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Sentindo o cheiro de maracutaia, Gabriel Nunes se dirige a Salvador com Gérson Souza e descobre o plano de colocar o Itabuna na geladeira por vários meses, enquanto o Bahia disputaria o Brasileirão.

Walmir Rosário

Em 1970, tudo indicava que o Itabuna Esporte Clube pretendia se tornar tema de peça teatral do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, com direito ao personagem Sobrenatural de Almeida mandando na trama. Pois é, disso não duvidem, jamais. Neste ano, o Azulão, o Meu Time de Fé, esteve no inferno, passou pelo purgatório, aterrissou no céu e novamente desceu ao fogo do inferno.

E não era pra menos. No início do ano era um time insolvente, falido, sem diretoria, largado ao Deus Dará, quando em fevereiro de 1970 o advogado Gabriel Nunes reúne uma diretoria para assumir o clube. Mesmo sem experiência alguma na administração de clubes de futebol, a diretoria arregaça as mangas e inicia um trabalho para tirar o Itabuna do enorme atoleiro em que se encontrava.

O único saldo positivo eram 22 jogadores, na grande maioria amadores, e alguns profissionais remanescentes do time de craques que contratara. E assim começaram a disputar o Campeonato Baiano de 1970. O que a diretoria não contava era a concorrência da Copa do Mundo, na qual o Brasil se sagrou tricampeão no México, e  do inverno rigoroso, que afastavam a torcida dos estádios.

Neste ano, o certame baiano era visto pela Federação Bahiana de Futebol, além de Bahia e Vitória, apenas como compromisso de segundo plano, pois esses dois times pretendiam mesmo era jogar o Campeonato Brasileiro. Em Itabuna, os planos de Gabriel Nunes eram bem mais modestos, como recolocar o Itabuna no cenário futebolístico que pertencia. O grande entrave era a falta de dinheiro para honrar as dívidas e formar um bom time.

Grande parte dos atletas do Itabuna exercia outra profissão, como Carlão, taxista em Ilhéus; os goleiros Luiz Carlos, bancário; Galalau, segurança bancário; e por aí afora. Diante do caos reinante, o presidente Gabriel Nunes encontrava dificuldades em contratar ônibus para o transporte dos atletas e da torcida, além de honrar com o pagamento de salários e bichos nas vitórias.

A cada jogo era um sufoco e era preciso fazer campanhas para arrecadar dinheiro junto à torcida. Como não haviam recursos para pagar os jogadores, a diretoria recorre à parceria. Os atletas abririam mão dos salários e bichos e receberiam 70% da renda que o Itabuna faria jus e os outros 30% ficariam para as despesas. Àquela época, o vencedor ficava com 60% e o perdedor com 40%, tiradas as outras despesas.

Imediatamente todos toparam. E o presidente Gabriel Nunes fez um alerta: temos que ganhar os jogos para levarmos 60%, o que mexeu com o brio dos atletas. Logo no segundo jogo, o Itabuna perde para o Galícia, no campo da Graça, por 1X0, gol de Élcio, ex-Itabuna. No próximo jogo, contra o Vitória, os guerreiros de Itabuna conseguiram virar o jogo e aplicar 2X1 no rubro-negro baiano, ganhando a confiança da fanática torcida.

Outra prova importante foi contra o timaço do Feira Tênis Clube. O jogo foi realizado em Itabuna debaixo de uma forte chuva. Quando o zagueiro Americano atrasou a bola para o goleiro Betinho, ela parou numa poça d’água, e o Feira marcou 1X0. No intervalo, Gabriel vai ao vestiário e conversa com os jogadores. Americano pediu que a diretoria ficasse tranquila, pois ganhariam o jogo. Ao final, 2X1, conforme prometido.

Outra partida hercúlea foi contra o Jequié, outra sensação do interior. Só que o Itabuna não tinha dinheiro para contratar os ônibus e tampouco se hospedar num hotel. A proposta era viajarem no dia do jogo, em carros dos diretores, fazerem uma parada para o lanche na estrada, jogar a partida e fazer nova parada para outro lanche reforçado na volta, o que foi prontamente aceito por todos.

Só que a imprensa divulgou essa notícia, mexendo com os brios dos torcedores, que logo se movimentaram com as famosas vaquinhas. Um torcedor itabunense que morava em Jequié reuniu outros conterrâneos e pagaram o hotel; os de Itabuna pagaram as despesas com as refeições, e Frederico Midlej conseguiu os ônibus para o transporte. O resultado do jogo foi 1X1.

Mais pra frente, o Itabuna empata com o Bahia no campo da Graça. E esta viagem foi mais uma epopeia, com a entrada de Gabriel em campo, para fazer uma campanha na Rádio Difusora e conseguir as 28 passagens de avião junto a José Laurindo, representante da Aviação Sadia. O sucesso foi tão grande que foram doadas 30 passagens. Novamente, Frederico Midlej consegue mais dois ônibus para a torcida e a charanga.

Das 16 partidas do segundo turno, o Itabuna vence 13 e se torna o time a ser batido pelo Bahia e pelo Vitória. Faltava apenas um jogo para o Itabuna Esporte Clube ganhar o segundo turno e se tornar um dos finalistas, indo para a disputa do título com o Bahia. Em 13 de setembro de 1970, o Itabuna enfrenta o Ideal de Santo Amaro, bastando um empate para se tornar campeão do segundo turno. E assim foi feito.

No dia seguinte, o presidente Gabriel Nunes liga para o interventor da Federação Bahiana, Cícero Bahia Dantas (do departamento jurídico do Bahia), para marcar os jogos, que seriam disputados numa melhor de três (um jogo em cada sede e outro em campo neutro). Sem mais delongas, o interventor pede que Gabriel ligue na próxima semana, pois existia um recurso impetrado pelo Bahia.

Sentindo o cheiro de maracutaia, Gabriel Nunes se dirige a Salvador com Gérson Souza e descobre o plano de colocar o Itabuna na geladeira por vários meses, enquanto o Bahia disputaria o Brasileirão. E assim foi feito. Jogaram no lixo o regulamento do campeonato, e o Itabuna amargou mais uma derrota no tapetão baiano, prejudicando uma equipe módica e vencedora.

De início, a diretoria imaginou dar o troco, convidando o Fluminense de Feira, último campeão, para jogar em Itabuna e colocar as faixas no verdadeiro campeão, o que não foi aceito pela Assembleia Geral. Vencido o mandato, a diretoria liderada por Gabriel Nunes entrega o Itabuna Esporte Clube saneado, já vice-campeão, enquanto a nova diretoria teria o compromisso de jogar as partidas finais três meses depois.

O Itabuna vencedor foi desfeito e tomou duas goleadas. Na primeira, 3X0, no dia 13 de dezembro, e na segunda, 6X0, em 16 de dezembro. Era assim o futebol baiano.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

* Na foto do time, em pé: Gabriel Nunes (presidente), Ailton, Betinho, Americano, Caxinguelê, Chuvisco, Reizinho, Ivo Hoffmann (técnico), Zé Rodrigues (roupeiro) e Ramirez Silvane (representante em Salvador); e agachados: Miltinho, Luizinho, Carlão, Ronaldo, Romualdo, Tombinho (massagista) e Antônio da Silva Júnior (gerente da Casa do Atleta). O mascote é o ex-jogador Gilberto (filho do lendário Santinho).

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Se o costume persistir, será preciso uma força-tarefa para realizar a exorcização dessas pessoas que pretendem ser mais reais do que o rei. E viva São Boaventura.

 

Walmir Rosário 

Só Deus nessa causa para que tudo volte à normalidade! Estou falando do cortejo que sai da praça Maçônica todo o último domingo antes do dia 14 de julho, data dedicada a São Boaventura. Assim que chegam à praça São Boaventura, um grupo de baianas estilizadas lava as escadarias da igreja matriz e, por extensão, os políticos, turistas e fiéis que participam do evento profano.

A cada ano a tradição é ultrajada, e neste ano da graça de 2022 o esculacho foi geral, com o fim da lavagem da escadaria da igreja, embora as baianas carregassem, durante todo o cortejo, cântaros e pequenos vasos com a água de cheiro destinada à limpeza. Pelo menos já sabemos que não foi falta de água, para que não se culpe a Embasa ou rio Pardo pela escassez do precioso líquido.

