a reserva oficiais envolvidos em atropelos aos direitos humanos e ligados à extrema-direita.

Agora, na semana passada, deu uma aula sobre como deve reagir um governo popular a tentativas de golpes brancos. Diante do corpo mole de alguns partidos da base para apoiar reformas promovidas pelo governo, o presidente colombiano – que já tinha trocado três ministros no fim de fevereiro – promoveu uma ampla reforma, exonerando mais oito dos 19 integrantes de seu Ministério. No lugar deles foram nomeadas pessoas comprometidas com o programa defendido na campanha.

Claro que a busca de governabilidade é objetivo de qualquer governo. Para tal, às vezes deve negociar e, eventualmente, precisa fazer concessões. Porém, essa busca da governabilidade pode ser feita de diferentes formas, que inclusive não são excludentes. A negociação é apenas uma delas.

Quando se está diante de um processo claro de chantagens, porém, como no caso do Brasil – as concessões não podem ser o caminho único, ou sequer o principal. Afinal, sabe-se como começa uma chantagem, mas não se sabe como, nem quando, nem onde, ela termina.

Petro reagiu ao que chamou de “golpe brando”, tirando a disputa dos gabinetes refrigerados. Mais de 400 intelectuais, líderes políticos, dirigentes sindicais e representantes de movimentos populares, de um número superior a 20 países, firmaram um manifesto em apoio a seu governo, denunciando a campanha da direita para boicotar reformas que aumentariam salários, melhorariam a saúde, a educação e os demais serviços públicos e protegeriam o meio ambiente. E esse discurso não ficou entre quatro paredes. Foi levado para as ruas pelo governo.

Petro fez mais: convocou em rede nacional de rádio e TV manifestações na capital e em outras 200 cidades do país, em apoio à aplicação do programa aprovado nas urnas. Multidões tomaram as ruas. Isso mudou a conjuntura e pôs os conservadores na defensiva.

O exemplo colombiano é uma clara demonstração de que concessões nem sempre são a melhor forma de construir a governabilidade. E que é preciso informar o povo e convocá-lo para a luta política. As duas coisas estão em falta no Brasil.

Recentemente o governo Lula relançou, em formato ampliado, pelo menos três programas que melhoram a vida das pessoas – o Farmácia Popular, o Mais Médicos e o Minha Casa, Minha Vida. Além disso, anunciou o Desenrola, que equaciona as dívidas de famílias pobres e a maior parte da população nem ficou sabendo. Sequer os ministros falaram dessas iniciativas. Aliás, nem eles, nem a inútil área de comunicação do governo.

Ora, não é de hoje que se sabe: a correlação de forças muda substancialmente quando o povo entra em campo. O Flamengo já tinha mostrado que é sempre melhor enfrentar o adversário em jogo com casa cheia e torcida a favor. Multiplicar as concessões ao mercado financeiro, à Faria Lima e aos chantagistas do Centrão, capitaneados por Artur Lira, não é a única forma de se conquistar a governabilidade. Frequentemente tampouco é a melhor.

O exemplo Petro deve ser visto com atenção. É preciso levar a política para a sociedade. Que aportem no Brasil os bons exemplos e os bons ventos da Colômbia.

Cid Benjamin é jornalista e autor de Gracias a la vida – memórias de um militante (Ed. José Olympio, 2013).

Bel no Itabuna de 1971: na foto, Zé Lourinho, Americano, Raminho, Perivaldo, Douglas Paulo Viana e Genival_ Cipó, Santa Cruz, Élcio, Bel Santana, e Jaci
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A competência demonstrada em campo foi essencial para sua convocação para a Seleção Amadora de Itabuna, a hexacampeã baiana que enchia os olhos dos espectadores e ouvintes das narrações esportivas da época.

 

Walmir Rosário

No futebol amador de Itabuna tivemos craques à mancheia, como diria nosso conterrâneo Castro Alves. Cada um na sua especialidade. Desde os goleiros que “abriam as asas” e fechava a área; os pequenos zagueiros e laterais que subiam mais que os grandes atacantes; os clássicos que não faziam faltas (à vista do árbitro); os meio campistas que desarmavam e construíam; os atacantes que faziam muitos gols.

Mas hoje vamos lembrar de um meio campista especial: Bel, batizado Abelardo Brandão Moreira, que iniciou sua carreira no futebol amador muito cedo, ainda meninão, isso pelos anos 1963, quando aportou de vez em Itabuna, vindo de Itajuípe. O garotão bom de bola encantava – também – pelo seu comportamento junto aos craques já estabelecidos. Era um boa praça, um menino com pinta de craque.

E exibia seu bom futebol nos campinhos de pelada de Itabuna, despertando a atenção dos futebolistas. Estudou e se diplomou na modalidade de futebol de salão, dominando, não só a bola, mas o jogo, para a alegria da torcida. Nem me lembro mais quantas vezes fomos campeões pelo Colégio Estadual de Itabuna, no qual estudávamos o ginásio. Antes de qualquer reclamação, aviso, de pronto, que eu era um jogador medíocre, mas estava lá.

E foi o futebol de salão (hoje Futsal) que deu régua e compasso a Bel, credenciando-o a brilhar nos campos de futebol de Itabuna e região, com toda a desenvoltura que Deus lhe deu. Não escolhia o melhor campo para jogar, mas tinha inteligência suficiente para superar as dificuldades dentro das quatro linhas (isso quando era marcado), se desviando dos buracos, da grama malcuidada e dos adversários.

No meio campo era um maestro, e foi assim por onde passou. No velho campo da Desportiva, não importando o time por qual jogava, estava ali cercado dos melhores craques de Itabuna. Exibia seu estilo com desenvoltura, aproveitando a força da juventude com a qualidade do futebol que sabia praticar. Incorporou seu estilo de jogo no pequeno campo de futebol de salão, adaptando-o ao campo oficial de futebol.

E Bel Jogava com precisão. Não sei em quem ele se espelhava, se no futebol exibido por Didi ou, quem sabe, Gérson o canhotinha de ouro, na casa sagrada do futebol brasileiro, o Maracanã. Não precisava correr em campo. Com elegância, fazia a bola circular em passes curtos ou longos, a depender do andamento do jogo e da posição de seus companheiros em campo, surpreendendo os adversários.

Embora não precisasse correr em campo, como um bom meio campista sabia se antecipar ao adversário para matar uma jogada e construir as condições necessárias para facilitar a entrada dos colegas atacantes e marcarem os gols. Muitas das vezes, ele mesmo se encarregava de estufar a rede adversária. Defendia, atacava, marcava gols, o que demonstrava sua capacidade de dominar os espaços no gramado.