Pouco importa a tradição, definhada ao longo dos anos e ao sabor dos políticos. Sim, porque a festa é coordenada pelo prefeito desde que iniciou lá pelo ano 1978 – século passado –, criada pelo prefeito da época, Almir Melo. Coordenada por Trajano Barbosa, era realizada nos mínimos detalhes, inclusive com a lavagem do interior da igreja, suprimida anos depois, mantendo a tradição apenas na área externa.

A quebra da tradição também é verificada quanto ao cortejo, que sempre contou com peças e alegorias sobre a vida do Santo. À frente, o mandatário e seus representantes políticos nas diversas instituições do legislativo, seguido por grupos de diferentes ideologias, cada qual coeso no seu bloco, como manda a democracia. Os políticos, é bom que se diga, sempre se revezavam, conforme o mandatário municipal.

Em 2020, com a pandemia da Covid-19, poucos se incomodaram com a tradição e a fé no santo padroeiro São Boaventura. Por pouco passaria em branco, não fosse o fervor dos vizinhos da igreja, capitaneados por Antônio Tolentino, sua filha Fafá, e mais dois ou três vizinhos. Só e somente só, essa meia dúzia de fervorosos chegaram com latas d’água, mangueiras e vassouras para cumprir a devoção.

E o ex-bancário e ex-secretário Antônio Amorim Tolentino (Tolé), se queixa até hoje das mudanças feitas pela direção da Igreja Católica, em Salvador, em relação aos festejos profanos da lavagem da Igreja do Bonfim, que se refletiu também Canavieiras. “Apesar disso, não conseguiram diminuiu a devoção e o brilho da festa”, opina. Mas esse não foi o primeiro gol contra São Boaventura.

Os católicos mais tradicionais também se queixam da mudança da data em que São Boaventura era comemorado. Antes festejado no dia 15, foi retroagido para o dia 14 de julho, simplesmente porque o vigário da época pretendia participar da festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da vizinha cidade de Belmonte. Essa transferência criou uma polêmica na comunidade católica, resolvida posteriormente com um armistício.

E Tolé era um dos inconformados com a quebra das tradições, tanto que, junto com o jornalista Tyrone Perrucho, Raimundo Tedesco e outros fiéis desocupados organizavam a comemoração no dia 15, em frente a igreja. Durante todo o dia espocavam fogos, bebiam, comiam e debatiam a vida do Seráfico Doutor da Igreja Católica até o sol se pôr ou a bebida acabar.

Conversava eu com uns amigos durante a passagem do cortejo sobre a mudança dos convidados dos mandatários municipais. Eu simplesmente não conseguia entender o motivo. Foi quando um professor que nos assistia teve a gentileza em nos explicar que seria devido à teoria da satisfação das necessidades. Se os primeiros convidados já satisfizeram as reivindicações anteriores, nada como os novos para as seguintes.

E o professor ainda teve a gentiliza de anotar o nome de um cientista social, um tal de Maslow, que explicava direitinho que a cada necessidade satisfeita imediatamente surgiria uma nova, que também deveria ser satisfeita, até completar a pirâmide. Como não conheço bem dessas artes, acreditava piamente que eram traições políticas, no que fui repreendido por não ter estudado o suficiente.

Estou bastante receoso com o cortejo de São Boaventura no ano que vem, pois posso ser surpreendido com a falta de outro elemento importante do importante festejo, além da lavagem da escadaria, já consumada. Conta a história, que por essas e outras heresias, a imagem de São Boaventura teria sumido da igreja matriz de Canavieiras, sendo encontrada no distrito do Poxim da Praia, onde apareceu após um naufrágio.

Há poucos anos, outro santo também se rebelou em Canavieiras. Foi o poderoso e reverenciado São Sebastião, que teimou em não fazer subir seu mastro na festa da Capelinha, após mudanças e quebras de tradição. Se o costume persistir, será preciso uma força-tarefa para realizar a exorcização dessas pessoas que pretendem ser mais reais do que o rei. E viva São Boaventura.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Dedé do Amendoim é, ao lado do Caboco Alencar, um dos personagens mais fascinantes da boemia itabunense, com histórias que dariam um livro.

 

Daniel Thame

Após 46 anos percorrendo os bares de Itabuna com sua inseparável bicicleta, vendendo amendoim e ovo de codorna, Dorival Higino da Silva, também conhecido como Dedé do Amendoim ou, por motivos óbvios, Tesão, pendurou as chuteiras e os pedais em 2016.

Com oito filhos criados graças à sua labuta incansável, ele decidiu que era hora de parar, curtir a família e torcer/sofrer com o Vasco da Gama, seu time de coração.

Como Pelé, deixou sucessores na labuta para ganhar honestamente o suado pão de cada dia, mas não substitutos, porque Dedé é dessas figuras que merecem o adjetivo “insubstituível”.

Dedé do Amendoim é, ao lado do Caboco Alencar, que teve que fechar o ABC da Noite por conta da pandemia, mas ensaia uma reabertura gradual e segura, um dos personagens mais fascinantes da boemia itabunense, com histórias que dariam um livro.

Uma delas, ocorrida em meados dos anos 90, dá bem a dimensão do estilo Dedé. Vendia ele seus amendoins e seus ovos de codorna no Katiquero, vestindo com orgulho uma camisa do PT, quando um desses babacas que infelizmente poluem os bares perpetrou:

-Tira a essa camisa horrível que eu compro tudo…

Ao que Dedé respondeu na lata:

-Pois pra gente como você eu prefiro não vender nada…

E seguiu em frente, com sua bicicleta e sua dignidade.

Em tempo 1: Dedé recolheu-se em sua residência no bairro de Fátima, vitimado por grave enfermidade. Com as complicações clínicas agravadas, Dedé do Amendoim, faleceu na madrugada deste sábado.

Dedé foi vender seus ovos de codorna e seus amendoins lá no céu (fico aqui imaginando uma orgia angelical dados os efeitos propagados do amendoim).

Tomara que tenha deixado seu exemplo de dignidade aqui na Terra mesmo. Estamos precisando muito.

Em tempo 2: O Katiquero reabriu com outro nome e outro proprietário . Ou seja, não reabriu…

Em tempo 3: O corpo de Dedé do Amendoim está sendo velado na Funerária Paulo Preto, na Rua Antônio Muniz, em Itabuna. O enterro está marcado para as 10h deste domingo (10), no Cemitério Campo Santo, em Itabuna.

Daniel Thame é jornalista e amigo de Dedé do Amendoim.

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Igreja ao lado de bar é concorrência desleal e sempre poderá passar por sérios dissabores e insolúveis problemas.

Walmir Rosário

Calma, eu explico: nem morreu nem morrerá tão cedo, pois ouvi dizer que está imortalizado no álcool. Também não confundam o título com matéria que ele mesmo escreveu – há anos, no saudoso Tabu –, descrevendo sua morte. Não, o cabra – Tyrone Perrucho – está e continuará vivinho da Silva por muitos e muitos anos, pelo menos em nossa memória. O problema é outro e muito sério, como passarei a descrever.

É que anos passados o jornalista desocupado Tyrone Perrucho deixou sorrateiramente Canavieiras por duas vezes em direção a Barra Grande, município de Maraú, uma delas na companhia de Alberto Fiscal, lá conhecido como Alberto Coletor. Nesta primeira viagem, de cunho eminentemente turístico, se divertiu a valer e até provou da cerveja Heineken pelo alvissareiro preço de R$ 10,00.

Já na segunda turnê, saiu à francesa, sem se despedir ou dar um simples até logo a nenhum dos amigos e criou uma comoção nos diversos estabelecimentos do ramo etílico devido ao seu sumiço. Num belo dia, quando ainda estagiava nas artes do WhatsApp, disparou dezenas de postagens em que registravam visitas suas às igrejas chamadas popularmente de evangélicas.

Se por um lado despreocupou os confrades d’O Berimbau e do Clube dos Rolas Cansadas, deixou as cabeças de outros totalmente baratinadas, dado a esse interesse mais que repentino em frequentar as chamadas “Casas de Deus”. Assim que chegou à Confraria d’O Berimbau, no sábado seguinte, o confrade Raimundo Tedesco decifrou o enigma, informando ser uma ideia fixa dele, ainda dos tempos de rapazote.

E discorreu sobre sua primeira incursão numa igreja evangélica, prontificando-se a congregar com os irmãos, chegando a receber o sacramento do batismo em um sábado solene. Toda essa religiosidade – segundo o amigo Tedesco – estaria fundamentada no interesse numa das irmãs em Cristo, a quem prometera casamento, desde que a conhecesse mais intimamente, proposta tida como indecorosa pela quase futura noiva.

O “Batizado do Irmão Tyrone” deu o que falar naquela Canavieiras de ontem e rendeu uma poesia, distribuída fartamente (e ainda guardada até hoje) em todos os recantos da cidade, com a foto do inusitado acontecimento. Desfeita a quase união, Tyrone Perrucho não deixou o hábito – há quem diga que é tara – de se bandear para igrejas, com segundas intenções.

Alguns dos seus amigos sempre disseram que esse comportamento não era normal, haja vista que volta e meia arrumava uns arranca-rabo com os padres, o que lhe rendeu uma promessa de excomunhão. Para uns confessava ser ateu, aquele coitado que não crê em Deus ou outro ser superior; para outros seria apenas um agnóstico, daqueles que não dizem que sim nem que não, muito pelo contrário.

Entretanto, as fotos chamavam a atenção, pois as igrejas estavam todas fechadas, no que mais uma vez Tedesco revelou a questão: “É que um sujeito pernicioso daquele chama a atenção, e os pastores mandam fechar as portas com medo que venha junto o satanás”. Mas a pergunta que não quis calar foi: o que Tyrone Perrucho queria nessas igrejas, de forma tão insistente?

O tempo passou, mas a questão ficou no ar, até que, mais algum tempo, confabulavam Tyrone e Alberto sobre a possibilidade de um retorno a Barra Grande logo após a folia momesca. Flagrados por Panela de Barro, a conversa se encaminhava sobre a possibilidade de abrir uma franquia de uma dessas igrejas em Canavieiras, que funcionaria justamente ao lado do bar Mac Vita.

Pelo que Panela de Barro ouviu – e contou aos confrades –, o local escolhido já se encontrava pronto para funcionamento de uma dessas igrejas, faltando apenas o investimento no mobiliário, num grande e chamativo letreiro em frente e no serviço de som. De mais, bastaria formar alguns obreiros para atrair os fiéis, ao encarnarem as figurações de fé e recolher os óbolos pelas curas e milagres.

Não sei se Tyrone Perrucho sabe o motivo do fechamento da igreja no local em que ele pretende abrir o seu estabelecimento religioso. Caso não saiba nem lembre, conto aqui. Numa dessas noites chuvosas, a Coelba se esmerava em transformar as luzes da cidade em pisca-pisca, deixando às escuras os clientes do Mac Vita e da igreja ao lado, numa tentativa de fazer com que todos retornassem às suas casas.

Foi então que o pastor desceu do seu púlpito e se dirigiu ao bar Mac Vita para o espanto da seleta freguesia, que, entre uma cerveja e outra, acompanhava as promessas de milagres. Educado, saudou a todos com um empolgante boa noite e perguntou se alguém da seleta clientela dispunha de um isqueiro ou fósforo para que ele pudesse acender as velas e continuar operando os milagres em seu culto.

Sem pestanejar, um dos clientes, Batista Gama Neves, emendou de primeira:

– Por que mesmo o senhor quer isqueiro ou fósforo?

No que o pastor respondeu:

– Para acender as velas e continuar o culto.

Foi aí então que Batista não deixou por menos:

– Pastor, nós estamos aqui ouvindo o senhor operando milagres, fazendo aleijado andar, surdo ouvir e expulsar satanás. Com todo esse poder o senhor não sabe fazer um milagre mixuruco de acender uma vela? Pode ir embora, aqui não tem não –.

Para surpresa dos clientes do Mac Vita, no raiar do dia seguinte, parou um caminhão em frente à igreja e retirou todo o mobiliário, encerrando os cultos até hoje.

E apenas contei essa história com a finalidade de alertar o quase-pastor Tyrone Perrucho de que Batista continua sendo um dos clientes mais assíduos do Mac Vita, e para que ele não se poupe na sua vida mundana, brinque outros carnavais e não corra esse tipo de risco. Igreja ao lado de bar é concorrência desleal e sempre poderá passar por sérios dissabores e insolúveis problemas.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Vivemos tempos de falso moralismo e obscurantismo. Falso, porque nenhuma lei tem o direito de legislar sobre o corpo das mulheres, e muito menos do de meninas. E nenhuma lei jamais impediu a existência de abortos, ainda que clandestinos.

 

Marcos Bandeira Júnior

Nos últimos dias, o Brasil ficou estarrecido com duas notícias chocantes: uma juíza catarinense impediu que uma menina de 11 anos fizesse um aborto, um direito concedido a toda grávida vítima de estupro. Felizmente, depois da repercussão do caso, a criança conseguiu fazer o aborto. No domingo, a atriz Klara Castanho, de 21 anos, teve que vir a público expor suas dores, depois de ser enxovalhada por dois abutres – uma apresentadora e um “jornalista” – que ganham a vida espalhando fofocas de celebridades.

Klara foi estuprada, só percebeu que estava grávida dias antes do parto (já que não engordou e continuou a menstruar) e entregou o bebê para a adoção, prática legal e a qual pode recorrer qualquer mulher, de qualquer idade, vítima ou não de estupro, que não queira ficar com o filho.

Estupro, gravidez na adolescência e aborto são temas delicados, mas que precisam ser discutidos por essa sociedade machista, que teima em não exercitar o humanismo e a empatia pelas mulheres vítimas de violência. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2021, uma mulher foi estuprada, a cada 10 minutos em média, no Brasil. Dos 56,1 mil casos, mais de 35,7 mil eram crianças e adolescentes de até 13 anos. A esmagadora maioria, meninas: 85,5% das vítimas. 40% dos crimes foram cometidos por pais ou padrastos; 37% por primos, irmãos ou tios e quase 9% por avós.

Como resultado desse cenário de horror, mais de 21.600 meninas ficaram grávidas antes dos 14 anos de idade. E, a cada 30 minutos, uma menina de 10 a 14 anos torna-se mãe! Quantas delas, por falta de informação e apoio familiar e jurídico, foram obrigadas a se tornar mães, numa fase da vida em que tinham de estar estudando, brincando, pensando em planejar um futuro melhor? Segundo especialistas, a desinformação sobre sexualidade e sobre direitos sexuais e reprodutivos é o principal motivo para que a adolescente fique grávida: 7, de cada 10 adolescentes grávidas, dizem que engravidaram “sem querer”.

Os riscos à saúde da mãe e do bebê vão de transtornos psiquiátricos à disputa entre mãe e feto por nutrientes disponíveis no corpo da gestante e, em muitos casos, necessidade de UTI neonatal para o recém-nascido. Há também o aspecto social: a adolescente tem, por exemplo, sua vida escolar interrompida e, no caso de famílias de baixa renda (que abrigam a maioria das adolescentes grávidas), a tendência é que a pobreza aumente. É uma espécie de círculo vicioso da miséria, pois nem sempre a adolescente tem condições financeiras para cuidar da criança.

É preciso que a sociedade tenha um olhar mais amoroso e acolhedor para as nossas meninas. Nossas adolescentes têm o direito de experimentar cada fase da vida de maneira natural, sem a obrigação de ser mãe por obra do acaso, o que lhes rouba o direito de amadurecer em toda a sua plenitude. Também precisamos, como sociedade, deixar claro que criminoso é o estuprador que a engravidou e não ela. As vítimas precisam saber que têm direito a abortar e não devem se envergonhar por terem sido estupradas. Elas não podem sofrer constrangimento de ninguém: sejam médicos, enfermeiras, juízes ou promotoras.

O poder público precisa se posicionar, em vez de se encastelar atrás de convicções que mudam de acordo com a ideologia do ocupante eventual do Palácio do Planalto. Vivemos tempos de falso moralismo e obscurantismo. Falso, porque nenhuma lei tem o direito de legislar sobre o corpo das mulheres, e muito menos do de meninas. E nenhuma lei jamais impediu a existência de abortos, ainda que clandestinos. A proibição prejudica apenas as mulheres pobres, que morrem em locais insalubres, quando deveriam contar com a segurança e os cuidados de um serviço público de saúde.