A competência demonstrada em campo foi essencial para sua convocação para a Seleção Amadora de Itabuna, a hexacampeã baiana que enchia os olhos dos espectadores e ouvintes das narrações esportivas da época. E passa a atuar naquele escrete de ouro, onde a concorrência de craques era a maior da Bahia. Entrava um e saia o outro sem que a qualidade do jogo sofresse qualquer alteração negativa.

O garoto Bel, Santinho e Tombinho, na Seleção de Itabuna hexacampeã em 1966

Surpreendia-me os passes de longa distância encaminhados por Bel. Eram na medida exata, e quem o recebia não precisava se esforçar, esticar a perna ou dar um grande impulso para cabecear. Ele chegava na medida certa, bastava um maneio de cabeça, uma matada no peito, uma emendada com o pé para que chegasse ao seu destino: o gol adversário. Mesmo não entrando nos três paus, dava a sensação e o grito abafado de gol.

Até hoje nunca perguntei a Bel como ele aprendeu a despachar a bola com tanta elegância e fidalguia. Às vezes me dá a impressão que antes ou depois dos treinos ele saia com uma fita métrica medindo as distâncias e idealizando a potência dos passes. Precisão milimétrica disparada pela força das pernas e o jeito do pé, como vemos hoje com a tecnologia disponível aos mísseis teleguiados.

Com a criação do Itabuna Esporte Clube, em 1967, Bel foi um dos primeiros a se profissionalizar e mostrar seu futebol para novas plateias. Se antes jogava ao lado de craques feitos em casa, passou a conviver e atuar com jogadores vindos do Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes praças esportivas, o que lhe garantiu um maior conhecimento do futebol.

Em seguida, foi jogar em Ilhéus, atendendo a insistentes convites feitos por amigos. Na vizinha e rival cidade continuou jogando o seu futebol arte, encantando aos que ainda não o conheciam. Uma certa feita estava no Rio de Janeiro, quando se encontra com Pinga, seu colega de seleção e Itabuna profissional e vão a um teste no Botafogo carioca. No treino, marcam cinco gols, três de Pinga e dois de Bel, que resolveu voltar a Itabuna.

E todo o conhecimento de futebol adquirido nos campos por onde jogou foi transferido para a garotada, atendendo a um convite de João Xavier, diretor da AABB de Itabuna. Também jogou e treinou várias seleções de veteranos de Itabuna, exibindo-se para uma geração mais jovem, que não conheceu o futebol arte. Pra mim, Bel e outros craques deveriam mostrar aos de hoje, o futebol eficiente e elegante do passado.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Ho Chi Minh e a relação da esquerda com a verdade, segundo Cid Benjamin
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Não nos esqueçamos que, embora as manifestações de junho de 2013 tenham começado de forma difusa, nelas a revolta contra a corrupção estava muito presente e, depois, esse sentimento adubou o terreno para a farsa do impeachment de Dilma e a vitória de Bolsonaro.

Cid Benjamin

Nos anos 1970, quando eu era um jovem militante, com vinte e poucos anos, li num texto de Ho Chi Minh algo que tenho presente até hoje. Ele afirmava que, dada a desproporção de forças entre os revolucionários e os representantes das classes dominantes, era da maior importância política que ficasse clara a superioridade moral dos primeiros.

Para ilustrar o que dizia, Ho contava uma história relacionada com a Guerra do Vietnam (1955-1975). O país estava sendo atacado por bombardeios diários da aviação norte-americana. Algumas vezes, as aeronaves eram atingidas pela defesa antiaérea e saíam soltando fumaça, mas não chegavam a cair, conseguindo retornar às bases. E havia uma tendência a que se computassem aviões em situação assim como abatidos. Ho, então, ordenou: só poderiam ser contados como derrubados os aviões que estivessem no solo.

E explicava: justamente por não terem os poderosos meios de divulgação de que os Estados Unidos dispunham, era fundamental que os revolucionários vietnamitas cultivassem rigorosamente a verdade. Assim, quando eles afirmassem algo, todos – aí incluída a imprensa internacional – saberiam que o afirmado era realidade.

O rigor em relação à verdade, dizia ele, ainda que não usasse exatamente essas palavras, não era só uma questão de natureza moral, era também uma espécie de investimento político.

Foi, então, construída pelos vietnamitas uma reputação que se tornou decisiva para o desfecho da guerra. Tanto assim que, embora a resistência nos campos de batalha tivesse sido importantíssima, em grande medida, o conflito se resolveu fora deles, na área da política, e até mesmo em território norte-americano. Chegou-se a um ponto que os EUA não tinham mais como sustentar – tanto internamente, como aos olhos do mundo – aquela intervenção injustificável. A superioridade moral dos vietnamitas era incontestável. Isso foi decisivo.

O livro “Guerra irregular” (Editora Contexto, 2009), um bom estudo do militar brasileiro Alessandro Visacro, especialista em contra-insurgência, conta (pag. 116) diálogo travado em encontro realizado depois de terminado o conflito, reunindo combatentes dos dois lados. Nele, em dado momento, o coronel americano Harry Summers Jr vangloriou-se: “vocês nunca nos derrotaram no campo de batalha”. “Pode ser, mas isso é irrelevante”, respondeu tranquilamente um representante vietnamita. Visacro dá razão a este último.

Se isso vale para guerras, vale ainda mais para a luta política.

Qualquer observador da situação brasileira nos últimos anos percebe a criminosa manipulação ocorrida na Lava Jato. Conhece o papel das bandas podres do Judiciário e do Ministério Público, das quais Sérgio Moro e Deltan Dallagnol são exemplos gritantes. Não é segredo, também, que parte importante da mídia deveria fazer uma profunda autocrítica pela cumplicidade com os procedimentos criminosos dessas bandas podres e por sua participação no processo espúrio que desaguou no impeachment de Dilma Rousseff.

É inegável que a corrupção não começou no Brasil com o PT ou com as esquerdas no governo. É inegável, também, que nem o PT nem as esquerdas são os maiores exemplos de corrupção no País. Mas, mesmo que os métodos de Moro e seus asseclas na Lava Jato se assemelhassem a uma pressão ilegal e criminosa a presos – “ou assina a confissão ou continua na cadeia” -, os recursos devolvidos por alguns acusados atestam que, de fato, houve corrupção.

Isto posto – e até porque não se pode contar com a isenção de boa parcela da mídia, que tem a mão mais pesada quando trata de apontar erros da esquerda – é preciso um cuidado especial para construir uma imagem de rigor no trato com a coisa pública, de maneira que essa imagem se torne um instrumento a favor das forças que lutam por mudanças, e não o inverso.

Qualquer escorregão nesse terreno custa caro, como ficou claro nos últimos anos. Não à toa, a direita – a força mais envolvida na corrupção ao longo dos tempos – tem a luta contra ela como uma de suas principais bandeiras.

Esta questão nada tem a ver com o udenismo ou o denuncismo barato próprio do conservadorismo. Ao contrário, o rigor de parte da esquerda é importante justamente para não abrir a guarda para esse mesmo udenismo. Alguns argumentam que, com ou sem motivo justificado, a mídia direitista buscará cabelo em casca de ovo e levantará a bandeira da denúncia da corrupção, o que tornaria irrelevantes as preocupações levantadas aqui. Tal argumento não se sustenta. Evidentemente, essa bandeira será mais forte nas mãos dos conservadores se os fatos denunciados forem reais.

Não nos esqueçamos que, embora as manifestações de junho de 2013 tenham começado de forma difusa, nelas a revolta contra a corrupção estava muito presente e, depois, esse sentimento adubou o terreno para a farsa do impeachment de Dilma e a vitória de Bolsonaro.

Agora, vencida a dura batalha para impedir a reeleição do nazifascista, há com Lula na Presidência um governo que tem uma composição que vai da direita até a centro-esquerda. E há um Congresso majoritariamente reacionário, com a Câmara de Deputados controlada por um chantagista que representa o que há de pior na política brasileira e que busca se apropriar de recursos do Executivo para fins inconfessáveis.

Na eleição foi preciso uma composição com a direita para derrotar o fascismo. Depois, foi necessário abrir espaço para o Centrão para que o Governo não fosse inviabilizado, apesar das concessões programáticas.

Nesse quadro, é possível que haja ministros cometendo malfeitos, para usar uma expressão cara a Dilma, o que não quer dizer que se deva fechar os olhos para isso. Mas assim funciona essa gente. No entanto, é diferente quando pessoas de esquerda fazem coisa semelhante, cavando boquinhas para parentes em tribunais de contas, bajulando o mercado financeiro ou aceitando a devastação da Amazônia e da Mata Atlântica em nome de sabe-se-lá-o-quê.

Os prejuízos, aí, não devem ser contabilizados em reais, mas numa moeda muito mais importante na política: a credibilidade. Por isso é preciso atenção.

Lembremo-nos das lições de Ho Chi Minh.

Cid Benjamin é jornalista e autor de Gracias a la vida – memórias de um militante (Ed. José Olympio, 2013).

Walmir Rosário aborda a origem do "feriado" de Corpus Christi no Brasil
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Esse é um feriado – ou ponto facultativo – estranho, que ninguém sabe ao certo como aportou no Brasil com ânimo definitivo. Por ouvir dizer, me consta que iniciou como uma parada bancária e se perpetuou.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Lembro-me perfeitamente dos dias santos e feriados que eram respeitados no meu tempo de criança e adolescente. Nestas datas não precisávamos frequentar a escola, muito menos o trabalho, para os que já pegavam pesado no batente. Era uma festa. Embora soubéssemos pelo calendário, essas datas sempre eram acrescidas em função da tradição e legislação estadual ou municipal.

Além dos feriados corriqueiros, aqueles que se destacam na folhinha com letras vermelhas (acredito que para chamar mais a atenção), éramos avisados que dias tais não precisávamos vir às aulas, pois a cidade estaria em festa com sua micareta. Festejávamos os dias santos e o prefeito decretava feriado nas vitórias da seleção de Itabuna, sem contar os pontos facultativos no serviço público.

Vivíamos em constante estado de festa. E como hoje (08-06-2023), também chamado de quinta-feira, é dia de Corpus Christi, me encontro no perfeito gozo de um merecido descanso, apesar de não trabalhar formalmente. Esse é um feriado – ou ponto facultativo – estranho, que ninguém sabe ao certo como aportou no Brasil com ânimo definitivo. Por ouvir dizer, me consta que iniciou como uma parada bancária e se perpetuou.

Claro que esse feriado ou ponto facultativo (em algumas cidades) tem um pezinho na nossa ancestralidade portuguesa, com certeza, nas raízes da religiosidade e atendimento à bula papal editada por Urbano IV, lá pelos longínquos idos de 1264. Pelo que se sabe, o papa teria incumbido o grande filósofo São Tomás de Aquino para redigi-la, em comemoração a Corpus Christi.

Só que o papa Urbano IV não teve a felicidade de comemorar a data ou editar alguma indulgência, pois morreu logo após ter mandado instituir a homenagem, tanto é assim que a bula somente foi reafirmada pelo Concílio de Vienne, em 1311. No Brasil, pelas ordens do primeiro-ministro português Marquês de Pombal, as coisas políticas e religiosas não caminhariam mais juntas, portanto deveria acabar essas comemorações.

Mas ela – a data – resistiu bravamente e se encontra em nosso meio até os dias de hoje. O São João também sofreu as perseguições em nome do estado laico, e hoje não é comemorado em grande parte do Brasil. Em Itabuna, por exemplo, deixou de ser feriado há muitos anos e não tem mais a competência para fechar o comércio, indústria e serviços, embora os itabunenses se mandem para “forrozar” em Ibicuí e Jequié.

Lembro de certa feita em que os gerentes de bancos se sentiram atemorizados em funcionar em plena festa junina sem a devida segurança. É que grande parte da Polícia Militar teria sido transferida para os grandes sítios forrozeiros. E a solução encontrada foi sensibilizar o poder público municipal para decretar o competente decreto de ponto facultativo, extensivo à iniciativa privada, devido à possível insegurança. Fechou tudo.

Outro feriado tradicional de Itabuna era o dia do Caixeiro (comerciário), comemorado religiosamente em 30 de outubro, chovesse ou fizesse sol. De uns tempos pra cá, foi retirado do decreto e somente vale por acordo, através da negociação sindical, e em data móvel. Perdeu a graça, pois a maior comemoração era o Torneio Caixeiral, com a participação de cerca de 50 equipes formadas por comerciários. Nem lembram mais.

Duro mesmo eram as empresas e órgãos públicos que têm em seu quadro de pessoal itabunenses e ilheenses, independente do município onde está sediada, a exemplo da Ceplac e Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Elas fechavam nos feriados e dias santos das duas cidades. Com o passar dos anos, a Ceplac apertou a corda e a Uesc ainda manteve por muito tempo. Hoje não tenho informação de como é.

A Ceplac, na sua sede regional, passou a obedecer apenas os feriados e dias santos de Ilhéus, por estar em solo ilheense. À época foi um Deus nos acuda. Reclamações em todos os setores pelo antidemocrático gesto não comoveram os dirigentes. Daí, os inconformados servidores criaram uma comissão para tentar sensibilizar os diretores, reclamando do prejuízo de não poderem exercer suas religiosidades aos padroeiros.