Também causou polêmica nesta semana, o novo Manual do Aborto, criado pelo Ministério da Saúde. Artistas, influenciadores e organizações sociais criticam a nova versão do documento. Eles avaliam que seu conteúdo pode criar margem para condicionar vítimas de estupro a uma investigação policial, antes de realizar o aborto. Ou seja: o ciclo da violência parece infindável, pois obrigar a vítima a narrar o horror que passou numa delegacia é mais uma forma de violência.

Por que, ao invés de apoiar ações de efetividade duvidosa, o Ministério da Saúde não investe em campanhas de conscientização sobre uso efetivo de contraceptivos e de esclarecimento sobre os riscos da gravidez na adolescência?

Em função dessa polêmica, foi lançada uma campanha nacional pela revogação do manual. Sua hashtag #CuidemDeNossasMeninas viralizou na internet e já reuniu mais de 400 mil apoiadores. Eu sou um deles. E você?

Marcos Bandeira Júnior é advogado.

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Era capaz de passar o dia inteiro pelos campos, jogando seguidos babas ou nas rodas de bobo. Nem via o tempo passar. Só saía mesmo quando tinha um mandado para fazer e ganhar um troco.

 

Walmir Rosário

Por volta de 1963 apareceu no bairro da Conceição, em Itabuna, um jovem, ainda adolescente, que começou chamar a atenção pela sua intimidade com a bola. Em poucos dias, já estava aclimatado com os desportistas e era um dos primeiros a ser escolhido para os babas em todos os campinhos que chegava. Não tinha medo de zagueiros e zombava das pancadas que eles davam com dribles desconcertantes, deixando-os caídos ao chão enquanto partia para cruzar a bola ou entrar na área e fazer o gol.

Garoto acanhado no meio social – talvez pela sua pequena condição social – se transformava num gigante quando o assunto era futebol. Seu nome: João Calça Frouxa, apelido que trouxe de sua terra natal, Buerarema, ou Macuco, como ainda chamávamos – por força de hábito – o recém-emancipado distrito de Itabuna. Passou a ser convidado para os babas e as partidas dos times mais importantes do bairro da Conceição.

Fora de campo, fazia bicos para comerciantes, fazendo a entrega de mercadorias e das compras na feira para as donas de casa. Se especializou em mandados. Quando não estava nos afazeres ou nos campos de pelada, era visto tomando banho no rio Cachoeira e pescando. Devidamente ambientado, não queria saber de outra vida, já que conseguia todas as regalias que sua vida de menino pobre em Buerarema não podia lhe oferecer.

Enquanto ganhava desenvoltura junto à população, principalmente às pessoas ligadas ao futebol, pouca intimidade tinha com as letras, pois nunca foi afeito a livros, cadernos e lápis. Gostava mesmo era de driblar os adversários, desmoralizá-los – no bom sentido. Nos dias em que estava inspirado, mandava fazer fila e saía costurando a torto e a direito, não poupando nem mesmo o goleiro adversário, aplicando meias-luas, banhos de cuias (chapéus), até jogar a bola no gol.

Desde Buerarema que não frequentava a escola. “Era ‘rude’ pra essas coisas da cabeça”, diziam frequentemente, enquanto o elogiavam na arte do futebol. Era capaz de passar o dia inteiro pelos campos, jogando seguidos babas ou nas rodas de bobo. Nem via o tempo passar. Só saía mesmo quando tinha um mandado para fazer e ganhar um troco. Seu traje, invariavelmente, era uma camisa de algodão cru e um calção de estopa ou mesclinha, que ia até o joelho.

No bairro da Conceição, João Calça Frouxa morava com uma irmã no alto da rua Bela Vista, até que despertou a curiosidade de um parceiro de “baba”, Carlos Guimarães, o Caroba, que descobriu a condição de analfabeto do amigo. Com muita paciência, Caroba pegava na mão de Calça Frouxa para ensiná-lo a escrever, após um trecho de leitura. Até que ele conseguiu “desenhar” o seu nome: João Cantídio dos Santos, até então desconhecido de todos.

Quem lembra bem de João Calça Frouxa nas peladas é Raul Vilas Boas, goleiro estiloso que gostava de imitar as “pontes” praticadas pelo goleiro do Flamengo, Marcial. “João Calça Frouxa era um ponta-direita habilidoso, que driblava bem, jogava em direção ao gol, jogava muito. Era considerado um novo Garrincha, pois driblava bem e ia pra cima, com velocidade. Dava um tapa na bola pela direita e quando o lateral virava ele já estava na cara do gol.

Quem o levou para a equipe do Botafogo juvenil do bairro da Conceição foi o técnico Zito Baú, que o considerava como um dos melhores ponteiros do Botafogo, em toda a sua história. A exemplo de outro ponta-direita, o consagrado Mané Garrincha, João Calça Frouxa pouca importância dava aos bens materiais. Afinal, se sentia o máximo ao fazer os adversários de “gato e sapato” e ainda tinha sua fonte de renda garantida para as farras com mandados que fazia no bairro.

No livro “A bela assustada”, o jornalista e escritor Antônio Lopes dedica uma crônica – O anjo com a calça frouxa – ao ilustre personagem. Lá pelas tantas, ele cita o entusiasmo do médico Vilfredo dos Santos Lessa ao ver as diabruras do jovem futebolista:

– Digam-me! Digam-me! De que planeta evadiu-se aquele menino endemoniado e com a calça frouxa? Foi o suficiente. O chiste do médico teve o poder de batizar Joãozinho, que por ser Joãozinho sem nome, passou a chamar-se Joãozinho Calça Frouxa. E nem precisou de certidão lavrada no cartório de Raymundo Santana Fontes, ou água benta de batismo em missa do Padre Granja, para essa escolha cair no gosto da população –.

Na mesma crônica, João Calça Frouxa – ainda menino – é chamado por Abel, zagueiro direito do lendário Bahia de Itajuípe, que não gostava de marcá-lo: “Era o Capeta”. E Antônio Lopes lamenta que o craque não teve a oportunidade de transportar sua arte de Buerarema para o Maracanã, dali até os grandes estádios (hoje, sei lá os motivos, chamados “arena”) do Japão, Inglaterra, Oropa, França e Bahia, de onde, para virar o jogador do século, era apenas um passo (ou um passe).

Não deu tempo! O delírio das torcidas com as firulas e o assanhamento de João Calça Frouxa nos campos de futebol teve vida curta. Enlouqueceu cedo. Lembro que, mesmo nessa condição, continuou a trabalhar nos mandados, conversando sozinho, xingando a mãe da garotada que mexia com ele. Certa feita, tomou uma queda e passou meses com um aparelho de aço espetado no braço, sem os devidos cuidados higiênicos. Uma lástima!

Uma das estórias contadas sobre os motivos que o deixaram abilolado (como chamavam à época) era a de um amor não correspondido por uma bonita moça normalista, filha de um pequeno cacauicultor, que preferiu continuar os estudos a se dedicar ao namoro. Teria sido a gota d’água na cabeça do ponta-direita do Botafogo de Rodrigo Antônio Figueiredo, que nunca mais driblou seus adversários e, ainda por cima, tomou um elástico no amor.

Anos depois, esquecido por estar sumido da torcida e amigos, morre num asilo João Cantídio dos Santos. João Calça Frouxa torna-se apenas uma lembrança dos amantes do futebol atrevido, endiabrado, moleque, do menino habilidoso de Buerarema, que poderia ter encantado o mundo. O tinhoso ponta-direita que prometia ser um segundo Garricha teve seus últimos dias no estilo de Heleno de Freitas, outro grande craque do Botafogo carioca.

Feliz no jogo, infeliz no amor!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Tempo de leitura: 3 minutos

 

Mantido o cenário das pesquisas até aqui, o ex-presidente Lula se avizinha daquela já esperada volta triunfal, interrompida em 2018, quebrando, inclusive, o paradigma de uma vitória no primeiro turno.

 

Rosivaldo Pinheiro

O mundo vive um momento de tensão e, diante dele, as democracias vêm sendo testadas. Aqui no Brasil, também estamos vivenciando este momento da história da humanidade. O nosso ambiente político está bastante conturbado e seu estopim começou a ser visto a partir da votação de Aécio Neves para presidente da República, em 2014, quando disputou com Dilma Rousseff, que acabou reeleita, mas, diante das circunstâncias, não conseguiu estabelecer a governança no seu segundo mandato. Os fatos deste período são de amplo conhecimento de todos nós e o fechamento desse ciclo aconteceu com o impeachment da ex-presidente, assumindo o seu lugar o vice, Michel Temer.

Olhando com uma lupa mais atenta, perceberemos que os fios desse novelo começaram a ser enrolados desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula, quando, no primeiro ciclo de gestão, foi acusado de firmar acordos para manter o poder político com o Congresso, no chamado Mensalão, e, posteriormente, Petrolão. Esses movimentos, no entanto, não se materializaram. E, assim, através do seu grande poder de diálogo, Lula estabeleceu a sua liderança e superou aquelas dificuldades, sendo reeleito e concluiu o segundo ciclo de governo com uma aprovação recorde – 96%, entre ótimo, bom e regular; apenas 4% o reprovaram. Isso naturalmente o colocava no tabuleiro da disputa em 2018, quando a Operação Lava Jato, já com quatro anos de funcionamento, mirava toda a sua artilharia contra o ex-presidente.

A Operação Lava Jato, aliás, comandada pelo ex-juiz Sérgio Moro e tendo como célula de acusação o Ministério Público Federal (MPF) e principal articulador Deltan Dalagnol, foi apoiada por tentáculos globais, tendo os ianques como mola mestra, e contando com setores da política e da economia como braços internos para dar sustentação para evitar a volta triunfal de Lula. Através desta mega articulação, o ex-presidente foi condenado e preso quando liderava as pesquisas de intenção de voto na corrida presidencial daquele ano.

Neste cenário, operado por influentes instrumentos, tendo na mídia uma poderosa aliada, a orquestrada Lava Jato formou a opinião do grande público e acabou emancipando para o centro do debate um pré-candidato franco-atirador, que bem se aproveitou do momento para pregar sua teoria que contrariava todas as bandeiras sociais defendidas pela Constituição de 1988, que, aliás, fazem parte do modelo de gestão praticado por Lula e Dilma. Com todo este enredo, Bolsonaro sagrou-se eleito em 2018. Esse ambiente de polarização acabou se arrastando e essas eleições de 2022 são uma espécie de tira-teima, de confronto direto entre os dois campos: Lula x Bolsonaro.

Essa polarização tornou-se tão forte que não foi possível, até aqui – e dificilmente será, o surgimento de um outro nome capaz de disputar a presidência da República. O pré-candidato Ciro Gomes (PDT) até tentou e insiste em se estabelecer no tabuleiro, mas seu êxito tem como limitante a forma raivosa com que ele tem se dirigido a Lula, por esse posto já ser assumido por Bolsonaro, e quando ataca Bolsonaro, por não ter a materialidade histórica que Lula já possui. Acabou isolado, e não consegue estabelecer um centro tático que o possibilite avançar.

Mantido o cenário das pesquisas até aqui, o ex-presidente Lula se avizinha daquela já esperada volta triunfal, interrompida em 2018, quebrando, inclusive, o paradigma de uma vitória no primeiro turno. Esse fato tem como razão de ser o fracasso do governo Bolsonaro, que muito prometeu aos que com ele se identificam e pouco entregou, tendo como únicos beneficiados os mais ricos ancorados pelo sistema financeiro e o agronegócio. Essa resposta quem vai dar é quem atualmente enfrenta as consequências de um governo que atropela os mais vulneráveis e que não leva em consideração as políticas públicas que outrora garantiam um ambiente mais digno para a população em geral.

Rosivaldo Pinheiro é economista, especialista em Planejamento de Cidades (Uesc) e comunicador.

Tempo de leitura: 3 minutos

Bolsonaro não é idiota, repito, mas a população brasileira também não é e tem dado demonstrações inequívocas de sua sapiência: a próxima delas – e decisiva – será oferecida ao futuro da nação no dia 2 de outubro.

Thiago Dias

A forma de governo presidencialista concentra grande poder na Presidência da República. Isso é óbvio, mas a nossa época chegou ao rebaixamento de exigir, a todo instante, a reafirmação de obviedades, como sintoma da impossibilidade do consenso mínimo que a retórica bolsonarista impõe ao debate público. Quando a interlocução racional se torna impossível, impera a batalha pelo sentido da história. Nessa guerra, importam os eventos desde o passado remoto aos da última manhã.

As ideias introduzidas acima podem ser demonstradas pelos padrões da estratégia discursiva de Bolsonaro, que é sofisticada. Quanto a isso, vale ressaltar que o presidente não é idiota nem louco e, no campo ideológico, mantém coerência radical, pois sabe exatamente quais são os interesses que defende. Também é capaz de cultivar relação favorável ao seu governo no Congresso, com o preço que conhecemos.

O que Bolsonaro não consegue, apesar das tentativas diárias, é se livrar das responsabilidades do presidente da República e dos efeitos políticos do seu fracasso na gestão econômica, que agrada muito ao mercado financeiro, mas castiga os trabalhadores e as pequenas empresas.

Quando o trabalhador sente o peso enorme da inflação toda vez que põe a mão no bolso, aflora o doloroso sentimento de que a vida está mais difícil agora, após três anos e meio de governo Bolsonaro, do que na época dos tão criticados governos Lula e Dilma.

Por ironia da história, a Petrobras, mesmo assaltada por execráveis esquemas de corrupção, mantinha política de preços muito mais favorável ao desenvolvimento das forças produtivas do país. Não se trata de passar pano nos malfeitos, que devem ser combatidos com o rigor imparcial da Justiça, a questão é observar as diferenças das políticas implementadas na estatal por cada governo e as consequências delas para a nação. E não precisa ser petista para reconhecer isso.

Está aí Ciro Gomes que, diariamente, entre uma crítica e outra ao PT, lembra que a política de preços da Petrobras foi praticamente a mesma de 1954 a 2016, ano do golpe parlamentar na ex-presidente Dilma Rousseff.

O caso dos combustíveis não impõe a primeira derrota a Bolsonaro na sua guerra contra os consensos da República. Ele já perdeu a batalha das vacinas, por exemplo. Importante notar que, nos dois casos, a materialidade dos temas em questão dificulta a tentativa retórica de ruptura com a realidade. A eficácia e a segurança das vacinas contra a Covid-19 se transformaram em realidades sólidas demais para contestações simplistas.

O mesmo vale para o preço do tanque de combustível na bomba: é real demais para sofismas delirantes sobre o ICMS e “a culpa dos governadores”. As pessoas também são capazes de perceber os impactos dos preços dos combustíveis na inflação dos alimentos, que é menor para quem ganha a partir de cinco salários mínimos – único estrato econômico que dá liderança a Bolsonaro nas pesquisas eleitorais.

Como não é idiota, Bolsonaro faz barulho. Culpa a Petrobras. Troca presidente. Ameaça privatizar a estatal. No desespero, já faz o cálculo para saber se, agora, vale a pena uma briguinha com os acionistas minoritários da estatal para segurar os preços, pelo menos, até outubro.

Sabemos que nada disso próspera, porque o clima é de butim. A Petrobras é gerida como se não houvesse amanhã. Dos R$ 106 bilhões que lucrou em 2021, reservou menos de R$ 5 bilhões para investimentos e distribuiu o restante para os acionistas.

Também foi escolha de governo acelerar a venda de refinarias e não ampliar a capacidade de refinamento do petróleo. Agora, segundo a Federação Única dos Petroleiros, o Brasil corre risco de desabastecimento de diesel, pois há escassez de oferta no mercado internacional e o país importa 25% do necessário para suprir a demanda interna, mesmo estando entre os 12 maiores produtores mundiais da matéria-prima do combustível.

Bolsonaro não é idiota, repito, mas a população brasileira também não é e tem dado demonstrações inequívocas de sua sapiência: a próxima delas – e decisiva – será oferecida ao futuro da nação no dia 2 de outubro.

Thiago Dias é repórter e comentarista do PIMENTA.