Na Divisão de Comunicação éramos sempre escalados nos carnavais para noticiar a participação dos ceplaqueanos nos blocos e escolas de samba, sempre com muitas fotos publicadas no jornal interno Espelho Ceplaqueano. Então, um dos diretores, a título de brincadeira, sugeriu que poderiam até participar e que estenderiam as matérias jornalísticas do Espelho e, posteriormente da Agenda, para uma ampla cobertura nas missas e procissões, ressaltando a religiosidade dos servidores.

A partir daquela data não se soube mais de qualquer reivindicação dos fiéis religiosos. Até os dias de hoje não se sabe o motivo deles abandonarem seus santos padroeiros.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

O comandante Tedesco em sua cadeira de alumínio e titânio
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O que mais me chama a atenção é que esses generosos amigos sabem tudo a meu respeito, como o número do telefone (é claro, não a operadora), o endereço, o tal do CPF, carteira de identidade e até o banco por onde recebo minha parca aposentadoria. Pelo que me lembro, nunca repassei esse tipo de informação, nem mesmo numa boa farra. Mas, para nos ajudar, os verdadeiros amigos fazem de tudo.

Walmir Rosário

Já faz um bom tempo que venho matutando sobre a minha participação nas ditas redes sociais. Esse é um incômodo que vem me atormentando terrivelmente e, às vezes, me sinto devassado, a ponto de não saber mais se sou eu quem me domino ou os chamados amigos e seguidores. Volta e meia acredito que as pessoas sabem mais ao meu respeito do que eu mesmo.

De um certo tempo pra cá passei a ser mais seletivo ao atender ao telefone celular. Não sei como, todo o mundo sabe de cor e salteado o número do meu aparelho e tentam falar comigo. Não sou uma pessoa mal-educada, isso é fato, mas não tenho condições de atendê-los a qualquer hora do dia ou da noite. E o que é pior, atendo amigos que nem sei quem são e como os tornei do meu ciclo de amizades digitais.

Constrange-me viver a dizer não a essa legião de amigos, que entram em contato comigo com a finalidade de me servir. E bem, diga-se de passagem. Oferecem-me de tudo, desde dinheiro emprestado, cartões de crédito com recursos consideráveis liberados para que eu compre até o que não preciso. Sinto-me lisonjeado com a bondade de amigos que nem conheço e a confiança que em mim depositam.

Não raro me oferecem condições especiais para conhecer o mundo inteiro em moderno e maravilhosos transatlânticos, em viagens temáticas onde me sentiria um rei. Por vezes fico balançado em singrar os mares gozando do luxo disponível, mas nem sempre me sinto corajoso a ponto de me tornar um Pedro Álvares Cabral, um Américo Vespúcio, a descobrir terras desconhecidas. Minhas combalidas finanças não aguentam essas aventuras.

Bobagem, me dizem ao telefone. Você terá um prazo de parto de égua para pagar e em módicas prestações. Recebo uma aula das vantagens e do custo-benefício, das mordomias em terra e além-mar, do luxo das cabines, das quase 10 refeições diárias, da festa de gala com o comandante. E sem mais nem menos arrematam, basta apresentar seu cartão de crédito internacional que terá uma banda do mundo à disposição. Mas é aí que a porca torce o rabo.

Há algum tempo descobriram que sou uma pessoa religiosa e a partir de então minha caixa de Correios vive abarrotada. Recebo, regularmente, envelopes com terços, escapulários, fotos de santos, todas devidamente acompanhadas de um boleto com código de barras, onde descubro o preço dos mimos santificados a mim ofertados, desde que repasse uma contrapartida financeira.

O que mais me chama a atenção é que esses generosos amigos sabem tudo a meu respeito, como o número do telefone (é claro, não a operadora), o endereço, o tal do CPF, carteira de identidade e até o banco por onde recebo minha parca aposentadoria. Pelo que me lembro, nunca repassei esse tipo de informação, nem mesmo numa boa farra. Mas, para nos ajudar, os verdadeiros amigos fazem de tudo.

Num passado bem recente cheguei a receber – via e-mail – uma tentadora proposta de um corretor para adquirir uma linda e promissora fazenda no Mato Grosso, na qual poderia desfrutar de todos os prazeres da terra na casa mansão cercada de piscina, bares e churrasqueiras e áreas de esportes, enquanto administrava a propriedade. Aptidões não faltavam para plantar soja, algodão e criar milhares de bovinos. Esse, sim, realmente é um amigo que quer o meu bem.

De vez em quando me pego pensando não ser uma pessoa sociável, pois nada faço para retribuir a amizade e generosidade quem têm para comigo. Sou incapaz de convidá-los para um fim de semana em casa, um almoço ou até uma chegada num bar para desfrutarmos umas cervejas com um belo torresmo mineiro. Juro a mim mesmo que mudarei essa minha personalidade individualíssima.

Mas, confesso a vocês que nas redes sociais nem tudo são flores e já estou organizando uma lista para promover um corte na relação dos amigos de grupos de Whatsapp, que enchem nossa paciência e a memória do celular. Esses, sim, são mais individualistas que eu, pois chegam ao cúmulo de firmar uma série de obrigações e, além de não cumprirem, ainda exijam que eu faça por eles.

Todos os santos dias recebo mensagens e mais mensagens com cartões onde fazem promessas aos seus santos padroeiros e nos ameaçam caso não rezemos a quantidade de Pai Nosso e Ave Maria estipuladas. E é do tipo dá ou desce: se rezar sua conta no banco se encherá de dinheiro, mas, caso despreze as recomendações, todos os malefícios cairão sobre nossa descoberta cabeça. Fazem promessas e querem que eu pague. Porreta!

Prometo que deixarei as redes sociais e me aliarei ao capitão Miguel Fróes, ao comandante de longo curso Tedesco e ao artista plástico Eliomar Tesbita no estudo semanal das ilhas e barras canavieirenses. Singraremos da Barra Velha à Barra do Albino, com paradas para estudos e lazer, sem qualquer compromisso com redes sociais. Falta-me apenas adquirir uma cadeira reforçada como a de Tedesco, feita de alumínio e titânio, para instalar na lancha, um reforçado isopor para as cervejas e zarpar na próxima viagem.

Sem qualquer sinal de internet!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Rosivaldo diz que município poderá solicitar conferência, caso seja confirmada a redução populacional
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A cidadania precisa também alcançar a ponta dos nossos dedos no ambiente volátil das redes sociais. É preciso cada vez mais conexão entre cérebro, tecnologia e cidadania.

 

Rosivaldo Pinheiro || rpmvida@yahoo.com.br

Falar sobre qualquer tema é sempre um misto de satisfação e possibilidade de contraposição, principalmente nos tempos atuais, em que as redes sociais acabam sendo o ponto de encontro para embates ásperos, quase sempre abrindo espaço para a covardia se manifestar de maneira mais altiva. O que seria para uso de forma mais efetiva e produzir inclusão, possibilitando avanço acaba derivando para um ambiente onde a parte mais negativa do comportamento humano se revela.

Uma sociedade que vive sobre os pilares do ódio e da desinformação não pode falar de cidadania de forma mais aprofundada. É preciso que não se confunda liberdade de expressão com permissão para ofensa. Não é razoável que as fake news gerem riqueza para alguém enquanto impõem prejuízos para muitos, e, ainda assim, continuamos vendo a circulação em milhões dessas desinformações. As grandes plataformas precisam estabelecer regras e conter a prosperidade desses operadores.

Não dá para permitir a permanente prática de crimes, o incentivo ao ódio e a sensação de terra sem lei. Não parece algo difícil de ser controlado, vez que tudo e todos estão sob o controle dos algoritmos, sendo, portanto, perfeitamente possível que haja intervenção imediata por parte dessas empresas sobre os conteúdos postados e sinalização aos órgãos de justiça e a consequente punição para os que agem contra a cidadania.

Essa é uma reflexão que precisamos fazer de forma permanente, inclusive praticando a vigília diária dos nossos comportamentos e de tudo que compartilhamos nas redes e nos aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram.  Precisamos usar o mesmo conceito que conhecemos: só existe o roubo porque existe alguém se beneficiando do produto, então, só existirá o produtor de fake news se houver quem aceita, acredita e compartilha, quer seja por desconhecimento ou por má-fé. A cidadania precisa também alcançar a ponta dos nossos dedos no ambiente volátil das redes sociais. É preciso cada vez mais conexão entre cérebro, tecnologia e cidadania.

Rosivaldo Pinheiro é comunicador, economista e secretário de Governo de Itabuna.

Canavieiras em mais um registro de enchente na Capital do Caranguejo || Foto Walmir Rosário
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Apesar do rigor que o caso requeria, com pose de autoridade e boxeador, Valdemar Broxinha foi logo apresentando a solução: “A doutora tem que chamar o prefeito às falas, pois essa não é a maneira correta de tratar uma autoridade como Vossa Excelência, ainda mais não pagando as contas devidas”.

 

Walmir Rosário

Já diziam os mais antigos que é impossível lutar contra as coisas divinas, ou da natureza, como queiram. E a cada dia os sinais que recebemos ficam mais visíveis, reais. Somente não vê quem não quer. Mas, ousado como sempre fui, acrescento aqui que o tal do homem contribui bastante para acentuar as catástrofes que nos importunam a cada dia que passamos nesta terra.

Não podemos – nem devemos – desconhecer que usamos a ciência para desenvolver nossa vida, embora fechamos os olhos para em temas que não nos interessam, seja pelo alto custo financeiro, ou por puro descaso. O meio ambiente é o mais desprezado e nos atinge em cheio com as chuvas ou a falta delas. Se chove muito pedimos para parar, se a estiagem é prolongada rezamos para chover.

Desde a semana passada que os cientistas do tempo e clima nos alertavam para as fortes chuvas que se abateriam no sul da Bahia, recomendando cuidados especiais aos moradores ribeirinhos e praianos. E pergunto: fazer o quê? Não sair para pescar e evitar os fortes ventos e o mar revolto, ou não enfrentar as estradas para não dar de cara com as barreiras caídas, são simples precauções.

Mas não temos como evitar a força das águas enchendo e transbordando rios, derrubando casas nos morros, causando enormes prejuízos materiais, notadamente junto aos menos abastados financeiramente. Pior, ainda, são os danos morais sofridos por famílias inteiras ao ter que deixar suas casas e se abrigarem – coletivamente – em escolas, estádios de futebol, além de chorar a perda de seus familiares, mortos nos deslizamentos de terra.

Eu, pelo menos, não me sinto consolado com os anúncios dos governantes nas mídias, anunciando verbas a não acabar mais, para a reconstrução de estradas, moradias, construção de novas casas e tudo o mais que puderem prometer. Entra ano e sai ano, pasmem, os recursos não chegam, as obras não são construídas e aos moradores das encostas e baixios só restam rezar aos seus santos padroeiros para continuarem vivos.

Em Canavieiras não é diferente. Se não existem os morros e encostas, sobram rios e riachos em terras planas, muitas delas mais baixas que os cursos d’água e que formam grandes bacias. Quem mora nas redondezas não tem opção e só resta aguardar, pacientemente, as águas baixarem. Muitos deles, de forma inteligente, constroem suas casas no sistema palafita, para se livrarem de prejuízos maiores.

Não pensem os senhores que os prejudicados são apenas os ribeirinhos e moradores das encostas. Com o estrago feito pelas chuvas chega o desabastecimento de víveres, provocando o aumento nos preços, além do corte de outros serviços, a exemplo do fornecimento de energia elétrica, por conseguinte, de água. Pasmem! Quem mora ou morou em Canavieiras sabe muito bem os transtornos causados pela falta da eletricidade.

Neste domingo (23 de abril) à noite, enquanto orava em casa para que São Pedro desse uma trégua, fechando as torneiras celestiais, fomos surpreendidos pela escuridão. Se tínhamos água à vontade, ficamos desprovidos de energia elétrica. Um apagão geral em toda a cidade, nos privando do uso dos avanços da tecnologia, como a internet, o telefone, a televisão e o ar-condicionado. Isso até o dia seguinte.

Situações como essa me remete há muitos anos, quando era bastante comum a falta de energia elétrica em toda a Canavieiras. Por aqui se festejou bastante e até foi decretado feriado quando a Companhia Elétrica Rio de Contas (Cerc) trocou o velho motor pela energia da barragem do Rio de Contas. Foi um avanço e tanto, embora os transtornos continuaram, em escala menor, a bem da verdade. Pelo menos os os dissabores eram levados na gozação.

Veio a Coelba e a energia não resistia a uma pequena chuva por anos a fio. Desde os tempos em que a Cerc imperava as constantes falta de energia elétrica eram creditadas ao humor do chefe local, Valdemar Broxinha, o que não concordo. Penso eu que como Valdemar era implacável com o consumidor inadimplente, todas as culpas pelos apagões recaiam sobre ele, haja vista sua severidade no trato administrativo.

Na Confraria d’O Berimbau, local em que Valdemar Broxinha gozava de largo prestígio, principalmente se chegasse com o violão, era sobejamente comentada as suas peripécias com um influente político mandatário baiano. Os comentários versavam que assim que chegava o avião com a autoridade, ele providenciava um apagão, somente para alimentar os pernilongos com o sangue “azul” do executivo.