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Não é possível pensar um desenvolvimento regional sem tocar na necessidade da Região Metropolitana do Sul da Bahia. Trata-se de um imperativo urgente.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

O sul da Bahia, após a crise da lavoura do cacau, que abateu as cidades da região e maltratou a principal divisa econômica do Estado na maior parte do século XX, agora, vê-se sendo estruturado sob um modal com forte apelo econômico e com capacidade de atrair outros investimentos: a implantação do Porto Sul, a Ferrovia da Integração Oeste–Leste (Fiol), a construção da rodovia que vai ligar Itabuna – Ilhéus pela outra margem do Rio Cachoeira e a consolidação da Universidade Federal do Sul da Bahia são exemplos, mas todas essas ações exigem cautela e mais acompanhamento.

Estamos diante de uma das faixas litorâneas mais promissoras para o turismo e a continuidade da indústria turística pressupõe um ambiente saudável e atraente aos olhos dos visitantes nacionais e estrangeiros. As cidades de Ilhéus, Itacaré, Canavieiras e algumas outras da região necessitam se preocupar com a implantação desses projetos e a sociedade civil precisa continuar a exigir a apresentação pública das intervenções que estão sendo viabilizadas.

Depreende-se das intervenções esforços conjugados de diferentes esferas de governo, especialmente, do governo estadual, mas os governos municipais e a iniciativa privada podem e devem manter vivos seus fóruns de acompanhamento das ações que estão em curso na região. O sul da Bahia possui problemas que não foram superados, mesmo com ações já adotadas. Por exemplo, tem-se um excelente manancial hídrico, mas a região sofre facilmente com estiagens prologadas quando ocorrem. Merece atenção também o Rio Cachoeira, que parece ter tido seu projeto de revitalização considerado inviável.

O novo aeroporto se impõe como uma necessidade urgente, o mau tempo não pode ser justificativa para não haver descidas e saídas de aeronaves na região.

Há inúmeros investimentos sendo realizados pelo governo do Estado na região como nunca antes, mas há enormes desafios pela frente. Não é possível pensar um desenvolvimento regional sem tocar na necessidade da Região Metropolitana do Sul da Bahia. Trata-se de um imperativo urgente. Sabemos que esse tipo de zoneamento nunca foi levado a sério no Brasil, mas alguns dos problemas perpassam por esse instrumento de planejamento.

Por fim, é imprescindível não desconsiderar a agricultura familiar da região, tão necessária para o abastecimento do estado e, principalmente, a produção do chocolate, que tem se apresentado como uma significativa cadeia econômica no sul do estado, podendo ser implementada nos pequenos municípios. O sul da Bahia tem um legado histórico para a cultura do cacau e parte do imaginário nacional está atrelado a essa cultura. A cidade de Ilhéus pode ser a capital do chocolate de origem, certamente, vai oferecer bom gosto e beleza.

Efson Lima é advogado, professor, mestre e doutor em Direito pela UFBA e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI).

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A sociedade moderna passou, na maioria das vezes, a olhar o livro pela capa e a alimentar uma espécie de corrida, a de quem mais rápido opina.

 

Rosivaldo Pinheiro

Sempre que posso, pinta uma inspiração ou por pura inquietação, venho aqui dividir (com aqueles que gostam), um pouco do meus olhares, vivências e curiosidades. No último texto, falei sobre amenidades, trouxe à discussão o fato de não mais fazermos escolhas nos ambientes virtuais, especialmente nas redes sociais, dado o direcionamento que recebemos através do algoritmo.

Hoje, quero falar sobre outro comportamento, que vem sendo apresentado e facilmente observamos se massificar a cada novo dia: pessoas que só leem o enunciado das notícias, o cabeçalho, e, imediatamente, já passam adiante ou, instantaneamente, pautam uma discussão no Whatsapp ou travam um diálogo presencialmente sobre determinado assunto.

Essa celeridade aponta uma espécie de ansiedade e motiva exaustivos diálogos, com uma caraterística marcante: “muita informação e pouco conhecimento”. A sociedade moderna passou, na maioria das vezes, a olhar o livro pela capa e a alimentar uma espécie de corrida, a de quem mais rápido opina.

A marca desse tipo de comportamento é uma discussão desconexa e sem fundamentação ou conexão com o texto que serviu de base ao título. Por essa razão, percebemos que a maioria das conversas se perde da linha de diálogo e segue na direção de uma disputa de egos, não ajudando na formação e evolução do conhecimento. Torna-se um debate improdutivo.

Aqui não é uma crítica direcionada, mas um chamamento, a cada um de nós, para um agir permanente e não sermos tragados por esse comportamento, nos transformando em mais um nessa multidão. Vamos precisar de todo mundo nessa direção, a de refletir sobre o texto, seu contexto e fazer uma corrente oposta ao imediatismo. Esse é um tema que vem sendo estudado em todo o mundo. A gente precisa superar, em plena era moderna, os novos “Mitos da Caverna”. Não sermos rasos, nem chatos, nem permanentemente profundos, apenas fazermos uma troca: imediatismo por algo mais fecundo.

Rosivaldo Pinheiro é economista e especialista em Planejamento de Cidades (Uesc).

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Nos discursos, tudo resolvido, solucionado, com o excelso poder da caneta governamental em portarias, decretos, leis e medidas provisórias.

 

Walmir Rosário

A cacauicultura, que já teve a primazia de ser a principal matriz econômica do sul da Bahia, sempre andou de mãos dadas com os políticos, com troca de favores em determinados períodos, estes nem sempre cumpridos. E às vezes os políticos tinham razão, haja vista que os esperados votos barganhados nunca apareciam nas urnas conforme os totais aprazados.

Nas cidades do sul da Bahia sempre foi costumeira a dispersão dos votos para quase todos os candidatos – dos vários partidos –, não importando de que regiões venham e quais os compromissos assumidos com as causas regionais. Era um suplício para os comunicadores verificarem as listas da apuração dos votos, dado ao número de candidatos a deputados – estadual e federal – que foram sufragados nas urnas.

E não era nenhuma novidade para nenhum deles na promoção das chamadas “casadinhas” que, se não rendiam votos regionais suficientes para conferir um mandato, pelo menos ajudavam. Políticos e eleitores da casa sempre reclamaram dessa prática, mas o hábito nunca mudou, se transformando apenas em meras reclamações dos perdedores, inconformados com a falta de votos.

E entre tapas e beijos esses relacionamentos conflituosos continuam como costume a ser seguido, pois o bom mesmo é que pinguem os votos nas urnas de todo o estado da Bahia, não importando onde. Eleitos, quando cobrados a honrarem as promessas feitas durante a campanha eleitora, simplesmente dizem não terem o que fazer, pois não foram votados maciçamente, não lhes conferindo poder para brigar em Salvador e Brasília.

Bem, mas essa é só uma pequena parte dos conflitos pós-eleitorais dos deputados sem o prestígio suficiente junto aos governos do estado e federal, ou sem a devido relacionamento com a poderosa mídia. Outros políticos que detêm esses poderes vão além e fazem as coisas acontecerem com mais “barulho”, pois sabem como encaminhar os pedidos, os pleitos de anos sem qualquer solução.

O mundo do cacau é diferente de outras regiões, pois sempre foi rico (ou pelo menos considerado), se preocupando em ganhar dinheiro, deixando a complicada arte da política para os novos amigos da capital ou outras regiões. Tanto é assim que poucas lideranças conseguem se eleger com os votos do sul da Bahia. Muitos dos que já foram precisaram das “casadinhas” com candidatos de outras regiões, com raríssimas exceções.

E desde que existe eleição não é segredo que as contas de chegar dos votos nunca enganaram as duas partes: o político faz de conta que acredita nos votos prometidos e a liderança engana na contrapartida. Muitos destes se contentam apenas sair nas fotos em que fazem com os candidatos, como demonstração de poder, ser “o amigo do rei”, jactando-se serem da cozinha de tais deputados ou autoridades.

Nada mais falso, a exemplo de uma cédula de três reais. E por que se submetem a esse tipo de relacionamento promíscuo? As vantagens advindas do que não está escrito ou pactuado entre eles. Em conversa com alguns políticos ao longo dessas várias décadas de militância na comunicação, ouvi bastante que a política é a arte de ser sabido, pois só assim é que conseguiram se eleger.