De outra feita, ao ser transferido para a vizinha cidade de Itapebi, se encontrava em pleno lazer no clube social, quando foi procurado por um serventuário da justiça, com um chamado urgente. O motivo era simplesmente porque a juíza da comarca se encontrava às escuras, com a energia de sua residência cortada por falta de pagamento. E a culpa não era da magistrada, mas da prefeitura, dona do imóvel, que não pagou a conta da energia.

Apesar do rigor que o caso requeria, com pose de autoridade e boxeador, Valdemar Broxinha foi logo apresentando a solução: “A doutora tem que chamar o prefeito às falas, pois essa não é a maneira correta de tratar uma autoridade como Vossa Excelência, ainda mais não pagando as contas devidas”. E se despediu garantindo que, no dia seguinte, assim que a conta fosse paga,a ligação elétrica seria imediatamente restabelecida.

Valdemar Broxinha sempre foi um homem de palavra. Sofríamos, é verdade, mas era divertido.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Leonardo Léo faleceu nesta quinta (27), aos 49 anos || Foto Nadson Carvalho
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“Encantou milhares de ouvintes na região e cultivou amizades às centenas. Pena que não entreguei em tempo uma letra para que, de repente, ele a transformasse em melodia”.

Fábio Lopes 

O roteiro não podia ser diferente para um leônico sambista partir. Na madrugada de sexta-feira, ainda que não fosse na boemia; embora não bebesse, mesmo sendo um sujeito família.

O fim de semana não será igual depois que o silêncio o abraçou, na figura de Leonardo Silva de Jesus. A beira da piscina está mais triste, o clima do barraco está mais árido, o volume do som do carro está mais baixo. Tudo que ele, talvez, tenha lutado contra, durante 49 anos.

Por falar do verbo, que tal usar o substantivo luta, que acompanhou a vida de Leonardo Léo  desde a tenra idade? A perda precoce do seu genitor Élio, os filhos mais que especiais Nadine e Joatan, a saudosa sobrinha, o incansável trabalho cotidiano na Secretaria de Saúde, em Ilhéus. E o refúgio, a fortaleza, onde ele recarregava suas energias, era o samba, o colo da amada Bruna, o pagode, os braços da mainha Airam, as composições, o afago dos irmãos Hélio e Eliã, os shows, os abraços dos amigos.

Léo não matava um leão por dia, porque, além de semelhante não matar semelhante, ele resumia sua feição sempre num sorriso contido e tímido, ou mesmo largo e fácil. Gentil e sereno, firme para agradecer e fiel ao cantar para Deus. (Rugido de leão pode ser ouvido até nove quilômetros de distância).

Encantou milhares de ouvintes na região e cultivou amizades às centenas. Pena que não entreguei em tempo uma letra para que, de repente, ele a transformasse em melodia. Entretanto, nada fez falta ao vasto repertório deste ser iluminado, que irradiava alegria por onde sua música percorria. Gigante, ele abrigava tanto amor no peito que o seu coração – que entregara a Bruna e a Léo Elio, e a todos – não resistiu a tamanha emoção. Por sinal, o nome científico do leão é Panthera leo.

Agora, “leônicamente”, ele segue na luz, ao encontro do pai e do Pai Celestial. A configuração é essa.

Fábio Lopes é publicitário.

Manuela Berbert escreve sobre a importância da vocalização de sentimentos
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Por ser um canal de diálogo para milhares de pessoas, através das minhas redes sociais e tantos veículos de comunicação, posso também ser ponte de transformação e ajuda para muitos. Não esqueçam: aquilo que você cala, o corpo vai lá e fala!

Manu Berbert

A vida é mesmo uma pecinha de teatro que não permite ensaios, e quando as coisas saem literalmente dos trilhos a nossa ficha cai com mais força. Por aí também é assim?!

Uma das minhas novas manias é escutar podcasts. Seja nas caminhadas, dentro de casa, no carro, tô sempre lá, escutando algo ou alguém que me faça pensar, refletir, analisar a vida. Pois bem: ontem estava escutando uma edição interessantíssima com Ana Clara, apresentadora da Rede Globo, figura carismática descoberta por Boninho em um desses BBBs da vida. Nele, ela conta que recentemente foi internada por conta de um surto emocional. Uma coisa pra resolver, duas, três, uma notícia boa aqui, uma ruim ali, muitas informações de vez para lidar e, ploft, a mente não suportou. Acontece com mais facilidade do que se sabe, e que bom que essas pautas hoje têm sido faladas sem rodeios.

Estamos em uma era de muita informação. Todas de vez! Na palma da nossa mão! E para piorar, os acontecimentos parecem se desenvolver na velocidade da luz. A maioria das profissões atuais pede habilidade emocional, agilidade, perspicácia e bom senso, mas nem sempre o nosso corpo e a nossa mente conseguem acompanhar, lidar e dar conta disso tudo de vez, e cada vez mais pessoas têm uma espécie de exaustão mental. Aconteceu comigo recentemente, e a clareza de se perceber fora de si é uma das sensações mais conflitantes que existem. E o mais interessante: nem sempre o gatilho é algo ruim. Às vezes, são boas notícias também. Novas fases, novos projetos, como a moça narrou no programa: “são tanta coisa de vez, que você não sabe o que fazer com tudo!”.

Por outro lado, e meu texto é sobre isso, o acesso a tratamentos, técnicas, informações, segue na mesma proporção. Se antigamente os casos isolados amedrontavam famílias, hoje é bem comum a ajuda coletiva. Basta abrir a boca, contar sua experiência, e aparecem inúmeros amigos contando casos parecidos, enumerando recursos, indicando profissionais. E a decisão de escrever sobre isso, hoje, vai por esse caminho. Por ser um canal de diálogo para milhares de pessoas, através das minhas redes sociais e tantos veículos de comunicação, posso também ser ponte de transformação e ajuda para muitos. Não esqueçam: aquilo que você cala, o corpo vai lá e fala!

Manu Berbert é publicitária.

Dirigentes e jogadores do Botafogo do Conceição, na década de 1950
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“Até hoje o jornalista e escritor Antônio Lopes lembra com tristeza e nostalgia do clima fúnebre que tomou conta da cidade. Deste dia em diante, ficou terminantemente proibido a qualquer torcedor relembrar essa data”.

Walmir Rosário 

No dia 17 de julho do ano da graça de 1952, o Botafogo do bairro da Conceição aplicou uma derrota histórica na equipe do Brasil de Buerarema. O homérico feito foi comemorado em toda a cidade com muita festa, especialmente no bairro da Conceição, sede do Glorioso Alvinegro. Foram três dias de festejos, não só pelo futebol jogado, mas, sobretudo, por não se intimidar com a violência do adversário.

Acostumado a demolir as equipes que jogavam contra ele em seus domínios, como narravam os cronistas da época, o Brasil de Buerarema não resistiu ao sistema tático implantado pelo técnico Caticure. A estratégia foi preparada após 15 dias de muitos treinamentos, todos realizados a sete chaves, portanto, fora dos olhos dos espiões contratados a peso de ouro por Paulo Portela, cartola do time da vizinha cidade, ex-distrito de Itabuna.

Considerado imbatível em seus domínios, o Brasil de Buerarema, possuidor de uma equipe com jogadores famosos, não só pela competência futebolística, mas, sobretudo, com a catimba e vigor físico. Bem mandados, os atletas bueraremenses não levavam dribles tomados para casa (achavam o pior dos desaforos) e resolviam a parada dentro de campo mesmo. “Do pescoço para baixo era tudo canela”, costumavam dizer repetindo a recomendação dos cartolas.

Para enfrentar o Brasil, os cartolas botafoguenses montaram uma verdadeira operação de guerra, da qual não faltaram cuidados com o físico dos jogadores, sistema tático caprichado, principalmente no meio de campo, responsável por desmanchar as jogadas do Brasil, ainda no campo adversário.

Uma das recomendações expressas do médico João Monteiro – um grande pediatra – foi fiscalizar os jogadores dia e noite para evitar os excessos etílicos. Pedrinha ainda se recorda de ter sido proibido de frequentar os bares, passando 15 dias em jejum etílico e amoroso, tudo pelo bem do resultado positivo.

Chegado o dia, o Botafogo e a torcida embarcam em três ônibus da Companhia de Viação Sul Baiano (Sulba) e entram triunfalmente na vizinha cidade de Buerarema. A responsabilidade era grande, pois, até aquela data, pouquíssimos times de Itabuna se atreviam a jogar contra o Brasil em Buerarema, o que aumentava o desafio.

Início da partida, os dois times se estudam até os 10 minutos, quando é desmontada uma jogada no meio de campo, e o Botafogo marca o primeiro gol, para o desespero dos bueraremenses, que não acreditavam na petulância dos adversários em abrir o marcador.

A torcida não se conforma e passa a pedir mais energia nas jogadas, querendo o corte das cabeças dos alvinegros. Aliás, pedir é pouco, exigiam, aos berros, que seus vigorosos zagueiros se redimissem da honra ferida. Queriam, é verdade, que, além de derrubarem os alvinegros, ainda chutassem os “traseiros” para matar as jogadas no nascedouro.

Sem conseguir atender à torcida, ao pressentirem que os jogadores botafoguenses não se incomodavam com as tentativas de constrangimentos físicos e morais, isso deixava os atletas da casa ainda mais nervosos. Como não conseguiam conter o ímpeto dos itabunenses na bola, passaram a apelar para as faltas, o que facilitou ainda mais as investidas a gol do adversário, com o placar marcando 3X1 para os visitantes no primeiro tempo.

No intervalo, uma comissão de convencimento formada pelos cartolas de Buerarema, auxiliados por dois jagunços (nome dado à época aos seguranças) com facões à mostra, foram fazer uma reclamação ao árbitro, com relação ao número de faltas. Para eles, o que o juiz da partida estava fazendo era um absurdo para com um time tão disciplinado. “No máximo, existiram apenas duas ou três faltas, mesmo assim, sem qualquer violência”, disseram.

Os jogadores, torcida e cartolas não se conformavam com a ousadia do Botafogo do bairro da Conceição em chegar em Buerarema, não tomar conhecimento do adversário e, ainda por cima, marcar três gols no primeiro tempo. A vingança chegaria a cavalo no segundo tempo, prometiam. Eram uns desaforados esses jogadores itabunenses.

Assim que iniciaram o segundo tempo, os jogadores do Brasil partiram pra o ataque e, aproveitando um descuido da zaga, marcaram o segundo gol, para delírio da torcida local. Aí, então, começou a catimba, as faltas mais perigosas que o árbitro fingia não ver, até que o Brasil empatou e, cinco minutos depois, marcou o quarto gol.

Aos 40 minutos do segundo tempo, o técnico Caticure chamou a atenção dos jogadores do Botafogo para aplicar uma das estratégias e, finalmente, aos 42 minutos, o Botafogo marca o quarto gol. Quando o Brasil pensava que estava de alma lavada para garantir o empate, eis que, como num passe de mágica, o time itabunense surpreende o adversário e surge o quinto gol, para o desespero da torcida local.

Se bem que o árbitro ainda tentou dar mais umas duas oportunidades de ataque para o Brasil de Buerarema, porém sem qualquer chance. Ao apitar o término da partida, o árbitro e os bandeirinhas trataram de se refugiar, e a torcida revoltada deixou o campo xingando o seu próprio time.

Até hoje o jornalista e escritor Antônio Lopes lembra com tristeza e nostalgia do clima fúnebre que tomou conta da cidade. Deste dia em diante, ficou terminantemente proibido a qualquer torcedor relembrar essa data e o dia 17 de julho de 1952. Ela foi considerada maldita e riscada da história das partidas do Brasil Esporte Clube, o famoso BEC, humilhado em seu próprio domínio pelo Botafogo do bairro da Conceição.

Essa história foi contada por um participante ativo dos fatos, o jogador Macaquito, ao seu filho, o professor e advogado Cosme Reis, que também brilhou no Botafogo do bairro da Conceição, não este da história, mas o Botafogo juvenil, treinado pelo também advogado José Oliveira, o Zito Baú.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Hoje vivemos a velocidade alucinada da contemporaneidade. Não enxergamos nada, não absorvemos nada. Apenas vivemos de forma líquida, sem nos determos às essências da existência.

 

André Curvello

Há alguns dias tive a chance de rever o mais famoso discurso do reverendo pacifista Martin Luther King Jr. Em 1963, ele falou para 250 mil pessoas no Lincoln Memorial, em Washington, Estados Unidos. Foi a primeira vez que assisti à versão colorizada daquele que considero como um dos melhores falas já proclamadas.

Graças à generosidade dos meus pais, consegui estudar nos Estados Unidos e tive a oportunidade de conhecer um pouco da história norte-americana. Digo generosidade porque sei do imenso sacrifício que eles fizerem para me proporcionar aquela experiência inesquecível. Faço questão de sempre, sempre mesmo, agradecer a ambos, sem os quais eu não seria nada. Eles acreditaram em mim e até hoje tenho minhas dúvidas se consegui corresponder. Sigo tentando.