E vários diziam abertamente que defender as causas da cacauicultura não daria o resultado esperado na urnas, embora pudessem estar constantemente na mídia regional, estadual e nacional. E não é por menos, já que o cacau não é somente uma importante commodity e sim o fruto emblemático das histórias contadas pelo escritor itabunense Jorge Amado, com ou sem a ideologia.

Marketing melhor não há do que as entrevistas nas emissoras de rádio, televisão, jornais e redes sociais com a cobrança das providências junto às autoridades competentes, apresentando uma extensa lista de reivindicações. E tome-lhe pedido de providências, discurso inflamado no plenário vazio, encontro com ministros, todos devidamente com a cobertura da mídia, para a prestação de contas aos futuros eleitores.

Alguns, até, conseguem furar a agenda presidencial e programam viagem com o presidente da República e ministros à Ceplac, com promessas de soluções importantes e imediatas. Para delírio da população, fotos e imagens televisivas mostram as autoridades examinando pés de cacau infestados por vassoura de bruxa, e cacaueiros sadios, cujos frutos são quebrados na hora para o deleite do paladar de nossas autoridades.

Nos discursos, tudo resolvido, solucionado, com o excelso poder da caneta governamental em portarias, decretos, leis e medidas provisórias. Enquanto não chega a eleição a papelada tramita em Salvador e Brasília, enquanto as notícias ocupam grande espaço na mídia. Mas como não querem nada, os burocratas tomam todas as providências necessárias para que fiquem emperradas, no esquecimento, logo após a eleição.

O que não se faz para conseguir votos…

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Já estou planejando uma viagem extemporânea a Itabuna, quando entregarei minha humilde porém digna produção de lacres, que por certo beneficiarão pessoas com necessidades especiais.

 

Walmir Rosário

É verdade que não gosto muito de cerveja em lata. Acredito que essa embalagem seja apenas e tão somente uma questão prática de transporte, facilidade e rapidez no processo de gelar a bebida. Mas, convenhamos, não tem qualquer charme virar uma lata goela abaixo ou mesmo despejar o precioso líquido, como gostam nomear essa bebida alguns dos nossos colegas jornalistas e radialistas. Melhor o copo!

Sou do tempo – e não nego – em que pedíamos uma cerveja pela marca e a cor da garrafa, embora tivéssemos a prévia exigência de que chegasse à mesa bem gelada. Mas nem sempre isso ocorria em alguns estabelecimentos etílicos, para o nosso desconforto. Era muito comum pedirmos uma Antarctica bem gelada, no casco escuro (cor da garrafa), quando do outro lado do balcão o garçom respondia mal-humorado:

– Só tem Brahma, casco verde e está praticamente quente! –.

– Tem problema não, pode descer –, dizíamos quando não existia outro bar por perto para nos socorrer.

Bom, mas como esse tempo já passou, os bares de hoje se especializaram em agradar o freguês, ou cliente, como querem os marqueteiros, e possuem em estoque nas geladeiras e freezers as mais variadas marcas e formas de acondicionamento. Litrão, garrafa, long neck, meota e latas dos mais variados tamanhos. Em algumas regiões da Bahia e Sergipe trabalham apenas com os “litrinhos”. É o costume local.

Repetindo o que disse para que não pairem dúvidas, não gosto de cerveja em lata, apesar dos experts jurarem por tudo o que é mais sagrado (numa mesa de bar, creio eu) que o gosto é o mesmo, apenas muda a embalagem. De um tempo pra cá passei a incorporar em minhas compras algumas latas de cerveja, mais explico que por motivo mais que justo, uma questão de cooperação.

É que depois de desocupado com as tarefas por conta da aposentadoria, o jornalista Tyrone Perrucho passou a matar parte do tempo em afazeres manuais, como cuidar do seus majestoso jardim e cacaueiros sem a famigerada vassoura de bruxa. Outro hobby que incorporou foi a produção artesanal de cortinas, fabricadas pacientemente com lacres de latas de cerveja, pois não aceitava as de refrigerantes.

Mensalmente, tínhamos o dever de entregá-lo a nossa produção. Às vezes éramos repreendidos pela baixa produtividade, o que para Tyrone era uma traição à pátria, cujo índice de consumo só alcança a 17ª colocação mundial, perdendo para países minúsculos. A cada cortina produzida, enviava uma foto e onde a peça poderia ser vista, se em sua casa ou a de um amigo que fora presenteado.

Pois bem, mas o confrade Tyrone foi embora sem tempo suficiente para se despedir dos amigos, deixando-nos sem saber o que fazer com os lacres amealhados ao longo desse tempo. Esta semana submeti meu estoque ao ilustre colega causídico José Cloves, que com apenas com um golpe de vista digno de um experimentado especialista, vaticinou que meu cabedal de lacres era de 2.837 peças, o que não daria para nem meia cortina.

Apesar de me sentir um possível traidor da pátria cervejeira, expliquei que meu consumo era voltado para as cervejas acondicionadas em garrafas, aos cuidados dos donos de bares ou, em pouca monta, as consumidas em casa. Mesmo abalado com a culpa a mim imputada, procurei me redimir de minha possível inapetência ou, quem sabe, anorexia, quando encontrei um santo remédio para os meus possíveis males.

É que num dos grupos de WhatsApp que participo encontro uma postagem em que o presidente da CDL de Itabuna, Carlos Leahy, e um executivo do Cebrac (cursos profissionalizantes) apresentaram projeto ao secretário municipal da Educação, Júnior Brandão, para dar finalidade aos lacres. As duas instituições e as escolas municipais arrecadariam os lacres e os trocariam por cadeiras de rodas. Nada mais justo.

Enfim, encontrei utilidade para o meu estoque, que até há pouco era visto como inútil, um estorvo a tomar lugar de materiais mais produtivos nas vasilhas domésticas. Sem falar no alívio da consciência em me sentir com o dever cumprido. Já estou planejando uma viagem extemporânea a Itabuna, quando entregarei minha humilde porém digna produção de lacres, que por certo beneficiarão pessoas com necessidades especiais.

Carlos Leahy que me aguarde, de já garanto que me esforçarei em tão digna empreitada!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Um viva à vida. Que deixemos que as amenidades nos invadam e nos ajudem a viver com maior humanidade.

 

Rosivaldo Pinheiro

Hoje, resolvi escrever sobre amenidades, às vezes, tão necessárias para a convivência com a intensidade que a vida moderna se impõe.

Estamos numa era em que as informações nos atropelam Sim! No mundo do algoritmo, somos literalmente induzidos e conduzidos. Não selecionamos mais o que queremos nas redes sociais. As notícias, por exemplo, chegam a partir dos nossos movimentos e comportamentos captados a cada vez que visitamos o ambiente virtual.

Por isso, precisamos fazer filtros permanentes e até desligarmo-nos um pouco desse mundo em ebulição para ouvirmos a voz que ecoa do silêncio das nossas consciências. Deixar, como diz a música de Jota Quest, “ouvir a voz do próprio coração”.

Nesse mundo de hostilidades e nessa nação de culto à barbárie, faz-se necessária uma permanente vigília para não repetir atos e produzir fatos que estabeleçam vínculos com tiranos corações.

A nossa nação precisa de justiça social e um sistema jurídico eficiente. A gente precisa se sentir gente, urgentemente!

Os lares precisam de pais, a consequência será um país de paz. Cada ser precisa de Deus, independentemente de religião. Busquemos, portanto, os nossos encontros, fortalecendo os pontos para construirmos uma nação, onde possamos ser indivíduos com paz no coração.

Um viva à vida. Que deixemos que as amenidades nos invadam e nos ajudem a viver com maior humanidade.

Rosivaldo Pinheiro é economista e especialista em Planejamento de Cidades (Uesc).

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Fora disto, viveremos a eterna hipocrisia de  querer vantagens na iniciativa privada, furar filas dos serviços públicos e escarnear daqueles que não possuem os relacionamentos patrimonialistas.

 

Efson Lima || efsonlima@gmail.com

A cobrança de mensalidades nas universidades públicas brasileiras voltou a ser tema acalorado na sociedade brasileira com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o pagamento de “taxas/preços públicos” em razão do ensino prestado pelas instituições de ensino. Há temas mais urgentes e necessários a serem discutidos, mas muitas pautas chegam disfarçadamente para colocar na ordem do dia posicionamentos conservadores e, sem dúvida, são jabutis em horas inoportunas.