Aquele discurso do pastor batista King Júnior continua atual e fantástico. Era um líder negro que defendia o fim da segregação racial de forma pacífica e ordeira, enfrentando um câncer chamado preconceito, enraizado em instituições como a Ku Klux Klan, braço de um preconceito estúpido e desumano. Não era apenas a KKK o símbolo da imbecilidade racista e, sim, a sociedade americana da época, com sua estrutura legal, organizada e opressora.

No passado, a abolição da escravidão terminou sendo fator preponderante para a eclosão de uma página triste e sangrenta na história americana, a Guerra de Secessão, em que irmão levantou armas contra irmão. E nem assim aquele país aprendeu a ser tolerante.

Voltemos ao discurso de Luther King, justíssimo vencedor do Nobel da Paz de 1964. Intitulado “Eu Tenho Um Sonho”, prega a igualdade, a fraternidade entre brancos e negros, entre pessoas que deveriam ser qualificadas pelo seu comportamento e caráter e não pela cor da sua pele.

Recentemente, também tive a oportunidade de assistir, talvez pela milésima vez (estou exagerando!), ao filme O Poderoso Chefão, obra magnífica de Francis Ford Copolla. São espetaculares as interpretações de Marlon Brando e de Al Pacino, pai e filho, líderes do clã mafioso Corleone. Em uma das passagens, percebi, pela primeira vez, um diálogo que sempre me passou despercebido.

Naquela Nova Iorque de Mario Puzzo, ainda inocente diante das drogas e seus efeitos que tanto males provocam à sociedade, um dos chefões, ávido pelo lucro fácil da venda de entorpecentes, defende o comércio dessas substâncias desde que seja distante das escolas e das crianças. E ressalta: que a droga seja consumida pelos negros porque, de acordo com a fala da personagem, eles não eram gente. Sim, o racismo estava lá, indelével!

Do Eu Tive um Sonho do doutor King Jr. até os dias de hoje lá se vão 60 anos. Deixamos de ser hipócritas e preconceituosos durante esse período? Temo que não. É verdade, adquirimos muita tecnologia e com ela a possibilidade da democratização da informação, da disseminação do conhecimento, da convivência pacífica e da tolerância entre os seres humanos.

Porém, o que fizemos foi solenemente desperdiçar esse ouro comportamental, e passamos a mobilizar a internet e as redes sociais para propagar o ódio e o preconceito. A tecnologia deveria ser um instrumento de fortalecimento do respeito, pois sem ele a sociedade não evolui de forma saudável.

Hoje vivemos a velocidade alucinada da contemporaneidade. Não enxergamos nada, não absorvemos nada. Apenas vivemos de forma líquida, sem nos determos às essências da existência.

É preciso acordar para a reflexão urgente sobre a velocidade atroz e a lenta destruição que ela provoca em nosso humanismo. Sem respeito e sem Deus no coração, nos transformamos apenas em negação, em nada, em ninguém.

Quando me refiro a Deus, me sinto muito a vontade para falar em amor e respeito. Não tenho conhecimento sobre qualquer religião, o que defendo é respeito, é gentileza e solidariedade. A indiferença não constrói. Ela nos afasta e nos esvazia.

Martin Luther King foi um grande homem com inúmeros serviços prestados à humanidade. Sua obra nos convoca a um exercício contra a omissão, para escaparmos da sina de sermos nada e ninguém. Eu continuo tendo um sonho.

André Curvello é secretário de Comunicação da Bahia.

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Quem vive como se tudo soubesse ou possuísse perde uma grande oportunidade de ser mais. De viver mais!

 

Manu Berbert 

Tenho resgatado uma das coisas que as responsabilidades do empreendedorismo me furtou, que é o prazer pela leitura e pela escrita. Devagarinho, porque não é todo dia que a gente acorda muito inspirado e talvez seja o excesso de informações (muitas desnecessárias) que as redes sociais nos trazem logo cedo, mas essa pauta eu vou deixar para outro texto…

Tenho seguido sem estabelecer dia, tema ou qualquer outra dinâmica para a escrita, mas, às vezes, já acordo com vontade de abrir o computador e soltar umas palavrinhas ao vento. Experiências, observações sobre o cotidiano e, por vezes, contos enriquecidos com a imaginação fértil desta escritora adormecida são as minhas prioridades. Hoje, por exemplo, abri o computador disposta. Na sequência, como que num chamado sobrenatural, apitou o meu whatsapp e fui dar uma olhadinha. Era um amigo, enviando uma foto de um caminhão de mudança à sua frente, desabafando: “Minha gente, olha como a gente não é nada: minha vida em um caminhão-baú! Depois o corpo vai em outra caixa! E a vida é assim, né?!” Fantástico! Vou escrever sobre isso!

O medo que as mudanças acarreta é altamente proporcional à imprevisibilidade da vida, e a gente nem se dá conta. Não sabemos se estaremos sequer vivos amanhã, mas vivemos como se tudo fosse eterno, apegados a coisas, pessoas e situações por vezes desesperadamente. Lembrei, automaticamente, da minha saída da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna. Foram oito longos anos no Marketing da instituição até me perceber não mais lá, embora estivesse presente todos os dias. Queria realizar eventos, ser livre para ousar em outras áreas, mas o medo do novo me impedia de avançar. O famoso medo da troca do “certo pelo duvidoso”, que a gente aprende bem pequenininho sem nem saber quem criou!

Um dia acordei cheia de coragem, sentei de frente para o então diretor, André Wermann, e pedi o meu desligamento. Ele pediu que retornasse à minha sala e encaminhasse o pedido via e-mail, com os demais em cópia. Assim o fiz, abri as minhas gavetas e, atônita, decidi não levar nada. Saí, cheguei em casa e chorei muito com uma sensação de “aquilo ali vai funcionar sem mim!”. Um vazio devastador que durou até o anoitecer. No outro dia, quando acordei, sorri do meu próprio sofrimento e segui. Alguns anos se passaram e até hoje tento lembrar quais foram os objetos pessoais que abandonei naquelas gavetas. Mas, claramente, nunca me fizeram falta!

A vida não permite ensaios e o destino não erra de endereço. Quando ele quer que algo aconteça na sua vida, ele vai te encontrar esteja você onde estiver. Porém, ele não entra em portas emocionais fechadas! As mudanças nos trazem novas oportunidades, experiências, pessoas e, claro, lembranças. Quem vive como se tudo soubesse ou possuísse perde uma grande oportunidade de ser mais. De viver mais! E escrevo esse texto para que eu mesma também me recorde disso tudo nos momentos de apego excessivo ao que de fato carece de ir. O que a vida quer da gente, sem sombra de dúvidas, é sempre coragem para seguir!

Manu Berbert é publicitária!