Depreendem-se da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( LDB), que a educação no ensino superior público é gratuita e o acesso a ela se dará por meio do mérito em razão de processos seletivos. O STF em seus julgados já se posicionou no sentido da gratuidade do ensino público no ensino superior. É importante destacar que a cobrança no ensino superior federal autorizaria de forma simétrica os estados brasileiros a trilharem o mesmo caminho, confirmando assim o efeito cascata.

Sabendo da importância das universidades para o Brasil, o constituinte originário, leia-se o legislador da Constituição Federal de 1988, estabeleceu que a universidade deve pautar sua atuação no tripé  do ensino, da pesquisa e da extensão.  Por fim, o fenômeno da globalização estabeleceu a dimensão da internacionalização, a qual mensura o impacto da instituição universitária no plano global.

O tripé previsto  de forma sábia na CF/1988 evidencia a gama de ações ofertadas pelo ensino superior público, que para além da qualidade do ensino e milhares de pessoas diplomadas com enorme capacidade crítica, tem-se inúmeras pesquisas científicas e descobertas que reverberam na saúde pública, por exemplo; na iniciativa privada em diversos setores, tais como: construção civil,  indústrias químicas e de alimentos. As universidades públicas brasileiras são referências na investigação, tratamento e prevenção de doenças negligenciadas.

A tentativa de cobrar mensalidades no ensino superior público é ofensiva, pois sinaliza claramente que todo serviço púbico com algum grau de boa qualidade merece ser cobrado e aquele que não é imprestável pode ser público. É a senha para a privatização e, quiçá na melhor das hipóteses, a publicização. É um pensamento pequeno e ingênuo para aqueles que defendem um projeto de nação.

A nação brasileira não encontrará o seu grau de desenvolvimento almejado até que todos tenham o pleno acesso aos serviços públicos com qualidade e no tempo necessário. Fora disto, viveremos a eterna hipocrisia de  querer vantagens na iniciativa privada, furar filas dos serviços públicos e escarnear daqueles que não possuem os relacionamentos patrimonialistas.

Efson Lima é doutor, mestre e bacharel em Direito (UFBA), além de ser membro das academias Grapiúna de Letras e de Ilhéus (ALI) e professor universitário.

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Daquela época aos dias de hoje, o bairro passou por várias etapas de crescimento e desenvolvimento, com boas escolas públicas e privadas; na área de lazer e esportes (…). Mais que isso, sua gente se destaca na sociedade nas mais diversas áreas – literária, artística, esportiva e profissional.

 

Walmir Rosário

De forma bastante singela, acredito que o ato de viver pode ser comparado a assumir a direção de um veículo. Ter foco no presente do caminho que lhe rodeia, olhando, sempre, pelo retrovisor o passado, e analisando as possibilidades do futuro, do que possa vir pela frente. São através das histórias do passado que poderemos entender mais sobre nós mesmos, para que possamos encarar o futuro sem qualquer receio.

Dito isso, passo a narrar, com alegria, um “achado” importante da minha infância, vivida no bairro da Conceição em Itabuna. Essa descoberta é um memorial de autoria das professoras Edith Oliveira de Santana e Jiunice Oliveira de Santana e do engenheiro agrônomo e pesquisador aposentado da Ceplac Sandoval Oliveira de Santana, que conta grande parte da história do bairro, em textos e fotos.

O trabalho, que leva o nome Bairro da Conceição e os Primórdios, foi elaborado para homenagear o cinquentenário da implantação da Paróquia Nossa Senhora da Conceição (8-12-1958 a 8-12-2008), com informações antecedentes ao ano de 1958. Todo o trabalho foi realizado por meio de consultas aos moradores descendentes dos desbravadores, com registros dos personagens.

E os três autores tinham motivos pra lá de especiais para elaborar o memorial, haja vista que eram filhos de Marinheiro e dona Janu (Antônio Joaquim de Santana e Joana Oliveira de Santana), casal que ostenta o título de quarto morador do bairro e o primeiro da rua Bela Vista. Os 13 filhos (uma adotiva) do casal se criaram no hoje bairro da Conceição, local que ainda residem filhos, netos e bisnetos.

Marinheiro, sergipano do distrito de Outeiro, município de Maruim, era um homem conhecedor do mundo, sempre a bordo dos navios da Marinha de Guerra Brasil e participou ativamente da “Revolta da Chibata”. Pretendendo mudar de vida, aporta em Ilhéus e vai trabalhar nas roças de cacau, tornando-se, posteriormente, administrador de fazendas e especialista no plantio e manutenção de cacaueiros.

Em 1932, Marinheiro muda-se para Itabuna em busca de escola para seus seis filhos, construindo uma casa na recém-criada Abissínia (bairro da Conceição), que se tornara promissora com a construção da ponte Góes Calmon, sobre o rio Cachoeira e a estrada para Macuco (hoje Buerarema). Conhecedor do mundo, Marinheiro participava da política local com ideias inovadoras para as campanhas políticas e a administração municipal.

Formalmente, o Conceição é o segundo bairro criado, embora em sua área, a Marimbeta, ostente a primazia de abrigar a primeira casa construída de Itabuna, na roça de Félix Severino do Amor Divino, um dos fundadores de Itabuna. E o memorial descreve que morar ali na década de 1930 era uma demonstração de coragem e trabalho, por ser um local de vegetação densa e contar com muitos animais silvestres.

Àquela época as casas eram feitas de taipas, adobes (crus ou queimados), telhados de palmeiras e poucos de telhas, que já serviam para se defender as intempéries, das onças e outros animais selvagens, muitos destes transformados em misturas na alimentação. Naqueles tempos bicudos, para matar a sede os moradores recorriam aos leitos dos ribeirões e à noite utilizavam fifós e placas, alimentados com querosene.

Para cozinhar bastava cortar a madeira na mata, tocar fogo e colocar as panelas de barro. Os mais abastados possuíam fogões a lenha, geralmente fora de casa. Nas panelas, feijão, carnes de caça, peixes do rio Cachoeira em abundância e muitas frutas na sobremesa. As vestimentas para os marmanjos eram calça curta, depois comprida, camisas com botões e cuecas samba canção; a depender da condição financeira, ternos de linho ou gabardine. As mulheres: vestido, saia, blusa, capote, combinação, anágua e calçola.

Aos poucos, o arruamento foi tomando forma urbana devido a crescente construção de casas, apareceram as primeiras vendas (mercearias) e padarias, melhorando as condições de vida da população. Mesmo assim, o “bairro” começou a ser chamado pejorativamente de Aldeia, e mais pra frente de Abissínia, devido a algumas mortes decorrentes de briga, injustamente comparada com a guerra no país africano.

No final da década de 1940, mesmo um aglomerado urbano de condições inóspitas, o bairro da Conceição possuía uma economia próspera, ganhando destaque nos anos 1950, quando começou a se consolidar. Nesse período, com as secas em Sergipe, os moradores de Itabuna convidavam os parentes para morar no “eldorado do cacau”, época em que o bairro da Conceição recebeu uma grande leva de migrantes.

Se em 1° de março de 1928 o bairro ganha a ponte Góes Calmon como primeiro vetor de crescimento, em 1955 veio o segundo com a construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 08 de dezembro de 1958, quando a velha capela de madeira deu lugar a uma grande matriz. Neste mesmo período a fé dos moradores era atendida pelas igrejas Assembleia de Deus, Batista Teosópolis e Cristã do Brasil.

Construída pela batuta dos frades capuchinhos Isaías e Justo (italianos) e Apolônio (brasileiro/pernambucano), a Igreja de Nossa Senhora da Conceição marcou, decisivamente, o desenvolvimento do bairro. Enquanto a obra ia sendo tocada, a prefeitura passou a urbanizar o bairro, com a abertura e rebaixamento de ruas, a praça em frente a igreja e a canalização de água em algumas ruas.

Daquela época aos dias de hoje, o bairro passou por várias etapas de crescimento e desenvolvimento, com boas escolas públicas e privadas; na área de lazer e esportes – clube social, times de futebol, a sede do Itabuna Esporte Clube, bares e restaurantes, supermercados, dentre outros equipamentos urbanos. Mais que isso, sua gente se destaca na sociedade nas mais diversas áreas literária, artística, esportiva e profissional.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.